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Estratégia MED Prof. Bruno Ferraz | Insuficiência Cardíaca Aguda 2CARDIOLOGIA PROF. BRUNO FERRAZ APRESENTAÇÃO: Futuro Residente, Se você já fez algum plantão de emergência em sua vida, certamente atendeu um paciente com insuficiência cardíaca descompensada (IC aguda). Essa doença é uma das principais causas de internação hospitalar no Brasil e no mundo! Trata-se de uma EMERGÊNCIA MÉDICA! Por isso, o atendimento inicial deve ser organizado e focado na identificação e na resolução das condições que ameaçam a vida. Esse tema corresponde a aproximadamente 6% das questões de Cardiologia nas provas de Residência e estão mais @profbrunoferraz https://www.instagram.com/profbrunoferraz/ Estratégia MED Prof. Bruno Ferraz | Insuficiência Cardíaca Aguda 3CARDIOLOGIA @estrategiamed /estrategiamed t.me/estrategiamed Estratégia Med presentes nas provas do Sul e do Sudeste. São questões com nível de dificuldade um pouco mais elevado e, por isso, podem garantir sua aprovação! Neste capítulo, apresentarei a classificação hemodinâmica de um paciente com IC aguda, que norteará todo o tratamento. A fisiopatologia da descompensação e da monitorização do paci- ente também será abordada, de uma maneira prática. Apresenta- rei todo o arsenal terapêutico e em que situações o utilizaremos. Para finalizar, falarei sobre os dispositivos avançados de suporte ventricular e suas principais indicações, além de comentar, rapid- amente, sobre transplante cardíaco. Nas provas de Residência, esse assunto é cobrado, na maioria das vezes, através de um caso clínico no qual a banca solicitará a classificação hemodinâmica ou a conduta frente aos achados clínicos. Praticaremos todos esses conceitos! Estou à disposição para tirar suas dúvidas no Fórum de Dúvidas e nas redes sociais! Prof. Bruno Ferraz https://www.instagram.com/estrategiamed/ https://www.facebook.com/estrategiamed1 https://t.me/estrategiamed https://www.youtube.com/channel/UCyNuIBnEwzsgA05XK1P6Dmw Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 4 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda SUMÁRIO 1.0. DEFINIÇÃO 6 2.0. CLASSIFICAÇÃO 7 3.0. CARACTERÍSTICAS FISIOPATOLÓGICAS E CLÍNICAS 10 4.0. AVALIAÇÃO INICIAL 12 5.0. ABORDAGEM TERAPÊUTICA 14 5.1 OXIGENIOTERAPIA E SUPORTE VENTILATÓRIO 14 5.1.1 COMO IREMOS FORNECER O OXIGÊNIO? 15 5.2 DIURÉTICOS 16 5.2.1 COMO UTILIZAR O DIURÉTICO NO PACIENTE COM IC AGUDA? 16 5.2.2 COMO AVALIAR A RESPOSTA À FUROSEMIDA? 16 5.2.3 O QUE É A SÍNDROME CARDIORRENAL? 17 5.2.4 E SE O PACIENTE NÃO RESPONDER AO DIURÉTICO? 17 5.3 VASODILATADORES ENDOVENOSOS 18 5.3.1 QUAIS SÃO OS VASODILATADORES ENDOVENOSOS? 18 5.3.2 COMO UTILIZAR OS VASODILATADORES ENDOVENOSOS? 19 5.4 INOTRÓPICOS 20 5.4.1 QUAIS SÃO OS INOTRÓPICOS DISPONÍVEIS? 20 5.4.2 COMO TITULAR A DOSE DO INOTRÓPICO? 20 5.4.3 COMO REALIZAR O DESMAME DE INOTRÓPICOS? 21 5.5 VASOPRESSORES 22 5.5.1 QUAL VASOPRESSOR USAR? 22 5.6 DIGITÁLICOS 22 5.7 OPIOIDES 23 5.8 ÓXIDO NÍTRICO INALATÓRIO 24 Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 5 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 5.9 DISPOSITIVOS DE ASSISTÊNCIA VENTRICULAR 24 5.9.1 BALÃO INTRA-AÓRTICO 24 5.9.2 SUPORTE VENTRICULAR MECÂNICO 26 5.10 MEDICAÇÕES ORAIS 27 5.10.1 BETABLOQUEADORES 28 5.10.2 INIBIDORES DA ECA/BLOQUEADORES DOS RECEPTORES DE ANGIOTENSINA 28 6.0. MONITORIZAÇÃO DO PACIENTE COM IC AGUDA 31 6.1 MONITORIZAÇÃO BÁSICA 31 6.1.1 LACTATO 31 6.1.2. SATURAÇÃO VENOSA CENTRAL DE O2 31 6.1.3 ΔPCO2 (GAP CO2) 32 6.1.4 ΔPP (DELTA PP) 32 6.2 MONITORIZAÇÃO AVANÇADA 33 6.2.1 PARÂMETROS QUE DEVEMOS ANALISAR NA MONITORIZAÇÃO 33 6.2.2 CATETER DE SWAN-GANZ 36 6.2.3 MONITORIZAÇÃO MINIMAMENTE INVASIVA 37 6.2.4 COMO INTERPRETAR OS DADOS? 38 7.0 TRANSPLANTE CARDÍACO 39 7.1 QUAIS SÃO AS INDICAÇÕES AO TRANSPLANTE CARDÍACO? 39 7.2 CONTRAINDICAÇÕES AO TRANSPLANTE CARDÍACO 40 7.3 AVALIAÇÃO DO CANDIDATO AO TRANSPLANTE 41 8.0. CASOS CLÍNICOS 44 8.1 CASO CLÍNICO 1 44 8.2 CASO CLÍNICO 2 45 9.0 LISTA DE QUESTÕES 47 10.0 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 48 11.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS 49 Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 6 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda CAPÍTULO 1.0. DEFINIÇÃO A insuficiência cardíaca (IC), aguda ou descompensada, é definida como um quadro de falência da função cardíaca (sistólica e/ ou diastólica) de início rápido e progressivo que pode acontecer em um paciente com ou sem história de IC. Na maioria das vezes, será apresentado como um quadro de dispneia progressiva (começando em grandes esforços até estar em repouso). Em outros casos, será um quadro de dispneia súbita, onde outras características da IC estarão presentes (apresentação típica do edema agudo de pulmão). A IC aguda pode ser causada pela deterioração natural da função cardíaca ou precipitada por algum fator. É fundamental identificarmos a presença de um fator causal em todos os pacientes com IC aguda, pois ele pode ser a chave para a compensação de nosso paciente! Nos pacientes sem histórico de IC, devemos pensar em disfunção miocárdica aguda (isquêmica, inflamatória ou tóxica), disfunção valvar aguda ou tamponamento cardíaco. Nos pacientes com histórico de IC, a descompensação pode ocorrer sem nenhum fator causal, mas alguns fatores podem estar presentes, como: infecção, hipertensão não controlada, distúrbios do ritmo ou má aderência ao tratamento. A tabela 1 a seguir resume os principais fatores de descompensação: Fatores que desencadeiam a descompensação da insuficiência cardíaca Síndrome coronariana aguda Taquiarritmias (fibrilação atrial, taquicardia ventricular etc.) Elevação da pressão arterial Infecção Má aderência terapêutica (ingestão excessiva de sal e água, uso inadequado de medicamentos) Bradiarritmias Substâncias tóxicas (álcool e drogas ilícitas) Drogas cardiotóxicas (anti-inflamatórios não esteroidais, corticosteroides, quimioterapia cardiotóxica) Exacerbação do DPOC Embolia pulmonar Cirurgia ou complicações perioperatórias Aumento do tônus simpático (cardiomiopatia por estresse) Alterações metabólicas/hormonais (disfunção tireoidiana, cetoacidose diabética, disfunção adrenal, gravidez, cardio- miopatia periparto) Insulto cerebrovascular Causa mecânica aguda (síndrome coronariana aguda complicando com ruptura de parede livre, defeito de septo inter- atrial, insuficiência mitral aguda), trauma de tórax ou intervenção cardíaca, incompetência de prótese valvar secundária à endocardite e dissecção aórtica Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 7 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda CAPÍTULO 2.0. CLASSIFICAÇÃO A classificação é uma parte fundamental na abordagem inicial de um paciente com IC aguda. Além de ser cobrada exaustivamente nas provas de Residência, ela orientará toda a terapêutica. Basicamente, são avaliados dois parâmetros: volemia e perfusão. Com relação à volemia, pacientes com sinais e sintomas de hipervolemia são classificados como congestos (úmidos). Na ausência desses sintomas, são definidos como secos. Quanto à perfusão, pacientes com baixo débito são chamados de frios, enquanto aqueles com perfusão preservada, são denominados quentes. Definimos, assim, 4 situações, conforme o perfil hemodinâmica de Stevenson: Os sinais e sintomas presentes nesses grupos estão resumidos nas figuras abaixo. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 8 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda Na maioria dos pacientes, a IC aguda será manifestada com a pressão arterial normal ou elevada! Mas não se confunda: pressão arterial normal não significa perfusão normal! Um paciente pode estar mal perfundido e com pressão normal. Enquanto, em contrapartida, um paciente hipotenso, na maioria das vezes, está mal perfundido! Se a perfusão está inadequada, o sangue não está chegando aos órgãos vitais, gerando, assim, os sinais e os sintomas de choque:hipoperfusão cerebral (rebaixamento de nível de consciência), hipoperfusão renal (oligúria) e hipoperfusão da pele (pele fria). CAI NA PROVA (UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS – UFGD - 2018) Paciente indígena do sexo masculino, 18 anos de idade, residente na aldeia Jaguapiru de Dourados, é trazido à emergência com o quadro de dispneia de evolução há 2 dias. Ao exame, apresenta IMC 15 kg/m2, PA 90x20 mmHg, FC 130 bpm. Ausculta cardíaca com ritmo de galope, bulhas hiperfonéticas. Ausculta pulmonar com estertores difusos. Extremidades frias com pulsos filiformes associadas a edema de membros inferiores até a raiz de coxa 3+/4+. Qual a classificação clínico- hemodinâmica desse caso? A) Perfil A. B) Perfil B. C) Perfil C. D) Perfil L. E) Perfil D. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 9 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda COMENTÁRIO: Um paciente chega à emergência com sinais e sintomas de insuficiência cardíaca descompensada (ICD): dispneia progressiva, edema de membros inferiores, crepitações pulmonares e ritmo de galope. Na avaliação inicial, devemos definir o perfil hemodinâmico da ICD. Temos que avaliar se há baixa perfusão (extremidades frias, baixo débito urinário, estado mental alterado, entre outros) e congestão (turgência jugular, refluxo hepatojugular, edema periférico, B3, dispneia, crepitações, entre outros). O paciente da questão apresenta perfusão reduzida (pulsos filiformes, hipotensão) e sinais de congestão (estertores difusos, edema de membros inferiores), configurando um perfil FRIO-ÚMIDO. Em algumas bibliografias, esses perfis são classificados por letras, observe: • Perfil A (quente e seco): boa perfusão e sem congestão • Perfil B (quente e úmido): boa perfusão e com congestão • Perfil L (frio e seco): má perfusão e sem congestão • Perfil C (frio e úmido): má perfusão e com congestão Dessa forma, correta a alternativa C. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 10 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda CAPÍTULO 3.0. CARACTERÍSTICAS FISIOPATOLÓGICAS E CLÍNICAS O mecanismo fisiopatológico da IC aguda nova é diferente do paciente crônico (IC crônica agudizada). A IC aguda nova corresponde ao paciente sem história prévia de IC ou de doença cardíaca estrutural que desenvolve quadro de IC descompensada. A tabela 2, abaixo, sumariza os mecanismos fisiopatológicos e a apresentação clínica de ambas as condições. Características fisiopatológicas e clínicas da insuficiência cardíaca aguda crônica descompensada e da IC aguda nova IC aguda crônica descompensada (60 a 75% dos pacientes) IC aguda nova (25% a 40% dos pacientes) Mecanismo ↓ Contratilidade Retenção de água e sódio ↑ Pós-carga e/ou Disfunção diastólica do VE Perda aguda da contração Padrão de congestão Aumento global da volemia (hipervolemia sistêmica) Redistribuição da volemia da periferia para o pulmão (hipervolemia pulmonar) Início dos sin- tomas Gradual (dias) Rápido (horas) Sintoma prin- cipal Dispneia ou fadiga Dispneia PAS Normal ou baixa Alta ou normal (PA baixa é incomum) PD2 +++ ++++++ FEVE e DC Reduzidos Normais ou reduzidos Edema de mmii Frequente Infrequente Ganho de peso Sim Não VE: ventrículo esquerdo, PAS: pressão arterial sistólica, PD2: pressão diastólica final do ventrículo esquerdo, FEVE: fração de ejeção do ventrículo es- querdo, DC: débito cardíaco Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 11 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda De uma maneira bem simples, a fisiopatologia envolve 3 itens: a pré-carga, a pós-carga e a contratilidade. O manejo adequado delas será fundamental na compensação do quadro cardíaco. A figura abaixo sumariza os mecanismos relacionados à fisiopatologia e às drogas que podem ser empregadas para sua compensação. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 12 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 4.0. AVALIAÇÃO INICIAL CAPÍTULO Toda sequência de avaliação inicial visa a pronta identificação do paciente com maior risco de morte. Portanto, deve ser iniciado rapidamente! O diagnóstico deve ser breve e baseado na história pregressa de insuficiência cardíaca, identificação de sinais e sintomas clássicos de IC (ver capítulo sobre diagnóstico de insuficiência cardíaca) e uso de exames adicionais em casos duvidosos. O algoritmo abaixo sumariza todo o protocolo de avaliação inicial: Manejo inicial do paciente com IC aguda. VNI: ventilação não-invasiva, VM: ventilação mecânica, CTI: Centro de Tratamento Intensivo. Repare que o algoritmo acima visa identificar todas as situações que demandam conduta imediata! Ele deve ser implementado a partir do primeiro contato médico. Uma vez descartadas essas condições iniciais, devemos buscar o diagnóstico e pedir ajuda aos exames laboratoriais: • Radiografia de tórax: Auxilia no diagnóstico diferencial entre causas torácicas e pulmonares da dispneia, e permite avaliação da congestão pulmonar. Além disso, pode identificar a cardiomegalia. Existem diversos achados radiológicos que apontam para a congestão pulmonar, como: - Inversão do padrão vascular: edema intersticial, mais proeminente nos lobos inferiores, torna as veias presentes no ápice pulmonar mais proeminentes. - Infiltrado intersticial: pode surgir como borramento perivascular, borramento peribrônquico e infiltrado peri-hilar (em asa de borboleta). - Linhas B de Kerley: sugestivo de edema intersticial. São linhas paralelas ao diafragma visualizadas na região inferior e lateral de ambos os hemitóraces. - Derrame pleural: geralmente é bilateral, mas predomina à direita. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 13 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda • Eletrocardiograma: fundamental na avaliação inicial do paciente com IC, pois pode fornecer informações quanto à etiologia da IC ou ao fator de descompensação. Um eletrocardiograma (ECG) normal na IC é incomum. • Ecocardiograma: deve ser realizado imediatamente em pacientes com instabilidade hemodinâmica, precocemente nos pacientes com primeira manifestação de IC e nos pacientes com função ventricular desconhecida. A ultrassonografia pulmonar também pode fornecer ajuda no diagnóstico diferencial de congestão (conseguimos ver as linhas B de Kerley com auxílio do ultrassom). Veja a figura abaixo: • Exames laboratoriais: na fisiopatologia da IC, a sobrecarga ventricular promoverá aumento da produção de peptídeos natriuréticos (BNP). Por isso, o BNP deve ser mensurado em todos os pacientes com dispneia aguda e suspeita de IC aguda, para ajudar no diagnóstico diferencial de outras causas de dispneia aguda. Como o exame tem alta sensibilidade, um exame negativo praticamente exclui a possibilidade de IC aguda. Outros exames laboratoriais que podem ser úteis: - Função renal: a hipoperfusão renal ou a congestão renal podem causar insuficiência renal (síndrome cardiorrenal). - Eletrólitos: a hiponatremia é um marcador de pior prognóstico. Distúrbios do potássio podem estar presentes em pacientes em uso de inibidores da ECA, antagonista de aldosterona e furosemida. - Função hepática: a congestão hepática pode promover elevação das transaminases. - Função tireoidiana: a disfunção tireoidiana causa descompensação cardíaca. - Hemograma: a anemia é um marcador prognóstico e causa de cansaço e dispneia. A leucocitose pode apontar para uma causa infecciosa (possível causa de descompensação). - Gasometria arterial: apenas nos pacientes com dispneia. - D-dímero: em pacientes com quadro suspeito de embolia pulmonar. - Troponina: em pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 14 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 5.0. ABORDAGEM TERAPÊUTICA CAPÍTULO A abordagem terapêutica engloba a fase precoce e tardia, assim como intervenções, visandocorreção laboratorial, hemodinâmica e metabólica. A tabela abaixo especifica os alvos de tratamento do paciente com IC aguda: Alvos no tratamento da insuficiência cardíaca aguda Fase precoce 1. Diminuir sinais e sintomas de congestão em 6h 2. Adequar oxigenação (Sat O2 > 90%) 3. Manter diurese adequada (> 0,5 ml/Kg/h) 4. Evitar PAS < 90 mmHg 5. Reversão de distúrbio hemodinâmico Fase tardia 1. Prevenção de re-hospitalização 2. Diminuição de mortalidade 3. Reduzir tempo de internação Laboratorial 1. Normalização eletrolítica 2. Evitar elevação de creatinina > 0,3 mg/dL 3. Redução de BNP 4. Redução de troponina 5. Redução de PCR-t Hemodinâmica 1. Reduzir pressões de enchimento 2. Otimizar débito cardíaco Metabólico 1. Normalização lactato arterial 2. SvO2 >70% Agora, comentaremos como atingir esses objetivos e o arsenal terapêutico disponível para tal. 5.1 OXIGENIOTERAPIA E SUPORTE VENTILATÓRIO Você pode estar se perguntando: por que esse tópico? O paciente está com dispneia, logo, devemos sempre oferecer oxigênio. Calma, calma... o oxigênio pode causar vasoconstrição e redução do débito cardíaco em algumas pessoas. Por isso, não deve ser usado para todos. Usaremos nos pacientes hipoxêmicos (SpO2 <90% ou PaO2 <60 mmHg)! Tenha muito cuidado com os pacientes com história de DPOC! O fornecimento excessivo de O2 pode levar à hipercapnia. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 15 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 5.1.1 COMO IREMOS FORNECER O OXIGÊNIO? Nos pacientes sem desconforto respiratório (taquipneia com mais de 25 incursões por minuto), podemos usar o cateter nasal de O2 e máscara de Hudson ou Venturi. Nos pacientes com desconforto respiratório e hipoxemia, é indicado o início precoce da ventilação não-invasiva, visando evitar uma intubação orotraqueal desnecessária. Esse método é excelente e funciona especialmente bem na IC aguda. Existem duas maneiras de realizar ventilação não- invasiva (VNI): CPAP (pressão positiva contínua nas vias aéreas) e PSV (ventilação com pressão de suporte ou ventilação em dois níveis). No CPAP, é fornecida uma pressão contínua nas vias aéreas sem nenhum suporte adicional. É um método simples, que pode ser utilizado em um ambiente extra-hospitalar e que requer pouco treinamento para seu uso. No PSV, há um suporte pressórico durante a inspiração que permite um aumento do volume minuto (quantidade de ar que entra nos pulmões em um minuto). Dessa forma, essa técnica será útil em pacientes com hipercapnia (especialmente DPOC), visando redução da PCO2. A VNI é capaz de reduzir o desconforto respiratório e a taxa de intubações, sendo que alguns trabalhos também mostraram uma redução de mortalidade, mas, esses dados são menos consistentes. Como a VNI gera uma pressão positiva nas vias aéreas, tenha muita cautela com pacientes hipotensos, pois pode ocorrer queda brusca de sua pressão arterial. Os pacientes que não respondem à VNI ou que evoluem para insuficiência respiratória com hipoxemia (PaO2 <60 mmHg), hipercapnia (PaCO2 >50 mmHg) ou acidose (pH <7,35) devem ser intubados. OXIGENOTERAPIA / SUPORTE VENTILATÓRIO Para quem? • Pacientes hipoxêmicos (Sat O2 <90% e/ou PaO2 <60 mmHg). • Desconforto respiratório (FR >25 irpm). • Insuficiência respiratória. • Hipercapnia (PaCO2 >50 mmHg). • Acidose (pH <7,35). Como? • Cateter nasal de O2, máscara de Hudson ou Venturi a 3 a 5 L/min: hipoxemia sem desconforto respiratório. • VNI: hipoxemia com desconforto respiratório. • Intubação orotraqueal: insuficiência respiratória com hipoxemia, hipercapnia e acidose. Cautela • Pacientes hipotensos (VNI pode provocar queda da pressão arterial). • DPOC (atenção para hipercapnia) – utilizar O2 a 1 a 2 L/min Por quê? • Reduzem desconforto respiratório. • VNI: reduz a taxa de intubações e, talvez, a mortalidade. • VM: garante o aporte necessário de O2 em quadro crítico Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 16 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 5.2 DIURÉTICOS O diurético é uma peça importante no tratamento da IC aguda. Como promove a diurese, reduzirá a sobrecarga hídrica no paciente com IC e reduzirá a hipervolemia. Portanto, essa droga está indicada nas situações de congestão (pulmonar e/ou sistêmica). Apesar de seu amplo benefício no tratamento da IC aguda, essa classe não altera mortalidade! A melhor opção será o diurético de alça (furosemida), pois promove maior eliminação de sódio e água. 5.2.1 COMO UTILIZAR O DIURÉTICO NO PACIENTE COM IC AGUDA? A furosemida deve ser administrada por uma via endovenosa. Alguns estudos tentaram avaliar qual seria a melhor estratégia de administração dessa droga: bolus ou infusão contínua? Dose baixa ou dose alta? Esses estudos não mostraram diferenças relevantes entre as estratégias. De fato, quando utilizamos doses mais altas, a melhora da congestão é mais rápida. Porém, há um aumento no risco de disfunção renal. Como tudo na vida, devemos buscar o equilíbrio. Os pacientes com IC crônica agudizada são mais resistentes ao uso da furosemida. Por isso, precisamos utilizar doses mais elevadas. Devemos usar, no mínimo, a mesma quantidade da dose que seu paciente utilizava previamente. Para maior alívio sintomático, podemos utilizar uma dose 2,5 vezes maior. Na conversão da dose oral para venosa, precisamos saber que a dose oral equivale à metade da venosa (por exemplo: 40mg de furosemida comprimido equivale a 20mg de furosemida ampola). Os pacientes com IC aguda nova, por serem virgens ao tratamento com furosemida, respondem muito bem ao tratamento diurético em baixas doses. Neles, utilizaremos uma dose inicial de 20mg a 40mg (1 a 2 ampolas). 5.2.2 COMO AVALIAR A RESPOSTA À FUROSEMIDA? A principal resposta à furosemida é o aumento da diurese. Esperamos eliminação de, pelo menos, 1L de urina nas primeiras 6 horas (1,5 a 2,5ml/kg/hora). Além disso, esperamos que o paciente esteja sem ortopneia e/ou esforço respiratório em 24 horas. Outros alvos terapêuticos são: (1) ausência de dispneia aos mínimos esforços em até 72 horas; (2) Sat O2 >90% em ar ambiente; (3) frequência cardíaca <100 bpm; (4) frequência respiratória <22 irpm; (5) pressão arterial sistólica entre 110 e 130 mmHg. Em alguns pacientes, a resposta diurética pode estar prejudicada pela presença de fatores que influenciam na resposta diurética da furosemida. Esses fatores estão demonstrados na tabela abaixo, assim como o que deve ser feito para corrigi-lo: FATORES QUE DETERMINAM A RESPOSTA DIURÉTICA DA FUROSEMIDA FATORES MEDIDAS TERAPÊUTICAS Hiponatremia Reposição de sódio – solução hipertônica Hipotensão arterial Suspensão de vasodilatadores e betabloqueadores / iniciar inotrópicos Uso crônico prévio de diuréticos Associação de diuréticos tiazídicos e espironolactona Baixo débito Inotrópicos ou vasodilatadores Hipovolemia relativa Solução hipertônica Insuficiência renal Altas doses de diuréticos ou ultrafiltração ou diálise Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 17 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda No paciente frio e úmido, é necessário fornecer o diurético somente após a melhora da perfusão! Lembre-se: todos órgãos estão mal perfundidos (inclusive o rim). Logo, o diurético não chegará ao rim para promover sua função diurética! 5.2.3 O QUE É A SÍNDROME CARDIORRENAL? É um quadro de insuficiência renal secundário à insuficiência cardíaca. Essa síndrome depende de dois mecanismos: (1) Baixo débito: quando o coração não fornece o débito cardíaco necessário para a perfusão renal e/ou (2) Congestão renal: o rim congesto não funciona de maneira adequada. No primeiro caso, podemos melhorar a função renal aumentando o débito cardíaco (visto mais à frente). No segundo caso, o tratamento é diurético de alça. Essa síndrome é prevalente e pode coexistir em aproximadamente 40% dos pacientes com IC aguda. Éum marcador de pior prognóstico! 5.2.4 E SE O PACIENTE NÃO RESPONDER AO DIURÉTICO? Nesse caso, não tem muito jeito. É hora de apelar para a diálise ou a ultrafiltração. De uma forma bem simples, a ultrafiltração é um método de retirada de fluidos através de uma membrana semipermeável. Logo, só retira água! Se o paciente apresenta outros distúrbios metabólicos (acidose ou hipercalemia, por exemplo), devemos indicar a hemodiálise. DIURÉTICOS Para quem? • Pacientes com congestão pulmonar e/ou sistêmica. Como? • Furosemida endovenosa (ampola de 20mg): - IC aguda nova: 20mg a 40mg, em bolus. - IC crônica agudizada: dose habitual, no mínimo. Para conferir maior alívio: 2,5 vezes a dose habitual, em bolus. Cautela • Dose excessiva pode levar à insuficiência renal. • Frio-úmido: utilizar apenas após correção da perfusão renal. Por quê? • Reduzem desconforto respiratório. • Reduzem tempo de internação. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 18 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 5.3 VASODILATADORES ENDOVENOSOS Os vasodilatadores endovenosos são a segunda classe de medicamentos mais utilizados nos pacientes com IC aguda. Qual é o racional para seu uso? Em todas as situações de IC aguda com sobrecarga pulmonar, há aumento da pressão capilar pulmonar, e a melhor forma de melhorar o quadro de congestão pulmonar é retirando o excesso de líquidos. Podemos retirar com diuréticos (primeira opção) ou facilitando o escoamento pulmonar. Quando reduzimos a pressão arterial, reduzimos a pós-carga e, por isso, o VE tem mais facilidade para ejetar o sangue, reduzindo a pressão capilar pulmonar. Analogicamente, é como abrir mais uma pista em uma avenida engarrafada. Já o diurético, diminui a quantidade de carros. E como atuam? Eles promovem vasodilatação venosa (reduzem a pré-carga: o sangue que chega ao coração) e vasodilatação arterial (reduzem a pós-carga). Com isso, essa classe será muito útil no paciente que se apresentar HIPERTENSO. Dessa forma, promoverão aumento do débito cardíaco e da frequência cardíaca com redução da pressão arterial e da pressão capilar pulmonar. Apesar dos benefícios quanto à melhora da dispneia e do controle da pressão arterial, não foram observados benefícios na redução do tempo de internação, mortalidade intra-hospitalar e taxa de reinternação por IC. Vasodilatador DC PCP PA FC Nitroglicerina ↑ ↓↓↓ ↓↓ ↑ Nitroprussiato de sódio ↑↑↑ ↓↓↓ ↓↓↓ ↑ DC: débito cardíaco; FC: frequência cardíaca; PA: pressão arterial; PCP: pressão capilar pulmonar 5.3.1 QUAIS SÃO OS VASODILATADORES ENDOVENOSOS? A nitroglicerina é a mais utilizada, principalmente em pacientes de etiologia isquêmica (promovem dilatação coronariana). Pode promover taquicardia reflexa, cefaleia e hipotensão. Não é recomendado em pacientes com disfunção ventricular direita (pela redução da pré-carga). O nitroprussiato de sódio também é muito utilizado, contudo, necessita de uma vigilância superior, visto que possui um efeito hipotensor mais potente e também possui um efeito vasodilatador arterial pulmonar, diminuindo a pós-carga direita. Deve ser utilizado com cautela em pacientes com disfunção renal ou hepática pelo maior risco de intoxicação pelo tiocianato. Evitamos o uso de nitroprussiato em pacientes com síndrome coronariana aguda/doença arterial coronariana pois, essa droga, por ser mais potente, promove uma maior vasodilatação coronariana nos vasos sadios. As artérias ateroscleróticas respondem menos ao nitroprussiato e, com isso, o fluxo é “roubado” pelos vasos sem aterosclerose. Esta é a famosa teoria do roubo coronariano que justifica a preferência do uso da nitroglicerina nesses pacientes. Essas drogas serão abordadas com mais detalhes no capítulo “Crise Hipertensiva”. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 19 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 5.3.2 COMO UTILIZAR OS VASODILATADORES ENDOVENOSOS? Essas medicações devem ser administradas em infusão contínua com auxílio de bomba infusora. Deve-se iniciar em baixas doses e titulando conforme a pressão arterial, sempre mantendo a pressão arterial sistólica (PAS) >90 mmHg. A dose e a diluição estão resumidas na tabela abaixo: Vasodilatador Dose Diluição Efeito colateral/cautela Nitroglicerina 10 a 200 mcg/min Nitroglicerina 5 ml + SG5% 245ml (100 mcg/ml) Hipotensão e cefaleia Nitroprussiato de sódio 1 a 10 mg/h Nitroprussiato 2 ml + SG 5% 248ml (200mcg/ml) Hipotensão, intoxicação por tiociana- to. Utilizar equipo fotossensível Um detalhe importante: a nitroglicerina apresenta uma ação vasodilatadora do sistema venoso até 6 vezes maior que no sistema arterial. O nitroprussiato apresenta efeito arterial e venoso semelhante. VASODILATADORES ENDOVENOSOS Para quem? • Pacientes com congestão pulmonar e/ou sistêmica. • Pacientes com pressão arterial sistólica acima de 90 mmHg. Como? • Nitroglicerina endovenosa (ampola de 5 ml ou 10 ml a 5 mg/mL): - Em bomba infusora: 10 a 100 mcg/min. • Nitroprussiato de sódio endovenoso (ampola de 2 ml a 25 mg/mL): - Em bomba infusora: 1 a 10 mg/h. Cautela • Nitroprussiato: usar equipo fotossensível e evitar infusão prolongada em altas doses (intoxicação por tiocianato). • Cuidado com hipotensão – manter PAS > 90 mmHg. Por quê? • Reduzem a pressão arterial e a pressão capilar pulmonar. • Aumentam débito cardíaco e frequência cardíaca. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 20 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 5.4 INOTRÓPICOS Nos pacientes com perfusão inadequada (FRIOS), precisamos de medicamentos que promoverão o aumento da contratilidade miocárdica (INOTRÓPICOS). Dispomos de três drogas em classes diferentes: agonistas beta-adrenérgicos, inibidores da fosfodiesterase III e sensibilizadores de cálcio. 5.4.1 QUAIS SÃO OS INOTRÓPICOS DISPONÍVEIS? A dobutamina (agonista beta-adrenérgico) é o agente inotrópico mais utilizado. Deve ser utilizada, preferencialmente, em casos de IC descompensada com hipotensão ou choque cardiogênico. Como atuam no receptor beta, pode ser necessário o uso de doses mais elevadas em pacientes com uso prévio de betabloqueadores. Seu efeito é dose-dependente (quanto maior a dose, maior o efeito inotrópico). Os principais efeitos limitantes são: potencial arritmogênico e redução de sua ação com uso prolongado. A milrinona (inibidor da fosfodiesterase III) possui propriedades inotrópica e vasodilatadora. Pode ser utilizada em pacientes com uso prévio de betabloqueadores e com hipertensão pulmonar. Deve ser evitado em portadores de cardiopatia isquêmica, pois, em um estudo com pacientes isquêmicos, essa droga aumentou o potencial arritmogênico. A levosimendana (sensibilizador de cálcio) promove melhora na contratilidade miocárdica e hemodinâmica semelhante à dobutamina e milrinona. Também possui propriedade vasodilatadora e é segura em pacientes com uso prévio de betabloqueadores. Seu principal efeito colateral é a hipotensão e, por isso, não pode ser utilizada em pacientes com choque cardiogênico. Alguns estudos compararam a levosimendana à dobutamina e não houve diferença na mortalidade. Uma particularidade interessante dessa droga é a infusão única de 24 horas. Seus efeitos hemodinâmicos persistem por até 2 semanas. Inotrópico Dose Diluição Dobutamina 2,5 a 20 mcg/kg/min Dobutamina pura (12500 mcg/mL) Dobutamina 60 mL + SG5% 190 mL (3000 mcg/mL) Dobutamina 10 mL + SG5% 240 mL (1000 mcg/mL) Milrinona 0,375 a 0,75 mcg/kg/min Milrinona 20 mL + SG5% 80 mL (200 mcg/mL) Levosimendana 0,05 a 0,2 mcg/kg/min Levosimendana 5 mL + SG5% 500 mL (25 mcg/mL) 5.4.2 COMO TITULAR A DOSE DO INOTRÓPICO? Começa-se na dose mínima e ajusta-se a cada 2 a 4 horas, devendo ser utilizados parâmetros de perfusão diretos e indiretos para chegar à dose desejada. O objetivo é atingir uma boa perfusão tecidual. Para avaliar os parâmetros diretos,é necessário ter algum grau de monitorização hemodinâmica (cateter de Swan-Ganz ou monitorização minimamente invasiva). Falarei sobre esse assunto mais à frente. Para avaliar os parâmetros indiretos, utilizaremos o débito urinário (o ideal é avaliar o débito urinário por hora), a melhora do nível de consciência, a melhora da temperatura de extremidades e a redução dos níveis séricos de lactato (marcador de acidose lática → respiração anaeróbia → hipoxemia tecidual). Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 21 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 5.4.3 COMO REALIZAR O DESMAME DE INOTRÓPICOS? Começamos a pensar em desmame de inotrópicos nos pacientes que possuem a condição de base e/ou causa de descompensação resolvida e que mantém perfusão adequada por 24 horas. Neste momento, deve-se otimizar as doses de vasodilatadores e realizar o desmame progressivo de inotrópicos (com dobutamina, por exemplo, recomendamos reduzir a dose na ordem de 2,5 a 5 mcg/kg/min). Após a redução da dose, é recomendada a reavaliação dos parâmetros de perfusão após 2 a 4h. INOTRÓPICOS Para quem? • Pacientes com perfusão inadequada (FRIOS). Como? • Dobutamina endovenosa (ampola de 20 ml – 12,5 mg/mL): - Em bomba infusora: 2,5 a 20 mcg/kg/min. • Milrinona endovenosa (ampola de 20 ml – 1mg/mL): - Em bomba infusora: 0,375 a 0,750 mcg/kg/min. • Levosimendana endovenosa (ampola de 5 ml a 2,5mg/mL): - Em bomba infusora: 0,05 a 0,20 mcg/kg/min.. Cautela • Efeito vasodilatador (todos inotrópicos). • Efeito arritmogênico (todos inotrópicos). • Usuários de betabloqueador (demanda dobutamina em altas doses). • Portadores de cardiopatia isquêmica (não usar milrinona). • Choque cardiogênico (só utilizar dobutamina). Por quê? • Aumentam o inotropismo (força de contração cardíaca). Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 22 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 5.5 VASOPRESSORES Em algumas situações, a pressão arterial está tão baixa que compromete a perfusão tecidual. Nesse caso, precisaremos do auxílio dos vasopressores para manter uma pressão arterial mínima adequada. Essas medicações devem ser feitas com cautela pois 5.5.1 QUAL VASOPRESSOR USAR? Alguns estudos compararam a dopamina à noradrenalina em diversas situações de choque. Esses estudos sugerem que a noradrenalina resulta em menos efeitos colaterais e menor mortalidade. Vasopressor Dose Diluição Noradrenalina 0,1a 1,0 mcg/kg/min Noradrenalina 20 mL + SG5% 80mL (200 mcg/mL) A adrenalina também pode ser utilizada, mas somente em casos selecionados de hipotensão persistente, apesar da pressão de enchimento adequado e uso de outros vasopressores. VASOPRESSORES Para quem? Hipotensão arterial refratária (PAS <90 mmHg e uso de inotrópicos) Como? Noradrenalina endovenosa (ampola de 4 ml a 4 mg/mL): Em bomba infusora: 0,1 a 1,0 mcg/kg/min. Cautela Evitar elevação excessiva da pressão arterial. Por quê? Elevam a pressão arterial em pacientes com choque cardiogênico. podem aumentar a pós-carga e atrapalhar o esvaziamento cardíaco, comprometendo o débito cardíaco. Por isso, são drogas que devem ser feitas no paciente com CHOQUE CARDIOGÊNICO! Logo, esses pacientes devem estar em uso concomitante de DOBUTAMINA. 5.6 DIGITÁLICOS Não apresenta benefício em termos de mortalidade, mas existe benefício na redução da taxa de internação. Possui propriedades vagomiméticas e simpaticoinibitórias, que torna mais eficaz o controle de frequência cardíaca quando associado aos betabloqueadores, sobretudo em portadores de fibrilação atrial. Na IC aguda, será utilizado somente na necessidade de controle da frequência cardíaca refratário ao uso de outras medicações, especialmente na fibrilação atrial. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 23 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda DIGITÁLICOS Para quem? • Frequência cardíaca elevada e refratária a outros medicamentos; • Fibrilação atrial e FC >110 bpm. Como? • Deslanosídeo endovenoso (ampola de 2 ml – 0,2mg/mL): - Dose de ataque: 1 a 2 ampolas; - Dose de manutenção: 1 ou 2 ampolas diárias; - Dose máxima: 2 mg/dia. Cautela • Intoxicação digitálica (mais comum em pacientes idosos, renais crônicos e hepatopatas) – náuseas, vômitos, bradicardia acentuada, distúrbios visuais e outros. Por quê? • Reduz a frequência cardíaca por sua atividade vagomimética e simpaticoinibitória. 5.7 OPIOIDES Utilizados para redução da sensação de dispneia com melhora da ansiedade e da pré-carga (efeito vasodilatador). Deve ser utilizada com cautela pelo risco de depressão respiratória e broncoespasmo por liberação de histamina. O opioide mais utilizado é a morfina, muito recomendada nos casos de edema agudo de pulmão. No entanto, o uso atual de morfina vem diminuindo, pois algumas publicações sugeriram o aumento da taxa de intubações e mortalidade com seu uso, visto que os opioides promovem a depressão respiratória e a maior incidência de vômitos (risco de broncoaspiração). Nas provas de Residência, ela segue firme e forte! OPIÓIDES Para quem? Edema agudo de pulmão; Dispneia severa. Como? Morfina endovenosa (ampola de 1 ml – 1 mg/mL): Dose: 2 a 4 mg. Cautela Pode causar depressão respiratória e bradicardia. Por quê? Reduzem a pré-carga; Aliviam a dispneia e a ansiedade. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 24 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 5.8 ÓXIDO NÍTRICO INALATÓRIO O óxido nítrico tem papel vasodilatador, especialmente do território pulmonar, quando administrado por via inalatória. Seu uso é mais pronunciado na pediatria, onde o óxido nítrico inalatório faz parte do tratamento da hipertensão pulmonar em recém-natos. Em adultos, seu uso é mais restrito. Seu início de ação é rápido e sua meia-vida é curta. O óxido nítrico inalatório é administrado em conjunto com o oxigênio, sendo que os níveis de óxido nítrico podem ser ajustados. A única indicação formal para o uso de óxido nítrico inalatório em adultos é o teste de vasodilatação pulmonar (ver capítulo “Avaliação do candidato ao transplante”). No entanto, é utilizado frequentemente no paciente grave com comprometimento hemodinâmico e hipertensão pulmonar. Também pode ser utilizado para estabilização clínica antes de implante de dispositivo de assistência ventricular. Durante a administração, devemos ficar atentos quanto à metemoglobinemia, evento adverso possível do óxido nítrico. 5.9 DISPOSITIVOS DE ASSISTÊNCIA VENTRICULAR Em algumas situações, mesmo com o uso de toda a terapia descrita até aqui, o paciente persiste em hipoperfusão tecidual (choque cardiogênico refratário). Nesses casos, não tem jeito: temos que apelar para a tecnologia. O principal conceito que deve ficar na sua mente é: esses dispositivos precisam ser “ponte” para alguma coisa. Não colocamos esses dispositivos em um paciente sem perspectiva de melhora clínica. Colocamos abaixo alguns cenários onde esses dispositivos podem ser utilizados: Ponte para: Cenário clínico Recuperação Paciente que evolui para choque cardiogênico após infarto agudo do miocárdio e apre- senta grande área de miocárdio atordoado, após revascularização com sucesso. O objeti- vo do dispositivo é aguardar a recuperação do miocárdio atordoado. Revascularização Paciente que evolui para choque cardiogênico secundário à coronariopatia obstrutiva e não há método disponível para revascularização no momento. Nesse caso, o objetivo do dispositivo é manter a perfusão tecidual e coronariana adequada até o procedimento de revascularização (percutâneo ou cirúrgico). Transplante Paciente com insuficiência cardíaca avançada que apresenta quadro de descompensação e o dispositivo irá manter o paciente vivo até o surgimento de um doador compatível. Nos tópicos abaixo, falaremos sobre os principais dispositivos disponíveis: 5.9.1 BALÃO INTRA-AÓRTICO O balão intra-aórtico éum dispositivo que é inserido via artéria femoral e posicionado na aorta descendente. A ideia é muito simples: quando o balão “enche”, na diástole, aumenta a perfusão coronariana e cerebral, quando o balão “esvazia”, na sístole, cria um “vácuo” na aorta que facilita o escoamento de sangue do coração. Dessa forma, aumenta a oferta, reduzindo a demanda cardíaca. As contraindicações ao uso do balão intra-aórtico (BIA) são: Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 25 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 1. Insuficiência aórtica grave (na diástole, o balão vai piorar o refluxo para o coração) 2. Dissecção ou aneurisma de aorta torácica ou abdominal (a passagem do balão pode romper o vaso) 3. Calcificação aorto-ilíaca importante ou doença arterial periférica grave 4. Diátese hemorrágica 5. Trombocitopenia grave Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 26 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 5.9.2 SUPORTE VENTRICULAR MECÂNICO Balão intra-aórtico é o dispositivo mais disponível, porém confere pouco ganho no débito cardíaco. Em situações mais críticas e com expectativa de recuperação mais demorada, o suporte ventricular mecânico é indicado. Existem vários dispositivos disponíveis no mercado. Um dos mais famosos é o ECMO (sigla em inglês que significa membrana de oxigenação extracorpórea). Esse é o mesmo dispositivo utilizado em cirurgia cardíaca (onde o coração fica parado). Colocamos uma cânula no sistema arterial e outra cânula no sistema venoso. O sangue será retirado do sistema arterial, passará na máquina que oxigenará o sangue e será devolvido para o sistema venoso (ECMO veno-arterial), fazendo a função do coração e do pulmão. O ECMO também pode ser utilizado em situações onde apenas o pulmão está acometido e com função cardíaca normal (SARA grave, por exemplo). Nesse caso, o sangue é retirado de uma veia e retorna para outra veia (ECMO veno-venosa). O ECMO pode ser utilizado também no pós- operatório de cirurgias cardíacas (onde o paciente não recupera a função ventricular após o término da cirurgia) e em pacientes em parada cardíaca (situações selecionadas). Esse suporte deve ser mantido pelo menor tempo possível, visto que esse dispositivo ativa cascata inflamatória sistêmica que liberará diversas citocinas. Um dos mecanismos mais conhecidos é a ativação do sistema complemento. Além disso, a exposição do sangue ao circuito não endotelial promove ativação plaquetária. Há, assim, maior consumo de plaquetas que ocasionará a plaquetopenia. CAI NA PROVA (HOSPITAL MEMORIAL ARTHUR RAMOS – HMAR – AL – 2019) Assinale a alternativa que NÃO configura indicação de ECMO no pós-operatório de cirurgia cardíaca. A) Parada cardíaca. B) Saturação venosa inferior a 50%. C) Uso de drogas vasoativas em doses supramáximas. D) Presença de defeito residual com repercussão hemodinâmica. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 27 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda COMENTÁRIO correta a alternativa A, pois o ECMO pode ser utilizado na parada cardíaca. correta a alternativa B, pois a saturação venosa inferior a 50% significa que os tecidos estão ávidos por oxigênio e, por isso, a oxigenação do sangue que retorna ao coração é baixa. É um marcador de choque. Lembre-se de que o ECMO está indicado em situações refratárias ao tratamento clínico. correta a alternativa C, pois o uso de drogas vasoativas em doses supramáximas indica falência ao tratamento convencional e demanda suporte mecânico. incorreta a alternativa D pois a presença de defeito residual com repercussão hemodinâmica, demanda nova intervenção cirúrgica. Se o defeito está gerando problema, ele merece ser corrigido. CAI NA PROVA (HOSPITAL MEMORIAL ARTHUR RAMOS – HMAR – AL – 2019) Sobre o uso de ECMO, assinale a alternativa CORRETA. A) O uso de ECMO demanda apenas cirurgião cardíaco e anestesista especializados e treinados. B) No Brasil, há farto número de publicações sobre uso de ECMO no pós-operatório cardíaco em crianças. C) O uso de ECMO é parte integrante do manejo do pós-operatório de cirurgia cardíaca em crianças. D) O tempo prolongado de VPM é fator de melhor prognóstico no uso de ECMO. COMENTÁRIO incorreta a alternativa A, pois o ECMO é implantado, na maioria das vezes, pelo cirurgião cardíaco, especialmente em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. No entanto, em pacientes clínicos, pode ser implantado por médicos intensivistas e/ou cardiologistas com treinamento. incorreta a alternativa B, pois a literatura sobre esse tema é bem escassa, especialmente para crianças. correta a alternativa C pois o ECMO é uma ferramenta que pode ser utilizada em um pós-operatório de cirurgia cardíaca em adultos 5.10 MEDICAÇÕES ORAIS Após toda abordagem endovenosa do paciente com IC aguda, chega o momento de definição sobre as medicações orais. Devemos decidir que drogas devemos manter, quais suspender e quais iniciar. Medicação oral está recomendada para pacientes com estabilidade hemodinâmica e sem uso de inotrópicos ou de vasodilatadores endovenosos. Comentarei sobre esses medicamentos a seguir: ou crianças. incorreta a alternativa D, pois o tempo prolongado de VPM (ventilação pulmonar mecânica) está associado ao pior prognóstico. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 28 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 5.10.1 BETABLOQUEADORES São drogas fundamentais no tratamento da insuficiência cardíaca. Aumentam a sobrevida e reduzem o risco de progressão da doença. Em pacientes sem uso prévio da droga, sua introdução deve estar condicionada à melhora dos sintomas, especialmente da congestão. Naqueles que já utilizavam da droga, ela deve ser mantida na mesma dose em situações em que não há hipoperfusão tecidual (perfil hemodinâmico quente). Nos pacientes com perfil hemodinâmico frio, a conduta deve ser individualizada, a qual pode ser considerada uma redução de 50% da dose habitual ou a suspensão do fármaco (casos mais graves, como o choque cardiogênico). 5.10.2 INIBIDORES DA ECA/BLOQUEADORES DOS RECEPTORES DE ANGIOTENSINA São benéficos na redução da pré e da pós-carga e na redução da mortalidade em pacientes com IC. O uso deve ser feito com cautela em pacientes com IC descompensada, pois podem piorar a função renal ou gerar hipotensão. Sua introdução deve ser feita após quadro clínico estabilizado, visto que a IC aguda é uma condição hiper-reninêmica. Na ausência de hipotensão sintomática ou contraindicações (disfunção renal grave e/ou hipercalemia), o IECA/BRA pode ser mantido ou iniciado. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 29 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda CAI NA PROVA (INSTITUTO NACIONAL DE TRAUMATOLOGIA E ORTOPEDIA - INTO 2018) Mulher de 64 anos de idade com história de miocardiopatia não isquêmica é atendida no serviço de emergência com queixa de dispneia e ganho de peso (11 kg em 2 meses). O exame físico revela estertores crepitantes bibasais, turgência jugular patológica, edema de membros inferiores e resposta da pressão arterial em raiz quadrada à manobra de Valsalva. Suas extremidades estão aquecidas, sua pressão arterial é de 110 x 80 mmHg e a frequência cardíaca é de 90 bpm. Qual a próxima conduta? A) Administração de digoxina. B) Administração de betabloqueador. C) Administração de dobutamina. D) Administração de espironolactona. E) Administração de furosemida. COMENTÁRIO Uma paciente chega à emergência com sinais e sintomas de insuficiência cardíaca descompensada (ICD). Na avaliação inicial, devemos definir o perfil hemodinâmico da ICD. Devemos avaliar se há baixa perfusão (extremidades frias, baixo débito urinário, estado mental alterado, entre outros) e congestão (turgência jugular, refluxo hepatojugular, edema periférico, B3, dispneia, crepitações, entre outros). O paciente da questão apresentaperfusão adequada e sinais de congestão (QUENTE-ÚMIDO). O tratamento inclui o uso de diuréticos e vasodilatadores. Como essa paciente tem uma pressão sistólica de 110 mmHg, não cabe iniciar vasodilatador neste momento. Correta a alternativa E. CAI NA PROVA (HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DA UEL - UEL 2017) Homem, 65 anos de idade, chega ao pronto-socorro referindo dispneia intensa há 2 dias. Refere que vinha tendo dispneia aos moderados esforços há algumas semanas, mas que piorou muito e agora tem dispneia inclusive em repouso. Também relata dispneia paroxística noturna. É hipertenso há muitos anos, em tratamento com losartana e metoprolol. Ao exame, encontra-se em REG, agitado, taquidispneico, hidratado, pressão arterial = 84 x 64 mmHg, frequência cardíaca = 68 bpm (regular), saturação de O2 88% em ar ambiente, com estertores crepitantes em bases de ambos os pulmões, bulhas hipofonéticas sem sopros e extremidades frias com discreto edema de MMII. O tempo de enchimento capilar é de 6 segundos. Sobre o manejo inicial desse paciente, considere as afirmativas a seguir: I. Diuréticos de alça devem ser usados imediatamente para aliviar a congestão e a hipervolemia; II. Levosimendana é preferível à dobutamina como agente inotrópico neste caso; III. É recomendável afastar síndrome coronariana aguda, TEP ou infecção; IV. Ventilação mecânica não invasiva é uma opção, mas pode piorar a hipotensão. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 30 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda Assinale a alternativa CORRETA: A) Somente as afirmativas I e II são corretas. B) Somente as afirmativas I e IV são corretas. C) Somente as afirmativas III e IV são corretas. D) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. E) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. COMENTÁRIO Vamos analisar as afirmativas: I. Diuréticos de alça devem ser usados imediatamente para aliviar a congestão e a hipervolemia: INCORRETA. O diurético de alça deve ser utilizado quando a perfusão for corrigida. II. Levosimendana é preferível à dobutamina como agente inotrópico nesse caso: CORRETA, mas há controvérsias. Essa preferência existe, pois o paciente era usuário prévio de betabloqueador. No entanto, no choque cardiogênico, não tem jeito: é dobutamina mesmo. Esse paciente está mal perfundido, mas apresenta nível pressórico que nos permite utilizar levosimendana. A levosimendana (sensibilizador de cálcio) promove melhora na contratilidade miocárdica e hemodinâmica semelhante à dobutamina e milrinone. Também possui propriedades vasodilatadoras e é segura em pacientes com uso prévio de betabloqueador. Seu principal efeito colateral é a hipotensão. III. É recomendável afastar a síndrome coronariana aguda, TEP ou infecção: CORRETA. Na avaliação do paciente descompensado, devemos buscar causas de descompensação. As etiologias citadas são frequentes e devem ser investigadas. IV. Ventilação mecânica não-invasiva é uma opção, mas pode piorar a hipotensão: CORRETA. A ventilação não-invasiva é um dispositivo que fornece pressão positiva contínua nas vias aéreas. No caso do edema pulmonar, tem indicação precisa pois melhora a oxigenação, reduz a necessidade de intubação orotraqueal e reduz a mortalidade. No entanto, pode piorar a hipotensão. Gabarito: alternativa E (II, III e IV estão corretas). Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 31 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda CAPÍTULO 6.0. MONITORIZAÇÃO DO PACIENTE COM IC AGUDA O paciente com IC aguda é um paciente grave e com risco potencial de óbito. A monitorização ajudará a identificar possíveis problemas, assim como guiar a terapêutica. Existe uma monitorização mínima que deve ser oferecida a todos os pacientes. Da mesma forma, existem dispositivos de monitorização avançada que podem ser utilizados em alguns casos. 6.1 MONITORIZAÇÃO BÁSICA A monitorização básica visa a vigilância dos sinais vitais e uma avaliação mínima sobre a resposta ao tratamento empregado. Essa monitorização envolve a avaliação da frequência cardíaca, do ritmo cardíaco (ECG contínuo), da frequência respiratória, da saturação de oxigênio e da pressão arterial. Além disso, recomenda- se sempre que possível, o registro do peso diário. Através dele, temos um marcador de redução da congestão sistêmica. Por fim, os exames laboratoriais devem ser repetidos até a normalização e/ ou após a introdução ou o ajuste de alguma terapia (por exemplo: a revisão do potássio sérico após aumentar a dose da furosemida que, sabidamente, promove perda de potássio pela urina e causa hipocalemia). Nos pacientes que internam, a monitorização do débito urinário é fundamental, pois reflete a eficácia do tratamento diurético e funciona como um marcador de perfusão renal. Não podemos esquecer nunca do valioso exame físico! A manutenção de turgência jugular, edema de membros inferiores e outros sinais de congestão podem apontar para a necessidade de aumento da terapia diurética. Da mesma forma, a presença de extremidades frias, mudança do nível de consciência ou piora do débito urinário sinaliza para a necessidade de melhora da perfusão tecidual. Existem outros exames e técnicas que podem auxiliar na monitorização da perfusão tecidual, do débito cardíaco e na avaliação da volemia: lactato, saturação venosa central de O2, ΔpCO2 e ΔPP. 6.1.1 LACTATO O piruvato é o produto final da glicólise anaeróbia e é utilizado pela mitocôndria na geração de ATP. Em situações de hipoperfusão tecidual, o oxigênio é escasso e a mitocôndria não consegue utilizar o piruvato. Por isso, o piruvato é convertido em lactato pelos rins, fígado e musculatura esquelética. Dessa forma, será um marcador de hipoperfusão tecidual. A redução do lactato com a terapia implementada é um marcador de bom prognóstico. A concentração normal no sangue é menor que 2 mmol/L. 6.1.2. SATURAÇÃO VENOSA CENTRAL DE O2 A saturação venosa central de O2 consiste em uma coleta de sangue venoso via cateter venoso central posicionado em uma veia jugular ou subclávia (sangue que chega ao coração). Analisamos a saturação de O2 obtida pela gasometria. Em um indivíduo com hipoperfusão tecidual, os tecidos estão ávidos por oxigênio. Por isso, quando o sangue oxigenado passa por lá, não sobra uma molécula de O2 para contar história. Logo, presumimos uma saturação venosa central baixa em um paciente em choque. Por fim, esperamos a normalização desses valores com a melhora da perfusão tecidual. O valor normal está entre 65% a 75%. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 32 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 6.1.3 ΔPCO2 (GAP CO2) O ΔPCO2 é a diferença entre a quantidade de CO2 no sangue venoso e no arterial. O CO2 é o produto final do metabolismo aeróbico. Lembre-se de que o CO2 é muito mais “solúvel” que o O2. Em uma situação de hipoperfusão, o sangue ficará mais tempo “engarrafado” no tecido isquêmico. Com isso, muito CO2 pegará carona nesse sangue. Dessa forma, o conteúdo venoso de CO2 estará elevado. Portanto, essa alteração será observada em pacientes com débito cardíaco reduzido! Valores acima de 6 mmHg sugerem estado de choque persistente. Lembre-se: se o fluxo for reestabelecido, os valores voltam à normalidade. 6.1.4 ΔPP (DELTA PP) O ΔPP reflete a diferença de pressão de pulso (DPP). A pressão de pulso consiste na diferença entre a pressão sistólica e a diastólica. Para a avaliação do ΔPP, precisamos de uma linha arterial para a monitorização invasiva da pressão arterial. Em um paciente hipovolêmico, há uma grande variação do volume sistólico com a respiração (o coração está vazio e qualquer interferência é perceptível). O inverso também é verdadeiro: no paciente hipervolêmico, praticamente não há variação da pressão de pulso (em um ônibus lotado, é difícil se mexer). Portanto, temos um marcador de volemia! Como medir o ΔPP?Essa medida só é considerada confiável no paciente intubado e bem sedado pois, assim, não há interferência na medida. Além disso, paciente deve estar em ritmo sinusal (todas as batidas são “iguais”). Dessa forma, devemos medir a maior e a menor pressão de pulso de um ciclo respiratório conforme explicado na figura abaixo: Resumindo todos os parâmetros de monitorização básica: Parâmetro Significado clínico Valores normais Lactato Hipoperfusão tecidual <2 mmol/L SvcO2 Hipoperfusão tecidual 65 a 75% ∆PCO2 Redução de débito cardíaco <6 mmHg ∆PP Hipovolemia <12% Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 33 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 6.2 MONITORIZAÇÃO AVANÇADA Os pacientes mais graves, que apresentam hipotensão transitória ou persistente, e aqueles com sintomas de difícil resolução demandam internação em terapia intensiva. Nesses casos, somos mais agressivos. Vamos apelar para invasões: cateter venoso central, punção de linha arterial para monitorização invasiva da pressão arterial e cateter vesical de demora. Dessa forma, garantimos o mínimo de segurança de monitorização com suporte para as principais terapias endovenosas. O choque tem múltiplas causas e a monitorização auxiliará na identificação dessa causa e guiará o tratamento. Na presença de choque cardiogênico ou de choque misto (séptico e cardiogênico), é indicado o uso de monitorização avançada. O protótipo da monitorização avançada é o cateter de artéria pulmonar (cateter de Swan-Ganz), mas existem outros dispositivos que fornecem as mesmas informações ou algumas 6.2.1 PARÂMETROS QUE DEVEMOS ANALISAR NA MONITORIZAÇÃO PRESSÃO ARTERIAL MÉDIA (PAM) A pressão arterial média (PAM) representa a média da pressão arterial em um único ciclo. Trata-se de uma média ponderada onde a pressão arterial diastólica (PAD) tem peso 2 e a sistólica (PAS), peso 1. Isso ocorre porque a duração da diástole é, aproximadamente, o dobro da duração da sístole. Nos pacientes críticos, devemos manter a PAM acima de 60 a 65 mmHg. delas sem a necessidade de inserção de cateter adicional. Esses dispositivos são conhecidos como monitorização minimamente invasiva. Antes de detalhar esses dispositivos, vamos abordar os parâmetros hemodinâmicos e seus significados: Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 34 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda CAI NA PROVA (HOSPITAL REGIONAL DE MS - ROSA PEDROSSIAN - HRMS 2017) A pressão sanguínea de seu paciente é de 160/100 mmHg. A pressão arterial média é de aproximadamente: A) 119 mmHg. B) 120 mmHg. C) 125 mmHg. D) 130 mmHg. E) 140 mmHg. COMENTÁRIO A pressão arterial média (PAM) é calculada através da seguinte fórmula: PAM = (2*PAD + PAS) /3, onde a PAD é a pressão arterial diastólica e a PAS é a pressão arterial sistólica. Logo, PAM = (2*100+160) /3 = 360/3 = 120 mmHg Está correta a alternativa B, conforme cálculo demonstrado acima. Correta a alternativa B. PRESSÃO VENOSA CENTRAL (PVC) A pressão venosa central é a pressão medida através de um cateter venoso profundo inserido nas veias jugular ou subclávia. Reflete a pressão atrial direita. Na cardiologia, existem diversas doenças que aumentam a pressão atrial direita e, com isso, essa medida não é muito valorizada. No entanto, quando está muito reduzida, indica hipovolemia. Uma outra forma de estimar a pressão atrial direita é através do estudo ultrassonográfico da veia cava inferior (VCI). Avaliaremos 2 parâmetros: o diâmetro da veia cava inferior e a variabilidade respiratória. No paciente hipovolêmico, a VCI estará pequena e variando muito. No hipervolêmico, a VCI estará aumentada e sem variação. O valor normal é de 5 a 10 mmHg. Diâmetro da VCI Variabilidade respiratória Pressão atrial direita <1,5 cm Com variação >50% <5 mmHg 1,5 a 2,5 cm Com variação >50% 5 a 10 mmHg 1,5 a 2,5 cm Com variação <50% 10 a 15 mmHg >2,5 cm Com variação >50% 15 a 20 mmHg >2,5 cm e dilatada Sem variação >20 mmHg Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 35 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda DÉBITO CARDÍACO (DC) É a quantidade de sangue que sai do coração em um minuto. É igual ao produto entre o volume sistólico (quantidade de sangue que sai do coração em uma sístole) e a frequência cardíaca. Os principais determinantes do débito cardíaco são: pré-carga, pós- carga e contratilidade. Sempre que identificarmos um débito cardíaco reduzido, devemos avaliar onde está o problema. Em caso de redução da pré-carga, a conduta é o fornecimento de fluidos. Na alteração da pós-carga, a conduta será vasopressor (quando a pós-carga é muito baixa) ou vasodilatador (quando a pós-carga é muito elevada). Por fim, nos distúrbios de contratilidade, a conduta será o inotrópico. O valor normal varia de 4,0 a 8,0 L/min. A melhor maneira de monitorar o débito cardíaco é através do cateter de Swan-Ganz. ÍNDICE CARDÍACO (IC) É o débito cardíaco indexado pela superfície corpórea. É uma forma de corrigir discrepâncias de um valor absoluto. 4 L/min pode ser o suficiente para uma mulher de 60 kg e 1,50 m, mas, pode ser insuficiente para um homem de 120 kg e 1,90 m. Para descobrir o índice cardíaco, basta dividir o débito cardíaco pela superfície corpórea. O valor normal varia de 2,5 a 4,0 L/min/m². RESISTÊNCIA VASCULAR SISTÊMICA (RVS) É a resistência dos vasos sanguíneos à passagem do sangue. Esse parâmetro está reduzido na sepse, na anafilaxia, no choque distributivo, entre outros. O tratamento envolve a administração de vasopressores. O valor normal varia de 800 a 1200 dinas/seg/cm-5. PRESSÃO DE ARTÉRIA PULMONAR (PAP) É a pressão aferida na artéria pulmonar. Ela pode estar elevada primariamente, mas, na maioria das vezes, sua elevação é secundária (embolia pulmonar ou sobrecarga de cavidades esquerdas). Quando não há componente obstrutivo, pode ser utilizada como marcador de congestão. A pressão de artéria pulmonar também pode ser estimada pelo ecocardiograma. O valor normal varia de 25 a 35 mmHg (pressão sistólica) e de 6 a 12 mmHg (pressão diastólica). PRESSÃO CAPILAR PULMONAR (PCAP) É a medida da pressão no capilar pulmonar e está intimamente ligada à pressão em cavidades esquerdas (o capilar pulmonar é o portal entre o coração direito e esquerdo). É o melhor método para avaliar a volemia e a sobrecarga de cavidades esquerdas. Esse parâmetro pode ser avaliado apenas através do uso do cateter de artéria pulmonar (Swan-Ganz). No Swan-Ganz, equivale à pressão de oclusão de artéria pulmonar (será explicado no módulo sobre esse cateter). Os valores normais variam de 8 a 12 mmHg (Harrison cita 5 a 18 mmHg). De acordo com o Rippe, de Terapia Intensiva, valores acima de 20 a 25 mmHg estão associados ao edema pulmonar, pois a drenagem linfática é insuficiente para a remoção do excesso de fluidos. Na embolia pulmonar, seus valores estarão reduzidos, mas a pressão de artéria pulmonar estará elevada! Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 36 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda CAI NA PROVA (SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE MACEIÓ - SCMM 2016) Paciente apresentando choque cardiogênico não-compressivo, com pressão coloido-oncótica plasmática normal, não desenvolverá edema pulmonar se, na manipulação da pré-carga, conseguir manter uma pressão capilar pulmonar entre: A) 6 a 9 mmHg. B) 10 a 12 mmHg. C) 15 a 18 mmHg. D) 20 a 25 mmHg. COMENTÁRIO Na situação normal, a PCAP média e a pressão da artéria pulmonar diastólica final são aproximadamente iguais. A pressão média atrial esquerda normal (e a pressão capilar pulmonar) está entre 8 e 12 mmHg. Valores acima de 20 a 25 mmHg estão associados ao edema pulmonar, pois a drenagem linfática é insuficiente para a remoção do excesso de fluidos. Incorreta as alternativas A e B pois são níveis baixos de pressão capilar pulmonar. Incorreta a alternativaC pois esses são os valores limítrofes de pressão capilar pulmonar. correta a alternativa D pois, acima de 20 a 25 mmHg, a drenagem linfática é insuficiente, surgindo o edema pulmonar. VARIAÇÃO DO VOLUME SISTÓLICO (VVS) Esse parâmetro é fornecido por dispositivos de monitorização minimamente invasiva. Consiste na análise da variação do volume sistólico (mesmo fundamento fisiopatológico do ΔPP). Um paciente hipervolêmico irá variar muito pouco o volume sistólico, enquanto em um paciente hipovolêmico, a variação será maior. É um parâmetro utilizado para a avaliação de responsividade ao volume. Valores acima de 10 a 12% predizem que seu paciente responderá ao volume. 6.2.2 CATETER DE SWAN-GANZ O cateter de artéria pulmonar ou cateter de Swan-Ganz é o padrão-ouro na monitorização hemodinâmica invasiva. O uso dele nos dias atuais é limitado por dois motivos: (1) alguns estudos demonstraram aumento de mortalidade com o uso desse cateter e (2) o uso de dispositivos minimamente invasivos que trazem informações similares às encontradas no Swan-Ganz. Esse cateter deve ser inserido nas veias jugular ou subclávia e deve ficar posicionado na artéria pulmonar. Essa inserção pode ser feita às cegas e à beira do leito. Há um balão na ponta do cateter que o fará navegar junto com o fluxo sanguíneo e, assim, ser posicionado na artéria pulmonar. À medida que introduzimos o cateter, as ondas de pressão mudam conforme o local onde o cateter está posicionado (figura). Assim que o cateter encunhar (com balonete insuflado), teremos a pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP) que reflete a pressão capilar pulmonar. Ao desinsuflar o balão, teremos a pressão da artéria pulmonar (PAP). Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 37 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda A medida do débito cardíaco ocorre através da termodiluição. Uma solução com temperatura conhecida é administrada e, na ponta do cateter, um termistor detectará a variação de temperatura e estimará o débito cardíaco. Com a medida de outros parâmetros pressóricos, serão calculados diversos parâmetros hemodinâmicos. Além disso, o cateter de Swan-Ganz permite a análise, em tempo real, da saturação venosa mista de oxigênio (saturação de todo o sangue que chega ao coração). 6.2.3 MONITORIZAÇÃO MINIMAMENTE INVASIVA Essa é a tecnologia da “moda” na terapia intensiva. Eles utilizam dispositivos que utilizamos no dia a dia para fornecer informações valiosas sobre o estado hemodinâmico de nosso paciente. Alguns, demandam apenas uma linha arterial e outros, demandam a linha arterial e um cateter venoso profundo. Em geral, todos fornecem, no mínimo, o índice cardíaco e a variação do volume sistólico (VVS). A principal diferença entre esses métodos é a maneira de estimar o débito cardíaco. Os dispositivos mais antigos, fazem a estimativa a partir da análise do contorno da onda de pulso (a curva da PAM). Esse método falha bastante nos pacientes taquicárdicos e com fibrilação atrial. Por isso, desenvolveram cateteres que permitem avaliar o débito cardíaco por outros métodos (termodiluição, infusão de lítio etc.). Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 38 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 6.2.4 COMO INTERPRETAR OS DADOS? Você deve ter percebido que os dados fornecidos pelos mais diversos dispositivos são semelhantes. Logo, a interpretação também será. Diante de um paciente em choque, o primeiro passo é definir a volemia (VVS, análise da VCI, PCAP, PVC). Se o paciente estiver hipovolêmico, a conduta é fazer expansão volêmica. O segundo passo é definir o débito cardíaco. Caso o débito cardíaco esteja reduzido, é hora do inotrópico. Caso contrário, devemos analisar a pressão arterial. Se a PAM estiver abaixo de 65 mmHg, a conduta será vasopressor. Se a PAM estiver acima da 65 mmHg, outros fatores devem ser considerados na presença de hipoperfusão, como a anemia. A congestão sistêmica pode atrapalhar a perfusão em alguns órgãos também. Nesse caso, a conduta seria o uso de diurético. A figura abaixo sumariza a conduta conforme a interpretação de dados: Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 39 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda 7.0 TRANSPLANTE CARDÍACO CAPÍTULO Pacientes com disfunção cardíaca sempre são pacientes de maior risco e devem ser considerados para transplante. Muitas vezes, o cardiologista só pensa em transplante na fase terminal, onde não há mais nada a fazer. O transplante é o tratamento de escolha para IC estágio D e tem proposta curativa. Com o avanço das técnicas de transplante, captação de órgãos e novas drogas imunossupressoras, a expectativa de vida de um paciente transplantado melhora muito. Nesse módulo, focaremos nas indicações e nas contraindicações ao procedimento, assim como na preparação do receptor. 7.1 QUAIS SÃO AS INDICAÇÕES AO TRANSPLANTE CARDÍACO? De uma maneira bem simples, o candidato ao transplante cardíaco é aquele paciente com IC avançada que é muito sintomático e com todo o tratamento otimizado ou aquele que não consegue sair do hospital. Repare que todas as indicações englobam esses tópicos. Veja a tabela abaixo: Indicações de transplante Recomendação Indicação Classe I (está recomendado) IC avançada na dependência de drogas inotrópicas e/ou suporte circulatório mecânico IC avançada classe funcional III persistente e IV com tratamento otimizado na presença de outros fatores de mau prognóstico IC avançada e VO2 pico ≤ 12 ml/kg/min em pacientes em uso de betabloqueadores IC avançada e VO2 pico ≤ 14 ml/kg/min em pacientes intolerantes a betabloqueadores Arritmias ventriculares sintomáticas e refratárias ao manejo com fármacos, dispositivos elétricos e procedimentos de ablação Classe IIa (deve ser considerado) IC refratárias e VO2 pico ≤ 50% do previsto em pacientes com <50 anos e mulheres Doença isquêmica com angina refratária sem possibilidade de revascularização Classe IIb (pode ser consider- ado) IC refratárias e VO2 pico ajustado para massa magra ≤19 ml/kg/minuto em pacientes com IMC >30 kg/ m² IC refratária e equivalente ventilatório de gás carbônico (relação VE/VCO2) >35 particularmente se VO2 de pico ≤14 ml/kg/minuto e/ou teste cardiopulmonar submáximo (RER <1,05) Classe III (contraindicado) Disfunção sistólica isolada Prognóstico adverso estimado apenas por escores prognósticos ou VO2 de pico isoladamente IC classe funcional III a IV sem otimização terapêutica Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 40 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda Em algumas situações especiais, também podemos indicar o transplante cardíaco como: cardiomiopatia restritiva e IC avançada; tumores cardíacos com potencial de cura com o explante do coração; amiloidose cardíaca associada à transplante de fígado e, por fim, em portadores de hepatite (B ou C) sem cirrose e HIV positivo clinicamente estável. 7.2 CONTRAINDICAÇÕES AO TRANSPLANTE CARDÍACO As contraindicações estão relacionadas à ausência de perspectiva de melhora do paciente ou à ausência de condições clínicas para a realização do procedimento. A mais importante de todas é a hipertensão pulmonar fixa, medida no teste de vasorreatividade pulmonar. Nesses casos, pode ser considerado o transplante cardiopulmonar. As outras contraindicações estão na tabela abaixo: Contraindicações ao transplante cardíaco Idade >70 anos (controverso) Comorbidades com baixa expectativa de vida Infecção sistêmica ativa IMC >35 kg/m² Doença cerebrovascular grave sintomática DAOP grave sem possibilidade de revascularização Doença hepática ou pulmonar avançada Doença psiquiátrica grave DM com lesões graves e controle inadequado Incompatibilidade ABO Embolia pulmonar <3 semanas Hipertensão pulmonar fixa (> 5u Wood) Neoplasia com risco de recorrência elevado ou incerto Perda de função renal intrínsecae irreversível Síndromes demenciais ou retardo mental grave Tabagismo ativo* * O período de abstinência ao tabaco deve ser superior a 6 meses. Com relação à idade, alguns estudos demonstraram que pacientes com mais de 60 anos apresentam menores taxas de rejeição e menor incidência de doença vascular do enxerto. Nesses casos, a conduta deve ser individualizada e vai depender do perfil clínico do paciente. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 41 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda CAI NA PROVA (FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNICAMP - 2016) Homem, 35a, refere cansaço progressivo há um ano, não conseguindo realizar atividades básicas sem auxílio da esposa como tomar banho e escovar os dentes, estando restrito ao leito. Antecedentes: Doença de Chagas. Exame físico: PA= 90x46 mmHg, FC= 72bpm, FR= 25 irpm, regular estado geral, emagrecido, corado; Pulmões: murmúrio vesicular presente, abolido em base direita com egofonia, estertoração crepitante até campos médios; Coração: ictus globoso, bulhas rítmicas normofonéticas, com sopro sistólico em foco mitral 3+/6+; Abdome: indolor, fígado de borda romba a 5cm do rebordo costal direito, sinal do piparote presente; Membros: edema de membros inferiores até raiz de coxa. Medicação em uso: digoxina 0,25mg 1x/dia, carvedilol 25mg 2x/dia, furosemida 40mg 4x/dia, espironolactona 100mg 1x/dia, enalapril 5mg 2x/dia, propatil nitrato 10mg 2x/dia. COM RELAÇÃO À INSCRIÇÃO DESTE PACIENTE NO PROGRAMA DE TRANSPLANTE DE CORAÇÃO: A) Ainda não é o momento, pois o tratamento clínico pode ser otimizado com uso de hidralazina e dobutamina. B) Poderá ser inscrito, se o valor da resistência vascular pulmonar for menor/igual a 3U Wood. C) Não poderá ser inscrito, pois tem miocardiopatia chagásica, condição que o exclui devido ao pior prognóstico. D) Poderá ser inscrito se não houver viabilidade miocárdica à ressonância magnética nuclear. COMENTÁRIO Alternativa A está incorreta, pois o paciente já tem indicação de ser listado na fila de transplante, uma vez que tem terapia otimizada, permanecendo refratário (estágio D), altamente sintomático, NYHA IV. Alternativa B está correta, pois como vimos, já há a indicação de transplante por se tratar de um paciente com IC classe IV refratário ao tratamento otimizado e com fatores de mau prognóstico. Mas, para que seja possível, não pode apresentar contraindicações ao procedimento, dentre elas, resistência vascular pulmonar >5U Wood. Alternativa C está incorreta, já tem indicação de ser inscrito na fila de transplante e a etiologia chagásica não é uma contraindicação ao procedimento. Alternativa D está incorreta, pois a inscrição na fila de transplante não é dependente da viabilidade miocárdica. Correta a alternativa B. 7.3 AVALIAÇÃO DO CANDIDATO AO TRANSPLANTE Uma vez definido que o seu paciente está em condições para ser listado para um transplante, devemos fazer uma vasta avaliação clínica que incluirá exames laboratoriais, avaliação hemodinâmica, imunológica e social. A avaliação clínica visa a avaliação de comorbidades, o rastreamento de neoplasias, a vacinação, a avaliação de fragilidade e os escores prognósticos. Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 42 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda A avaliação hemodinâmica pulmonar é fundamental em todos os pacientes candidatos. Ela visa identificar a presença e o grau de hipertensão pulmonar assim como a resposta aos vasodilatadores. A manometria cardiopulmonar é realizada com o cateter de artéria pulmonar (Swan-Ganz). Além de identificar os candidatos ao transplante, pode ajudar no manejo clínico de pacientes dependentes de aminas como vimos no item 6.2.4. (Como interpretar os dados?). Essa medida deve ser realizada antes de incluir o paciente na fila de transplante, assim como deve ser realizado periodicamente. Durante o exame, utilizamos nitroprussiato de sódio, sildenafil ou óxido nítrico para avaliar a resposta vasodilatadora. Nesses casos, esperamos a redução da pressão de artéria pulmonar e da pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP). Os exames laboratoriais são abrangentes e visam identificar diversas situações que podem comprometer o candidato. Serão realizados: bioquímica básica, urinálise, proteinúria, radiografia de tórax, ultrassonografia de abdome total, Doppler de membros inferiores, Doppler de carótidas e sorologias. O rastreio de neoplasias envolve a solicitação de pesquisa de sangue oculto nas fezes, colonoscopia, mamografia, citologia cérvico-vaginal e PSA, conforme protocolos específicos e idade do paciente. A avaliação imunológica visa a identificação de antígenos do complexo de histocompatibilidade HLA. Antigamente, uma taxa elevada de anticorpos era considerada contraindicação ao transplante. Hoje, existem técnicas de dessensibilização que podem ser utilizadas. Por fim, é importante saber que existem algumas situações que “furam” a fila de transplante: • Dependência de inotrópicos e/ou vasopressores; • Dependência de balão intra-aórtico ou outros dispositivos de assistência circulatória mecânica de curta duração; • Ventilação mecânica; • Determinação da câmara técnica. CAI NA PROVA (SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE CUIABÁ – SCMC 2019) Grandes avanços no diagnóstico, monitorização e tratamento da Insuficiência Cardíaca (IC) foram observados nos últimos anos, com impactos reais na qualidade de vida e na sobrevida dos pacientes. Somente se mostra inadequado que: A) A vasodilatação durante o exame de Hemodinâmica Pulmonar, realizada com nitroprussiato de sódio, sildenafil ou óxido nítrico, visa a pronto aumento da pressão na artéria pulmonar e da POAP. B) A cateterização da artéria pulmonar ainda é essencial para a inclusão do paciente na fila de Transplante cardíaco a fim de determinar a existência e o grau da hipertensão pulmonar, e sua reversibilidade a vasodilatadores. C) Manometria cardiopulmonar pode ser de grande auxílio no manejo desses pacientes, já que muitos estão em dependência de drogas vasoativas e/ou de assistência ventricular. D) Medida deve ser realizada antes da inclusão do paciente em fila de Transplante cardíaco periodicamente, de acordo com o protocolo de cada serviço, ou quando há mudança do quadro clínico do paciente. COMENTÁRIO Prof. Bruno Ferraz | Curso Extensivo | Fevereiro 2021 43 Estratégia MED CARDIOLOGIA Insuficiência Cardíaca Aguda Está correta a alternativa A, pois a alternativa está incorreta. Com a vasodilatação, espera-se uma queda da pressão na artéria pulmonar e da POAP (pressão de oclusão da artéria pulmonar). Esse teste é realizado para avaliar se o paciente responderá ao tratamento com vasodilatadores pulmonares como o sildenafil. Na resposta positiva, há vasodilatação, redução da pressão da artéria pulmonar e redução da POAP. A POAP reflete a pressão nas cavidades esquerdas. Ela é medida com o balão do cateter de Swan-Ganz insuflado. Logo, avalia a pressão capilar pulmonar que reflete as pressões de cavidades esquerdas. Está incorreta a alternativa B, porque a afirmativa está correta. Pacientes com pressão muito elevada na artéria pulmonar não são candidatos ao transplante cardíaco. O teste de vasorreatividade é fundamental pois a hipertensão pulmonar fixa é o principal critério. Está incorreta a alternativa C, porque a afirmativa está correta. A manometria cardiopulmonar consiste na medida das pressões através de cateterização da artéria pulmonar. Em pacientes dependentes de drogas vasoativas e de assistência ventricular, essas medidas podem definir os reais candidatos ao transplante. Está incorreta a alternativa D, porque a afirmativa está correta. A medida da manometria cardiopulmonar deve ser realizada antes da inclusão na fila de transplante visto que alguns pacientes não serão candidatos ao transplante de acordo com o resultado deste exame. Correta a alternativa A. Prof. Bruno
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