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1 Ensino de Química Disciplina: Corpo Humano Tópico: Nós somos o que comemos: metabolismo e estratégias tróficas Objetivo: Compreender as vias metabólicas fundamentais realizadas por humanos e as principais estratégias tróficas adotadas por seres vivos. Nós somos o que comemos. De fato, muito da nossa composição física, estado nutricional e até da capacidade cognitiva depende dos nutrientes que ingerimos e das transformações químicas que se estabelecem nesse grande meio reacional que é o corpo humano. Estudar as reações metabólicas desenvolve uma série de competências acadêmicas e práticas, uma vez que a todo momento somos bombardeados com diferentes tipos de dietas milagrosas de emagrecimento, como low carb, dieta da proteína, dos pontos; suplementação para hipertrofia muscular em academias de musculação, como BCAA, Carnitina, Whey protein e por aí vai... Além disso, entender como o corpo regula tantas reações, atendendo a uma série de demandas simultâneas, possíveis pela compartimentalização do organismo humano, produz em nós uma noção do que são processos acoplados energeticamente, otimização de reações, fenômenos de transporte, entre outros. Também é possível entender como fármacos interagem com nossas enzimas e receptores, como o corpo os biotransformam e como o efeito terapêutico se estabelece (Pereira, 2007). Esse interessante artigo está disponível como material complementar no Repositório da disciplina, sob o nome: metabolismo_farmacos.pdf. O metabolismo é o conjunto de reações químicas do corpo que servem ao propósito de nutri-lo, capacitando-o a crescer e desempenhar plenamente as suas 2 funções. As reações exergônicas de quebra de macromoléculas por vias oxidantes são chamadas conjuntamente de catabolismo. Elas fornecem energia para processos endergônicos, como contração muscular, transporte de substâncias contra o gradiente (transporte ativo) e para a síntese redutora de macromoléculas, a fim do corpo guardar nutrientes para os “tempos de vacas magras”. Estas reações biossintéticas constituem o anabolismo (Arêas Dau, 2015). Para um bioquímico, a definição de vida reside justamente nestas vias de reações catabólicas e anabólicas que fazem parte de uma intricada rede de inter-relações, constituindo o que chamamos de mapa metabólico, visto na figura 1. Claro que a figura não mostra as reações de forma inteligível, até porque não é essa a intenção. Pretendo demonstrar a vocês que o metabolismo humano apresenta um nível de complexidade e refinamento compatível com o lugar de destaque que humanos ocupam na biosfera. Figura 1: Mapa metabólico humano. A via central em amarelo é composta pelas reações catabólicas da glicose (glicólise) e passos subsequentes: Ciclo de Krebs, Fosforilação Oxidativa e Cadeia de Transporte de Elétrons. Figura retirada de Voet et al., 2012. 3 As principais vias metabólicas são as que degradam os nutrientes mais abundantes da dieta de humanos: carboidratos, lipídeos e aminoácidos. Destas, a preferencial no metabolismo é a de carboidratos, especialmente, glicose. Quando este açúcar está presente, os lipídeos são armazenados e os aminoácidos advindos da quebra das proteínas da dieta são utilizados para fazer a renovação das proteínas musculares. O excesso de aminoácidos é eliminado, pela excreção do nitrogênio, na forma de ureia, e, pelo reaproveitamento do esqueleto carbônico em outros compostos. As três vias se unem no Ciclo de Krebs, que gera coenzimas reduzidas, cuja reoxidação posterior resulta na liberação de ATP, a nossa moeda energética. As etapas subsequentes, a Cadeia de transporte de elétrons e a Fosforilação Oxidativa são as responsáveis diretas pela produção desse composto energético. Veremos todos estes processos na próxima aula. A relação energética geral entre as vias catabólicas e anabólicas pode ser vista na Figura 2. A energia vinda da oxidação de compostos orgânicos, como em humanos, ou de reações fotoquímicas por meio da excitação das moléculas de clorofila, em organismos fotossintetizantes como as plantas, é a força motriz dos processos endergônicos. Este é o segredo do perfeito funcionamento de organismos superiores eucarióticos, os multicelulares. Figura 2: Relações energéticas entre catabolismo e anabolismo. Processos anabólicos utilizam pequenas moléculas e energia química vinda da oxidação de compostos orgânicos, em humanos, ou da absorção de luz UV, em bactérias e vegetais. Figura retirada de Arêas Dau, 2015. 4 Comentamos que alguns seres, como humanos, obtêm energia de compostos obtidos da dieta e os seres fotossintetizantes absorvem luz, que provê a energia para processos endergônicos poderem ocorrer. Estas diferentes abordagens adotadas por estes organismos são chamadas de estratégias tróficas. Com base nestas estratégias, os seres podem ser classificados, quanto à forma de obtenção de energia, em autótrofos e heterótrofos. Os autótrofos são aqueles que produzem suas moléculas complexas a partir de entidades moleculares bem menores, disponíveis na natureza, como H2O, CO2, H2S e NH3. Estes seres podem ser subdivididos em quimiolitotróficos e fotoautotróficos. Os primeiros utilizam a oxidação de compostos inorgânicos, como Fe2+, NH3 e H2S para obterem energia. Em geral, estes seres são microrganismos. As bactérias fotossintetizantes (cianobactérias) e os vegetais constituem o grupo dos fotoautótrofos. Nestes seres, o CO2 é utilizado como fonte de carbono para a síntese de carboidratos, por meio do uso da energia fornecida pela luz solar. Esses carboidratos são oxidados da mesma forma que em humanos, pelas vias catabólicas que veremos na próxima aula. Nós, humanos, nos enquadramos nos seres heterótrofos, que são incapazes de fixar CO2 atmosférico para construir os compostos orgânicos fundamentais produtores de energia. Por isso, devemos obter esses compostos da dieta, monossacarídeos como glicose, frutose, galactose; lipídeos na forma de triacilgliceróis e ácidos graxos, além de proteínas, a fim de produzirmos energia pelo catabolismo. Existem vias de síntese desses compostos em seres humanos, não a partir de CO2 atmosférico, mas partindo de outros compostos orgânicos. Entretanto, é energeticamente mais interessante obtê-los de forma substancial da dieta, pela alta disponibilidade. Para se ter uma ideia da extensão da complexidade das reações metabólicas em humanos, nós possuímos aproximadamente 22 mil genes, dos quais 5 mil estão relacionados de alguma forma ao metabolismo (Arêas Dau, 2015). Tanto a fotossíntese quanto a oxidação de compostos orgânicos, como forma de produção de energia, são processos verificados já nos primórdios da evolução dos seres. Entretanto, a oxidação utilizando o O2 como aceptor de elétrons é mais recente e, só foi possível quando finalmente a ação de seres fotossintetizantes gerou uma atmosfera relativamente estável desse gás, como vimos na Aula 1. 5 O uso de O2 como agente oxidante gera outro sistema de classificação relevante. Com base nisso, os seres podem ser divididos em anaeróbios e aeróbios. Os anaeróbios, que usam outras fontes de agente oxidante, podem ser subdivididos em facultativos e obrigatórios. Os facultativos podem crescer na ausência e na presença de O2, como a bactéria de vida livre Escherichia coli. Os obrigatórios são aqueles que não toleram oxigênio, ou seja, são “envenenados” por ele. O metabolismo dessas espécies lembra bastante o de formas de vida mais primitivas, quando a atmosfera de O2 ainda não estava estabelecida. E onde nós humanos nos enquadramos? Como devem ter deduzido, nos seres aeróbios. Todos os animais estão nessa categoria, caracterizada pela absoluta necessidade de utilizar O2 como agente oxidante nas reações das vias metabólicas de degradação (catabólicas). A via metabólica é o equivalente biológico de um esquema de síntese na QuímicaOrgânica. Uma via consiste em uma série de reações sequenciais, nas quais o produto de uma reação torna-se o substrato da seguinte. Algumas vias são curtas, podendo conter duas reações, enquanto outras podem ser compostas por uma dúzia de passos (Arêas Dau, 2015). Um composto formado ou consumido em uma reação do metabolismo é chamado de metabólito. Um metabólito pode ser substrato em várias reações ou ser formado em vários processos reacionais de vias distintas. Isso é o que caracteriza a integração do metabolismo, por essa razão, o mapa metabólico de qualquer ser vivo e, especialmente o de humanos, é uma rede ultra-ramificada cheia de conexões, como nós vimos na figura 1. A divisão das conversões em etapas faz com que as vias sejam eficientes, devido a diversos fatores: acoplamento perfeito entre a energia liberada de processos catabólicos e o processo de síntese anabólico, de modo que não haja desperdício de energia; respeito ao modo de trabalho de cada enzima, que são específicas para determinadas reações e, controle absoluto da via, que resulta em otimização fisiológica. As vias podem ter diversos formatos, conforme as características de formação de seus produtos. Nas vias lineares, o produto de uma reação é o substrato da próxima e não há reposição daquele metabólito. Nas cíclicas, os intermediários são repostos nas rodadas seguintes, como em um ciclo. Já nas espirais, as mesmas enzimas continuam fazendo idênticas reações em sequência, como no alongamento de uma cadeia. Exemplos de vias nos 3 formatos podem ser vistos na figura 3. 6 Figura 3: Exemplos de vias linear, cíclica e espiral. Em a), na síntese de serina, uma via linear, os produtos são reagentes da próxima etapa e não há reposição de metabólitos. Em b), observa-se a via cíclica de conversão de Acetil-CoA no Ciclo de Krebs em reações sucessivas que repõem intermediários nas rodadas seguintes. Em c), observa-se a via espiral de alongamento da cadeia de acila, na qual as enzimas fazem as mesmas reações sucessivamente aumentando a mesma molécula. Figura retirada de Arêas Dau, 2015. Desenvolver essas vias metabólicas, com diversos pontos de controle, que serão brevemente mostrados na próxima aula, permitiu a sofisticação dos seres que encontramos hoje. Portanto, estudar metabolismo, de um ponto de vista molecular, nos ajuda a vislumbrar o caminho complexo e longo que a evolução no nosso planeta tem percorrido desde as primeiras formas de vida. Então, guardem esses conceitos e preparem-se para as principais vias metabólicas, assunto da próxima aula. Até lá! 7 Referências Arêas Dau, A.P.M. Bioquímica Humana, 1 ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2015. Berg, J.M.; Tymoczko, J.L. e Stryer, L. Biochemistry, 5 ed. Estados Unidos da América: WH Freeman e Company, 2002. Pereira, D.G. Importância do metabolismo no planejamento de fármacos. Química Nova, v. 30, n. 1, p. 171-177, 2007. 8 Voet, D.; Voet, J. e Pratt, C.W. Fundamentals of Biochemistry: Live at the molecular level, 4 ed. Estados Unidos da América: Wiley, 2012.
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