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A Crítica de Nietzsche à Tradição Filosófica

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Friedrich Nietzsche pode ser considerado o pensador cuja crítica à tradição filosófica,
clássica e moderna foi mais marcante. Suas obras de caráter polêmico e irreverente,
escritas frequentemente sob a forma de aforismos e fragmentos, são voltadas contra a
tradição filosófica, mas também em defesa do que considera uma “filosofia afirmativa
da vida”.
O ponto de partida do questionamento da tradição filosófica em Nietzsche é sua discussão
do próprio momento de surgimento da filosofia na Grécia clássica. Recorrendo a seus
conhecimentos filológicos, Nietzsche procura subverter a imagem tradicional que temos da
filosofia surgindo na passagem do pensamento mítico para o lógico-científico. Ao analisar a
mitologia grega na transição do período arcaico para o clássico, procura mostrar que algo
de essencial se perde aí. A filosofia, segundo representada por Sócrates, o “homem de uma
visão só”, instaura o premonínio da razão, da racionalidade argumentativa da lógica, do
conhecimento científico, da demonstração. Com isso, o homem perde a proximidade com a
natureza e suas forças vitais, que mantinham no período anterior e que encontra sua
expressão nos rituais dionisíacos. A tragédia expressa esse elemento vital no confronto
entre os homens e os deuses, no confronto entre o homem e seu destino. Dionísio seria
assim o deus da música e da embriaguez, que habita a natureza. O surgimento da filosofia
representa o predomínio do que Nietzsche chama o “espírito apolíneo”, derivado de
Apolo, o severo da racionalidade, da medida, da ordem e do equilíbrio. No período que
antecede a filosofia, o “espírito apolíneo” e o “espírito dionisíaco” se contrabalanceiam,
completando-se mútua e dialeticamente. Com o desenvolvimento da razão filosófica e
científica, o espírito apolíneo irá prevalecer, e o espírito dionísico será progressivamente
reprimido. A história da tradição filosófica é a história do triunfo do espírito apolíneo em
detrimento do dionisico. O advento do cristianismo reforçará essa direção com o espírito
do sacrifício e da submissão, com o pecado e a culpa, com o supremo paradoxo do “deus
morto”, Cristo, como Nietzsche se refere ao mesmo. Nossa cultura seria fraca e decadente
devido ao predomínio das forças reativas que a construíram. A verdade e a moral são os
instrumentos que os fracos inventaram para submeter e controlar os fortes, os guerreiros. A
tradição ocidental é resultado desse processo.
O objetivo de Nietzsche é duplo: revelar, criticar esse processo e restaurar os valores
primitivos perdidos. Seu estilo iconoclasta e irônico é a forma pela qual pretende escapar da
maneira tradicional da filosofia, criando um novo estilo filosófico. Seu interesse pela música
pela poesia visa contrapor-se à racionalidade filosófica e à moral cristã.
● A genealogia da moral: procura estabelecer a gênese dos conceitos éticos
tradicionais, revelando sua fraqueza e arbitrariedade a “moral do rebanho”, daqueles
que apenas se submetem e obedecem, anulando sua vontade e reprimindo seus
desejos.
● Além do bem e do mal: busca a “transmutação de todos os valores”, questionando a
dicotomia bem/mal, o maniqueísmo inerente em nossa cultura, em busca de novos
valores “afirmativos da vida”, como a vontade, a criatividade e o sentimento estético.
Nietzsche zomba do racionalismo crítico moderno, de sua pretensão de fundamentar
nosso conhecimento e nossas práticas. Um de seus alvos prediletos é Kant. Nietzsche
critica a tradição filosófica do idealismo alemão, ao que chama de “filosofia séria” ou
“grave”. Ironiza suas pretensões à descoberta de algo profundo, dos fundamentos de nosso
conhecimento e de nosso agir moral. Entretanto, as pretensões dos filósofos são
circulares, a resposta é uma mera repetição da pergunta, seu saber é ilusório e serve
apenas para impressionar os tolos. Segundo Nietzsche, trata-se mais de recusar a
pergunta do que de procurar uma resposta melhor: "Mas essa é uma resposta de comédia,
e é tempo, afinal, de substituir a pergunta kantiana, ‘como são possíveis os juízos sintéticos
a priori?’ por uma outra pergunta: ‘por que é preciso a crença em tais juízos?’.”
O racionalismo crítico passa por uma crise e sofre profundas transformações, que terão
importantes consequências para a filosofia do período contemporâneo.
● A filosofia crítica kantiana é vista como limitada em seus propósitos, devendo dar
lugar a uma construção teórica e sistemática como encontramos em Hegel, Fichte e
Schelling, embora Hegel mantenha o propósito crítico.
● Os românticos recusam a teoria, a ênfase no conhecimento a valorização da
ciência e, tal como Schelling, buscam o caminho da sensibilidade, do sentimento,
da estética, da criação artística.
● Schopenhauer pretende superar a dicotomia teoria/prática, conhecimento/ação,
dando um papel central à vontade e afastando-se do individualismo e do
subjetivismo romântico, embora também valorize a arte.
● Kierkegaard mantém o individualismo e o subjetivismo, bem como a ênfase no
sentimento e na sensibilidade, entretanto encaminha-se para a experiência
religiosa como a mais fundamental e busca vivenciar a fé.
● Nietzsche valoriza a arte e o indivíduo, toma a vontade como central, mas pretende
uma ruptura total com a tradição filosófica, na qual vê uma das principais causas da
decadência da civilização e da fraqueza do homem, Seu estilo irônico e fragmentado
tem afinidades com o de Kierkegaard, embora rejeite o critianosmo.
O pensamento contemporâneo se divide em correntes que seguiram essas linhas, e que
tentam desenvolver novas formas de filosofar nessas direções, e correntes que buscam
recuperar e reformular o método crítico e a herança do racionalismo, procurando responder
a esses questionamentos.

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