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Mecanismos Neuróticos – Gestalt O nascimento da Neurose A abordagem gestáltica, que considera o indivíduo uma função do campo organismo/meio e que considera seu comportamento como um reflexo de sua ligação dentro deste campo, dá coerência à concepção do homem tanto como indivíduo quanto como ser social. As psicologias mais antigas descreviam a vida humana como um conflito constante entre o indivíduo e seu meio. Por outro lado, a Gestalt, a vê como uma interação entre os dois, dentro da estrutura de um campo constantemente mutável. Uma vez que o campo está mudando constantemente, devido sua própria natureza ao que lhe fazemos, suas formas e técnicas de interação devem ser, elas mesmas, necessariamente fluidas e mutáveis. O que nos interessa como psicólogos e psicoterapeutas, neste campo em perpétua mudança, são os grupos sempre mutantes do indivíduo sempre mutante, pois ele tem que mudar constantemente se quiser sobreviver. Quando o indivíduo se torna incapaz de alterar suas técnicas de manipulação e interação é que surge a neurose. Quando o indivíduo está cristalizado num modo de atuar obsoleto, fica menos capaz de ir ao encontro de qualquer de suas necessidades de sobrevivência, inclusive das necessidades sociais. O que permite que tais distúrbios de neurose no equilíbrio surjam no campo organismo/meio? Os sociólogos examinarão esta pergunta tomando como base o meio ambiente. Os psicólogos, psiquiatras e psicoterapeutas a examinarão procurando ver o que acontece no indivíduo. Parece-me que o desequilíbrio surge quando, simultaneamente, o indivíduo e o grupo vivenciam necessidades diferentes, e quando o indivíduo é incapaz de distinguir qual é a dominante. O grupo pode significar a família, o estado, o círculo social, companheiros de trabalho. Quando não pode discriminar, quando não consegue tomar uma decisão sobre o meio ou sobre si, ou se sente insatisfeito com a decisão que tomou, não faz um bom contato nem uma boa fuga, tanto ele quanto o meio ficam danificados. Parece haver, em todos os seres humanos, uma tendência inata ao ritual, que pode ser definida como uma expressão do sentido de identificação social do homem, sua necessidade de contato com um grupo. O brinquedo das crianças é amplamente constituído de rituais de ação e repetição. Paradas, festivais, cerimônias religiosas, são todas expressões desta necessidade. De modo pervertido, a necessidade deste ritual parece formar a base das neuroses obsessivas e compulsivas (aquelas que se revelam através de necessidades tão ridículas como a compulsão de lavar as mãos a cada vinte minutos). Os rituais obsessivos deste tipo sempre têm raízes sociais e pessoais. Ao mesmo tempo em que rituais satisfaz uma necessidade profunda do indivíduo, tem também um valor social. Isto porque reforça o valor da sobrevivência da vida em grupo. Mantém as pessoas juntas. Somente uma total participação de toda a personalidade resultará naquele sentimento religioso de existência intensificada, de exaltação, de integração, sem diminuição do estado de plena consciência tanto no indivíduo como do grupo, tanto de si mesmo quanto do outro, e da plena conscientização pelo indivíduo de que é parte do grupo. Todos os distúrbios neuróticos surgem da incapacidade do indivíduo encontrar e manter o equilíbrio adequado entre ele e o resto do mundo e todos têm em comum o fato de que na neurose o social e os limites do meio sejam sentidos como se estendendo demais sobre o indivíduo. O neurótico é o homem sobre quem a sociedade influi demasiadamente. Sua neurose é uma manobra defensiva para protege-lo contra a ameaça de ser barrado por um mundo esmagador. Trata-se de sua técnica mais efetiva para manter o equilíbrio e o sentido de auto regularão numa situação em que sente que as probabilidades estão todas contra ele. Introjeção Todos nós crescemos com a capacidade de discriminar, ela mesma uma função do limite de si mesmo/outro. Retiramos algo do meio e lhe devolvemos. Aceitamos ou rejeitamos o que o meio tem para oferecer. Só podemos crescer se, no processo de tomar, digerimos completamente e assimilamos inteiramente. O que realmente assimilamos do meio se torna nosso, para fazermos o que desejarmos. Podemos retê-lo ou devolvê-lo com sua nova forma, destilada através de nós. Mas aquilo que trazemos inteiro, o que aceitamos indiscriminadamente, o que ingerimos e não digerimos, é um corpo estranho que se instala em nós. Não é parte de nós, embora pareça. É ainda parte do meio. Fisicamente esse processo de crescimento por assimilação é fácil de ver. Crescemos e nos mantemos não através da comida que engolimos inteira, mas pela comida que mastigamos e digerimos. A comida física, adequadamente digerida e assimilada, torna-se parte de nós. Mas a comida que engolimos inteira, que deitamos garganta abaixo, não porque a queremos, mas porque temos que comer, permanece pesadamente no estômago. Faz com que nos sintamos mal, queiramos vomitá-la, expulsá- la de nossos sistemas. Se não o fazemos, se suprimimos nosso mal-estar e náusea, e desejamos nos livrar dela, conseguimos, finalmente, uma digestão dolorosa ou que a comida nos envenene. O processo psicológico de assimilação é extremamente semelhante a seu correlato fisiológico. Os conceitos, fatos, padrões de comportamento, a moral, os valores éticos, estéticos ou políticos, todos nos chegam originalmente do mundo externo. Não há nada em nossas mentes que não venha do meio, e não há nada no meio para o qual não haja uma necessidade orgânica, física ou psicológica. Estas devem ser digeridas e dominadas, se quiserem se tornar nossas de verdade, realmente uma parte da personalidade. Mas se simplesmente as aceitamos completamente e sem crítica, baseados na palavra de outra pessoa, ou porque estão na moda, ou são de confiança, ou tradicionais ou antiquadas ou revolucionárias, tornam-se um peso para nós. São realmente indigeríveis. Ainda são corpos estranhos, embora tenham se instalado em nossas mentes. Tais atitudes não digeridas, modos de agir, sentir e avaliar, a psicologia chama de introjeções, e o mecanismo pelo qual estes acréscimos estranhos são anexados à personalidade chamamos de introjeção. Os perigos da introjeção são, pois, duplos. Em primeiro lugar, o homem que introjeta nunca tem uma oportunidade de desenvolver sua própria personalidade porque está muito ocupado em ficar com os corpos estranhos alojados em seu sistema. Quanto mais se sobrecarrega com introjeções, menos lugar há para que expresse ou mesmo descubra o que é de fato. Em segundo lugar, a introjeção contribui para a desintegração da personalidade. Se alguém traga inteiros dois conceitos incompatíveis, pode se achar tragado em pedaços no processo de tentar reconciliá-los. E esta é uma experiência bastante comum hoje em dia. A introjeção é o mecanismo neurótico pelo qual incorporamos em nós mesmos normas, atitudes, modos de agir e pensar, que não são verdadeiramente nossos. Na introjeção colocamos a barreira entre nós e o resto do mundo tão dentro de nós mesmos que pouco sobra de nós. Projeção É o contrário da introjeção. A projeção é a tendência a fazer o meio responsável pelo que se origina na própria pessoa. Clinicamente, reconhecemos que a doença da paranoia, que é caracterizada pelo desenvolvimento de um sistema altamente organizado de ilusões, é o caso extremo de projeção. A paranoica tem sido, caso após caso, a personalidade mais agressiva que, incapaz de suportar a responsabilidade de seus próprios desejos, sentimentos e vontades, se liga a objetos ou pessoas do meio. Sua convicção de que está sendo perseguida é de fato a afirmação de que gostaria de perseguir outros. A projeção existe em formas muito menos extremas queesta e temos que ser cuidadoso para distinguir entre projeção, que é um processo patológico, e suposição baseada na observação do mundo externo, que é normal e saudável. O neurótico não usa o mecanismo da projeção apenas em relação ao seu intercâmbio com o mundo externo. Também usa consigo próprio. Tem uma tendência não somente para se desapropriar de seus próprios impulsos, mas também para de desapropriar das partes de si em que surgem os impulsos. Dá-lhes, como se assim fosse, uma existência objetiva fora de si, de modo a fazê-los responsáveis por seus problemas sem encarar o fato de que eles são partes suas. Em vez de ser um participante ativo de sua própria vida, aquele que projeta se torna um objeto passivo, a vítima das circunstâncias. Na projeção deslocamos a barreira entre nós e o resto do mundo exageradamente a nosso favor, de modo que nos seja possível negar e não aceitar as partes de nossa personalidade que consideramos difíceis, ou ofensivas ou sem atrativos. A propósito, em geral, são nossas introjeções que nos levam ao sentimento de autodesvalorização e auto alienação que produz a projeção. Confluência Quando o indivíduo não sente nenhuma barreira entre si e seu meio, quando sente que ele próprio e o meio são um, está em confluência com este meio. As partes e o todo são indistinguíveis entre si. Os recém- nascidos vivem em confluência, não possuem o sentido de distinção entre dentro e fora, entre si e o outro. Em momentos de êxtase ou extrema concentração, as pessoas adultas também se sentem confluentes com o que as cerca. A pessoa em que a confluência é um estado patológico, não pode discriminar entre o que ela é e o que as outras pessoas são. Não sabe onde ele termina e começam os outros. Como não se dá conta da barreira entre ele e os outros, não pode entrar em bom contato com eles. Nem pode evitar envolver-se com eles. De fato, não pode sequer fazer contato consigo mesmo. Somos feitos de milhares de células. Se fôssemos uma confluência, seríamos como uma massa gelatinosa e não haveria possibilidade de organização. Por outro lado, cada célula está separada de outra por uma membrana permeável, e esta membrana é o lugar de contato, de discriminação, para o que é “aceito” e o que é “rejeitado. O homem que está me confluência patológica amarra suas necessidades, emoções e atividades num amontoado de completa confusão até que não mais se dá conta do que quer fazer e de como está se impedindo de fazê-lo. A confluência patológica também tem sérias consequências sociais. Nesse estado a pessoa exige semelhança e recusa tolerar quaisquer diferenças. Retroflexão O quarto mecanismo neurótico pode ser chamado de retroflexão, o que significa literalmente, voltar-se rispidamente contra. O retroflexor sabe como traçar uma linha divisória entre ele e o mundo, e a esboça nítida e clara, justamente no meio, mas no meio de si próprio. O introjetivo faz como os outros gostariam que ele fizesse, o projetivo faz aos outros aquilo que os acusa de lhe fazerem, o homem em confluência patológica não sabe quem está fazendo o que a quem, e o retroflexor faz consigo o que gostaria de fazer aos outros. Quando uma pessoa retroflexiona um comportamento, trata a si mesma como originalmente quis tratar a outras pessoas ou objetos. Para de dirigir suas energias para fora, na tentativa de manipular e provocar mudanças no meio, que satisfaçam suas necessidades, ao invés disso, redirige sua atividade para dentro e se coloca no lugar do meio como alvo de comportamento. À medida que faz isso, cinde sua personalidade em agente e paciente de ação. Torna-se seu pior inimigo. A terapia como solução Essa confusão da identificação é, de fato, a neurose. E se ela se apresenta inicialmente pelo uso dos mecanismos de introjeção, ou projeção, ou retroflexão, ou confluência, seu sinal característico é a desintegração da personalidade e a falta de coordenação entre o pensamento e a ação. A terapia consiste em retificar as falsas identificações. Se a neurose é o produto de “más” identificações, a saúde é o produto de identificações “boas”. Na terapia temos, então, que reestabelecer a capacidade do neurótico de discriminar. Temos que ajudá-lo a descobrir o que ele é e o que não é, o que gratifica e o que o contraria. Temos que guiá-lo para a integração. Temos de auxiliá-lo a encontrar o próprio equilíbrio e o limite entre ele e o resto do mundo.
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