Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
P á g i n a | 1 Medicina uneb – turma xiii Farmacologia da Cetamina A cetamina é um derivado da fenciclidina parcialmente hidrossolúvel e altamente lipossolúvel, que difere da maioria dos outros anestésicos intravenosos pela produção de analgesia significativa. O mecanismo de ação da cetamina é complexo, porém o principal efeito observado é produzido provavelmente pela inibição do complexo do receptor de NMDA. Sua alta lipossolubilidade garante o rápido início de seus efeitos. À semelhança de outros fármacos intravenosos para indução, o efeito de uma única injeção intravenosa direta atinge primeiro o cérebro e medula espinal, depois termina com a redistribuição do fármaco para os tecidos inativos. O metabolismo ocorre principalmente no fígado e envolve a N-desmetilação pelo sistema do citocromo P450, produzindo a norcetamina, que tem atividade reduzida no SNC e sofre hidroxilação e conjugação subsequentes a metabólitos inativos hidrossolúveis, que são excretados na urina. A cetamina é o único anestésico intravenoso com baixa ligação às proteínas. Após infusões prolongadas, as meias-vidas e as durações da ação tornam-se dependentes de uma interação complexa entre a taxa de redistribuição, a quantidade acumulada na gordura e a taxa metabólica do fármaco. Esse fenômeno é chamado de meia-vida sensível ao contexto, onde a meia vida do fármaco depende da dose total e ao longo de quanto tempo ela foi administrada. A cetamina aumenta apenas discretamente com as administrações prolongadas, o que lhe caracteriza uma meia-vida curta sensível ao contexto, com depuração rápida. Isso permite que ela seja adequada para infusão contínua sem que haja um prolongamento da ação, como ocorre com o tiopental. Se a cetamina for administrada como único anestésico, a amnésia não é tão completa quanto aquela obtida com os benzodiazepínicos. Os reflexos frequentemente são preservados, porém não é possível afirmar que os pacientes serão capazes de proteger as vias respiratórias altas. Os olhos permanecem abertos, e as pupilas estão moderadamente dilatadas com reflexo de nistagmo mantido, o que induz um estado cataléptico, acompanhado, com frequência, de aumento do lacrimejamento e da salivação, podendo-se indicar uma pré-medicação com fármaco anticolinérgico para limitar esse efeito. A Cetamina tem atividade simpaticomimética indireta e pode dar suporte à pressão arteiral na indução anestésica em pacientes que estão em risco de desenvolver hipotensão significativa. Diferentemente de P á g i n a | 2 Medicina uneb – turma xiii outros anestésicos intravenosos, a cetamina é considerada um vasodilatador cerebral que aumenta o fluxo sanguíneo cerebral, bem como a taxa metabólica cerebral de consumo de oxigênio (TMCO2). Por esses motivos, a cetamina tem sido recomendada tradicionalmente para uso em pacientes com patologia intracraniana, em especial elevação da pressão intracraniana (PIC). Esses efeitos indesejáveis percebidos no fluxo sanguíneo cerebral podem ser atenuados pela manutenção de normocapnia. Apesar do potencial de produzir atividade mioclônica, a cetamina é considerada um anticonvulsivante e pode ser recomendada para o tratamento do estado de mal epiléptico, quando fármacos mais convencionais não são efetivos. O estado característico observado após uma dose de cetamina para indução é conhecido como “anestesia dissociativa”, em que os olhos do paciente permanecem abertos com nistagmo lento. A ocorrência de reações de emergência desagradáveis após a administração constitui o principal fator que limita o uso da cetamina. Essas reações podem incluir sonhos coloridos vívidos, alucinações, experiências fora do corpo e sensibilidade visual, tátil e auditiva aumentada e distorcida. Essas reações podem estar associadas a medo e confusão, porém também é possível ocorrer um estado eufórico, explicando o potencial de abuso desse fármaco. Em geral, as crianças apresentam incidência mais baixa e menos grave de reações de emergência. A combinação com um benzodiazepínico pode estar indicada para limitar as reações de emergência desagradáveis e também para aumentar a amnésia. A cetamina pode produzir aumentos transitórios e significativos da pressão arterial, da frequência cardíaca e do débito cardíaco, presumivelmente por estimulação simpática mediada centralmente. Esses efeitos podem ser atenuados pela coadministração de benzodiazepínicos, opioides ou anestésicos inalatórios. Os efeitos cardiovasculares são indiretos e na sua maioria mediados pela inibição da captação de catecolaminas em nível central e periférico. A cetamina tem atividades inotrópica negativa e vasodilatadora diretas, mas esses efeitos são habitualmente sobrepujados pela ação simpaticomimética indireta. Assim, ela é um fármaco útil para pacientes sob risco de hipotensão durante a anestesia. Embora não seja arritmogênica, a cetamina aumenta o consumo de oxigênio por parte do miocárdio e não é um fármaco ideal para pacientes sob risco de isquemia miocárdica. Os efeitos respiratórios da cetamina são talvez a melhor indicação para o seu uso. Após a administração rápida de uma grande dose intravenosa para indução da anestesia, podem ocorrer hipoventilação transitória e, em raros casos, um curto período de apneia, mas a depressão respiratória é menos grave do que a dos outros anestésicos gerais. Nas crianças, em particular, é preciso considerar o risco de laringospasmo, devido a um aumento da salivação (administrar fármaco anticolinérgico). A cetamina relaxa o músculo liso brônquico e pode ser útil em pacientes com vias respiratórias reativas, bem como no manejo de pacientes que apresentam broncoconstrição. Em virtude de suas propriedades singulares, incluindo analgesia profunda, estimulação do sistema nervoso simpático, broncodilatação e depressão respiratória mínima, a cetamina pode ser útil para anestesiar pacientes sob risco de hipotensão, broncoespasmo e para procedimentos pediátricos, além de constitui uma importante alternativa a outros anestésicos intravenosos e um adjuvante desejável em muitos casos, apesar dos efeitos psicotomiméticos desagradáveis. Além disso, a cetamina pode ser administrada por diversas vias (intravenosa, intramuscular, oral, retal, epidural). P á g i n a | 3 Medicina uneb – turma xiii o A indução da anestesia pode ser obtida com doses de 1 a 2 mg/kg por via intravenosa ou 4 a 6 mg/kg por via intramuscular. o Em pequenas doses na forma de bolo (0,2 a 0,8 mg/kg IV) pode ser útil durante a anestesia regional, quando há necessidade de analgesia adicional (p. ex., parto por cesariana sob anestesia neuroaxial com bloqueio regional insuficiente). o Em dose subanalgésica (3 a 5 mcg/kg/min) durante a anestesia geral e no período pós-operatório inicial pode ser útil para produzir analgesia ou para reduzir a tolerância aos opioides e a hiperalgesia induzida por opioides. O uso da cetamina sempre foi limitado em virtude de seus efeitos colaterais psicotomiméticos desagradáveis; todavia, tendo em vista suas características singulares, esse fármaco constitui uma alternativa muito valiosa em determinadas circunstâncias, principalmente devido à analgesia potente, com depressão respiratória mínima. Mais recentemente, tornou-se popular como adjuvante em doses subanalgésicas para limitar ou reverter a tolerância aos opioides. Fontes: Katzung, 13ª Ed; Goodman, 12ª Ed.
Compartilhar