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DIEGO FONTES DE SOUZA TAVARES VA L D IC L EY S ILVA ED UA R D O M EIN BER G D E A L BU QU ER QU E M A R A N H Ã O F º (Organização) 1 º S I M P Ó S I O I N T E R N A C I O N A L AMAR E MUDAR AS COISAS af(é)tos, direitos humanos e sensibilidades religiões, resistências e diversidades CCHLA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA Conde-PB, 2020 D IEGO F O N T ES D E S O U Z A TAVA R ES VA L D IC L EY S ILVA ED UA R D O M EIN BER G D E A L BU QU ER QU E M A R A N H Ã O F º (Organização) 1 º S I M P Ó S I O I N T E R N A C I O N A L AMAR E MUDAR AS COISAS a(fé)tos, direitos humanos e sensibilidades religiões, resistências e diversidades CCHLA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. É proibida a reprodução parcial ou integral desta obra, por quaisquer meios de difusão, inclusive pela internet sem prévia e expressa autorização da FOGO Editorial, detentora de todos os direitos autorais da obra. ID do Direito Autoral: DA 2021 008 532 AMAR/FOGO EDITORIAL http://www.amarfogo.com publique@amarfogo.com Textos Completos do 1º Simpósio Internacional Amar e Mudar as Coisas: A(fé)tos, Direitos Humanos e Sensibilidades; Religiões, Resistên- cias e Diversidades – GT As Ciências da Religião: objeto, metodologia e pesquisa. UFPB, 08 a 13 de dezembro de 2019. João Pessoa, Paraíba, Brasil. O conteúdo dos textos é de inteira responsabilidade das/es/os autoras/es, não refletindo necessariamente a opinião da AMAR, da FOGO, do Simpósio Internacional Amar e Mudar as Coisas, de quem organizou a obra, e nem das suas instituições promotoras e apoiadoras. Realização Fogo Editorial / AMAR (Associação Internacional de Estudos de Afetos e Religiões) Apoios Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba (CCHLA/UFPB) Coordenação Geral do 1º Simpósio Internacional Amar e Mudar as Coisas: A(fé)tos, Direitos Humanos e Sensibilidades; Religiões, Resistências e Diversidades Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fº Coordenação da AMAR – Associação Internacional de Estudos de Afetos e Religiões Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fº, Brasil – Presidência Patricia Fogelman, Argentina – Vice-presidência Claudia Touris, Argentina e Clarissa de Franco, Brasil/Argentina – Secretaria Geral Coordenação Científica da FOGO Editorial Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fº Coordenação de Revisão Patricia Leonor Martins Projeto gráfico, diagramação e capa Rita Motta e Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fº Esta obra foi produzida na Casa do Amor, situada na Praia do Amor (Jacumã/Conde, no litoral sul paraibano, Brasil); e na “Ilha da Magia” (Florianópolis, litoral catarinense, Brasil). Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071 C569 As Ciências da Religião [recurso eletrônico] : objeto, metodologia e pesquisa / Diego Fontes de Souza Tavares, Valdicley Silva, Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fº (organização). – Florianópolis, SC : AMAR / FOGO, 2021. 170 p. : il. , color. Textos Completos do 1º Simpósio Internacional Amar e Mudar as Coisas: A(fé)tos, Direitos Humanos e Sensibilidades; Religiões, Resistências e Diversidades – GT as Ciências da Religião: objeto, metodologia e pesquisa. UFPB, 08 a 13 de dezembro de 2019. Modo de acesso: www.fogoeditorial.com.br Inclui referências ISBN: 978-65-994425-3-7 (e-book) 1. Ciências das Religiões. 2. Religião e Ciência. 3. Teoria - Metodologia - Pesquisa. 4. Diversidades. 5. Pluralidade religiosa. I. Tavares, Diego Fontes de Souza. II. Silva, Valdicley. III. Maranhão Filho, Eduardo Meinberg de Albuquerque. CDU: 291 http://www.amarfogo.com mailto:publique@amarfogo.com https://www.facebook.com/amarfogoeditorial https://www.instagram.com/amarfogo/ COORDEnAçãO CIEnTÍFICA : Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fº CoMISSão CIEnTíFICA InTERnACIonAL DA FoGo EDIToRIAL Fogo Editorial www.fogoeditorial.com.br Alejandra Oberti - Universidad de Buenos Aires, Argentina Alejandro Frigerio, Universidad Católica Argentina/ ConICET, Argentina Bernardo Lewgoy – Centro de Estudos de Eco Epidemiologia (Argentina) / Brown University (Estados Unidos) / Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil) Cecilia Delgado-Molina - Universidad Nacional Autónoma de México, México Cecilia Maria Bacellar Sardenberg, Universidade Federal da Bahia, Brasil / Boston University, Estados Unidos / University of Sussex, Inglaterra Claudia Touris - Universidad de Buenos Aires, Argentina Carlos Alberto Steil – Universidade da Califórnia – San Diego (Estados Unidos) / Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil) Cristina Pompa – Universidade Federal de S. Paulo, Brasil / Universidade de Udine, Itália Dario Paulo Barrera Rivera - Universidade Metodista de São Paulo, Brasil / École d’Hautes Etudes en Sciences Sociales, França David Thurfjell – Södertörn University, Suécia Donizetti Tuga Rodrigues – Universidade da Beira Interior, Portugal Einar Thomassen – European Association for the Study of Religions (EASR), University of Bergen, noruega Elias Bongmba – Rice University, Estados Unidos / African Association for the Study of Religions (AASR), África Florence Marie Dravet – Universidade Católica de Brasília, Brasil / Universidade de Paris III – Sorbonne- nouvelle, França Francisco Díez de Velasco – Universidad de La Laguna, Espanha Francirosy Campos Barbosa – Universidade de São Paulo, Brasil / University of oxford, Inglaterra Gabriela Scartascini – Universidad de Guadalajara, México Giuseppe Tosi - Universidade Federal da Paraíba, Brasil / Università degli Studi di Firenze, Itália Giovanni Casadio – European Association for the Study of Religions (EASR), Università degli Studi di Salerno, Itália João Eduardo Pinto Basto Lupi – Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil / Universidade Católica de Portugal, Portugal / Boston College, Estados Unidos Joana D’Arc do Valle Bahia, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Brasil / Universidade de Lisboa, Portugal Javier Romero Ocampo – Universidad de Chile, Brasil Juan Esquivel – Associación de Cientistas Sociales del Mercosul (ACSRM); Consejo nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET), Argentina Laila Rosa – Universidade Federal da Bahia, Brasil / new York University, Estados Unidos / Universidad Autónoma de la Ciudad de México, México Luis Bahamondes González – Universidad de Chile, Chile Margarita Zires – Universidad nacional Autónoma de México, México Marie Hélène / Sam Bourcier – École des Hautes Études en Sciences Sociales, França Mari-Sol García Somoza – Universidad de Buenos Aires, Argentina; Canthel/Université Paris Descartes, França néstor da Costa – Universidad Católica del Uruguay, Uruguai nicolás Panotto – FLACSo, Argentina Oscar Calávia Sáez – Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil / Universidad Complutense de Madrid, Espanha Pablo Pozzi – Universidad de Buenos Aires, Argentina Pablo Semán – Universidad nacional de San Martin, Argentina Pablo Wright – Universidad de Buenos Aires, Argentina Paulo Mendes Pinto – Universidade Lusófona, Portugal Patricia Fogelman – Universidad de Buenos Aires, Argentina Rita Laura Segato - Universidade de Brasília, Brasil / Universidad Nacional de San Martin, Argentina Roberta Bivar Carneiro Campos, Universidade Federal do Pernambuco, Brasil / University of St. Andrews, Escócia Rodrigo Ferreira Toniol, Universidade de Campinas,Brasil / Utrecht University, Holanda / University of California San Diego, Estados Unidos / Ciesas/ Guadalajara, México Stefania Capone – Ecole d’Hautes Etudes en Sciences Sociales, França Steven Joseph Engler – Mount Royal University, Canadá Stewart Hoover – University of Colorado, Estados Unidos Tim Jensen – International Association for the History of the Religions (IAHR); University of Southern Denmark, Dinamarca Veronique Claire Gauthier De Lecaros De Cossio – Pontificia Universidad Católica del Peru, Peru COORDEnAçãO CIEnTÍFICA : Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fº CoMISSão CIEnTíFICA nACIonAL DA FoGo EDIToRIAL Fogo Editorial www.fogoeditorial.com.br Alexandre Brasil Fonseca, Universidade Federal do Rio de Janeiro Ana Maria Clocet, Universidade de Campinas André Chevitarese, Universidade Federal do Rio de Janeiro André Sidnei Musskopf, Universidade Federal de Juiz de Fora Aramis Silva, Universidade Federal de São Paulo Ari Pedro Oro, Universidade Federal do Rio de Janeiro Artur Cesar Isaia, UniLaSalle Cecilia Loreto Mariz, Universidade Estadual do Rio de Janeiro Clarissa de Franco, Universidade Federal do ABC Claudio de Oliveira Ribeiro, Universidade Federal de Juiz de Fora Christina Vital da Cunha, Universidade Federal Fluminense Durval Muniz de Albuquerque Junior, Universidade Federal do Rio Grande do norte Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fº, Universidade Federal da Paraíba Emerson Giumbelli, Universidade Federal do Rio Grande do Sul Etienne Higuet, Universidade Federal de Juiz de Fora Frank Antonio Mezzomo, Universidade Estadual do Paraná Georgiane Garabely Heil Vásquez, Universidade Estadual de Ponta Grossa Gilbraz Aragão, Universidade Católica de Pernambuco Gizele Zanotto, Universidade de Passo Fundo Gustavo Soldati Reis, Universidade Estadual do Pará Jacqueline Moraes Teixeira, Universidade de São Paulo Jérri Roberto Marin, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul Joana Célia dos Passos, Universidade Federal de Santa Catarina Joana Maria Pedro, Universidade Federal de Santa Catarina Joanildo Albuquerque Burity, Fundação Joaquim nabuco Leila Marrach Basto de Albuquerque, Universidade Estadual Paulista Leyla Thays Brito da Silva, Universidade Federal da Paraíba Magali do nascimento Cunha, MIRE/InTERCoM Marcelo Ayres Camurça, Universidade Federal de Juiz de Fora Marcelo Tavares natividade, Universidade Federal do Ceará Maria Lúcia Abaurre Gnerre, Universidade Federal da Paraíba Melvina Afra Mendes de Araujo, Universidade Federal de São Paulo Mundicarmo Maria Rocha Ferretti, Universidade Estadual do Maranhão nadia Maria Guariza, Universidade Estadual do Centro oeste Paula Montero, Universidade de São Paulo Patricio Carneiro, Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira Raymundo Heraldo Maués, Universidade Federal do Pará Regina novaes, Universidade Federal do Rio de Janeiro Ricardo Mariano, Universidade de São Paulo Ricardo Mário Gonçalves, Universidade de São Paulo Rosa Maria de Aquino, Universidade Federal do Pernambuco Rosane Cristina de Oliveira, Universidade do Grande Rio Rosangela Wosiack Zulian, Universidade Estadual de Ponta Grossa Sandra Duarte de Souza, Universidade Metodista de São Paulo Solange Ramos de Andrade, Universidade Estadual de Maringá Sônia Weidner Maluf, Universidade Federal de Santa Catarina Stela Guedes Caputo, Universidade Estadual do Rio de Janeiro Tânia Mara Campos de Almeida, Universidade de Brasília Vanda Fortuna Serafim, Universidade Estadual de Maringá Zuleica Dantas, Universidade Católica de Pernambuco Zwinglio Mota Dias, Universidade Federal de Juiz de Fora Su M á R IO APRESEnTAçãO 7 A(fé)tos, Direitos Humanos e Sensibilidades: Religiões, Resistências e Diversidades 7 Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fº InTRODuçãO 11 As Ciências da Religião: Objeto, Metodologia e Prática 11 Diego Fontes de Souza Tavares Valdicley Euflausino da Silva A Ciência da Religião de Max Müller: contextualização e apresentação de um de seus textos 19 Pedro Rodrigues Camelo A construção da cultura e da religião: introdução às teorias de Peter Berger e Mircea Eliade 29 Diego Fontes de Souza Tavares Repensando a ética protestante: uma leitura de Weber na perspectiva do lazer 40 Waldney de Souza Rodrigues Costa A dimensão ética da ação docente de ensino religioso das escolas públicas municipais de natal 53 Genilson Trindade da Silva Aspectos sobre ética profissional no Ensino Religioso e na(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões) 67 Paulo Cavalcante de Albuquerque Melo Valdicley Euflausino da Silva Bartolomé de Las Casas: análise do discurso na Brevísima Relación 81 Felipe Henrique Cadó Salustino Do trazer ao expulsar o santo: rito de iniciação e fúnebre no Candomblé nagô 93 Diego Fontes de Souza Tavares Seu Marreca e o catimbó jurema em Senador Elói de Souza 111 Carlos Alexandre Medeiros Valdicley Euflausino da Silva Gamificação: o RPG como recurso metodológico na sala de aula 123 Felipe Henrique Cadó Salustino Genilson Trindade da Silva O Mito Moderno: Deus ExMachina 132 Daniel Morais Jambo Rocha Consumindo o ethos da sociedade descartável: interfaces entre o mito-tecno-lógico contemporâneo 146 Daniel Morais Jambo Rocha Genilson Trindade da Silva nação Zambêracatu: um resgate da ancestralidade negra no Rio Grande do norte 162 Davi Alves Cavalcanti Júnior 1 o SIMPóSIo InTERnACIonAL AMAR E MuDAR AS COISAS APRESEnTAÇão A(fé)tos, Direitos Humanos e Sensibilidades: Religiões, Resistências e Diversidades Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fº Du é uma pessoa transgênera não-binária. Atua como Professore Visitante no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-doutore em Ciências das Religiões (UFPB); em História (Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC); em Interdisciplinaridade em Ciências Humanas (UFSC). É Doutore em História pela Universidade de São Paulo (USP) e Mestrx em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Presidentx da Associação Internacional de Estudos de Afetos e Religiões (AMAR) e ex-presidentx da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR). Coordenadorx da Fogo Editorial. Pesquisa as re(l)ações entre gênero, sexualidade, religião, mídia e política. Pesquisou em seu Mestrado sobre a igreja Bola de neve, que procurou censurar na Justiça por duas vezes o livro A Grande Onda vai te Pegar: Marketing, Espetáculo e Ciberespaço na Bola de Neve (2013). no Doutorado pesquisou algumas das formas como pessoas transgêneras reagiam a diferentes discursos religiosos, especialmente de missões de “cura, restauração e libertação” da sexualidade e de igrejas inclusivas. Site: www.fogoeditorial.com.br Instagram: www.instagram.com/amarfogo/ E-mail: edumeinberg@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/7589132071776933 Como referenciar este capítulo: MARAnHão Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque. Apresentação. A(fé)tos, Direitos Humanos e Sensibilidades: Religiões, Resistências e Diversidades. In: TAVARES, Diego Fontes de Souza; SILVA, Valdicley; MARAnHão Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque (orgs.). As Ciências da Religião: ob- jeto, Metodologia e Pesquisa. Florianópolis: AMAR / FoGo, 2021, p. 7-10. http://www.fogoeditorial.com.br www.instagram.com/amarfogo mailto:edumeinberg@gmail.com http://lattes.cnpq.br/7589132071776933 As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA9 Amar e Mudar as Coisas, título do nosso Simpósio Internacional, recebeu a (ins)piração dos versos de Alucinação, do compositor cearense Belchior, que canta: “Mas eu não estou interessado / Em nenhuma teoria / Em nenhuma fantasia / nem no algo mais / Longe o profeta do terror / Que a laranja mecânica anuncia / Amar e mudar as coisas / Me interessa mais / Amar e mudar as coisas / Amar e mudar as coisas me interessa mais”. Podemos perguntar:seria uma alucinação de nossa parte realizar um evento como este em uma academia muitas vezes engessada e tóxica, inserida em um con- texto sócio-político marcado por um governo federal autoritário, xenófobo, teocra- ta, racista, misógino e fóbico, capitaneado por um autêntico “profeta do terror que a laranja mecânica anuncia”? A quem interessa amar e mudar as coisas? A quem interessa dialogar e exer- citar a(fé)tos, emoções e sensibilidades? Pensar estratégias de estímulo a uma educação crítica, respeitosa e emancipatória que tome partido das liberdades e diversidades de ser e de estar no mundo? Com certeza, interessa a nós todes que queremos ser movimentades por este (e)vento. o Amar e Mudar as Coisas tem como ambição aprofundar assuntos rela- cionados às sensibilidades, emoções e a(fé)tos – este último termo [ a(fé)to ], aliás, é compreendido por nós como o ato de crer ser possível amar e mudar as coisas. não é por acaso que a maioria dos nossos Grupos de Trabalho e Rodas de Fogo (como chamamos as Mesas Redondas) se relaciona justamente à educação, pois cremos ser a partir dela que podemos modificar as coisas de forma amorosa. É por meio de uma educação respeitosa à pluralidade que podemos aceitar, acolher e respeitar quem é diferente de nós, e amar (n)a diferença. o 1º Simpósio Internacional Amar e Mudar as Coisas ocorreu na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) entre os dias 08 e 13 de dezembro de 2019 e teve como temas: A(fé)tos, Direitos Humanos e Sensibilidades; Religiões, Resistências e Di- versidades. Durante o evento realizamos o primeiro Prêmio AMAR / Fogo Editorial de Teses e Dissertações; o primeiro Prêmio AMAR / Fogo Editorial de Fotografias; lançamentos de livros; Rodas de Fogo, além de diversas outras atividades aprova- das após chamada pública, democrática e aberta, como Grupos de Trabalho (GTs), Minicursos, Vivências, Atividades Artísticas e Oficinas. O Amar e Mudar as Coisas é um Simpósio Internacional 100 % gratuito e aberto a toda a comunidade, não apenas acadêmica. Tanto nesta primeira edição do evento como na próxima (a ser realizada entre 08 e 13 de dezembro de 2020 na UFPB, garantida de forma online e 100% gratuita), só há valor de contribuição para quem quiser publicar em eBooks do Simpósio. o Simpósio fez sua acolhida inicial em um Pré-evento, realizado na manhã do domingo dia 8 de dezembro: tratou-se de um Toque de Jurema realizado no Santuário da Jurema Santa e Sagrada, localizado na praia da Arapuca, que compõe a Praia de Tambaba, no litoral sul paraibano. As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA10 no dia 10 de dezembro nos reunimos para a primeira das Rodas de Fogo do Simpósio, intitulada Abrindo trabalhos com o fogo do a(fé)to e da educa-ação, com participações internacionais e brasileiras, como ocorreu em outras mesas (ou ro- das) do evento. Durante os dias 11, 12 e 13, o Simpósio se estendeu das 7h30 às 9h, quan- do foram realizadas oficinas e minicursos. Das 12h30 às 14h tivemos uma pausa para o almoço. Às 14h iniciaram-se Rodas de Fogo vespertinas, que seguiram até às 17h30, atreladas a vivências amorosas e de (auto)cuidado. Após a pausa para o café, iniciamos as Rodas de Fogo noturnas, acompanhadas de atividades artísticas. na tarde da quarta-feira, dia 11 de dezembro, tivemos uma Roda de Fogo vespertina chamada O abrasamento do cuidado e da saúde para amar e mudar as coisas. A Roda de Fogo noturna recebeu o nome O fogo amoroso da espiritua- lidade: mulheres falam de religiões afro-indígenas e pentecostais da Paraíba. no dia 12 de dezembro tivemos no período vespertino a Roda de Fogo chamada O acolhimento caloroso de Amar e Mudar as Coisas, e no período noturno, a Roda de Fogo Amar e Mudar as Coisas através da educação e sensibilidade. na tarde da sexta-feira 13, foi realizada a Roda O fogo das liberdades e das emoções, e à noite, Fechando trabalhos com o fogo do respeito ao corpo, à alma e à identidade de gênero. nesse período, também celebramos o Prêmio AMAR / Fogo Editorial de Teses e Dissertações e o Prêmio AMAR / Fogo Editorial de Fotografias; além do lança- mento de livros. na noite de Lua Cheia, da sexta-feira 13, foi proposta e aprovada a fundação da AMAR – Associação Internacional de Estudos de Afetos e Religiões. No dia 14 de dezembro realizamos o último dia de nosso Simpósio, participando de ativida- des etnográficas no litoral sul paraibano. o Simpósio Internacional Amar e Mudar as Coisas deseja que o compartilha- mento de experiências durante o evento tenha contribuído para um mundo mais acolhedor, justo e igualitário a todas as pessoas: nossa maior preocupação foi a de propiciar o compartilhamento de experiências afetivas que estimulem uma educa- ção laica, crítica, democrática, respeitosa às diversidades e que ensine a refletir e atuar amorosamente no mundo. VOLTA AO SuMáRIO InTRoDUÇão As Ciências da Religião: objeto, Metodologia e Prática Diego Fontes de Souza Tavares Professor de Ensino Religioso pela Secretaria de Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer do Rio Grande do norte (SEEC/Rn). Doutorando e Mestre em Ciências das Religiões pelo Programa de Pós-graduação em Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba. Bacharel em História pela Universidade Federal do Rio Grande do norte. Licenciatura plena em Ciências da Religião pela Universidade do Estado do Rio Grande do norte. E-mail: diegofontes.tavares@outlook.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/7063481045782645 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6809-6622 Valdicley Euflausino da Silva Docente do Departamento de Ciências da Religião da Universidade do Estado do Rio Grande do norte. Mestre em Educação pela UERn. Graduado em Ciências da Religião pela Universidade do Estado do Rio Grande do norte. E-mail: valdicley_bambucha@yahoo.com.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/4936517637635238 Como referenciar este capítulo: TAVARES, Diego Fontes de Souza; SILVA, Valdicley. Introdução. As Ciências da Religião: objeto, Metodologia e Pesquisa. In: TAVARES, Diego Fontes de Souza; SILVA, Valdicley; MARAnHão Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque (orgs.). As Ciências da Religião: objeto, Metodologia e Pes- quisa. Florianópolis: AMAR / FoGo, 2021, p. 11-18. mailto:diegofontes.tavares@outlook.com http://lattes.cnpq.br/7063481045782645 https://orcid.org/0000 mailto:valdicley_bambucha@yahoo.com.br http://lattes.cnpq.br/4936517637635238 As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA13 A área das Ciências da Religião, no Brasil, vivencia, no período hodierno, um momento de debate oportuno. Preocupadas(os) não somente em afirmar sua singularidade, mas também em constatar seu distanciamento da Teologia1, pesquisadoras(es) vêm discutindo acerca do seu lugar acadêmico, sua história, sua epistemologia, sua relevância social e quiçá política, assim como sua relação pe- culiar com o Ensino Religioso. As variantes investigativas não se esgotam por aqui. Renovam-se conforme são incorporadas a novos fenômenos e cenários discursivos. Essa capacidade multirreferencial de diálogos investigativos, talvez, seja o elemento mais criticado tanto pelas(os) pesquisadoras(es) externas(os), quanto pelas(os) pesquisadoras(es) internas(os). não obstante, entende-se essa caracte- rística multi/transdisciplinar como elemento indispensável na ciência que se pre- tende moderna, em sua originalidade em se fazer pesquisa. o ponto principal do embate, que é o uso indiscriminado de abordagens metodológicas, talvez seja o resultante dessas críticas. É nesse sentido que se faz pertinente uma vigilância epistemológica. Con- tudo, o exercício carece de aprofundamento. o labor metodológico a ser pensado sobre essa multi/transdisciplinaridade nas CR deve favorecer a cientificidade do saber em detrimento da produção científica. Dito de outro modo, a postura a ser tomada requer criticidade, reflexibilidade e rigidez epistêmica, em contraposição à lógica superficial da outra, que favoreceo angariar instrumental, indiscriminado, banalizado e generalizado investigativo que configura uma lógica de mercado cien- tífico. Muitos são os textos, pouca sua cientificidade. É inegável a contribuição de autoras(es) de outras áreas no processo de in- serção e desenvolvimento da CR no país. A abertura de diversos cursos em nível de graduação e pós-graduação a partir do século XXI, e as consequentes pesquisas geradas sobre os fenômenos religiosos e os fenômenos de crenças revelam a pers- pectiva multifacetada de uma área que existe em função justamente da multiplici- dade, da diversidade, da heterogeneidade das manifestações de crenças. Contudo, cabe recordar o que diz respeito ao campo metodológico: os transplantes, os reta- lhos, os remendos investigativos que ocasionaram interfaces pouco salutares em busca de uma autonomia e autenticidade da área, são problemas evidentes. Apesar de os constantes aviltamentos sofridos por essa aproximação exacer- bada com outras áreas e campos de estudo, entre outros elementos epistêmicos, de maneira pouco sistemática, a CR continua sua árdua caminhada no país. É dentro desse cenário de incertezas e de avanços lentos, que este livro busca contribuir, de maneira sucinta, no horizonte pluridinâmico da CR e suas interfaces com o ER. 1 A recente criação da área 44 – Ciências da Religião e Teologia – reforçou, no entendimento dos coor- denadores do GT, o imaginário já existente entre os críticos da área, que coaduna as CR com a Teologia. A autonomia da crescente área científica mais uma vez é questionada em detrimento de um diálogo que contribuiu para aguçar e reforçar a Teologia, como dependente de outra área para se manter no cenário de discussões acadêmicas. As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA14 A proposta se materializa em um espaço de diálogo, caracterizado mais por refle- xões do que necessariamente conceituações. E de antemão já se afirmou que a superação das críticas realizadas não foi alcançada nesta coletânea. no entanto, propõe-se discutir a complexidade em se pensar sobre a área a partir de objetos, metodologias e temáticas propositivas. Os escritos permeiam, dentro da área, uma gama de reflexões que se renovam a partir dos fenômenos de crenças existentes e que apresentam, em determinada proporção, avanços teórico-metodológicos. Isso aponta que a problemática em se investigar as diversidades de crenças e suas composições não se define a priori. Assim sendo, a coletânea que o leitor tem à disposição não se configura dentro de uma perspectiva unívoca. Desse modo, o presente livro reúne textos profícuos oriundos dos debates ocorridos no Grupo de Trabalho – GT – Ciências da Religião: objeto, metodologia e pesquisa, por ocasião do evento Amar e Mudar as Coisas: a(fé)tos, direitos huma- nos e sensibilidades: religiões, resistências e diversidades, sediado na Universi- dade Federal da Paraíba – UFPB – em 2019. A disposição dos artigos está alicerçada da seguinte maneira. Abrindo as discussões, Pedro Rodrigues Camelo, com o texto A Ciência da Religião de Max Müller: contextualização e apresentação de um de seus textos, apresenta uma análise sobre o texto Introduction to the Science of Religion, do alemão Friedrich Max Müller, bem como uma contextualização da CR nos âmbi- tos internacional e nacional. o intuito de se estudar o autor, assim como seu tex- to, é o de suprir a falta de conhecimentos acerca da história da própria área e de seus(suas) autores(as) clássicos(as) no cenário brasileiro. O motivo para se estudar tal história é o de poder indicar um artifício para a unificação dos saberes, uma vez que são ciências distintas no que se refere às bases da área de conhecimento e que a falta dessa unidade faz com que se tenha a pluralidade nominal entre tantos projetos de graduação e pós-graduação. o texto mostra a importância do autor na consolidação de um estudo estruturado cientificamente sobre as religiões. o texto seguinte é de Diego Fontes de Souza Tavares, cujo título é A cons- trução social da cultura e da religião: Introdução às teorias de Peter Berger e Mircea Eliade. o trabalho direciona o entendimento dos conceitos de cultura e religião por meio de dois teóricos, Peter Berger e Mircea Eliade. Ambos possuem inúmeros trabalhos sobre a cultura e a religião, como fenômenos humanos e construções sociais, tendo estabelecido uma relação direta na constituição desses conceitos como resultado, na medida em que o sujeito se apropria físico-mentalmente de sua realidade e a objetifica. Embora com ideias a priori distantes, o autor faz um paralelo entre o pensamento bergeriano e o eliadiano. Utiliza a ideia de Berger da construção social da realidade por agentes específicos, por meio de sistemas simbólicos – sendo um deles a religião – e a sistematização da teoria da religião de Eliade, na qual a hierofania é, para o sujeito religioso, um elemento crucial na sistematização de sua religião. As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA15 A seguinte discussão envolve as interfaces entre CR e ER. Em A Dimensão Ética da Ação Docente de Ensino Religioso das Escolas Públicas Municipais de Natal: Se- gundo as vozes dos educadores formados em Ciências da Religião, Genilson Trinda- de da Silva busca discutir um objeto pouco investigado tanto nas CR como no ER: a Ética docente. O pesquisador discute a ação ética a partir das vozes de professo- res de Ensino Religioso, segundo suas práticas, ao lecionar. A visão defendida no trabalho é a de que o respeito ético ao lecionar nada mais é do que uma postura de caráter individual. A investigação está ancorada em fontes diretas para coleta de dados, interpretação de fenômenos e atribuição de significados da ética como postura, caráter e respeito docente, dentro da tipologia qualitativa. As conclusões depreendidas a partir das falas dos entrevistados evidenciam a pertinência da pos- tura ética ao lecionar. Na esteira da mesma temática anterior, Paulo Cavalcante de Albuquerque Melo e Valdicley Euflausino da Silva em Aspectos sobre ética profissional em Ensino Reli- gioso e Ciência(s) da(s) Religião(ões) enviesam um debate em que problematizam e discutem quais valores e princípios éticos norteavam e norteiam o Ensino Religioso (ER) nas escolas públicas do Brasil. Tendo em vista o caráter catequético no ensino em diversas escolas brasileiras desde sua formação colonial, que remonta ao século XVI, onde o projeto educacional esteve nas mãos dos jesuítas, e que ainda persiste diversos aspectos desse contexto, procuram desenvolver considerações para uma melhor postura ética profissional por parte dos professores e pesquisadores do ER e da(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões). Ao final do trabalho, destacam aspectos significa- tivos para uma postura ética profissional dos atuantes nas áreas. o texto seguinte é de Waldney de Souza Rodrigues Costa. Em Repensando a ética protestante: relendo Weber na perspectiva do lazer o autor afirma que O protes- tantismo acabou! E isso aconteceu faz tempo. Essa é a conclusão a que se chega se a versão ascética descrita na obra clássica de Max Weber é tomada como referência do que significa ser protestante e essa atitude é levada às últimas consequências. A tese defendida nesse trabalho, mediante o exercício de revisão do texto, parte do questionamento pelo lugar do lazer e do ócio na ética protestante, observando as descrições de Weber, sem perder de vista o seu projeto sociológico mais am- plo. Ao constatar que o próprio sociólogo considera que essa ética varia no tempo, cabe questionar que alterações podem ter ocorrido no período seguinte àquele analisado em sua obra mais proeminente. Dada a sua grande influência sobre as interpretações do tipo de protestantismo que se tem no Brasil, em diferentes cam- pos científicos, tal reflexão talvez tenha algo a contribuir para refiná-las, a fim de se evitar a essencialização improdutiva que, no limite, leva à conclusão drástica que foi anunciada.na ciranda de métodos que circulam nas Ciências da Religião, é preciso um cuidado para que, em meio ao compartilhamento de referências, con- ceitos e metodologias, a totalidade teórica dos autores seja respeitada. É o que se pretende reivindicar em relação a Weber. As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA16 o texto seguinte é de Felipe Henrique Cadó Salustino cujo título do escrito é Bartolomé de Las Casas: Análise do Discurso na Brevísima Relación. nele, o autor se propõe a analisar a narrativa de Bartolomé de Las Casas, concentrando-se em perceber aspectos da formulação de seu discurso, sua estrutura e como sua propa- gação tem o resultado de produzir uma imagem acerca do Novo Mundo como um Paraíso Terrestre. o argumento a ser defendido sustenta-se, fundamentalmente, na análise da fonte: Brevísima relación de la destruición de las Indias, publicada pela primeira vez em 1552. Nesse recorte, a análise da representação da alteridade, os mecanismos da escrita sobre o Outro e a propagação desses discursos no período são destacados. Las Casas, em seu texto, apresenta um processo de tradução por meio do saber compartilhado para que a Europa compreenda a sua representação sobre as índias ocidentais. nesse aspecto, tornou-se possível produzir um estudo que analisa a constituição do Novo Mundo, narrado pelo dominicano a partir dos reflexos de sua visão eurocêntrica sobre o dado território, em que ele utiliza o mito do Paraíso Terrestre fazendo com que o Velho Mundo compreenda o Novo Mundo. Sendo essa uma visão produzida a partir do real, o contato proporcionado pela colonização espanhola, produziu um “encobrimento” do outro, pois, na tentativa de salvar a vida dos indígenas, Las Casas produz em seus escritos um espaço com caracteres essencialmente europeus. A tarefa depreendida pelo pesquisador é an- corada metodologicamente por meio de uma Análise do Discurso bastante crítica. Ampliando as perspectivas de discussão deste livro, os autores Felipe Henri- que Cadó Salustino e Genilson Trindade da Silva apresentam no texto Gamificação: o RPG como recurso metodológico em Ciências da Religião, uma alternativa metodo- lógica ao se trabalhar a questão da religião em CR/ER. o trabalho tem por objetivo desenvolver uma ferramenta pedagógica que auxilie os professores no processo de ensino-aprendizagem dos alunos, visando apresentar um meio estratégico-me- todológico que coloque os discentes como centro das aulas ministradas. Para isso, utilizam as metodologias ativas como suporte teórico, baseado especificamente na Gamificação – que consiste na utilização de jogos em sala como suporte que au- xilia na melhoria dos desempenhos escolares dos alunos. Dessa forma, a ideia de utilizar o Role Playing Game (RPG), um jogo de interpretação de personagens em que as ações do jogo dependem exclusivamente da participação dos estudantes para ser desenvolvida, compõe a discussão. Esse é um gênero de jogo que con- siste em descrições detalhadas de cenários e acontecimentos, além do que, sua jogabilidade está sujeita à aplicação de determinadas regras para dar consistência às ações declaradas pelos jogadores. Utilizado de maneira lúdica, o RPG consegue integrar os alunos a uma narrativa do conteúdo que o docente quer desenvolver em aula e estimular a criatividade, o raciocínio lógico, as resoluções de problemas, a cooperação e a interdisciplinaridade. no artigo Seu Marreca e o Catimbó Jurema em Senador Elói De Souza Carlos Alexandre Medeiros e Valdicley Euflausino da Silva analisam uma narrativa sobre As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA17 os aspectos do catimbó jurema no município de Senador Elói de Souza – Rn. A par- tir de Seu Marreca, um mestre juremeiro da cidade, cuja iniciação ocorreu na déca- da de 1970, são destacadas diversas marcas sobre a relação de mestre e o culto do catimbó que foram silenciadas na história desse sujeito e dessa região. Caracteri- zado por ser uma árvore, assim como uma prática religiosa, o catimbó se utiliza das forças dos encantados para obter eficácia religiosa. Assim sendo, destacam tal ex- pressão religiosa em suas especificidades locais, como forma de resgate histórico das práticas ali exercidas. Metodologicamente, esse trabalho articula uma revisão bibliográfica com entrevistas semiestruturadas realizadas com Seu Marreca. Do trazer ao expulsar o santo: rito de iniciação e fúnebre no Candomblé Nagô, outro texto de Diego Fontes de Souza Tavares, tem como proposta estabelecer uma descrição dos ritos de iniciação e fúnebres no Candomblé de língua Iorubá e etnia nagô, entendendo que a vida religiosa de um adepto de determinada religião é composta tanto pelo rito de iniciação como, por fim, pelo fúnebre – que simboliza o deixar sua vida terrestre e partir para outro plano. Conforme a escatologia e o post-mortem dessa religião, tratou-se de descrever os rituais da feitura de santo e do axexê, que caracterizam a iniciação e saída do orixá na vida do candomblecista; pois, se com a feitura do santo o orixá penetra no adepto, com o axexê, o mesmo orixá é retirado dele e enviado ao orum. Utilizando teoria do Mito e do Rito de Mir- cea Eliade, para análise desses processos rituais, e embasado em teóricos clássicos e modernos, que já se propuseram a pesquisar o Candomblé nagô, descreveu-se o processo ritual que inicia e termina a vida de um iaô à religião afro-brasileira. Em Consumindo o Ethos da Sociedade Descartável: Interfaces entre o Mito-Tec- no-Lógico contemporâneo, Daniel Morais Jambo Rocha e Genilson Trindade da Silva questionam: Acreditar em algo nos torna mais especiais? Para eles, os animais não abrigam a fé e mesmo assim migram, para puramente sobreviver; deslocam-se de uma localidade com pouco ou nenhum recurso para uma mais farta e dar conti- nuidade ao seu grupo e seus hábitos. Partindo desse ponto de vista para “buscar melhores condições de vida”, a fé abre espaço para migrar do seu ponto “ultrapas- sado” e com pouca “significação” aos novos movimentos sociais e tecnológicos. É dar significado lógico ao que se acredita sem perder uma essência antiga que aponte a direção, mas é claro, sem ser ultrapassada para uma geração que incorpo- ra o “valor” tecnológico às suas ações corriqueiras. O mito mescla com os aspectos humanos construindo sentido, dando lógica à tecnologia, assim como na migração, desloca-se de uma área para outra, sem perder aspectos/tradições que reverbe- rarão ao longo dessa transição sociocultural. Essa figura mítica não irá se perder em seu novo lar, mas sim renovará sua moradia nos escombros de mitos antigos, reconstruindo uma “nova” fé com alicerces da antiga e seguindo o mesmo padrão de consumo do mito em sua figura. O Mito Moderno: Deus Ex Machina, de Daniel Morais Jambo Rocha, propõe ana- lisar aspectos míticos e arquetípicos nas descrições e discursos dos avistamentos As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA18 dos Objetos Voadores Não Identificados – OVNI, como também explicar o fenôme- no a partir de elementos míticos incorporados aos seus avistamentos e a presença de seus arquétipos como uma forma de clarificar e qualificar os discursos sobre essas experiências de seus interlocutores. Para isso, foi realizada uma análise des- ses relatos sob uma perspectiva junguiana, explorando os elementos inconscien- tes e arquetípicos que formam a natureza de tais fenômenos. As Ciências da Reli- gião mostram que os mitos são capazes de se redefinir e se transformar através do tempo. Portanto, quando se observa o fenômeno oVnI atualmente, absorvendo a narratológica das mitologias, incorporando seus arquétipos e elementos de cunho futurista, averígua-se que uma solução inesperada, improvável e pomposa está sendo utilizada na tentativa de clarificar e qualificar o fenômeno por meio de uma solução milagrosa repleta de conteúdo numinoso. nesse sentido, encontra-se uma religião moderna acrescida de uma roupagem contemporânea sustentada por ele- mentosreligiosos em sua forma mais atual. Por fim, em Grupo Zambêracatu: práticas e ressignificações do maracatu no Rio Grande do Norte, Davi Alves Cavalcanti Júnior faz uma análise do maracatu pratica- do pelo Grupo Zambêracatu, fundado no ano de 2013 e que tem como origem o maracatu da nação Porto Rico, de Recife. Tido na atualidade como único maracatu nação do Rio Grande do norte, problematizando a questão das próprias categorias dos maracatus de baque virado e sua ressignificação nas práticas do maracatu do Rio Grande do Norte. Para tanto, faz-se necessário compreender a reinvenção e a ressignificação da tradição a partir do Zambêracatu, que podem ajudar a entender os processos relacionados à contemporaneidade, por mostrar que tais usos atendem a vários interesses vistos na história e ressignificados para os dias atuais. Optou-se, nesse espaço, por trabalhar com a história oral temática, uma vez que essa modali- dade permite realizar um recorte direcionado para aquilo que se pretende estudar. Diego Fontes de Souza Tavares Valdicley Silva VOLTA AO SuMáRIO A Ciência da Religião de Max Müller: contextualização e apresentação de um de seus textos Pedro Rodrigues Camelo Especialista em Ciências da Religião pela Universidade do Estado do Rio Grande do norte. Licenciado em Ciências da Religião pela Universidade do Estado do Rio Grande do norte. Licenciado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do norte. Bacharel em História pela Universidade Federal do Rio Grande do norte. E-mail: pedror.camelo@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/1117483859071081 Academia.edu: https://independent.academia.edu/ PedroRodriguesCamelo ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1735-2865 Como referenciar este capítulo: CAMELo, Pedro Rodrigues. A Ciência da Religião de Max Müller: contextualização e apresentação de um de seus textos. In: TAVARES, Diego Fontes de Souza; SILVA, Valdicley; MARAnHão Fº, Eduar- do Meinberg de Albuquerque (orgs.). As Ciências da Religião: objeto, Metodologia e Pesquisa. Florianópolis: AMAR / FoGo, 2021, p. 19-28. mailto:pedror.camelo@hotmail.com http://lattes.cnpq.br/1117483859071081 http://Academia.edu: https://independent.academia.edu/PedroRodriguesCamelo https://independent.academia.edu/PedroRodriguesCamelo https://orcid.org/0000-0003-1735-2865 As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA21 1 Introdução O presente artigo tem por finalidade introduzir um texto de Friedrich Max Müller, que dificilmente é estudado nas graduações e pós-graduações em Ciências da Religião. Esse texto é uma introdução ao estudo comparado das religiões em caráter científico, o que foi uma revolução na maneira de se estudar as religiões na Europa oitocentista e, consequentemente, no Brasil mais tardiamente. Trata-se da palestra conferida no dia 19 de fevereiro de 1870 em Londres no Royal Institute, cujo intuito era o de fornecer os meios de comparação entre a reli- gião Cristã e as religiões (re)descobertas da Ásia, como Hinduísmo e Budismo, em suas diversas formas e línguas, especialmente as indo-europeias. o tema foi escolhido por ter cursado a disciplina Introdução às Ciências da Religião, na Especialização em Ciências da Religião, na Universidade do Estado do Rio Grande do norte em 2018 e traduzido o texto Introduction to the Science of Religion, de Friedrich Max Müller, da língua inglesa para a portuguesa. Ao traduzir, encantou-me a forma e os exemplos que o autor deu ao descrever as traduções e reais significados dos textos religiosos que estudou, principalmente os da Bíblia. O tema é importante por mostrar que o estudo dos autores clássicos da Ciên- cia da Religião, em especial Friedrich Max Müller, pode servir como base comum a graduações e pós-graduações no Brasil dentro da disciplina História das Ciências da Religião como um artifício para a unificação dos saberes, uma vez que são ciên- cias distintas as bases dessa área de conhecimento. Para a realização desse modelo de artigo, de introdução à uma obra, tivemos como exemplo o texto Sistema e evolução na teoria de Luhmann de Cicero Araujo e Leopoldo Waizbort (ARAÚJo; WAIZBoRT, 1999), e o texto O método comparativo de Deyve Redyson, com tradução de Lorenzo Sterza e Marcia Maria Enéas Costa (REDYSon, 2016). Ambos seguem o mesmo estilo. o artigo começa com uma contextualização da Ciência da Religião a nível internacional de forma resumida. Será dividido em três momentos distintos: de 1870 a 1940, onde o surgimento e formação da área serão apresentados; de 1945 a 1970, onde será apresentada uma nova Ciência da Religião; e de 1980 até os dias presentes, onde será apresentada uma avaliação da pertinência dos estudos sobre religião. Após essa contextualização internacional, passamos para a contextualização da Ciência da Religião a nível nacional, na qual veremos como as cátedras brasilei- ras foram estabelecidas e em que bases, uma vez que há uma gama de conceitos de método e objeto, o que faz com que as nomenclaturas sejam múltiplas. No tópico seguinte será feita uma introdução à vida de Max Müller e ao texto citado. Nesta seção veremos as contribuições que o autor deu ao estudo e à criação da área de Ciência da Religião ao cunhar e efetivamente sintetizar um projeto de uma disciplina autônoma e distinta da Teologia. As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA22 2 Ciência da Religião no contexto mundial De acordo com Pieper (2017), a história da Ciência da Religião pode ser divi- dida em três momentos: de 1870 a 1940 com o surgimento de um campo específi- co para o estudo das religiões, de 1945 a 1970 com uma “nova Ciência da Religião” e de 1980 até os dias presentes com uma (re)avaliação da pertinência dos estudos sobre religião. Durante o primeiro momento, ainda no contexto de colonização africana e asiática pelos europeus, as diversas culturas eram estudadas, inclusive as religiões. Escritos religiosos hindus e budistas começaram a ser traduzidos nas línguas eu- ropeias e a Bíblia começou a ser submetida a análises críticas e históricas, com o pensamento iluminista (ainda) em alta na época. Esse pluralismo cultural ajudou no desenvolvimento de estudos comparados das diversas matrizes religiosas. Como diz Pieper (2017, p. 132): “[...] o estudo da religião deu-se como consequência da modernidade, especificamente do Iluminis- mo e sua abordagem crítica da religião”. neste período foi um professor alemão de Filologia chamado Friedrich Max Müller (1823-1906) quem idealizou a área de estudos. Institucionalmente falan- do, foi o holandês Cornelius Tiele (1830-1902) quem estabeleceu a disciplina na universidade. Para que essa nova disciplina pudesse se distanciar da Teologia, a condução de um estudo científico da religião deveria ser realizada com “duas ten- dências: ênfase na imparcialidade e distanciamento em relação ao objeto ou des- taque para a postura da empatia” (KNOTT, 2005, p. 244, apud PIEPER, 2017, p. 133). Sobre o distanciamento entre a Ciência da Religião e a Teologia, Pierre Daniel Chantenpie de la Saussaye confirmou a distinção categorial entre as duas, mes- mo havendo uma interpretação funcional entre elas (PIEPER, 2017). Tiele (2018) defende que o estudo da religião não deve se dedicar ao metafísico. Deve se con- centrar em investigar a religião como algo criado pelo ser humano, ou seja, possui a tarefa de “investigar a religião como fenômeno histórico-psicológico, social e to- talmente humano [...]” (TIELE, 2018, p. 219). O autor argumenta ainda que a Ciência da Religião não cria religiões ou normas por não possuir finalidade prática e que esse estudo científico deve ser feito com certo distanciamento (TIELE, 2018). Foi a partir dessa base inicial que surgiu a Fenomenologia da Religião, na qual dominava a perspectiva de que havia necessidade de empatia com a religião estudada, mas que deveria ser afastada no momento de formular categorias de compreensão para se esclarecer o sentido da religião vivenciada (PIEPER, 2017).Para isso entendia-se que é necessário tentar compreender o que o fiel daquela determinada religião sente ao vivenciá-la. Mas como o estudioso, que não perten- ce àquela religião, poderia compreender o que sente o fiel? A resposta fenomeno- lógica era o uso da imaginação (PIEPER, 2017). Imaginação no caso do estudioso, tentando colocar-se no lugar do fiel. As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA23 Em meio a esse desenvolvimento, uma crescente consciência corporativa en- tre autores emergiu, o que foi uma articulação favorável à disciplina a partir dos anos 1870 porém isso não impediu que houvessem nomenclaturas diferentes des- de Ciência da Religião, Ciência da Religião Comparada, Estudo das Religiões, His- tória das Religiões ou História das Religião Comparada (PASSoS; USARSKI, 2013). Aqui temos a gênese da incerteza quanto ao nome da disciplina/área. Segundo Pieper (2017), o segundo momento da história da área, se dá entre 1945 e 1970. Há tentativas de renovação no período entre guerras, porém sem su- cesso, pois possuíam caráter apologético. Ainda segundo o autor, após a Segunda Guerra Mundial, entre as décadas de 1950-60, surge uma nova forma de estudos sobre a religião com a chamada “Escola de Chicago” e a contribuição do estudioso romeno Mircea Eliade (1907-1986). Nesse período há uma expansão mundial da área em importantes depar- tamentos de “Religious Studies” nos EUA (1950), “Ciencias de las Religiones” na Espanha (1950), “Ciências da Religião” no Brasil (1959) e em outras localidades (PIEPER, 2017). Ao mesmo tempo há uma aproximação com as Ciências Sociais, fazendo com que houvesse uma busca por metodologias mais empíricas para os estudos científicos da religião. Com o movimento de contracultura em alta, reli- giões de origem não-cristã começaram a ganhar mais atenção dos profissionais da área (PIEPER, 2017). Por fim, em linha com a apresentação de Pieper (2017), tem-se o terceiro pe- ríodo, desde a década de 1980 até os dias atuais, no qual há uma preocupação em (re)avaliar internamente os departamentos de Ciência da Religião, uma vez que passa-se a questionar em que medida os estudos sobre religião podem ser aplica- dos a contextos e tradições religiosas diversas. Ao longo da história cientistas da religião, em todo o mundo, concordam que há elementos indispensáveis que constituem a estrutura básica da disciplina: o caráter espectral com as contribuições da História, Antropologia, Psicologia e Sociologia e suas metodologias que ajudaram nas “pesquisas empíricas sobre os fenômenos reli- giosos singulares e da comparação e sistematização das informações fornecidas por especialistas em diferentes tradições religiosas” (PIEPER, 2017, p. 19). Essa breve retrospectiva da Ciência da Religião nos ajuda a entender o status epistemológico de uma “ciência moderna dentro de quadros institucionais legi- timadores específicos nos contextos da pesquisa, do ensino, da divulgação e da aplicação” (PIEPER, 2017, p. 21). É esse capital científico que está disponível para qualquer cientista da religião que queira se aprofundar e que podem, ou não, che- gar até nós. Caso esse capital científico chegue, vem somente em outras línguas, o que nos é prejudicial. As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA24 3 Ciências da Religião no Brasil Como visto anteriormente, a Ciência da Religião nos anos 1950 e 1960 era estabelecida ao redor do mundo. Segundo Teixeira (2012), no Brasil, a primeira cadeira nas universidades foi criada no final da década de 60 do século passado, e que foi extinta. Como nos diz Marques e Rocha (2007), no final dos anos 1970 surgem os primeiros programas de pós-graduação – especialização, mestrado (PUC-SP, 1978) e doutorado (UMESP, 1979). Essas cadeiras foram criadas com diversas nomenclaturas: Ciência da Religião, Ciências da Religião, Ciência das Religiões e Ciências das Religiões. Cada opção ins- titucional tinha enfoque em um aspecto, tanto no método quanto no objeto. Uma ciência única (qual?) que abrangeria o estudo de uma religião (Cristianismo?) no caso Ciência da Religião; métodos múltiplos de várias ciências (História, Antropologia, So- ciologia, Filosofia) para se estudar a religião, no caso Ciências da Religião; uma ciên- cia única (Fenomenologia) para se estudar o objeto (fenômeno), no caso Ciência das Religiões; e múltiplos métodos para se estudar as várias religiões (no sentido mais abrangente do termo), no caso Ciências das Religiões (CAMURÇA, 2008). De acordo com Gross (2012), diferentemente da Europa, no Brasil as univer- sidades não nasceram com os cursos de Teologia, mas o estudo da religião “se de- senvolveu no contexto de uma visão prévia disseminada na academia de que este estudo não é um saber qualificado” (GROSS, 2012, p. 13). Ainda nos diz Gross (2012) que, nas universidades brasileiras, a Teologia da Libertação foi uma influência bastante forte para a inserção do estudo da religião nos cursos universitários, especialmente nas Ciências Sociais. Porém “[a] ciência da religião enquanto área própria de estudo no Brasil não foi um objetivo da teolo- gia da libertação, mas uma consequência colateral dela [...]” (GROSS, 2012, p. 19). Pelo início da Ciência da Religião no Brasil ser diferente e também pelo fato de possuir essa identidade confusa com singulares e plurais/métodos e objetos, não há uma unidade característica e nem um objeto de estudos da própria área e Gross (2012) tenta unificar por um ponto em comum: a Fenomenologia, mais pre- cisamente a Fenomenologia da Religião. Porém, podemos ir além. Temos que a Ciência da Religião no Brasil não fez e não faz as leituras mais aprofundadas de seus clássicos, dos fundadores da área/ disciplina e isso pode ser solucionado com um estudo aprofundado da própria His- tória da Ciência da Religião. Partimos daqui rumo à introdução do primeiro au- tor que estuda e sugere o estudo científico da Religião ou, em sua língua nativa, Religionswissenschaft1. 1 Ciência da Religião em alemão. As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA25 4 Friedrich Max Müller (1823-1906) Friedrich Max Müller nasceu em Dessau, Alemanha, em 06 de dezembro de 1823 e se mudou para Leipzig em 1836. Em 1841 se matriculou na Universidade de Leipzig para estudar línguas clássicas e outras, psicologia e antropologia. Esco- lheu o Sânscrito como seu campo de estudo e obteve seu título de PhD (Philosophy Doctor) em 1843. Mudou-se para Berlim em 1844 para continuar seus estudos em Filologia Comparada com Franz Bopp e Filosofia com Schelling. Novamente mu- dou-se para Paris por um ano para estudar Religião Comparada e Sânscrito com Eugène Burnouf, para se mudar novamente, dessa vez para a Inglaterra, vivendo em Londres por dois anos e em 1848 entrou em Oxford. Em oxford, tornou-se professor adjunto Tayloriano de Línguas Europeias Mo- dernas em 1850 e em 1854 tornou-se professor catedrático recebendo o grau de M. A. (Mestre de Artes) por decreto de convocação. Sendo um membro da Christ Church (Igreja de Cristo) desde 1851, recebeu uma bolsa na All Souls College em 1858 e em 1868 tornou-se professor de Filologia Comparada, porém se afastou de seus deveres ativos em 1875 para se dedicar por inteiro à edição dos Sacred Books of the East (Livros Sagrados do oriente, em tradução livre). Entre 1875 e 1900 dedicou-se à escrita de sua autobiografia, a qual não com- pletou por conta de seu falecimento em 28 de outubro de 1900. Seu filho Wilhelm G. Max Müller a compilou, editou e publicou em 1901 (MÜLLER, 1901). Seus livros que mais tratam das Ciências da Religião são Chips from a Ger- man Workshop e Über die vergleichende Religionswissenchaft (Fragmentos de um Seminário Alemão e Sobre a Ciência da Religião comparada, respectivamente, em tradução livre). Segundo Waardenburg (1999), neles, Müller trabalha a Filologia comparada de textos sagrados indo-europeus para fazer mitologia e religião com- parada na base linguística. Argumentava que “as pesquisasetimológica e filológica podiam descobrir o significado da religião para os homens primitivos ao restau- rar o sentido original dos nomes dos deuses e das histórias contadas sobre eles” (WAARDEnBURG, 1999, p. 87). Para Müller, os mitos eram poesia e fantasia. Ele “tentou explicar suas natu- rezas por meio de fenômenos naturais, e suas terminologias pelo que chamou de ‘doença da linguagem’” (WAARDENBURG, 1999, p. 87, tradução nossa). Para ele “a religião propriamente pode ter surgido com uma ‘imediata percepção do infinito’ através da natureza, além dos sentidos e da razão” (WAARDEnBURG, 1999, p. 87). Seu ciclo de quatro palestras em Londres, no Royal Institute, aconteceu entre fevereiro e março de 1870. Foram publicadas pela Fraser Magazine em fevereiro, março, abril e maio do mesmo ano, serviram como uma introdução ao estudo com- parado das principais religiões do mundo. Foram publicadas também em forma de livro em 1873 com o nome de Introduction to the Science of Religion (Introdução à As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA26 Ciência da Religião). o presente estudo se propõe a introduzir os leitores à primei- ra dessas palestras, realizada em 19 de fevereiro de 1870. nessa primeira palestra, Max Müller inicia sua fala se referindo a palestras an- teriores sobre a Ciência da Linguagem, pois seus estudos ajudaram a avançar a com- preensão de línguas comparadas e, como a Ciência da Linguagem ajudou nos estu- dos acerca da mente humana a partir da linguagem, por que não no reino da religião? Max Müller, em seu texto, é o pioneiro no pleito de que as religiões pudessem ser estudadas com bases científicas e não somente teológicas/filosóficas. Parte de duas definições acerca da religião: uma que prega o caráter sagrado da religião e que, por esse motivo, não poderia ser estudada cientificamente e outra que prega que a religião é um mero tecido de erros e alucinações, muito parecidos e no mes- mo patamar da alquimia e astrologia. Müller concilia ambas as visões e diz que, mesmo sagrada, a religião deve ser estudada com a mais alta reverência pelo tratamento científico. Aí já é vista uma imparcialidade do pesquisador. Diz também que a Ciência da Religião se divide em duas partes: Teologia Comparada e Teologia Teórica. Sendo a primeira dedicada às formas históricas da religião e a segunda às condições em que a religião é possível. Mas que devemos nos concentrar na primeira até que todas as evidências dos estu- dos comparativos possam ser coletadas, classificadas e analisadas para podermos passar para a segunda. Em seguida argumenta que as teologias comparadas não eram levadas a sério, pois não se tinha material em abundância. Cita o caso do Imperador Akbar (1542- 1605), um dos primeiros que se tem notícia a reunir todos os textos sagrados que poderia ter acesso traduzidos para seu próprio estudo. Cita também o aprendizado mais importante para os estudantes de história das religiões: as regras da erudição crítica. Essas regras ajudam a perceber não só quais são os livros sagrados mais antigos, mas também quem os escreveu, quando e, se possível, saber se esses textos possuem “corrupções dos séculos posteriores”. o que viria a ser isso? Essas corrupções seriam novos dados acrescentados aos livros sagrados e Müller fornece exemplos, como o dos muçulmanos ao afirmarem que Maomé ope- rou milagres, sendo que, no Corão, Maomé desdenha de quem faz milagres, di- zendo que ele seria somente um homem como qualquer outro e que os milagres seriam realizados por Allah, como o pôr do Sol ou a chuva que frutifica a terra. o estudo comparado das religiões, segundo Max Müller, deveria passar pelo estudo da linguagem na qual o livro sagrado foi escrito, pois seria um meio científi- co de perceber a mentalidade (e religião) dos tempos antigos. Basicamente o autor sugere que tenhamos em mãos os textos mais antigos, pois as religiões mudam ao longo do tempo e devemos ter a concepção clara da forma mais primitiva de cada religião em seu idioma mais antigo, pois assim poderíamos perceber essas diferen- ças citadas acima. As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA27 Sugere que possamos perceber as diferenças entre as próprias religiões, como no Budismo com o Triptaka (Dharma – porção prática e Abhidharma – porção metafísica). nesse caso, chama a atenção para a formação do cânone dos livros sa- grados, uma vez que, durante a vida do Buda, nenhum livro foi escrito e que, após sua morte, visões bem diferentes de suas doutrinas foram escritas por pessoas di- ferentes, mesmo aquelas que viveram junto com o mestre. no entanto, existem também as críticas a que o autor é passível. Sua escrita possui muitos pontos em que sua fé entra no texto, fazendo com que fosse cha- mado de proselitista. Uma característica que chama bastante a atenção é o uso da escala evolutiva das religiões, colocando o cristianismo como a melhor religião após dizer que não se deveria fazer isso. Por esses motivos elencados acima, os estudos de autores clássicos, como Max Müller, são imprescindíveis para uma visão mais abrangente da história da própria disciplina. Com isso, seria possível basilar nossa área de estudos, criando um artifício para a unificação dos saberes, uma vez que são ciências distintas às bases da área de conhecimento, como visto anteriormente. As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA28 Referências ARAÚJo, Cicero; WAIZBoRT, Leopoldo. Sistema e evolução na teoria de Luhmann: mais: Luhmann so- bre o sistema mundial. Lua nova, São Paulo, n. 47, p. 179-251, ago. 1999. CAMURÇA, Marcelo Ayres. Ciências Sociais e Ciên- cias da Religião: polêmicas e interlocuções. São Paulo: Paulinas, 2008. GRoSS, Eduardo. A Ciência da Religião no Brasil: teses sobre a sua constituição e seu desafio. In: oLIVEIRA, Kathlen Luana et alpier. (orgs.) Religião, política, poder e cultura na América Latina. São Leopoldo: EST, 2012. p. 13-24. KnoTT, K. 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Doutorando e Mestre em Ciências das Religiões peloPrograma de Pós-graduação em Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba. Bacharel em História pela Universidade Federal do Rio Grande do norte. Licenciatura plena em Ciências da Religião pela Universidade do Estado do Rio Grande do norte. E-mail: diegofontes.tavares@outlook.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/7063481045782645 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6809-6622 Como referenciar este capítulo: TAVARES, Diego Fontes de Souza. A construção da cultura e da religião: introdução às teorias de Peter Berger e Mircea Eliade. In: TAVARES, Diego Fontes de Souza; SILVA, Valdicley; MARAnHão Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque (orgs.). As Ciências da Religião: objeto, Metodologia e Pesquisa. Florianópolis: AMAR / FoGo, 2021, p. 29-39. mailto:diegofontes.tavares@outlook.com http://lattes.cnpq.br/7063481045782645 https://orcid.org/0000 As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA31 1 Introdução o ser humano é um ser vivo peculiar e que questiona sobre as vivências e ex- periências que o circundam. Diversos autores já se destinaram a buscar entender a forma como o sujeito estabelece e organiza seu pensamento e suas ações. nessa linha, surgem diversos sistemas de pensamentos, sejam eles filosofias, teologias, religiões e ciências na tentativa e fruto dessa busca. o presente trabalho direciona o entendimento dessa cultura e religião por meio de dois teóricos, Peter Berger e Mircea Eliade. Ambos possuem inúmeros tra- balhos sobre a cultura e a religião como fenômenos humanos e construções so- ciais, tendo estabelecido uma relação direta na constituição daqueles como resul- tado na medida em que o sujeito se apropria físico-mentalmente de sua realidade e a objetifica. Embora com ideias a priori distantes, faremos um paralelo entre o pensamen- to bergeriano e o eliadiano, na medida em que utilizaremos a ideia de Berger da construção social da realidade por agentes específicos por meio de sistemas sim- bólicos – sendo um deles a religião – e a sistematização da teoria da religião de Eliade, na qual a hierofania é para o sujeito religioso um elemento crucial na siste- matização de sua religião. Em suma, um ponto de intersecção entre os dois pensadores é a ideia de que o sujeito tenciona a dar um sentido e significado à sua realidade, ou seja, trans- formar o caos em cosmos, por meio de estruturas e redes de sentido – os sistemas simbólicos. Assim, partiremos da ideia de Berger de que o agente específico possui au- toridade para agir na construção e criação de sistemas simbólicos e tem poder para legitimá-lo segundo suas prerrogativas e nos apoiaremos em como o homo religious, enquanto um “agente especialista”, se utiliza dessa distinção para exer- cer essa “construção” de seu sistema religioso. Em linhas gerais, nos proporemos a usar a ideia do homo religious eliadiana como um agente especialista da ideia de Berger, que é aquele responsável pela institucionalização de um conhecimento mediante um sistema simbólico – do qual a religião o é (tanto para Berger, como para Eliade). 2 A construção do universo simbólico pelo sujeito Como já exposto, o ser humano é um ser com predisposição à sociabilidade. Além dessa predisposição social, ele carrega consigo uma tendência de viver em um espaço seguro e imbuído de significado. O mundo natural é um lugar deveras perigoso e que exige a manutenção de uma ordem que confira ao sujeito segurança As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA32 e sentido. Partindo disso, dessa necessidade de atribuições de sentido a determi- nados fenômenos – e aqui nascendo a cultura – ele utiliza-se de ferramentas para construir sua cultura e moldar o meio de acordo com suas necessidades físicas e mentais. A construção social dessa realidade se caracteriza na elaboração de estruturas de sentido para transformar esse caos em um cosmos, deixando de ser a natureza um espaço de incertezas e perigos, sendo agora um meio em que o saber garan- te a dominação desse espaço. Assim, a construção social da realidade, fundamen- tada no “universo simbólico, defende o indivíduo do supremo terror, outorgando uma legitimação fundamental às estruturas protetoras da ordem institucional” (BERGER, 2014, p. 134). Logo, a realidade é um fenômeno cognitivo que é pelo sujeito construída e in- ventada. Peter Berger (2014) defende que o processo dialético da formação dessa realidade se dá em três estágios, que são a exteriorização, a objetivação e a inte- riorização. Segundo o próprio Berger, A exteriorização é a contínua efusão do ser humano sobre o mundo, quer na ati- vidade física quer na atividade mental dos homens. A objetivação é a conquista por parte dos produtos dessa atividade (física e mental) de uma realidade que se defronta com os seus produtores originais como facticidade exterior e dis- tinta deles. A interiorização é a reapropriação dessa mesma realidade por parte dos homens, transformando-a novamente de estruturas do mundo objetivo em estruturas da consciência subjetiva. É através da exteriorização que a sociedade é um produto humano. É através da objetivação que a sociedade se torna uma realidade sui generis. É através da interiorização que o homem é um produto da sociedade (BERGER, 1985, p. 16). Então, a realidade social é construída a partir da exteriorização da natureza pelo sujeito, que é a idealização e transformação desse meio conforme as suas ne- cessidades. Com a transformação desse meio para atingir suas pretensões, surge a objetividade social, que é a atribuição de sentidos e modos de agir àquela exterio- rização. no momento em que o sujeito compreende a função dessa exteriorização e a reproduz, ocorre a interiorização. Conforme a execução, transmissão e manutenção das ações habituais que oriunda dessa objetividade social pelo sujeito criada, ocorre a institucionalização dessa realidade social e a legitimação dessas instituições1. Essa institucionalização se origina na reprodução desses hábitos sociais por todos da sociedade e implica historicidade e controle (BERGER, 2014). Logo, processo histórico (historicidade): 1 A institucionalização é a naturalização da objetividade da realidade social e a legitimação é a expli- cação e justificação dessa institucionalização aos sujeitos que dela seguem às normas e conduta. Logo, é interessante expor que a institucionalização e sua consequente legitimação não são posteriores aos processos de criação da realidade (exteriorização, objetivação e interiorização), mas concomitante a eles. As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA33 pelo fato dessa institucionalização está diretamente ligado ao processo histórico no qual se é fruto; e controle: por estabelecer padrões e normas de conduta. Se- gundo o próprio autor, os mecanismos conceituais que mantêm os universos simbólicos acarretam sempre a sistematização de legitimações cognoscitivas e normativas, que já estavam presentes na sociedade de modo mais ingênuo e que cristalizam no universo simbólico em questão. Em outras palavras, o material do qual são feitas as legitimações de conservação do universo é principalmente uma elaboração posterior, em um nível mais alto de integração teórica, das legitimações das vá- rias instituições. Assim, existe habitualmente uma continuidade entre os esque- mas explicativos e exortativos, que servem de legitimação no nível teórico mais baixo, e as imponentes construções intelectuais que explicam o cosmo (BERGER, 2014, p. 143). Essa legitimação é fruto de uma relação de poder entre mecanismos concei- tuais (de diferentes universos simbólicos distintos), da qual logra êxito aquele que possui o maior poder dos agentes que operam com ela. Assim, diferentes agentes tencionam o modo de legitimar suas ideologias e de levaram-na ao título de insti- tuição legitimada, que lhes confere uma hegemonia inconteste das mesmas. Logo, é justamente no momento do processo exteriorização>objetivação que há a dispu- ta entre a legitimação dessas instituiçõespor seus agentes. Berger afirma que os mecanismos conceituais dessas legitimações seguem uma ordem: mitologia, teologia, filosofia, ciência. Não legitimando uma hierarquia desses mecanismos nem um processo evolucionista no processo de legitimação (da realidade construída e transformada em cosmos), a mitologia se mostra, de acordo com Berger, “a forma mais arcaica de manutenção do universo, pois de fato representa a forma mais arcaica de legitimação em geral” (BERGER, 2014, 144). É Partindo desse pressuposto que existe uma relação latente entre a constru- ção pelo sujeito do seu mundo e da sua religiosidade. É na construção do nomos, que é a garantia de uma ordem – uma cosmologização da natureza – que a religião surge e se apresenta como fator que assegura esse sentido ao sujeito. Logo, esse universo simbólico funciona para o sujeito como que um escudo ao terror, ao indô- mito, lhe oferecendo sentido e segurança às coisas caóticas do desconhecido. É a partir do momento em que os homens estão dominando e inventando ferramentas para dominação desse meio que surge, dentre as ferramentas construídas, a reli- gião, que oferece essas estruturas de cosmologização ao sujeito e que é por ele originada e constantemente reinventada – é uma estrutura estruturada2. 2 Entende-se por estrutura estruturada aquela instituição (estrutura) que reproduz, via relação de po- der, as estruturas das relações sócio econômicas vigentes. As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA34 Como nos expõe Berger (1985), um principal denominador e um fator motriz na construção da realidade do sujeito, é a efetivação do que se chama de Revolu- ção neolítica, que favoreceu a divisão social do trabalho e, com isso, o progresso de diversas formas de conhecimento e construção do universo simbólico do sujeito 3. Com o advento de técnicas agrícolas, domesticação do ambiente e de animais, criação de manufaturas cada vez mais complexas e domínio dos grãos, tornou-se pos- sível o assentamento em territórios e passou-se de povos nômades a sedentários, tor- nando-se agora produtores de alimentos e surgindo assim estruturas urbanas. Tendo uma vida associativa e em comunidade, permitiu-se uma maior pro- dução de alimento e armazenamento, garantindo um ócio produtivo aos membros da comunidade, na mesma medida que favorece a divisão social do trabalho, em que cada membro fica responsável por uma atividade, estimulando a produção de conhecimento. Segundo Peter Berger, Dado o acúmulo histórico do conhecimento em uma sociedade, podemos admitir que, devido à divisão social do trabalho, o conhecimento de papéis específicos crescerá em proporção mais rápida do que o conhecimento geralmente relevan- te e acessível. A multiplicação das tarefas específicas produzida pela divisão do trabalho requer soluções padronizadas que possam ser facilmente aprendidas e transmitidas. (BERGER, 2014, p. 104) Desta forma, com o acúmulo de conhecimentos oriundos da divisão social do trabalho, começa-se a construção do universo simbólico dessas comunidades, geralmente dominado por agentes especialistas. Essa elaboração de uma melhor “leitura” da realidade se dá pelo fato de o sujeito ser um ser vivo ímpar, sendo ca- paz de articular pensamento, ação, conhecimento e inteligência e, assim, expressar sentimentos e emoções que o diferenciam de outros seres. Como extensão desses atos, o sujeito exprime e configura tudo à sua volta como forma de dominação da sua experiência, às vezes indômita – como no caso da morte. Numa tentativa de dominação, o sujeito cria, indaga, pergunta e responde com elementos e símbolos que facilitam o conhecimento e discernimento daquilo que não sabe. o epistemó- logo Peter Berger caracteriza esse fenômeno como construção do universo simbó- lico (realidade), que geralmente é elaborada e dominada por agentes especialistas. Essa construção concede uma melhor “leitura” da realidade. Para ele, Qualquer tema significativo que abrange assim esfera da realidade pode ser de- finido como um símbolo, e a maneira linguística pela qual se realiza esta trans- cendência pode ser chamada de linguagem simbólica. Ao nível do simbolismo, por conseguinte a significação linguística alcança o máximo desprendimento do 3 Vale salientar que o universo simbólico não emerge juntamente com essa divisão social do trabalho. Tem-se, por exemplo, as pinturas rupestres, com seus signos estereotipados, que podem ter sido o iní- cio de uma linguagem simbólica. As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA35 ‘aqui e agora’ da vida cotidiana e a linguagem eleva-se a regiões que são ina- cessíveis, não somente de facto, mas também a priori, à experiência cotidiana. A linguagem constrói, então, imensos edifícios de representação simbólica que pa- recem elevar-se sobre a realidade da vida cotidiana como gigantescas presenças de um outro mundo. A religião, a filosofia, a arte e a ciência são os sistemas de símbolos historicamente mais importantes deste gênero (BERGER, 2014, p. 59). Entendida como se dá a construção social da realidade, por meio da elabora- ção de sistemas simbólicos (cultura), partiremos agora para a sistematização da re- ligião para o sujeito. Assim, usou-se de abordagens fenomenológicas para melhor expor do que tratamos, bem como seguir aquela simbiose proposta por Pettazzoni (1959) entre a historicidade e a fenomenologia. Baseado nisso, seguimos a linha do teórico Mircea Eliade no que acredita serem os elementos basilares na fundação das religiões, dando ênfase ao Mito, Rito, Hierofanias Tempo e Espaço sagrados. É de suma importância a compreensão da relevância desses elementos para o homo religious4 e para a sistematização de uma religião. A hierofania garante a fundação do mito, que por sua vez a descreve e, assim, estabelece-se um espaço sagrado, um tempo sagrado, bem como concede ao sujeito algum significado. Por último, na revivência desse mito no tempo sagrado, funda-se o rito. Discorreremos mais profundamente sobre essa sistematização: Hierofania>Mito>Espaço Sagrado e Tempo Sagrado>Rito a seguir e conceituando e exemplificando. 3 A elaboração de sistemas religiosos Percebe-se que a construção de espaços do além, a criação de uma narrativa que expresse como foi criado o mundo ou os seus deuses, seus alimentos ou a ori- gem de um animal específico, a estória de um ente divino ou heroico que já fez in illo tempore aquilo que é desconhecido ao sujeito, a origem da morte ou da queda do sujeito, que dá sentido à sua impotência, e até mesmo o que vêm depois da morte, são expressas em suas narrativas míticas, em que o sujeito dá significado a esses acontecimentos até então desconhecidos e indômitos. Para Eliade (1991b), o Mito é um significado do sujeito ao que não conhe- ce na tentativa de estabelecer sentido e ordem ao que se mostra desordenado, até a corporificação do mito, por meio do rito, que é uma forma de domínio do sujeito àquilo que desconhece e um retorno ao tempo sagrado, sendo o nosso tempo e nosso espaço profanos. Rompendo com a antiga tradição que entendia o mito enquanto uma fábula, uma invenção, entende o mito de acordo com as so- ciedades arcaicas e tradicionais, que é concebido como uma história verdadeira e 4 Termo cunhado por Mircea Eliade para caracterizar determinados pontos inerentes ao sujeito religioso As CiênCiAs dA Religião – objeto, metodologiA e pesquisA36 “extremamente preciosa por seu caráter sagrado, exemplar e significativo” (ELIA- DE, 1991b, p. 7). Nessa linha – e para melhor exemplificar a concepção do teórico acerca do mito e o quanto ela se difere das tradicionais atribuições que denotam valor de mentira e falsidade – Mircea Eliade, em seus muitos estudos e trabalhos sobre a temática, retoma o caráter do Mito como entendiam aquelas sociedades primeiras, o definindo como uma História sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que teve lugar no co- meço do Tempo, ab initio. Mas contar uma história sagrada equivale
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