Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Paulo Cosmo Jr. - paulocosmojr - bit.ly/CosmoBenedicti Violência doméstica e familiar Direito Penal A atuação na área de violência doméstica e familiar contra a mulher possui diversas particularidades e encerra vários desafios, a começar pela dinâmica na qual os atos em tese criminosos estão inseridos. O ensino tradicional do direito e a prática das varas criminais comuns partem da ideia de vítimas e réus que, ou estão em campos opostos, ou não têm nenhum vínculo entre si, a não ser aquele fato criminoso que os conectou em apenas um momento. Os crimes em contexto de violência doméstica e familiar desenvolvem-se em um cenário completamente diferente, dentro de uma dinâmica social e afetiva extremamente complexa, que faz com que tais casos, muitas vezes, não sejam adequadamente resolvidos pela solução tradicional de simplesmente absolver ou condenar. Estamos diante de um cenário que indica uma proporção elevada de homens violentos e de mulheres violentadas. Partindo-se do pressuposto de que gênero não define caráter – e de que, por consequência, tanto homens como 1 mulheres podem ser íntegros, respeitosos, decentes e de bom caráter, assim como podem ser vis, maldosos e insensíveis – é possível concluir que essas violências são criadas a partir de uma estrutura que as produz e reforça. A essa estrutura na qual homens ocupam o poder político, social e familiar, exercendo domínio e autoridade sobre as mulheres, dá-se o nome de patriarcado. Embora existam diversas teorias e estudos científicos a respeito das origens históricas da opressão das mulheres pelos homens – que até hoje se expressa nos índices alarmantes de violência doméstica registrados no Brasil – há um consenso no sentido de que essa estrutura de dominação relaciona-se ao controle reprodutivo, uma vez que a sobrevivência de qualquer grupo social – e, em última análise, da própria humanidade – depende da capacidade de gerar filhos, e, por consequência, sociedades com mais mulheres produzem mais filhos. A capacidade da mulher de gerar filhos, portanto, seria o elemento que fez com que surgisse a ideia de apropriação real e simbólica dos corpos femininos pelos homens, ocasionando o que Claude Lévi-Strauss denominou de reificação, processo pelo qual as mulheres passam a ser desumanizadas e vistas mais como coisas que como seres humanos. A visão dos corpos femininos como objetos que possuem proprietários que inclusive podem deles dispor está na origem dos crimes cometidos contra esses mesmos corpos e sobretudo das construções sociais que produzem índices alarmantes de feminicídio. É a partir dessa concepção que retira a subjetividade e a individualidade das mulheres que se desenvolve todo um sistema de opressão histórica que perdura ao longo de séculos – o patriarcado – e que causa não apenas sofrimento a mais de metade da população mundial, mas também sacrifica e penaliza famílias e filhos, vítimas ocultas das múltiplas violências praticadas contra as mulheres. Existe um consenso no sentido de que os papéis socialmente designados às mulheres e aos homens atuam de forma relevante na construção de práticas e simbolismos que estimulam a violência contra a mulher. 2 Em linhas gerais, o gênero está relacionado às construções sociais que estabelecem qual o papel, função ou comportamento esperado de alguém com base em seu sexo biológico. Gerda Lerner conceitua gênero como “a definição cultural de comportamento definido como apropriado aos sexos em dada sociedade, em determinada época” ou como “um conjunto de papéis culturais” (LERNER, 2019, p. 289). Contemporaneamente, os papéis socialmente atribuídos a homens e mulheres encontram-se na gênese das opressões e violências praticadas contra as mulheres. São essas construções sociais – moldadas ao longo de séculos – que naturalizam conceitos que reduzem mulheres a adornos, objetos sexuais ou pessoas que somente se realizam no ambiente doméstico, impedindo sua emancipação. Tais construções são tão arraigadas em nossa cultura que, muitas vezes, não são percebidas, e essa dificuldade de identificação das opressões termina por conduzir e manter mulheres em relacionamentos abusivos, em cujo seio a violência doméstica acontece. PEREIRA, D. D. C. CONTEXTO HISTÓRICO. Unindo esforços contra a violência doméstica e familiar. 2021. 3
Compartilhar