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Amanda Coimbra Pires DRGE O retorno do conteúdo gástrico através do Esfíncter Esofagiano Inferior (EEI) é chamado de refluxo gastroesofágico. O refluxo gastroesofágico casual, de curta duração (que geralmente ocorre durante as refeições), é dito fisiológico, sendo tipicamente assintomático. Já o refluxo interprandial recorrente, de longa duração, costuma originar sintomas (como pirose e regurgitação) que resultam da agressão à mucosa esofágica promovida pelo material refluído. Estes episódios de refluxo são ditos patológicos, e caracterizam a DOENÇA do Refluxo Gastroesofágico (DRGE). O que é a DRGE? Definimos Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) como uma afecção crônica secundária ao refluxo patológico de parte do conteúdo gástrico para o esôfago e/ou órgãos adjacentes (faringe, laringe, árvore traqueobrônquica), acarretando um espectro variável de sinais e sintomas esofágicos e/ou extraesofágicos que podem ser acompanhados ou não de lesões teciduais. A DRGE é o distúrbio mais comum do trato gastrointestinal alto no mundo ocidental, respondendo por cerca de 75% das esofagopatias. A DRGE pode aparecer em qualquer faixa etária (inclusive crianças - imaturidade do EEI ao nascimento aliada à permanência em posição recumbente – ambos melhorando com o passar do tempo), porém, sabemos que sua prevalência aumenta com a idade. Não há preferência por sexo, mas os sintomas tendem a ser mais frequentes e intensos na vigência de obesidade, bem como durante a gestação (relaxamento do EEI promovido pela progesterona + aumento da pressão intra-abdominal exercido pelo útero gravídico). A esofagite erosiva relacionada à DRGE é um importante fator de risco para o adenocarcinoma de esôfago: em alguns pacientes, a cicatrização das erosões acontece por meio do fenômeno de metaplasia intestinal, isto é, o epitélio estratificado normal do esôfago é substituído por um epitélio colunar dotado de maior resistência ao pH ácido, epitélio esse normalmente encontrado na mucosa do intestino delgado. Quando o 1/3 distal do esôfago apresentar essa alteração, teremos a condição conhecida como ESÔFAGO DE BARRETT (EB)! O grande problema é que o epitélio metaplásico do EB é mais propenso a evoluir com displasia progressiva de suas células, o que pode culminar em transformação neoplásica maligna – isto é, surgimento de um adenocarcinoma! A incidência de adenocarcinoma de esôfago está aumentando, ao passo que a prevalência de infecção pelo H. pylori está diminuindo... Tal observação aventou uma interessante hipótese: será que a infecção crônica por H. pylori de alguma forma protege contra o adenocarcinoma de esôfago??? A resposta é SIM! O H. pylori coloniza tanto o antro quanto o fundo gástrico (“pangastrite”), e seus efeitos patogênicos diretos podem levar à redução da secreção ácida. Dessa forma, indivíduos com pangastrite por H. pylori que possuem DRGE ficariam protegidos do dano mucoso ácido, com menor risco de esofagite erosiva e, consequentemente, menor probabilidade de desenvolver esôfago de Barrett, displasia e adenocarcinoma! PATOGÊNESE Existem três anormalidades podem originar refluxo: 1- Relaxamentos transitórios do EEI não relacionados à deglutição; 2- Hipotonia verdadeira do EEI; 3- Desestruturação anatômica da junção esofagogástrica (hérnia de hiato). Amanda Coimbra Pires - Os RELAXAMENTOS TRANSITÓRIOS DO EEI NÃO RELACIONADOS À DEGLUTIÇÃO representam o mecanismo patogênico mais comum. Característicos dos indivíduos sem esofagite ou com esofagite leve (o motivo desta última associação é: o refluxo tende a ser menos intenso e menos prolongado por este mecanismo). Acredita-se que tais relaxamentos sejam mediados por um reflexo vagovagal anômalo. Ao contrário dos relaxamentos desencadeados pela deglutição, estes são mais duradouros (> 10 segundos) e não são seguidos de peristalse esofagiana eficaz (a peristalse ajudaria a “limpar” os conteúdos refluídos, diminuindo a exposição da mucosa). - ESFÍNCTER CONSTANTEMENTE HIPOTÔNICO (< 10 mmHg). As seguintes condições podem justificar: esclerose sistêmica (pela fibrose e atrofia da musculatura esofagiana), lesão cirúrgica do EEI, tabagismo, uso de drogas com efeito anticolinérgico ou miorrelaxante (ex.: agonistas beta-adrenérgicos, nitratos, antagonistas do cálcio) e a gestação. - A própria esofagite erosiva é capaz de reduzir o tônus do EEI (agressões repetidas resultam em fibrose e atrofia da musculatura), gerando um ciclo vicioso. Hormônios como a Colecistocinina (CCK) e a secretina também reduzem o tônus do EEI. -A hipotonia do EEI é o principal mecanismo patogênico de DRGE em pacientes que apresentam esofagite erosiva grave. Orefluxo ocasionado por este mecanismo tende a ser mais intenso e mais prolongado (levando a uma maior exposição da mucosa e, consequentemente, maior dano). - As HÉRNIAS DE HIATO favorecem o refluxo na medida em que o EEI passa a não contar mais com a ajuda da musculatura diafragmática como reforço mecânico à sua função de barreira. A posição inapropriada do EEI (que passa a ficar dentro da cavidade torácica, local onde a pressão externamente exercida sobre ele é menor). São mecanismos de DEFESA contra o refluxo: (1) bicarbonato salivar, que neutraliza a acidez do material refluído; (2) peristalse esofagiana, que devolve esse material para o estômago. Logo, contribuem para a ocorrência e a gravidade da DRGE a coexistência de disfunção das glândulas salivares (ex.: síndrome de Sjögren, medicamentos com efeito anticolinérgico) e/ou distúrbios motores primários do esôfago. Obs.: em portadores de DRGE, a maioria dos episódios de refluxo intensamente ácido ocorre nas primeiras 3 horas após as refeições. Quando o estômago está cheio, parte do suco gástrico produzido no fundo do órgão fica meio que “boiando” por cima do bolo alimentar, criando uma coleção líquida chamada “acid pocket” (bolsão de ácido, em inglês). O acid pocket se localiza nas proximidades da cárdia, e é justamente ele que reflui durante o relaxamento do EEI no período periprandial. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A PIROSE (“queimação retroesternal”) é o principal sintoma da DRGE, geralmente ocorrendo nas primeiras 3 horas após as refeições e ao deitar. A pirose pode ou não ser acompanhada de REGURGITAÇÃO (percepção de um fluido salgado ou ácido na boca). PIROSE E REGURGITAÇÃO CONSTITUEM OS CHAMADOS “SINTOMAS TÍPICOS” DE DRGE! Portadores de DRGE podem se queixar também de DISFAGIA (1/3 dos casos), o que sugere a ocorrência de complicações como estenose péptica ou adenocarcinoma, mas pode resultar apenas do edema inflamatório na parede do esôfago ou da coexistência de um distúrbio motor associado. Queixa menos frequente é a DOR PRECORDIAL, que pode ser indistinguível da dor coronariana, fazendo diagnóstico diferencial com angina pectoris. Amanda Coimbra Pires SINTOMAS EXTRAESOFAGIANOS, os chamados “sintomas atípicos”: 1- Refluxo ácido para a boca (erosão do esmalte dentário) 2- Faringe (irritação da garganta, sensação de globus); 3- Laringe (rouquidão) 4- Cavidade nasal (sinusite crônica, otite média); 5- Árvore traqueobrônquica (tosse crônica, broncoespasmo, pneumonite aspirativa). O broncoespasmo pode ser desencadeado indiretamente por um reflexo esofagopulmonar mediado pelo nervo vago. 6- A anemia ferropriva por perda crônica de sangue aparece nos pacientes que desenvolvem esofagite erosiva grave, com formação de úlceras profundas. DIAGNÓSTICO Na maior parte das vezes o diagnóstico de DRGE pode ser feito somente pela anamnese, quando o paciente refere pirose pelo menos uma vez por semana, por um período mínimo de quatro a oito semanas. A resposta à PROVA TERAPÊUTICA (redução sintomática > 50% após 1-2 semanas de uso de IBP) é considerada o principal teste confirmatório! É possível estabelecer o diagnóstico de DRGE sem pedir exames complementares. A realização de exames está indicada emcertas situações específicas. Os principais métodos utilizados são: (1) Endoscopia Digestiva Alta; (2) pHmetria de 24h (com ou sem impedanciometria) método "padrão- ouro" para confirmar o diagnóstico de DRGE.; (3) Esofagomanometria; e (4) Esofagografia Baritada. COMPLICAÇÕES 1- Estenose Péptica do Esôfago: Ocorre em 5% dos portadores de esofagite erosiva, devido a uma cicatrização intensamente fibróticadas lesões. Esta complicação se inicia no terço inferior do órgão, assumindo, com o passar dos anos, um padrão “ascendente”. 2- Úlcera Esofágica: Além de erosões (geralmente superficiais), a esofagite de refluxo pode complicar com a formação de úlceras (lesões mais profundas que alcançam a submucosa e a muscular). Esses pacientes se queixam de dor ao deglutir (odinofagia) e têm hemorragia digestiva oculta (anemia ferropriva). Raramente eles perfuram o esôfago. Com frequência, as úlceras relacionadas à DRGE se localizam em áreas de epitélio metaplásico (“úlcera de Barrett”), quer dizer, tais lesões estão sempre presentes no 1/3 distal do órgão! 3- Asma Relacionada à DRGE: O refluxo pode ser a única causa para o broncoespasmo ou, mais comumente, a DRGE apenas exacerba uma asma previamente existente... O próprio tratamento da asma (pelo uso de agonistas beta-adrenérgicos, que relaxam o EEI) também pode induzir refluxo. Amanda Coimbra Pires 4- Epitélio Colunar: Esôfago de Barrett DRGE infantil. O diagnóstico costuma ser confirmado do mesmo modo que no paciente adulto: na maioria das vezes apenas pela história clínica + resposta positiva à prova terapêutica. Casos duvidosos podem ser submetidos à pHmetria de 24h. TRATAMENTO Medidas Antirrefluxo: 1- Elevação da cabeceira do leito (15 a 20 cm). 2- Reduzir a ingestão de alimentos que relaxam o EEI ou que têm efeito diretamente “irritante” para o esôfago: gorduras, cítricos, café, bebidas alcoólicas e gasosas, molho de tomate, chocolate, condimentos em excesso (alho, cebola, pimenta etc.). 3- Evitar deitar após as refeições, devendo-se esperar de 2-3h; 4- Fracionar a dieta. 5- Suspensão do fumo. 6- Evitar líquidos às refeições. 7- Evitar atitudes que aumentem a pressão intra-abdominal. 8- Redução de peso em obesos. 9- Evitar, se possível, as drogas que relaxam o EEI (antagonistas do cálcio, nitratos, derivados da morfina, anticolinérgicos, progesterona, diazepam, barbitúricos, teofilina). Tratamento Farmacológico Inibidores da Bomba de Prótons → principal, 4-8 semanas. Bloqueadores H2 Antiácidos → sintomáticos Procinéticos → aumentam o esvaziamento gástrico Cirurgia Antirrefluxo
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