Buscar

Câncer de pâncreas

Prévia do material em texto

CÂNCER DE PÂNCREAS
O adenocarcinoma de pâncreas é uma neoplasia de prognóstico ruim, 70% dos pacientes vai a óbito dentro
do primeiro ano após o diagnóstico. Sendo a sobrevida de apenas 6% dos indivíduos permanecem vivos
após cinco anos. O prognóstico ruim se dá pois é muito difícil diagnosticar o câncer de pâncreas em fases
inicias e em fases verdadeiramente “curáveis”. Em mais de 50% das vezes o diagnóstico só é percebido no
estágio IV (metástases à distância), e grande parte do restante dos casos é identificada no estágio III
(ausência de metástases, porém com doença irressecável).
Epidemiologia e fatores de risco
O adenocarcinoma de pâncreas predomina em idosos (> 60 anos),
sendo raro antes da quinta década de vida. Há um discreto
predomínio em homens, particularmente em negros (risco 2x maior
que em brancos). A história de pancreatite crônica, de qualquer tipo,
é um dos mais poderosos fatores de risco. Contudo, uma forma
especial – a pancreatite crônica hereditária – acarreta risco
especialmente alto (mais de 50% dos portadores desta condição
desenvolvem câncer de pâncreas ao longo da vida). O tabagismo é
outro fator de risco consistente, diretamente proporcional à carga
tabágica. O álcool em si não é um fator de risco para câncer de
pâncreas, somente se o paciente evoluir com pancreatite crônica
alcoólica é que o próprio processo inflamatório crônico constituirá
fator de risco para esse tipo de câncer. Fatores dietéticos também
parecem estar envolvidos: a ingestão excessiva de gorduras seria
fator de risco, enquanto um elevado consumo de frutas e vegetais
seria fator de proteção. A obesidade, igualmente, está associada a um maior risco de câncer de pâncreas. O
diabetes mellitus é outro fator de risco clássico. A exata explicação biológica não é conhecida, porém é
notório que a maioria dos pacientes que recebem um diagnóstico de Ca de pâncreas (> 50%) já era
previamente diabética, possuindo, geralmente, DM tipo 2. Por fim, a história familiar de câncer de pâncreas
é mais um fator de risco importantíssimo e bem estabelecido. Até 10% dos casos possui um ou mais
parentes de 1º grau acometidos.
Patologia
Cerca de 75% das neoplasias pancreáticas se originam no epitélio ductal da porção exócrina do pâncreas
(adenocarcinoma ductal). O adenocarcinoma de células acinares é menos frequente, e possui prognóstico um
pouco melhor que o tumor ductal (sendo, ainda assim, uma neoplasia agressiva).
Quanto à localização, as neoplasias malignas do pâncreas distribuem-se da seguinte forma:
1. 70% na cabeça/processo uncinado;
2. 20% no corpo;
3. 10% na cauda.
Microscopicamente, não há qualquer diferença entre os carcinomas da cabeça e do restante da glândula,
sendo, em geral, adenocarcinomas pouco diferenciados, compostos por estruturas tubulares abortadas ou
agrupamentos de células com crescimento agressivo e infiltrativo, podendo haver intensa reação fibrótica ao
redor. As glândulas são atípicas, irregulares e pequenas. Os tumores bem diferenciados são incomuns. São
descritas duas variantes do adenocarcinoma de células ductais: adenoescamoso e mucinoso.
Manifestações clínicas
Há uma tríade clássica: perda de peso, dor abdominal e icterícia colestática.
No entanto, a maior parte demora para atingir este quadro estereotipado, apresentando uma evolução mais
ou menos arrastada de sinais e sintomas inespecíficos e não localizadores da doença (o que atrasa o
diagnóstico). Analisando-se retrospectivamente a história clínica, constata-se que até 2/3 dos pacientes
iniciam com queixas vagas como anorexia e desconforto abdominal, presentes durante meses. Quando o
paciente se apresenta com perda ponderal, em geral a doença já se encontra em estágio bastante avançado.
A dor abdominal costuma ser epigástrica, de caráter constante e “surdo”, podendo irradiar para o dorso.
Pode ser desencadeada ou agravada pelas refeições (pós-prandial).
A perda ponderal pode ser significativa, com facies hipocrática e caquexia extrema. Seu principal fator
contribuinte é a anorexia, embora em alguns pacientes predomine a má absorção intestinal por insuficiência
pancreática exócrina e consequente esteatorreia.
A icterícia por obstrução biliar – com colúria, acolia fecal e, tipicamente, PRURIDO, ou seja, uma
síndrome colestática completa – está presente na apresentação em cerca de 50% dos casos. Isso acontece nos
tumores de cabeça do pâncreas devido à compressão por contiguidade do colédoco distal. Nos tumores de
corpo e cauda a icterícia costuma ser mais tardia ou pode não acontecer, já que nestas localizações a lesão
fica distante da via biliar.
Diagnóstico
1. Anamnese + exame clínico: história da doença, relatos do paciente, achados clínicos como:
a. Vesícula biliar palpável e, às vezes, visível no abdome, tipicamente INDOLOR (vesícula de
Courvoisier-Terrier). Presente em 25% dos casos.
b. Massa abdominal e/ou ascite (20% dos casos).
c. Hepatomegalia (por obstrução biliar e/ou disseminação metastática).
d. Linfonodomegalia supraclavicular esquerda (nódulo de Virchow); linfonodomegalias
perirretais perceptíveis ao toque.
e. Raramente ocorre esplenomegalia congestiva e hemorragia digestiva alta.
2. Exames de imagem:
a. USG de abdome: a USG de abdome revelar a presença de dilatação biliar + massa na cabeça
do pâncreas. Se as vias biliares estiverem dilatadas, mas o pâncreas não apresentar indícios de
tumor ou não puder ser visualizado (na ausência de cálculos evidentes), o próximo passo
também deve ser a TC de abdome devido a sua maior acurácia para o estudo pancreático.
Observação: pacientes sem icterícia, mas sob suspeita de Ca de pâncreas (ex.: idosos
tabagistas com DM de início/piora recente e queixas gastrointestinais vagas), devem partir
direto para a TC de abdome, sem necessidade de USG prévia.
b. TC abdome com contraste: é o exame de escolha para avaliar o câncer de pâncreas, pois
detecta as lesões não visualizadas pela ultrassonografia, além de complementar o
estadiamento e a definição de ressecabilidade das lesões encontradas. A TC caracteriza com
precisão o tamanho do tumor, o acometimento linfonodal e a presença ou não de metástases à
distância (ex.: fígado). O exame tem que ser feito com contraste IV para delinear a relação do
tumor com estruturas vasculares, como as artérias que passam próximo à cabeça do pâncreas
(dado crucial na definição de ressecabilidade).
c. PETscan: empregado na diferenciação entre Ca de pâncreas e pancreatite crônica, quando se
suspeita da forma “pseudotumoral” desta última.
d. Histopatologia: no paciente típico, com achados tomográficos característicos (e cuja lesão
seja considerada ressecável), o diagnóstico de Ca de pâncreas é estabelecido de forma
empírica e a conduta terapêutica já pode ser traçada. A confirmação histopatológica será feita
apenas no pós-operatório, através de análise da peça cirúrgica. Por outro lado, quando se
considera que a doença é irressecável, contraindicando-se a cirurgia curativa, a confirmação
do diagnóstico histopatológico passa a ser obrigatória, com o paciente devendo ser submetido
à PAAF endoscópica ou percutânea. O motivo é que nesta situação precisamos ter certeza do
diagnóstico a fim de justificar o encaminhamento do paciente para a radio/quimioterapia
paliativa ou para tratamentos experimentais.
e. Marcadores tumorais: o CA 19-9 (principal marcador tumoral do adenocarcinoma
pancreático) não deve ser usado como teste de screening para câncer de pâncreas.
Isoladamente, ele não possui acurácia suficiente para estabelecer um diagnóstico precoce,
sendo primordialmente útil no acompanhamento dos pacientes que já receberam o
diagnóstico por outros métodos.
Tratamento
1. Paliativo: o objetivo é o controle da dor, da colestase e da obstrução duodenal.
a. Dor: inicialmente tratada com analgésicos de forma escalonada, como na pancreatite crônica
(quer dizer, pode – e costuma – ser necessário o uso de morfina oral de liberação
prolongada). Nos casos refratários o bloqueio do plexo celíaco pode ser feito pela via
percutânea.
b. Colestase: o sintomaque mais incomoda os pacientes costuma ser o prurido. Este pode ser
satisfatoriamente aliviado por procedimentos como a colocação de stents biliares (de
preferência metálicos), que hoje em dia constituem a opção de primeira escolha. A cirurgia de
derivação biliodigestiva (coledocojejunostomia em Y de Roux), atualmente é reservada para
os casos em que o paciente acaba sendo submetido a uma “laparotomia fútil” (isto é, a
avaliação pré-operatória sugere doença ressecável, porém a irressecabilidade é descoberta
somente durante a cirurgia). Neste contexto, em vez de simplesmente “fechar a barriga do
paciente sem fazer nada”, aproveitamos a oportunidade e realizamos a derivação, caso ele já
não possua um stent biliar (se houver um stent pérvio previamente implantado, podemos
“fechar a barriga sem fazer nada”). Alguns cirurgiões optam pela colecistojejunostomia
(anastomose com o fundo da vesícula) quando o colédoco não se encontra muito dilatado, o
que é incomum no Ca de pâncreas avançado.
c. Obstrução: a obstrução do duodeno por invasão tumoral é uma manifestação muito tardia da
doença, encontrada em apenas 20% dos casos. Pode ser tratada com a colocação endoscópica
de uma prótese autoexpansível, porém o método terapêutico mais eficaz é a
gastrojejunostomia.
d. A associação de quimio + radioterapia pode ser considerada na doença irressecável
localmente avançada (estágio III). Na doença metastática (estágio IV) costuma-se empregar
apenas quimioterapia sistêmica
2. Curativo: a única chance de cura do Ca de pâncreas é a ressecção do tumor. Nos poucos pacientes
aptos para este procedimento (doença ressecável + risco cirúrgico permissivo), somente uma minoria
(10-15%) atinge sobrevida de cinco anos, e mesmo boa parte desses indivíduos vai a óbito (por
recidiva da doença) meses ou anos após o referido prazo. Logo, em se tratando do câncer de
pâncreas, o tradicional marco da sobrevida em cinco anos não necessariamente equivale à cura.
Cirurgia de Whipple: O procedimento de escolha para todos os tumores
periampulares (incluindo os adenocarcinomas de cabeça do pâncreas) é a
pancreatoduodenectomia – cirurgia de Whipple – uma das operações
mais extensas e “agressivas” da medicina. A ressecção clássica abrange a
vesícula biliar, o colédoco distal, os 15 cm proximais do jejuno
(ultrapassando um pouco o ligamento de Treitz), todo o duodeno, o
estômago distal (incluindo o piloro) e a cabeça do pâncreas até o nível da
veia mesentérica superior. Em mãos experientes, a mortalidade
peroperatória é < 5%. A incisão pode ser uma laparotomia mediana
xifo-umbilical, ou uma incisão subcostal bilateral.
Cirurgia de Whipple modificada: Whipple ultrarradical: procedimento
padrão + ressecção da veia porta + pancreatectomia subtotal +
linfadenectomia retroperitonial. Teoricamente, tais modificações diminuiriam a taxa de recorrência local do
tumor, à custa de uma maior morbimortalidade peroperatória. Whipple com preservação do piloro: esta
cirurgia preserva o estômago, o piloro e uma porção diminuta de duodeno, associando-se a um menor tempo
operatório, o que traz algumas vantagens como uma menor incidência de Dumping, ulceração marginal e
gastrite alcalina, complicações comumente descritas no procedimento de Whipple clássico. Ao que tudo
indica, ela não aumenta a taxa de recorrência local nem diminui a sobrevida.

Mais conteúdos dessa disciplina