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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA APOSTILA DE SAÚDE PÚBLICA ORGANIZADOR POR: ALEXANDRO IRIS LEITE MOSSORÓ-RN 2 SUMÁRIO IMPORTÂNCIA DO MÉDICO VETERINÁRIO NA SAÚDE PÚBLICA E PARA A SOCIEDADE............................................................................................ A SAÚDE E O VETERINÁRIO NO MEIO RURAL............................................. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA MEDICINA VETERINÁRIA PREVENTIVA E SAÚDE PÚBLICA................................................................................................... INSERÇÃO DO MÉDICO VETERINÁRIO NA SAÚDE PÚBLICA: MARCOS HISTÓRICOS....................................................................................................... “ONE WORLD: ONE HEALTH”, - HUMAN HEALTH, ANIMAL HEALTH, ENVIRONMENTAL HEALTH…………………………………………………... CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 (Título VIII, Seção II, DA SAÚDE)......................................................................... 04 05 06 16 21 22 LEI N.º 8.080/90 - SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE................................................ 24 LEI N.º 8.142/90 - PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NA GESTÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS.................................................................. 38 RESOLUÇÃO Nº 287/1998 DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE.............. RESOLUÇÃO 03/2019 DO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO............ PORTARIA Nº 2.488/2011, Ministério da Saúde - Aprova a Política Nacional de Atenção Básica... Diretrizes da Estratégia Saúde da Família................................... CFMV - PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE O NASF.................................... A inserção do Médico Veterinário nos Núcleos de apoio à Saúde da Família (NASF): novos caminhos de atuação na saúde pública........................................... Médico Veterinário no Núcleo de Apoio à Saúde da Família: um profissional que pode fazer a diferença............................................................................................. VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA........................................................................ PORTARIA MS Nº 204/2016 e PORTARIA DE CONSOLIDAÇÃO Nº 4/2017 - Define a Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública no país.............................................................................. VIGILÂNCIA AMBIENTAL EM SAÚDE............................................................. 39 40 43 44 47 49 58 68 72 3 O papel do Médico Veterinário na Educação e formação na Vigilância Ambiental em Saúde................................................................................................................ PORTARIA Nº 1.138/2014 - Ministério da Saúde. Define as ações e os serviços de saúde voltados para vigilância, prevenção e controle de zoonoses e animais peçonhentos e venenosos.......................................................................................... DIRETRIZES PARA PROJETOS FÍSICOS DE UNIDADES DE CONTROLE DE ZOONOSES E FATORES BIOLÓGICOS DE RISCO..................................... A VIGILÂNCIA SANITÁRIA E A MUNICIPALIZAÇÃO: ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS.................................................................................................... ASPECTOS GERAIS DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA......................................... A AGENCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA).............. NOÇÕES DE HIGIENE – SANEAMENTO AMBIENTAL................................... TRATAMENTO DE ÁGUA.................................................................................... ESGOTAMENTO SANITÁRIO.............................................................................. TRATAMENTO DE RESÍDUIOS SÓLIDOS......................................................... GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE... ENTENDENDO A PROMOÇÃO DA SAÚDE....................................................... A CONSTRUÇÃO DE VIDAS MAIS SAUDÁVEIS............................................. DESVELANDO E ENTENDENDO A EDUCAÇÃO............................................. EDUCAÇÃO EM SAÚDE: DESTRINCHANDO A DEFINIÇÃO........................ EDUCAÇÃO EM SAÚDE: NOVAS PERSPECTIVAS......................................... DESAFIOS DA EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO CONVÍVIO HOMEM X ANIMAL.............................................................................................................. EDUCAÇÃO POPULAR: UMA PERSPECTIVA, UM MODO DE ATUAR..................................................................................................................... EDUCAÇÃO POPULAR: DE UMA PRÁTICA ALTERNATIVA A UMA ESTRATÉGIA DE GESTÃO PARTICIPATIVA DAS POLÍTICAS DE SAÚDE 77 86 88 99 109 111 116 116 118 119 121 125 127 129 131 131 132 136 144 4 IMPORTÂNCIA DO MÉDICO VETERINÁRIO NA SAÚDE PÚBLICA E PARA A SOCIEDADE Baseado no texto de Nélio Batista de Morais e Ricardo Siqueira Telles Vieira, Médicos Veterinários SESA/Ceará, 2006. No dia 09 de setembro de 1932, por meio do Decreto nº 23.133, o então Presidente do Brasil Getúlio Vargas normatizou a atuação do médico veterinário e o ensino da profissão no país (em função disso, a data passou a ser comemorada como o Dia do Veterinário). De lá pra cá, sempre se relacionou o conhecimento do papel do médico veterinário na preservação da saúde dos animais de estimação. Porém, esta é apenas uma das inúmeras atividades de grandiosa importância que este profissional exerce em prol do desenvolvimento da sociedade e de todo o planeta. O papel do veterinário hoje na sociedade é muito mais amplo, mais importante e mais abrangente. O médico veterinário cada vez mais está presente nos setores de saúde pública, aplicando seus conhecimentos específicos, garantindo a saúde da população animal e, por conseguinte do homem. Em 1946 a Organização Mundial de Saúde (OMS), face à importância estratégica da profissão na área de saúde, implantou o setor de saúde pública veterinária para dar sustentabilidade e apoio aos países membros em políticas de saúde pública vinculadas à importante área da medicina veterinária. A inspeção de produtos de origem animal – como carne, leite, pescados, ovos, mel e seus derivados comercializados – principalmente em abatedouros e frigoríficos é executada exclusivamente pelo médico veterinário. Trata-se de uma análise apurada a fim de averiguar a procedência do produto, suas características físico-químicas e a presença de agentes contaminantes. Portanto, o médico veterinário fiscaliza o cumprimento das normas de higiene nas indústrias, com a finalidade de assegurar a qualidade e a segurança dos alimentos, evitando a transmissão de doenças e toxi-infecções para o homem. O médico veterinário é imprescindível para a diminuição da carência nutricional da população quando incrementa à produção animal através da zootecnia, nutrição animal, melhoramento genético, bem-estar animal, sanidade do rebanho, seleção de matrizes e reprodutores, aproveitamento de produtos de origem animal, biotecnologias da reprodução e administração de propriedades; obtendo como resultado o aumento da oferta, qualidade e higidez da proteína animal. O Brasil é, hoje, líder mundial na exportação de carne bovina, além de abrigar o maior rebanho comercial do planeta. Isso só pode se manter com um elevado grau de sanidade dos rebanhos, na qual este profissional é o responsável direto desta atividade. Generaliza-se uma consciência universal deque não há mais como conviver com um modelo de desenvolvimento econômico que degrade os recursos naturais. A palavra de ordem prevalece na sociedade e que deve ser assimilada e assumida pela medicina veterinária é a promoção do desenvolvimento com sustentabilidade ambiental. O médico veterinário é peça fundamental destas macro-questões, integrando equipes multidisciplinares na formulação de políticas ambientais, organizando criadouros conservacionistas, preservando o germoplasma de espécies em extinção, atuando nas áreas de proteção ambiental, no mapeamento genético e proteção da fauna e integrando os movimentos organizados da sociedade em prol da educação ambiental e da promoção do desenvolvimento sustentável. Atualmente, o médico veterinário está cada vez mais inserido para lidar com assuntos internacionais em temas ligados à globalização, comércio internacional, biossegurança e bioterrorismo, enfermidades exóticas, emergências zoossanitárias, 5 produção e estudo das doenças dos animais silvestres, com ênfase para as zoonoses e gestão de programas de produção e saúde animal. Jamais se pode esquecer que por trás de um copo de leite no café da manhã, uma visita ao zoológico, uma parada na lanchonete para comer um hambúrguer, um shopping sem a presença de pragas, um cão e um gato saudável, uma zoonose que é controlada, uma intoxicação alimentar que é evitada, entre tantos outros, está a presença marcante do Médico-Veterinário. “O Médico Veterinário é o artista que converte uma parte da natureza em prazer, alimento e ciência” (Celso dos Anjos). A SAÚDE E O VETERINÁRIO NO MEIO RURAL Texto extraído do Jornal da ENEV Nº 01 abril/maio 2005. Ao longo das décadas de 70 e 80 foi desencadeado um processo de mobilização de militantes em defesa da reforma sanitária. Iniciava-se um pensamento que mudaria a forma de se lidar com a saúde. O que antes era visto como assistencialista e baseado no atendimento hospitalar, ou seja, meramente curativo, passa a ser abordado de maneira abrangente, preventiva e geradora de saúde, sendo esta considerada o bem estar físico, mental e social do indivíduo e do coletivo, e não mais a simples ausência de doenças. Deste acúmulo foi criado, em 1987, o Sistema Único de Saúde que opera dentro de conceitos de universalidade, equidade e integralidade. Além deste, houve outros avanços como a Constituição de 1988, que garante a saúde como direito de todos e dever do Estado. Podemos observar também, na primeira metade do século XX, mudanças na matriz tecnológica, originadas pela intenção de aumento nos índices de produção. Sendo assim, o meio urbano presenciou uma imensa expansão das indústrias, gerando uma grande onda de migração em busca de empregos e oportunidades, elevando assim as densidades demográficas dos grandes centros. O inchaço das periferias provocado pelo êxodo rural constitui um novo contingente de demanda urbana muito além da capacidade do sistema de saúde em absorvê-lo. Isto produz uma crise social e política, com ampla repercussão mediática, de tal monta, que resulta em direcionamento das políticas públicas de saúde quase exclusivamente para as cidades. Logo, o campo não permaneceu imune às alterações causadas pelo avanço das grandes fábricas e das novas relações de trabalho, também neste aspecto. A utilização de agro-química tornou-se uma prática cada vez mais periódica entre os produtores rurais. Os insumos, entre outros, sofreram gradativa banalização em sua toxicidade, sem que fossem considerados os impactos aos recursos naturais, ao ambiente e à saúde animal e humana por eles causado. Na pecuária e nas outras modalidades de produção animal, este avanço tecnológico, caracterizado pelo uso indiscriminado de fármacos e outros tóxicos, ocorreu no final do século XX. Não podemos esquecer que estes pacotes de uso veterinário são tão prejudiciais quanto os agrícolas, e que devemos atentar para o uso destes, afinal, nossa profissão também possui a atribuição de gerar saúde, qualquer que seja a área de atuação. Tanto a velha saúde quanto o novo método de produção agropecuária estão intimamente ligados com, a postura conservadora da universidade atual. Ao longo das décadas, ela vem sendo alvo de uma constante manipulação das elites que gerem o Estado, já que é um setor estratégico da produção de conhecimento e dá o respaldo técnico ao 6 argumento da necessidade de tais modelos. Isto foi aprofundado pelo governo ditatorial militar, que, do mesmo modo que fazia uso da força para conter as mobilizações sindicais e estudantis, lançava mão do aparato ideológico nos centros universitários. Este artifício possibilitou a perpetuação de ambas as formas de pensar saúde e produção, garantindo o lucro das grandes empresas farmacêuticas e agrícolas através, da formação de profissionais aptos a trabalhar em tal modelo tecnológico. Portanto, na condição de profissionais de veterinária, precisamos estar atentos ao modelo educacional ao qual fomos e estamos sendo submetidos, criticando práticas que nos são repassadas, pois, além de se distanciarem da realidade do país, da grande maioria da população e das demandas sociais, causam sérios danos irreversíveis á saúde e ao meio em que nos inserimos. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA MEDICINA VETERINÁRIA PREVENTIVA E SAÚDE PÚBLICA. PFUETZENREITER, Márcia Regina; ZYLBERSZTAJN, Arden; AVILA-PIRES, Fernando Dias de. Evolução histórica da medicina veterinária preventiva e saúde pública. Ciência Rural. Santa Maria, v. 34, n. 5, 2004. INTRODUÇÃO A pesquisa histórica aqui apresentada, feita por meio de um trabalho bibliográfico documental traça a evolução histórica da Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública desde os seus primórdios. O surgimento do conceito de saúde pública veterinária foi analisado, bem como as atividades realizadas pelo médico veterinário dentro desse âmbito, até chegar ao cenário atual, apontando as tendências e desafios para o setor. A prática veterinária tem sido muito voltada aos aspectos populacionais e preventivos e muitas táticas utilizadas para o combate de enfermidades em populações humanas foram contribuições prestadas pela Medicina Veterinária. Há dois tipos de prática da Medicina Veterinária que estão direcionadas para a medicina populacional. Uma delas é a Medicina Veterinária Preventiva que está ligada à saúde humana por aplicar conhecimentos da epidemiologia para prevenir as enfermidades animais e melhorar a produção de alimentos. O segundo tipo de prática veterinária voltada para a medicina populacional é a saúde pública, que foi primeiramente desenvolvida por meio da higiene de alimentos. O SURGIMENTO DAS ATIVIDADES DE MEDICINA VETERINÁRIA PREVENTIVA SCHWABE (1984) descreve as ações praticadas pela Medicina Veterinária Preventiva dividindo-as em cinco fases e as considera aparentadas com as atividades relacionadas à “doença animal”: Fase de ações locais Este período tem seu princípio na pré-história e continua até o primeiro século da era cristã. Os primeiros esforços dirigidos contra a doença animal que se tem conhecimento 7 foram descritos nas antigas civilizações da Suméria, Egito e Grécia, com referências a curandeiros de animais antes da era cristã. Esse tipo de ocupação acompanhou o surgimento da civilização urbana, desenvolvimento que dependeu da habilidade das populações rurais em produzir alimentos em quantidade suficiente para sua subsistência, fazendo uso da força animal. Ao lado do tratamento médico, cirúrgico e obstétrico individual, duas outras táticas eram aplicadas localmente para o controle das enfermidades animais, antes ainda que tivesse sido desenvolvida a teoria do contágio: o emprego da quarentena (segregação dos animais doentes dos sadios) e o sacrifício de animais enfermos. Fase militar Essa fase tem seu início no primeiro século da era cristã.A expansão das nações levou aos esforços no controle de doenças animais em larga escala. Houve a criação de estruturas organizadas de pessoas que curavam os animais dentro dos exércitos, pela importância militar que o cavalo assumia. Durante esse longo período de serviços veterinários que abrangeu a Idade Média e o Renascimento, os avanços no controle de doenças se limitaram ao aperfeiçoamento das técnicas básicas do diagnóstico clínico com o desenvolvimento da habilidade de diferenciar as combinações dos sinais de doenças específicas. Essa quarta tática para o controle das enfermidades dos animais estava associada à melhoria na organização de infra-estrutura dos serviços. Fase da polícia sanitária animal A terceira fase começa em 1762 – com a criação da primeira escola de veterinária. O início dessa fase se precipitou pelos problemas econômicos ocasionados pelo irrompimento de enfermidades atingindo um grande número de animais na Europa. Essa crise foi germinal para o estabelecimento da primeira escola de medicina veterinária separada da medicina humana. Os líderes militares reconheceram o potencial de tais esforços educacionais organizados e muitos estudantes das primeiras escolas eram oficiais militares. Nessa fase, houve o estabelecimento de centros organizados de tratamento veterinário, primeiramente como parte das escolas de veterinária e, mais tarde, como serviços separados. Duas novas táticas para o controle de enfermidades animais foram adotadas: a higiene (quinta tática) e o controle sobre o abate de animais (sexta tática). O controle sanitário incluía os locais de produção de animais e os matadouros, com o objetivo de combater as doenças animais e também as enfermidades humanas que estavam sendo associadas a alimentos de origem animal. Essas ações forneceram diretamente a base para os primeiros esforços direcionados à saúde pública. A aplicação dessas táticas representou uma oportunidade para o trabalho educacional dos proprietários de animais. Observou-se que uma das principais falhas dos programas veterinários para o controle de enfermidades não estaria nas deficiências técnicas dos programas, mas nas deficiências da comunicação com o público. Fase das campanhas ou ações coletivas Os anos 80 do século XIX inauguram essa fase, com as observações e experimentos sobre o anthrax por Delafond – diretor da Escola de Veterinária de Alfort (segunda escola de veterinária fundada no mundo) – e pelos conhecidos trabalhos de Pasteur, Chauveau, Koch e Salmon. Esses nomes e outros conduziram à “revolução microbiológica” como resultado 8 da compreensão das formas de contágio, que forneceu a base para uma nova abordagem para a investigação de doenças na busca e identificação de seus agentes etiológicos. Foram iniciados programas de ações governamentais no combate às infecções dos animais de fazenda. Durante essa fase houve grande sucesso no controle de doenças, o que abriu a possibilidade para a criação de animais em produção intensiva. Nessa fase, foi introduzida uma outra tática para a prevenção e controle de enfermidades que consiste em ações populacionais como o diagnóstico, a imunização e a terapia em escala populacional, além de alguns procedimentos em ecologia aplicada como o controle de vetores. Muitas dessas medidas, primeiramente visualizadas e praticadas pelos veterinários, foram posteriormente extrapoladas e se mostraram bem sucedidas para problemas similares em saúde pública. A aplicação dessas medidas permitiu o uso rápido e sistemático de outros procedimentos como a quarentena, sacrifício de animais reagentes e desinfecção local. O controle de vetores surgiu como uma medida preventiva única, sem precedentes como resultado dos estudos epidemiológicos de Salmon juntamente com Kilborne, Smith e Curtice. Esses pesquisadores foram os primeiros a demonstrar a transmissão de um microrganismo por meio de artrópodes sobre a febre do gado no Texas – piroplasmose bovina ou babesiose. Ao lado das táticas citadas para essa fase, que durou até os anos de 1960, está a educação em saúde dos proprietários dos animais. Fase de vigilância e ações coletivas O surgimento da teoria sobre os agentes etiológicos de doença pela revolução microbiológica marcou uma fase muito produtiva para a Medicina Veterinária Preventiva. No entanto, observou-se que outros fatores intervinham no aparecimento das enfermidades, sendo necessária uma abordagem mais ampla do problema. Muitas vezes, a presença do agente etiológico é necessária, mas não suficiente para explicar o aparecimento das enfermidades. Essa constatação gerou uma crise na Medicina Veterinária Preventiva que se instalou no início dos anos de 1950 pela verificação de vários aspectos (SCHWABE, 1984): a) apesar de serem efetuadas campanhas contra uma série de enfermidades, houve uma redução das mesmas, mas sem produzir sua eliminação; b) o custo para o controle de muitas enfermidades era muito grande; c) ausência de conhecimentos para o controle de algumas doenças; d) incapacidade em lidar com novas situações práticas que surgiam na criação intensiva. Em resposta a essa crise, surgiu a “revolução epidemiológica”, com a compreensão de que cada situação requer análise dos fatores que interagem para a ocorrência de doenças. A epidemiologia, que focaliza seus estudos sobre populações, foi introduzida na Medicina Veterinária Preventiva por meio da Saúde Pública para auxiliar sua prática. O diagnóstico epidemiológico passou a constituir uma nova tática para o controle de enfermidades. Essa fase teve seu início na década de 1960 e continua até os dias de hoje (SCHWABE, 1984). Neste período, a epidemiologia começou a ser reconhecida como campo de estudo e muitos médicos e médicos veterinários se tornaram conscientes da aptidão destes últimos para trabalhar em saúde pública. O ingresso simultâneo dos profissionais da Medicina Veterinária no campo das doenças transmissíveis e nos serviços médicos preventivos foi permitido pelo reconhecimento dos seus conhecimentos e habilidades em medicina populacional e também pela importância das zoonoses, que perfazem 80% das doenças 9 transmissíveis em humanos. Essas habilidades dos veterinários e esses atributos que eles podem levar para a saúde pública fazem desta profissão um elo de ligação entre o setor da agricultura e da saúde humana (ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD, 1975). A SAÚDE PÚBLICA VETERINÁRIA A saúde pública é a segunda área da prática veterinária voltada para as populações. ROSEN (1994) descreve algumas ações ligadas a essa área na idade média. Nessa época, não havia planejamento urbano e as moradias se apinhavam sob os muros de proteção das cidades onde os habitantes conservavam hábitos da vida no campo. Animais como porcos, gansos e patos eram criados nas casas, o que causava incômodo pelo acúmulo de excrementos. Para resolver o problema, os municípios criaram uma série de regulamentos, que incluía a construção de instalações para os animais e a criação de matadouros municipais. As medidas para o controle de alimentos já eram tomadas na época, porém em certas cidades a carne de animais doentes era enviada para hospitais. Após a fundação das primeiras escolas de Medicina Veterinária, na segunda metade do século XVIII seguiram-se dois movimentos. O primeiro deles estava destinado a deter as epidemias que atingiam o gado naquela época e o segundo voltado para reduzir os riscos para a saúde humana ao abate indiscriminado de animais para comercialização (SCHWABE, 1984). O início das atividades da Medicina Veterinária em Saúde Pública ocorreu no século XIX, na indústria da carne. Robert von Ostertag na Alemanha e Daniel E. Salmon nos Estados Unidos da América deram início ao que se conhece atualmente como proteção dos alimentos (ORGANIZACIÓN PANAMERICA DE LA SALUD, 1975). A importância da MedicinaVeterinária para a saúde humana coincidiu com o crescente reconhecimento entre os núcleos de estudiosos de médicos e veterinários europeus que desenvolviam pesquisas médicas comparadas em parceria nas áreas de anatomia e fisiologia. Esses estudos ocorreram particularmente nas escolas de veterinária francesas na primeira metade do século XIX e o prosseguimento dessas pesquisas forneceu os princípios para a elaboração da “revolução microbiológica”. O incremento da pesquisa médica comparada no final do século XIX propiciou uma forte ligação entre a Medicina Veterinária e a Medicina Humana e influenciou o desenvolvimento de uma tradição educacional em algumas escolas de veterinária mais intimamente ligada aos interesses da medicina humana que da agricultura (SCHWABE, 1984). SCHWABE (1984) descreve os períodos de atividade da saúde pública dentro da Medicina Veterinária. O primeiro período teve como alicerce a higiene de alimentos e foi a partir dessa base que alguns poucos veterinários assumiram posições administrativas nos programas de saúde pública de vários países, no final do século XIX e início do século XX. Seguiu-se um intervalo de relativa estabilidade da participação veterinária no trabalho de saúde pública que durou até a Segunda Guerra Mundial. A segunda fase da Medicina Veterinária na saúde pública, que teve seu início após a Segunda Guerra, se caracterizou pelo trabalho voltado para a população com o uso da epidemiologia no desenvolvimento de programas de controle de zoonoses pelas agências de saúde pública. Como conseqüência da interação com profissionais da medicina humana, 10 os médicos veterinários começaram a ocupar várias posições nas áreas técnicas e administrativas da saúde pública. Em 1944, a Organização Panamericana de Saúde começou a contratar veterinários como consultores. Em 1946, a conferência de estruturação da Organização Mundial de Saúde recomendou a criação de uma seção de saúde veterinária, que foi estabelecida em 1949 (VIANNA PAIM & CAVALCANTE DE QUEIROZ, 1970). A evolução da saúde pública veterinária será vista a seguir, sendo utilizados como base os documentos produzidos na época para a pesquisa histórica empreendida. O termo saúde pública veterinária foi utilizado oficialmente pela primeira vez em 1946, durante um encontro que incumbia a OMS de fornecer uma estrutura conceitual e programática para aquelas atividades de saúde pública que envolvem a aplicação do conhecimento em Medicina Veterinária direcionado para a proteção e promoção da saúde humana. Na primeira reunião da OMS/FAO o termo foi assim definido: “A saúde pública veterinária compreende todos os esforços da comunidade que influenciam e são influenciados pela arte e ciência médica veterinária, aplicados à prevenção da doença, proteção da vida, e promoção do bem-estar e eficiência do ser humano”. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1951). O documento aponta que o termo saúde pública veterinária era relativamente novo na língua inglesa – veterinary public health, mas já havia ganho grande aceitação. Em nota de rodapé, o grupo recomenda as traduções para alguns idiomas: para o francês – hygiène publique vétérinaire, para o espanhol – salud publica veterinária, em italiano – sanità pubblica veterinária, e, finalmente em português – saúde pública veterinária. O médico veterinário se incorpora muito facilmente ao grupo de profissionais de saúde por estar habituado a proteger a população contra as enfermidades coletivas. O tipo de formação recebida pelo veterinário está em harmonia com o conceito de saúde pública, que considera todos os fatores que determinam a saúde coletiva, sem limitar-se às necessidades do indivíduo. O informe complementa que em muitas escolas de veterinária, a medicina preventiva – que se ocupa em combater as enfermidades animais – forma uma parte tão importante do programa quanto a patologia, a clínica e a cirurgia veterinária (ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 1957). As atividades da saúde pública veterinária citadas são: as zoonoses, a higiene dos alimentos e os trabalhos de laboratório, de biologia e as atividades experimentais. O informe assinala que a luta contra as zoonoses se constitui em uma das principais atividades da saúde pública veterinária. Essas enfermidades constituem um importante fator de morbidade e pobreza, pelas infecções agudas e crônicas que causam aos seres humanos e pelas perdas econômicas ocasionadas na produção animal. A prevenção e a eliminação desse tipo de enfermidade no homem dependem, em grande parte, das medidas adotadas contra essas doenças nos animais. No texto, argumenta-se que as ações de combate não podem ser adotadas independemente pelas autoridades sanitárias e agrícolas e a melhor maneira para enfrentar o problema seria coordenar os esforços dos serviços de saúde e de agricultura por meio da saúde pública veterinária (ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 1957). 11 No Segundo Comunicado Técnico de Especialistas em Zoonoses (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1959) foi reconhecida a existência de mais de cem zoonoses, o que fez com que aumentasse a importância dos programas de prevenção, controle e erradicação dessas enfermidades. Dando seqüência à série de reuniões efetuadas para discutir temas ligados à saúde pública veterinária, especialistas do comitê da FAO/OMS em saúde pública veterinária se reuniram no final de 1974, em Genebra. O principal objetivo do encontro era reforçar a importância cada vez maior dos médicos veterinários no trabalho de saúde pública e a conseqüente necessidade de fortalecer os serviços de saúde pública veterinária. Na reunião, foram definidos os propósitos do campo de atuação: “A saúde pública Veterinária (SPV) é um componente das atividades de saúde pública devotado à aplicação das habilidades, conhecimentos e recursos da profissão veterinária para a proteção e melhora da saúde humana” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1975). No documento, há uma nota explicativa afirmando que a medicina veterinária é um braço estendido da medicina, que se ocupa da saúde de outras espécies animais que não os seres humanos. A saúde pública veterinária desempenha diversas funções na saúde pública que obedecem à vasta comunhão de interesses existentes entre a medicina veterinária e a medicina humana e oferecem a oportunidade de uma proveitosa interação entre ambas. Como profissão cruzada, a saúde pública veterinária apresenta natureza interdisciplinar, voltando-se simultaneamente para ambas as direções: os seres humanos e os animais. A produção de proteínas de alto valor biológico para consumo humano em quantidade suficiente é resultado do sucesso da Medicina Veterinária em manter economicamente sob controle as doenças animais. Essas atividades são importantes benefícios adicionais na proteção da saúde humana, especialmente quando os esforços no controle de doenças se direciona para o combate às zoonoses (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1975). Atualmente, as atividades básicas de proteção da saúde animal, com especial atenção para o combate às zoonoses fazem com que as concepções de saúde e doença da Medicina Veterinária Preventiva sejam as mesmas da saúde pública veterinária formando um modo único de pensar – a preocupação com a promoção da saúde na coletividade, constituindo um estilo de pensamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública (PFUETZENREITER, 2003). Os médicos veterinários podem desempenhar dois tipos de função dentro da saúde pública. O primeiro tipo estabelece as atividades para as quais o veterinário tem uma qualificação única. O outro abrange as atividades que podem ser desempenhadas igualmente pelos veterinários, pelos médicos e pelos demais profissionais do setor. A publicação da OMS resultante de uma reunião de especialistas em saúde pública veterinária (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1975) procurou especificar essas contribuiçõesda Medicina Veterinária para a Saúde Pública, como será detalhado a seguir. São inúmeras as contribuições da Medicina Veterinária para a saúde humana. A primeira e mais básica função do sanitarista veterinário está fundamentada no contexto puramente veterinário por sua conexão com os animais inferiores e suas doenças, relacionado à saúde e bem-estar humanos. Essas atividades refletem as qualificações específicas dos médicos veterinários e normalmente são a base da formação do veterinário de saúde pública dos organismos de saúde. 12 O encargo relacionado diretamente com os animais inclui: a) diagnóstico, controle e vigilância em zoonoses; b) estudos comparativos da epidemiologia de enfermidades não infecciosas dos animais em relação aos seres humanos; c) intercâmbio de informações entre a pesquisa médica veterinária e a pesquisa médica humana com vistas à aplicação desta para as necessidades da saúde humana; d) estudo sobre substâncias tóxicas e venenos provenientes dos animais; e) inspeção de alimentos e vigilância sanitária; f) estudo de problemas de saúde relacionados às indústrias animais, incluindo o destino adequado de dejetos; g) supervisão da criação de animais de experimentação; h) estabelecimento de interligação e cooperação entre as organizações de saúde pública e veterinária com outras unidades relacionadas com animais; i) consulta técnica sobre assuntos de saúde humana relativos aos animais. Outros contextos das atividades desempenhadas pelo sanitarista veterinário são o biomédico e o generalista. Ainda que o médico veterinário exerça atividades puramente veterinárias como as acima mencionadas, sua ampla formação básica nas ciências biomédicas o qualifica para desempenhar muitos papéis adicionais na saúde pública, que são comuns aos médicos e a outros membros da equipe como: a) epidemiologia em geral; b) laboratório de saúde pública; c) produção e controle de produtos biológicos; d) proteção dos alimentos; e) avaliação e controle de medicamentos; f) saneamento ambiental; g) pesquisa de saúde pública. A formação conferida aos médicos veterinários os qualifica para desempenhar funções generalistas, que podem ser executadas por outros membros da equipe de saúde pública, como a administração, o planejamento e a coordenação de programas de saúde pública. De acordo com o Comitê de Especialistas em Saúde Pública Veterinária (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1975) o ponto crucial de implementar a ampliação da atuação do médico veterinário na saúde pública está não apenas em melhorar os canais de comunicação interprofissionais e em estabelecer uma infra-estrutura apropriada para a carreira, mas sobretudo, em assegurar uma boa formação aos profissionais na área. Deve haver um estímulo e fortalecimento da educação veterinária – que deveria receber apoio tanto por parte dos setores de saúde pública, quanto da agricultura – para o ensino de saúde pública. Todos os profissionais deveriam estar voltados para a importância da profissão veterinária para a saúde humana, sendo considerado lamentável quando um médico veterinário não está consciente disso. CENÁRIO ATUAL E TENDÊNCIAS DA MEDICINA VETERINÁRIA PREVENTIVA E SAÚDE PÚBLICA A expressão saúde pública veterinária é utilizada para designar o marco conceitual e a estrutura de implementação das atividades de saúde pública que empregam conhecimentos e recursos da medicina veterinária para proteger e melhorar a saúde humana. A saúde pública veterinária vincula a agricultura, a saúde animal, a educação, o ambiente e a saúde humana. Seus princípios de base estão fortemente ligados nas ciências biológicas e sociais que se encontram amplamente difundidos na agricultura, na medicina e no meio ambiente (ARÁMBULO, 1991). A proteção dos alimentos e o controle e erradicação de zoonoses permanecem as funções de maior interesse na área. Também ganham destaque outros três enfoques: os modelos biomédicos (pesquisas em animais para estudar os problemas de saúde dos seres humanos), 13 o desenvolvimento dos serviços de saúde pública veterinária, e o ensino e formação em saúde pública. Em relação ao último tópico, recomenda-se a mudança de abordagem dos currículos – com concentração excessiva na clínica – para fornecer uma educação mais voltada para os aspectos de saúde pública (ARÁMBULO, 1991). BÖGEL (1992) aponta para a importância da realização de pesquisas sobre as necessidades e tendências da educação veterinária e confirma a atenção que deve ser dispensada à formação veterinária enfatizando a saúde pública. O autor argumenta que em um mundo com uma população cada vez mais numerosa, que recorre a novos sistemas de exploração do solo e a novas tecnologias, é importante o desenvolvimento de uma medicina veterinária populacional. A orientação dispensada à medicina veterinária dentro da tríade formada pelo meio ambiente, o animal e o homem deve ser acompanhada de uma importante expansão da saúde pública veterinária e de uma profunda modificação da formação veterinária, mais centrada na interdisciplinaridade. O autor aponta que os principais problemas enfrentados pela saúde pública veterinária são as novas biotecnologias, o controle das infecções de origem alimentar, os novos sistemas de exploração agrária e as questões éticas relativas a esses problemas. Tradicionalmente dentro do âmbito da saúde pública, a medicina veterinária tem trabalhado no controle das zoonoses e na proteção sanitária dos alimentos. Além destes setores, situações específicas relacionadas com o meio ambiente têm chamado a atenção para a atuação da profissão veterinária. O trabalho interdisciplinar, a incorporação nos grupos inter-setoriais e inter-institucionais que planificam, executam e avaliam estudos e projetos de impacto ambiental, estão abrindo oportunidades para a presença do médico veterinário nesse segmento (CIFUENTES, 1992). Para realizar atividades ligadas à área ambiental, CIFUENTES (1992) aponta que o médico veterinário deve ter conhecimentos gerais sobre as ciências do ambiente, além de conhecimentos sobre: a) as relações ambiente-enfermidade; b) as atividades agropecuárias e suas relações sobre o ambiente; c) modelos de avaliação de estudos de impacto ambiental; d) tecnologia básica para a proteção e saneamento ambiental. Na formação acadêmica dos médicos veterinários, o autor propõe que as escolas ofereçam conhecimentos aprofundados nas áreas de ciências ambientais, ecologia, biologia e saneamento ambiental para que os profissionais possam ser incorporados e oferecer sua contribuição a esses setores. NIELSEN (1997) declara que o profissional de Medicina Veterinária deve ter um nível de competência consistente com as demandas da sociedade. O reconhecimento da importância da profissão para a sociedade está na dependência de sua relevância social. As questões de maior relevância social apontadas para a profissão para este século são: a) produção de alimentos com utilização de métodos sustentáveis levando em consideração o crescimento populacional; b) proteção do meio ambiente à degradação e perda da biodiversidade; c) profilaxia das novas zoonoses com potencial epidêmico. Todas essas questões apontadas pelo autor estão ligadas à sustentabilidade. A redução da pobreza especialmente nas comunidades rurais, a produção de alimentos sem produzir desgaste ambiental e o controle de enfermidades relacionadas ao meio ambiente constituem alguns dos desafios para a população mundial atual. Nesse contexto cresce a importância da participação do sanitarista veterinário nessas questões ligadas à sustentabilidade, em que as populações devem examinar seus padrões de produção e 14 consumo e se comprometer com um crescimento econômico responsável que respeite o meio ambiente. Todos esses tópicos ligados à sustentabilidade devem ser mais enfatizados na formação veterinária. O problemadas zoonoses é destacado por vários autores (CRIPPS, 2000; OSBURN, 1996; STÖHR & MESLIN, 1997). Esse grupo de enfermidades continua a representar um importante problema de saúde para grande parte do mundo, com elevadas perdas para os setores de saúde e de agricultura, principalmente nos países em desenvolvimento. O risco de infecções emergentes por novas entidades patológicas ou por agentes conhecidos aparecendo em novas áreas ou em novas condições vem aumentando nos últimos anos. O controle das enfermidades desta natureza requer uma cooperação inter-setorial e inter- institucional, reunindo segmentos ligados à saúde, finanças, planejamento, comércio, agricultura e indústria de alimentos, consumidores e comunidade científica biomédica e agrária (STÖHR & MESLIN, 1997). Em 1999, reuniu-se na Itália um Grupo de Estudos para discutir as tendências da Saúde Pública Veterinária para o futuro. Na publicação resultante do encontro (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002) está contida uma revisão que se tornou uma oportunidade de reexame do papel e funções sobre a área. A preocupação predominante da Saúde Pública Veterinária durante os anos de 1970 e 1980 estava voltada para os riscos da poluição química ao ambiente e aos alimentos (resultante de pesticidas, resíduos animais, e outras substâncias tóxicas). Entretanto, nas duas últimas décadas as zoonoses emergentes e re-emergentes têm adquirido significância global. Dentre outros, são citados os problemas relacionados à Salmonella enteritidis das aves, as febres hemorrágicas virais de Marburg e Ebola, a ligação entre a encefalite espongiforme bovina e a doença de Creutzfeldt-Jacob, as Hantaviroses, e vários outros exemplos de agentes zoonóticos que requerem o trabalho conjunto de médicos, veterinários e biólogos. Ao lado desses problemas estão as novas tendências na prática de produção, as interferências nas populações de animais silvestres, as mudanças demográficas, a mobilidade das populações, a urbanização e globalização da indústria de alimentos. Essas alterações devem estar acompanhadas de níveis aumentados de vigilância epidemiológica e de novas abordagens para o controle e prevenção de doenças (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002). Em face dessa nova situação, as atividades da Saúde Pública Veterinária devem estar em consonância com outros esforços nas áreas da saúde, agricultura e ambiente. O Grupo de Estudos redefiniu a Saúde Pública Veterinária e o escopo de seus esforços colaborativos, e a Saúde Pública Veterinária passou a ser considerada como “a soma de todas as contribuições para o bem-estar físico, mental e social dos seres humanos mediante a compreensão e aplicação da ciência veterinária” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002). A ciência veterinária engloba todas as atividades veterinárias incluindo a produção animal e a saúde, cumprindo as funções essenciais na saúde pública e influenciando diretamente a saúde humana pelo seu conhecimento e experiência. Pelo menos metade dos 1700 agentes conhecidos que infectam os seres humanos tem um vertebrado como reservatório animal ou inseto como vetor e muitas doenças emergentes são zoonoses. Em vista disso, há necessidade de fortalecimento da ligação entre a medicina animal e a humana. Além das atividades habituais, os domínios específicos emergentes da Saúde Pública Veterinária que podem trazer contribuições significativas para a saúde 15 pública são: a) investigação, epidemiologia e controle de doenças comunicáveis não zoonóticas; b) aspectos sociais, comportamentais e mentais da relação entre seres humanos e animais; c) epidemiologia e prevenção de doenças não infecciosas (incluindo a promoção de estilos de vida saudáveis); d) análises e avaliações de serviços e programas de saúde pública; e) atividades que envolvem o contexto social, especialmente aquelas em que há participação em programas de educação em saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002). Deve ser ressaltada uma atividade importante do médico veterinário dentro da saúde pública que é a educação em saúde. Esse profissional pode atuar na difusão de informações e na conscientização das pessoas sobre os temas ligados à saúde. A participação do sanitarista veterinário é fundamental nos programas de educação em saúde para a proteção e promoção da saúde humana em comunidades dentro dos princípios do desenvolvimento sustentável. Esse significativo tema, ao lado daqueles discutidos aqui anteriormente, deve ser trabalhado com atenção na formação veterinária para acompanhar as necessidades atuais da sociedade e antecipar as exigências para o futuro. O profissional formado em Medicina Veterinária que possuir sólidos fundamentos nos conteúdos pertinentes à Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública, além da habilidade para trabalhar de forma interdisciplinar estará preparado para auxiliar as populações humanas a enfrentarem seus principais desafios. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARÁMBULO, P.V. Veterinary public health: perspectives at the threshold of the 21st century. Revue Scientific Technique, v.11, n.1, p.255-262, 1991. BÖGEL, K. Veterinary public health perspectives: trend assessment and recommendations. Revue Scientific Technique, v.11, n.1, p.219-239, 1992. CIFUENTES, E.E. Protección del medio ambiente y actividades de salud pública veterinaria. Revue Scientifique Technique, v.11, n.1, p.191-203, 1992. CRIPS, P.J. Veterinary education, zoonoses and public health: a personal perspective. Acta Tropica, v.76, p.77-80, 2000. NIELSEN, N.O. Reshaping the veterinary medical profession for the next century. Journal of American Veterinary Medical Association, v.210, n.9, p.1272-1274, 1997. ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. Grupo consultivo sobre veterinaria de salud publica. Geneva : WHO, 1957. 30p. (Informe Técnico n.111). ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD. A competency-based curriculum for veterinary public health and preventive medicine. Washington : Paho/WHO, 1975. 115p. (Publicación Científica 313). OSBURN, B.I. Emerging diseases with a worldwide impact and the consequences for veterinary curricula. Veterinary Quarterly, v.18, n.3, p.124-126, 1996. 16 PFUETZENREITER, M.R. O ensino da medicina veterinária preventiva e saúde pública nos cursos de medicina veterinária – estudo de caso realizado na Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, 2003. 459f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina. ROSEN, G. Uma história da saúde pública. São Paulo : Hucitec, 1994. 413p. SCHWABE, C.W. Veterinary medicine and human health. 3.ed. Baltimore : Williams & Wilkins, 1984. 680p. SCHWABE, C.W. History of the scientific relationships of veterinary public health. Rev Sci Tech, v.10, n.4, p.933-949, 1991. STÖHR, K.; MESLIN, F.X. The role of veterinary public health in the prevention of zoonoses, Arch Virol, v.13, suppl.1, p.207-218, 1997. VIANNA PAIM, G.; CAVALCANTE DE QUEIROZ, J. Uma definição para saúde pública veterinária. Boletín de la Oficina Sanitaria Panamericana, v.69, n.2, p.166-168, 1970. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Joint WHO/FAO Expert Group on Zoonoses – Report on the First Session, Geneva, 1951. 47p. (Technical Report Series n.40). WORLD HEALTH ORGANIZATION. Joint WHO/FAO Expert Committee on Zoonoses – Second Report. Geneva, 1959. 83p. (Technical Report Series n. 169). WORLD HEALTH ORGANIZATION. The veterinary contribution to public health practice. Report of a Joint FAO/WHO Expert Committee on Veterinary Public Health. Geneva, 1975. 79p. (Technical Report Series n.573). WORLD HELTH ORGANIZATION. Future Trends in Veterinary Public Health. Report of a WHO Study Group. Geneva, 2002. 85p. (WHO Technical Report Series n.907). INSERÇÃO DO MÉDICO VETERINÁRIO NA SAÚDE PÚBLICA: MARCOS HISTÓRICOS Por Alexandro Iris Leite, Professor – UFERSA.O Médico Veterinário cada vez mais está presente nos setores de saúde pública, aplicando seus conhecimentos específicos, garantindo a saúde da população animal e, por conseguinte, a do homem. A preocupação com a Saúde Pública e a importância da participação do profissional Médico Veterinário se deu, inicialmente, pela Organização Mundial da Saúde em 1946 quando criou a seção de Saúde Pública Veterinária (SPV) para dar 17 sustentabilidade e apoio aos países membros em políticas de saúde pública vinculadas à importante área da medicina veterinária, designando algumas atribuições para esse profissional. Assim esta seção compreendia a aplicação do conhecimento em Medicina Veterinária direcionado para a proteção e promoção da saúde humana. No Brasil, o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA) do Ministério da Agricultura (Aprovado pelo Decreto nº 30.691, de 29-03-52, alterado pelos Decretos nºs 1.255 de 25-06-62, 1.236 de 02-09-94, nº 1.812 de 08-02-96, nº 2.244 de 04-06-97 e nº 9.013 de 29-03-2017), determina, desde o ano de 1952, que somente o profissional Médico Veterinário pode fiscalizar os alimentos de origem animal, sendo o único com formação para tal função. Portanto, a inspeção de produtos de origem animal – como todos os tipos de carne, leite, pescados, ovos, mel e seus derivados – principalmente em abatedouros e frigoríficos é executada exclusivamente pelo médico veterinário que conhece as doenças nos animais, vivos e após o abate, que são destinados para a alimentação humana e sabe dos riscos, com a finalidade de assegurar a qualidade e a segurança dos alimentos, evitando a transmissão de doenças e toxinfecções para o homem. A Lei que dispõe sobre o exercício da profissão do Médico Veterinário e cria os Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária no país data de 1968 (Lei Nº 5.517/68). Nela consta no Art. 6º que constitui como competência do médico veterinário o exercício de atividades ou funções públicas e particulares, relacionadas com várias atividades e campos de atuação. O item “b” do referido Art. 6º especifica: “O estudo e a aplicação de medidas de saúde pública no tocante às doenças de animais transmissíveis ao homem”. Com a Constituição Brasileira em 1988, houve a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), visando a redução do risco de doença e de outros agravos com ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. A Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento do SUS. Destaca no Art. 3º que a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, o saneamento básico, o meio ambiente... tudo isto são campos em que o Médico Veterinário pode e deve atuar para a promoção e proteção da saúde do homem, uma vez que lida com o controle e prevenção de doenças comuns em animais/vetores/ambiente que pode acometer o homem e com o controle de qualidade de todos os alimentos de origem animal. No Art. 6º estão incluídas no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) a execução de ações como de vigilância sanitária; de vigilância epidemiológica; a colaboração na proteção do meio ambiente; a fiscalização e a inspeção de alimentos para consumo humano. Associado a isto, quanto aos Princípios e Diretrizes do SUS, está no Art. 7º a integração em nível executivo das ações de saúde e meio ambiente, onde entra aí a participação fundamental do Médico Veterinário na equipe interdisciplinar de saúde. Posteriormente, a Resolução do Conselho Nacional de Saúde Nº 287 DE 08 de outubro de 1998, tendo em vista a necessidade de consolidar o Sistema Único de Saúde, com todos os seus princípios e objetivos; a importância da ação interdisciplinar no âmbito da saúde; e o reconhecimento da imprescindibilidade das ações realizadas pelos diferentes profissionais de nível superior constitui um avanço no que tange à concepção de saúde e à 18 integralidade da atenção. Relaciona 14 categorias profissionais que são considerados da área de saúde, dentre estes o Médico Veterinário. Isto foi um marco bastante importante para a categoria dos Veterinários. A Portaria Nº 1.399, do Ministério da Saúde de 15 de dezembro de 1999. Regulamenta a Norma Operacional Básica do SUS 01/96 no que se refere às competências da União, estados, municípios e Distrito Federal, na área de epidemiologia e controle de doenças. No seu Art. 3º está que compete aos Municípios a gestão do componente municipal do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica e Ambiental em Saúde, compreendendo as seguintes atividades: captura de vetores e reservatórios, identificação e levantamento do índice de infestação; registro, captura, apreensão e eliminação de animais que representem risco à saúde do homem; ações de controle químico e biológico de vetores e de eliminação de criadouros... Ou seja, elenca atividades de prevenção e controle de Zoonoses e doenças transmitidas por vetores, onde se tem o Médico Veterinário como o profissional mais adequado para atuar nestas ações. O Código de Ética da profissão de Medicina Veterinária (Resolução Nº 722, de 16/08/2002) conceitua a Medicina Veterinária como atividade imprescindível ao progresso econômico, à proteção da saúde, meio ambiente e ao bem estar dos brasileiros... destacando que a Medicina Veterinária é uma ciência a serviço da coletividade. A Portaria nº 397, de 09 de outubro de 2002, do Ministério do Trabalho e Emprego, aprova a Classificação Brasileira de Ocupações, nela a Medicina Veterinária está classificada como pertencente ao grupo de “Profissionais da Medicina, Saúde e Afins” com o Código 2233-05. Vale salientar que quanto à formação do Médico Veterinário, a Resolução do Conselho Nacional de Educação Nº 3, de 15 de agosto de 2019 Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Medicina Veterinária. No seu Art. 3º está explícito o perfil do formando egresso/profissional que deve ser a de formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, apto a compreender e traduzir as necessidades de indivíduos, grupos sociais e comunidades, com relação às atividades inerentes ao exercício profissional, no âmbito de seus campos específicos de atuação... inclusive saneamento ambiental e medicina veterinária preventiva, saúde pública e inspeção e tecnologia de produtos de origem animal... No Art. 4º inclui que a formação do Médico Veterinário tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos para desenvolver ações e resultados voltados também à área de Atenção à saúde que, dentro de seu âmbito profissional, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. Cada profissional deve assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e continua com as demais instâncias do sistema de saúde. Sendo capaz de pensar criticamente, de analisar os problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos. Os profissionais devem realizar seus serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética, tendo em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo. A Lei Nº 11.947/2009 determina a utilização de, no mínimo, 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) para alimentação escolar, na compra de produtos diretamente da agricultura familiar e do 19 empreendedor familiar rural ou de suas organizações, como exemplo os alimentos de origem animal. A Lei representa uma política nacional de desenvolvimento social para valorizar a produção local de alimentos pelos pequenos produtoresrurais do Brasil (Ministério do Desenvolvimento Agrário - Programa Alimentação Escolar). Para tanto, se faz necessário a participação do Médico Veterinário na fiscalização destes produtos que vão ser ofertados para crianças e adolescentes através da merenda escolar. A Portaria Nº 2.488, de 21 de outubro de 2011 do Ministério da Saúde Aprova a Política Nacional de Atenção Básica e normas de organização, citando que o Médico Veterinário pode compor as equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF que foram criados com o objetivo de ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica, bem como sua resolubilidade. Estas equipes devem ser compostas por profissionais de diferentes áreas de conhecimento, que atuam de maneira integrada e apoiando os profissionais das Equipes Saúde da Família (Médicos e Enfermeiros), compartilhando as práticas e saberes em saúde nos territórios sob responsabilidade destas equipes. Contribuindo no aumento da capacidade de análise e de intervenção sobre problemas e necessidades de saúde, tanto em termos clínicos quanto sanitários e ambientais dentro dos territórios. Os NASF devem buscar contribuir para a integralidade do cuidado aos usuários do SUS principalmente por intermédio da ampliação da clínica, auxiliando no aumento da capacidade de análise e de intervenção sobre problemas e necessidades de saúde, tanto em termos clínicos quanto sanitários. São exemplos de ações de apoio desenvolvidas pelos profissionais dos NASF: discussão de casos, atendimento conjunto ou não, interconsulta, construção conjunta de projetos terapêuticos, educação permanente, intervenções no território e na saúde de grupos populacionais e da coletividade, ações intersetoriais, ações de prevenção e promoção da saúde, discussão do processo de trabalho das equipes, etc. Os NASF devem ampliar a capacidade de intervenção coletiva das equipes de atenção básica para as ações de promoção de saúde, buscando fortalecer o protagonismo de grupos sociais em condições de vulnerabilidade na superação de sua condição. Quando presente no NASF, o profissional sanitarista pode reforçar as ações de apoio institucional, ainda que não sejam exclusivas dele, tais como: análise e intervenção conjunta sobre riscos coletivos e vulnerabilidades, apoio à discussão de informações e indicadores e saúde, suporte à organização do processo de trabalho (acolhimento, cuidado continuado/programado, ações coletivas, gestão das agendas, articulação com outros pontos de atenção da rede, identificação de necessidades de educação permanente, utilização de dispositivos de gestão do cuidado etc.). Outra conquista recente foi a criação dos Programas de Residência Multiprofissional em Saúde e Programas de Residência em Área Profissional de Saúde pelo MEC direcionados para as 14 profissões da saúde, nela incluída a Medicina Veterinária (Lei Nº 11.129/2005 e Resolução CNRMS/MEC Nº 2/2012). Nas suas diretrizes gerais consta que os objetivos dos programas são a integração ensino-serviço- comunidade, desenvolvidos por intermédio de parcerias com os gestores, trabalhadores e usuários, visando favorecer a inserção qualificada de profissionais da saúde no mercado de trabalho, preferencialmente recém-formados, particularmente em áreas prioritárias para o SUS. Convém destacar que qualquer que seja a área de concentração da Residência para os 20 profissionais de Medicina Veterinária (clínica, cirurgia, silvestres, saúde pública, etc), todos os residentes devem cursar disciplinas na área do SUS, como também, devem realizar estágio de vivência no SUS, através de ações relacionadas à educação em saúde, vigilância em saúde, inspeção de produtos de origem animal, controle sanitário de animais de produção, dentre outras, ou seja, devem contribuir na consolidação do SUS e da saúde pública em seu território de trabalho. A Portaria nº 1.138, de 23 de maio de 2014 do Ministério da Saúde define as ações e os serviços de saúde voltados para vigilância, prevenção e controle de zoonoses e de acidentes causados por animais peçonhentos e venenosos, de relevância para a saúde pública. A Portaria considera a necessidade de fortalecimento e de articulação de ações que se destinam à vigilância dos fatores de risco relativos às zoonoses e acidentes causados por animais peçonhentos e venenosos, de relevância para a saúde pública e ao controle de animais vetores, hospedeiros, reservatórios, amplificadores e portadores, visando garantir a prevenção, promoção e proteção à saúde humana e subsidiando os gestores no processo de planejamento e de tomada de decisão em tempo oportuno. A Portaria também reconhece os Centros de Vigilância / Controle de Zoonoses como estabelecimentos de saúde pertencentes ao SUS. Assim, para que todas as ações citadas ocorram na prática, o profissional Médico Veterinário deve estar à frente na coordenação e execução das ações. A mais recente Portaria Nº 204 de 17 de fevereiro de 2016 e a Portaria de Consolidação Nº 4, de 28 de setembro de 2017 do Ministério da Saúde ditam a obrigatoriedade da Notificação de doenças, agravos e eventos de saúde pública no Brasil, dentre estes estão aqueles que tem a participação de animais como reservatórios e/ou vetores na sua transmissão, tais como: Acidente de trabalho (ex: em clínicas e laboratórios veterinários, fazendas, zoológicos, matadouros, etc); Acidente por animal peçonhento (serpentes, aranhas, escorpiões, abelhas, etc); Acidente por animal potencialmente transmissor da raiva; Botulismo; Dengue; Doença de Chagas Aguda; Antraz pneumônico; Tularemia; Ebola; Esquistossomose; Evento de Saúde Pública que se constitua ameaça à saúde pública (ex: qualquer Epizootia – mortandade de animais); Febre Amarela; Febre de Chikungunya; Doença por Zika Vírus; Febre do Nilo Ocidental; Febre Maculosa; Hantavirose; Influenza humana produzida por novo subtipo viral (Ex: Gripe Suína – H1N1; Influenza Aviária - H5N1); Intoxicação Exógena (por substâncias químicas, incluindo agrotóxicos, gases tóxicos e metais pesados); Leishmaniose Tegumentar Americana; Leishmaniose Visceral; Leptospirose; Malária; Peste; Raiva humana; Tétano; Toxoplasmose e Tuberculose. O Anexo 3 da Portaria de Consolidação Nº 4, de 28 de setembro de 2017 do Ministério da Saúde elenca a Lista das doenças de notificação compulsória imediata, com base na vigilância animal, são estas: Febre Amarela, Raiva, Febre do Nilo Ocidental, Outras arboviroses de importância em saúde pública (Encefalomielite Equina do Oeste, do Leste e Venezuelana, Oropouche, Mayaro), Peste e Influenza. Também elenca os Eventos de saúde pública (ESP), Epizootias de notificação compulsória imediata, que são: morte de primatas não humanos, morte ou adoecimento de cães e gatos com sintomatologia neurológica, morte de aves silvestres, morte ou adoecimento de equídeos com sintomatologia neurológica, morte de canídeos silvestres, morte de quirópteros em áreas urbanas, morte de roedores silvestres em áreas de ocorrência de peste, e morte de animais silvestres sem causa conhecida. 21 Assim sendo, de acordo com o embasamento legal exposto acima, faz-se necessário que o Profissional Médico Veterinário seja urgentemente reconhecido pelos gestores como peça fundamental para compor a equipe interdisciplinar de saúde pública nas três esferas de governo, principalmente na esfera municipal que é a base do sistema onde desencadeia todo o processo de saúde / doença nas populações. “ONE WORLD: ONE HEALTH”, - HUMAN HEALTH, ANIMAL HEALTH, ENVIRONMENTAL HEALTH . A partir de 2004, especialistas em saúde de todo o mundo vêm se reunindo para delinear prioridades de uma abordagem internacional e interdisciplinar para combater as ameaças para a saúde da vida na terra, passando a se ter um reconhecimento oficial que há apenas “Um Mundo”, como também apenas “UmaSaúde.” Necessidade de construção de pontes interdisciplinares para a saúde em um mundo globalizado de forma que consiga responder às ameaças das doenças emergentes para a Saúde Humana, Agricultura e Conservação da vida no meio ambiente. Os órgãos participantes eram representantes das áreas de saúde humana, saúde animal, produção de alimentos, Meio Ambiente, Conservação da vida selvagem, Direito ambiental, Centros de pesquisas internacionais, dentre outros... (OMS, OIE, FAO, CDC...) FATOS ANTECEDENTES: Recentes surtos de Febre do Nilo Ocidental, Ebola, Encefaloparia Espongiforme Bovina (Doença da Vaca Louca), Gripe aviária e Gripe suína - lembrando que a saúde humana e animal estão intimamente ligadas. PRODUTO / ENCAMINHAMENTOS Convocação dos líderes de todo o mundo, a sociedade civil, todos os órgãos e instituições de ciência para se unirem na perspectiva de "One World, One Health”. Principais encontros: 2004, EUA - “One World, One Health: Construindo Pontes Interdisciplinares para a Saúde em um mundo globalizado”. 2005, China: “Além das Zoonoses: One World - One Health, a ameaça de Doenças Emergentes para a Saúde Humana, Agricultura e Conservação: Implicações para Políticas Públicas”. 2007, Brasil: “Um Mundo – Uma Saúde: Ecossistemas, Animais Silvestres e Meio de Vida Humana Saudáveis: Uma Parceria Pública-Privada Inovadora” CONCLUSÃO INCONTESTÁVEL: Uma compreensão mais ampla da saúde e da doença exige uma unidade de abordagem viável somente através da junção de estudos com o humano, os animais domésticos e silvestres e o ambiente - One Health. Fenômenos como a perda de espécies, degradação do habitat, poluição, espécies exóticas invasoras e a mudança climática global estão alterando fundamentalmente a vida em nosso planeta. A ascensão dos países emergentes também contribuem para o ressurgimento de doenças infecciosas que ameaçam não somente os seres humanos (e seus suprimentos de comida e economia), mas também a fauna e flora que compõem a biodiversidade criticamente necessária que oferece suporte à infraestrutura de estar do nosso mundo. A seriedade e eficácia da gestão ambiental da humanidade e do futuro de nossa saúde nunca foram mais claramente ligados. Para vencer as batalhas das doença do século 21, assegurando simultaneamente a integridade biológica da terra para as gerações futuras 22 exigem-se abordagens interdisciplinares e intersetoriais para a prevenção de doenças, vigilância, monitoramento, controle e mitigação, bem como a conservação do meio ambiente de forma mais ampla. PRODUTO / ENCAMINHAMENTOS Convocação dos líderes de todo o mundo, a sociedade civil, todos os órgãos e instituições de ciência para se unirem na perspectiva de "One World, One Health“ “ 12 Princípios de Manhattan” 1. Reconhecer a ligação essencial entre o ser humano, animais domésticos / silvestres e o meio ambiente - suas ameaças para à saúde, suprimentos de alimentos e economias. 2. Reconhecer que as decisões sobre o uso da terra e da água tem implicações reais para a saúde dos ecossistemas. 3. Os animais selvagens devem ser estudados pelas ciências da saúde como um componente essencial de prevenção global de doenças, vigilância, monitorização e controle. 4. Reconhecer que os programas de saúde humana podem contribuir significativamente para os esforços de conservação. 5. Atenção especial para os países emergentes. 6. Integrar totalmente as perspectivas de conservação da biodiversidade e necessidades humanas (incluindo as relacionadas com a saúde dos animais domésticos) no desenvolvimento de soluções para as ameaças de doenças infecciosas. 7. Reduzir a demanda e regular melhor o comércio da carne de caça, não só para proteger populações de animais selvagens, mas para diminuir os riscos de movimento de doenças, a transmissão entre espécies, bem como o desenvolvimento de novas relações patógeno- hospedeiro. 8. Restringir o abate em massa de espécies selvagens livres na natureza para o controle de doenças. 9. Aumentar o investimento na infra-estrutura global da saúde humana e animal. 10. Formar relações de colaboração entre governos, populações locais e os setores público e privado para enfrentar os desafios da saúde global e conservação da biodiversidade. 11. Fornecer recursos e apoio para as redes mundiais de vigilância da saúde dos animais – troca de informações com a saúde pública e a sanidade animal - sistemas de alerta precoce quando no surgimento e ressurgimento de doenças / ameaças. 12. Investir na educação e sensibilização da população mundial. Influenciar o processo político - compreender melhor as relações entre saúde e integridade do ecossistema. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 Em 1988, a Assembléia Nacional Constituinte aprovou a nova Constituição Brasileira, incluindo, pela primeira vez, uma seção sobre a Saúde. Esta seção sobre Saúde incorporou, em grande parte, os conceitos e propostas da 8.ª Conferência Nacional de Saúde, podendo-se dizer que na essência, a Constituição adotou a proposta da Reforma Sanitária e do Sistema Único de Saúde. Título VIII Seção II DA SAÚDE 23 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade. (*) § 1.º Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1.º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. § 2.º É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos. § 3.º É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei. § 4.º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização. Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I – controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III – ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; IV – participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; 24 V – incrementar em sua área de atuaçãoo desenvolvimento científico e tecnológico; VI – fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VII – participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE Criado pela Constituição de 1988, e regulamentado dois anos depois pelas Leis n.º 8.080/90 e n.º 8.142/90, o Sistema Único de Saúde é constituído pelo conjunto de ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicos federais, estaduais e municipais e, complementarmente, por iniciativa privada que se vincule ao Sistema. Primeiramente, o SUS é um sistema, ou seja, é formado por várias instituições dos três níveis de governo (União, estados e municípios), e pelo setor privado contratado e conveniado, como se fosse um mesmo corpo. Assim, o serviço privado, quando é contratado pelo SUS, deve atuar como se fosse público, usando as mesmas normas do serviço público. Depois, é único, isto é, tem a mesma doutrina, a mesma filosofia de atuação em todo o território nacional, e é organizado de acordo com a mesma sistemática. LEI Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. TÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. § 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. http://legislacao.planalto.gov.br/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%208.080-1990?OpenDocument 25 Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem- estar físico, mental e social. TÍTULO II DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE DISPOSIÇÃO PRELIMINAR Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS). § 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde. § 2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar. CAPÍTULO I Dos Objetivos e Atribuições Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS: I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde; II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei; III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas. Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a execução de ações: a) de vigilância sanitária; b) de vigilância epidemiológica; c) de saúde do trabalhador; e d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica; II - a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico; III - a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde; 26 IV - a vigilância nutricional e a orientação alimentar; V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho; VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção; VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde; VIII - a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano; IX - a participação no controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; X - o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico; XI - a formulação e execução da política de sangue e seus derivados. § 1º Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo: I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e II - o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde. § 2º Entende-se por vigilância epidemiológica um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos. § 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo: I - assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho; II - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho; 27 III - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), da normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador; IV - avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde; V - informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional; VI - participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas; VII - revisão
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