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Mario Alencastro MAÇONARIA E PÓS-MODERNIDADE INTERFACES, NOVOS DISCURSOS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS 2018 M a ta /S h u tt e rs to c k 2 © Mario Alencastro Sumário Apresentação ................................................................................................................................ 3 Capítulo 1 – A era da comunicação, do conhecimento e da informação ..................................... 5 1.1 Uma sociedade em rede ..................................................................................................... 6 1.2 Comunidades virtuais .......................................................................................................... 7 1.3 A nova Caverna de Platão? .................................................................................................. 8 1.4 A Maçonaria na Internet ..................................................................................................... 9 Capítulo 2 – O pensamento pós-moderno e a Maçonaria .......................................................... 13 2.1 A condição pós-moderna .................................................................................................. 14 2.2 Desdobramentos ............................................................................................................... 15 2.3 Maçonaria, tradição e contemporaneidade ..................................................................... 20 Capítulo 3 – A vida em Loja ......................................................................................................... 21 3.1 A Loja ................................................................................................................................. 22 3.2 Comportamento em Loja .................................................................................................. 24 3.3 Organização dos trabalhos ................................................................................................ 27 3.4 A prática ritualística........................................................................................................... 28 Capítulo 4 – Interfaces, novos discursos, desafios e perspectivas .............................................. 34 4.1 Universalidade maçônica .................................................................................................. 34 4.2 O grande “Cisma” .............................................................................................................. 36 4.3 Teoria da dupla tradição ................................................................................................... 40 4.4 Igualdade de gênero .......................................................................................................... 41 4.4 Portadores de deficiência na Maçonaria .......................................................................... 45 Para concluir ................................................................................................................................ 46 Referências .................................................................................................................................. 48 Sobre o autor ............................................................................................................................... 52 3 © Mario Alencastro Apresentação A Maçonaria é uma instituição muito antiga. Herdeira das tradições dos Maçons operativos da Idade Média foi em 1717, com a fundação da Grande Loja de Londres e Westminster, que ela se apresentou oficialmente na condição de especulativa, embora já se tenha notícias de Lojas especulativas bem antes deste período. Do alto de seus 300 anos de existência, a Maçonaria ainda hoje exerce um enorme poder de atração, congregando em suas fileiras indivíduos dos mais diferentes segmentos sociais que buscam, pelo aperfeiçoamento do caráter, se transformarem em pessoas melhores. Apesar de todo o seu passado glorioso e ainda figurar no rol das organizações que se destacam no cenário mundial, a Maçonaria, tal como várias outras instituições tradicionais, tem pela frente o desafio de conviver com as turbulências trazidas com o advento da pós-modernidade. De que forma uma organização tão rica em tradições e alicerçada sobre sólidos princípios morais, dará conta de singrar os mares tormentosos destes tempos pós-modernos, nos quais tudo é posto em xeque, das instituições às crenças? Como lidar como o novo, sem abrir mão de seus princípios e propósitos? Sabe-se que enfrentar desafios não é algo desconhecido para a Maçonaria, organização que por séculos sempre soube encontrar soluções de continuidade e florescer. Tal situação foi o fator motivador para a elaboração deste pequeno texto, uma modesta contribuição que disponibilizo para o público maçônico. Trata-se de uma discussão em torno de velhas e novas ideias e que se dá em torno dos desafios que a Maçonaria tem pela frente neste século XXI, uma época marcada pela velocidade vertiginosa dos acontecimentos. A linha condutora de toda a nossa argumentação é a dialética, no sentido de “caminho entre as ideias”, um método de diálogo que se dá a partir da contraposição e contradição de ideias que conduzem a outras ideias. Na filosofia antiga e medieval era sinônimo de lógica ou arte da argumentação e fazendo parte chamadas artes liberais do Trívio (lógica, gramática e retórica) e Quadrívio (aritmética, música, geometria e astronomia) que certamente faziam parte da formação de um mestre construtor. 4 © Mario Alencastro Buscou-se aqui o sentido originário do termo, que para muitos encontra- se em Heráclito de Éfeso, segundo o qual, nada seria permanente, não podendo um indivíduo banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez o rio (ou a pessoa) já teria se modificado. Em outras palavras, as mudanças são a essência da existência. Sócrates via no diálogo, um método essencial para o conhecimento das coisas e de si mesmo. A dialética socrática permite, pelo diálogo, a proposição de uma tese, sua crítica (antítese) e construção de uma síntese, uma descoberta em comum, ao termo da controvérsia. O maçom é um indivíduo livre e de bons costumes. Não se refere aqui à liberdade física ou a capacidade de não ser escravo dos vícios, mas sim a liberdade de pensamento, a capacidade de se tornar um livre pensador. Nesse sentido a dialética como método de discussão é fundamental, pois, mediante sua prática, é possível com liberdade de pensamento, com tolerância e sem preconceitos, discutir qualquer assunto, por mais polêmico que seja. O texto se organiza em quatro partes. As duas primeiras são uma espécie de contextualização. No primeiro capítulo são apresentadas as principais características de um mundo globalizado e alicerçado nas tecnologias de comunicação e informação. Em seguida, no Capítulo 2, discute-se o advento da pós-modernidade e seus desdobramentos nos campos filosófico, político e até religiosos, dos quais a Maçonaria não pode ficar alheia. A vida em Loja é abordada no terceiro capítulo. Aspectos relacionados à organização dos trabalhos, às relações interpessoais e a importância da prática ritualística são ali apresentados como fatores capazes de enriquecer as sessões e contribuir para a permanência dos obreiros nas oficinas maçônicas. Temas polêmicos são tratados na quarta parte do texto. Coloca-se então em perspectiva o Landmark 18, na restrição que impõem às mulheres e deficientes físicos no que diz respeito ao seu ingresso na Maçonaria. A discutida pretensão de universalidade maçônica também é analisada de forma crítica nesse último capítulo. Por fim, o autor gostaria de chamar a atenção para o fato de que, mais importante do que o texto em si, são as notas de rodapé. Utilizamos o sistema de citação numéricopois limpa o texto e permite um acesso mais rápido às fontes utilizadas, a nosso ver a maior contribuição do trabalho. 5 © Mario Alencastro Capítulo 1 – A era da comunicação, do conhecimento e da informação Não há mais limites para o alcance da informação. Tal assertiva parece exagerada, mas a emergência de um novo paradigma tecnológico, com bits armazenados em computadores de alta performance e circulando em altíssima velocidade em redes telemáticas, faz com que expresse a mais pura realidade. O fato é que se ampliaram os recursos comunicacionais. Desde a década de 1980, desenvolve-se de forma crescente e contínua, um complexo conjunto de recursos tecnológicos interligados entre si que, por meio da união das funções de hardware, software e telecomunicações, proporciona a integração de vários modos de comunicação numa rede interativa que permite o fluxo ultrarrápido e contínuo de dados, sons, imagens e textos que cruzam o planeta instantaneamente. Dessa forma, são superadas as limitações de espaço e tempo, abrindo- se assim, múltiplas possibilidades de comunicação que estão revolucionando praticamente todos os processos de interação humana. Obviamente os maçons, habitantes que são desta “aldeia global”1, sofrem, direta ou indiretamente, os efeitos dessa revolução informacional. Proliferam na Internet sites sobre Maçonaria e inúmeros periódicos online sobre o tema, alguns de discutível credibilidade, encontram-se disponíveis na rede. Tal fenômeno representaria uma oportunidade de divulgação dos ideais da Ordem, ou uma ameaça às suas tradições, discretamente preservados no decorrer de séculos? Como separar o joio do trigo, ou seja, selecionar as informações verídicas das improcedentes, neste labirinto global da informação disponível em rede? São questões como estas que nortearão o presente capítulo. 1 Aldeia global é um termo criado na década de 1960 pelo filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan. Ele tinha o objetivo de indicar que as novas tecnologias eletrônicas tendem a encurtar distâncias e o progresso tecnológico tende a reduzir todo o planeta à mesma situação que ocorre em uma aldeia: um mundo em que todos estariam, de certa forma, interligados. Cf. MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação do homem tipográfico. São Paulo, Editora Nacional, Editora da USP, 1972. 6 © Mario Alencastro 1.1 Uma sociedade em rede O universo comunicacional convencional, com ênfase no rádio e na televisão, vem, paulatinamente, perdendo terreno para um outro modelo, que pode ser chamado de multimídia interativa, no qual intercalam-se diversas linguagens (visual, radiofônica, televisiva, cinematográfica e videográfica) que se apresentam de forma não sequencial, por meio de uma estrutura tecnológica que permite a combinação de som, texto e imagens difundidas em tempo real. Tal estrutura midiática permite uma intensa interatividade entre os agentes, pela profusão dos meios de comunicação e pela simultaneidade das mensagens2. Assim, é possível concluir que já está ocorrendo a migração de um modo de comunicação em massa ao estilo broadcasting, no qual se transmite ou difunde determinada informação a muitos receptores ao mesmo tempo, como se faz no rádio e televisão, para os meios digitais e das redes, que permitem a interatividade e a colaboração. As TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) proporcionam recursos que permitem ouvir, ler, gravar, voltar, seguir adiante, selecionar, tratar e enviar qualquer tipo de mensagem para qualquer lugar e a qualquer tempo. Assim, os usuários deixam de ser passivos telespectadores e assumem a condição de sujeitos operativos no processo. São tantas (e aceleradas) transformações no campo comunicacional, materializadas na passagem de uma cultura baseada na escrita para a cultura da multimídia, que o momento atual é semelhante ao que aconteceu na Grécia por volta de 500 a.C., quando os gregos passaram a valer-se do alfabeto e que, no intervalo de apenas duas gerações, migraram de uma cultura eminentemente oral para uma cultura baseada na escrita.3 Não é exagero afirmar que as sociedades hodiernas se caracterizam, seja na vida social como na esfera política, como sociedades da informação, nas quais o local e o global estão conectados just in time, o que permite uma nova forma de relacionamento humano, pois, com a eliminação das barreiras de espaço e tempo, é possível relacionar-se face a face e em tempo real com 2 SROUR, Robert Henry. Poder, cultura e ética nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1998. p.29-30. 3 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. v. 1. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2012.p.414 7 © Mario Alencastro pessoas geograficamente distantes. Ademais, um evento que aconteça do outro lado do planeta, imediatamente vira notícia para todos os continentes. Isso faz com que os fatos locais sejam penetrados e moldados por influências sociais distantes a eles, o que contribui para uma transformação da ordem social, na qual valores tradicionais, quando confrontados com outros, sejam colocados em xeque4. 1.2 Comunidades virtuais Os poderosos recursos de interatividade disponíveis neste imenso sistema global de redes de computadores interligadas, conhecido como Internet, permitem aos indivíduos construírem seus próprios sistemas de comunicação, dando origem a um fenômeno conhecido como Comunidades Virtuais, nova forma de comunidade que reúne as pessoas on-line ao redor de valores e interesses em comum. Uma Comunidade Virtual é definida como um grupo de pessoas que interagem entre si, aprendendo com o trabalho das outras e proporcionando recursos de conhecimento e informação ao grupo, em relação a temas sobre os quais há acordo de interesse mútuo. Cada integrante de uma comunidade virtual é um elemento ativo que contribui para evolução do grupo, superando a condição de mero expectador.5 As Comunidades Virtuais, compostas por indivíduos online conectados por valores, objetivos e interesses em comum, alojam-se em espaços sociais conhecidos como Redes Sociais. Ali, mediante relacionamentos horizontais e não hierárquicos entre os participantes, além do compartilhamento de textos, fotografias, músicas e filmes, são desenvolvidos projetos cooperativos de grande escala como a Wikipédia (a enciclopédia de código aberto) e até redes de ativismo social/político/religioso.6 4 GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1991. p. 28. 5 HUNTER, B. Learning in the Virtual Community Depends upon Changes in Local Communities. In: RENNINGER, K. A.; SHUMAR, W. Building virtual communities. Learning and change in cyberspace. New York: Cambridge University Press, 2002. p. 96. 6 CASTELLS, op. cit., p. xiii. 8 © Mario Alencastro Atualmente, Redes Sociais como o Facebook, atraem pessoas das mais diversas faixas etárias e níveis sociais, ampliando a sua sociabilidade. As comunidades on-line estão se tornaram um elemento fundamental da vida cotidiana que continua a crescer por toda a parte e interatividade que proporcionam é um desafio para todos os agentes envolvidos com os processos de comunicação. 1.3 A nova Caverna de Platão? Embora se acredite que essa nova dimensão da comunicação poderia permitir o compartilhamento de conhecimento e que isso possibilitaria importantes perspectivas e possibilidades para a vida em sociedade, nem tudo são flores, pois, a despeito do imenso manancial de informações que podem ser obtidas na Internet, há também muito material inconsistente e de procedência duvidosa.Sob este aspecto, talvez seja útil revisitar a Alegoria da Caverna, concebida pelo filósofo grego Platão e apresentada no Livro VII da República7. Em linha gerais, trata-se de uma parábola que relata uma história de seres humanos que permanecem no interior de uma caverna, na qual nasceram e cresceram. Todos estão de costas para a entrada e, como estão acorrentados, não podem se mover e apenas enxergam a parede do fundo da caverna. Atrás dos prisioneiros há uma fogueira, separada deles por uma pequena parede, por detrás da qual passam pessoas carregando objetos que representam "homens e outras coisas viventes". Tal mecanismo faz com que as sombras dos objetos carregados sejam projetadas na parede do fundo da caverna, a única coisa que os prisioneiros conseguem enxergar. Os sons provenientes do lado de fora, associados às imagens projetadas, fazem com que os prisioneiros confundam as sombras (simulacros) com a realidade. É interessante a imagem criada por Platão, pois ao remeter à questão do discernimento entre o que é real e o fictício, faz lembrar que os meios de 7 Cf. PLATÃO. República. Rio de Janeiro: Editora Best Seller, 2002. 9 © Mario Alencastro comunicação, dentre eles a Internet, estão repletos de informações que mascaram a realidade. A respeito deste mascaramento da realidade e da proliferação de informações que a distorcem ou criam ficções que corrompem a concretude dos fatos, cabe chamar a atenção para uma espécie de “Cultura do Simulacro”, na qual a representação da realidade (os simulacros) difundida pela mídia tem mais força do que a própria realidade. Em outras palavras, as simulações malfeitas do real são mais atraentes ao espectador do que o próprio objeto que reproduzem.8 Há muito a informação ultrapassou a barreira da verdade, sendo que, em muitos casos, sua veracidade “repousa sobre a credibilidade instantânea”9, o verdadeiro se justifica pelo fato de que se pretende ser representado em tempo real, o que não exclui toda sorte de manipulações que vão desde a escolha do que se quer apresentar, às manipulações grosseiras. Nem sempre a velocidade do hiperespaço midiático permite aprofundamento e reflexão. Cabe ao maçom pesquisador ser imune à “pós-verdade”, um neologismo criado para descrever como a opinião pública é influenciada por algo que, com aparência de verdade, passa a ser mais importante do que a própria verdade. A pós-verdade, que se constrói a partir da superposição das versões em relação aos fatos em si, é notadamente presente nas propagandas políticas e em diversas formas de proselitismo ideológico.10 1.4 A Maçonaria na Internet A Internet é, sem dúvida, um dos principais meios para o acesso às informações do cotidiano. O uso crescente de dispositivos móveis, tais como os smartphones, contribuem para manter as pessoas informadas em tempo real. A Maçonaria não fica fora desta realidade. Basta uma ligeira pesquisa em qualquer mecanismo de busca na rede, usando descritores como “Maçonaria” e “Maçom”, para se ter como resposta milhões de resultados. Diante desse volume de informações, o que fazer para garantir a qualidade do material pesquisado? 8 BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulação. Lisboa, Relógio d’Água editores, 1991. 9 BAUDRILLARD, Jean. Tela total: mito-ironias da era do virtual e da imagem. Porto Alegre: Editora Sulina, 1999. p. 59. 10 LLORENTE, José Antônio. A era da pós-verdade: realidade versus percepção. Revista UNO, São Paulo, nº 27, 2017.p. 9. 10 © Mario Alencastro Ao se levar em conta o fato de que se a Internet torna acessível todo tipo de material literário maçônico que se possa imaginar, cabe questionar qual seria o comportamento adequado diante de tal realidade. 11 É certo que entre os maçons não há um consenso em relação a Internet, que, para os conservadores, é o retrato da decadência da Maçonaria, visto que promove, por sua ampla disponibilização, uma banalização da tradição e dos ensinamentos maçônicos.12 Nunca é demais lembrar que, apesar de conservadora em seus princípios, a Maçonaria nunca se tornou arcaica e nem deixou de evoluir com a passagem do tempo, sempre se adaptando às mudanças que ocorreram com o progresso das sociedades. Por conseguinte, não se furtará a lidar de forma sábia com o advento das novas tecnologias de comunicação e informação.13 Nesse contexto, um debate muito interessante envolve a comparação entre livros e blogs, visto que ambos disponibilizam informação maçônica para quem quiser ter acesso. Os livros podem ser encontrados nas livrarias, portanto, acessíveis a quem estiver disposto a comprar. Já os blogs representam literatura maçônica gratuita e de fácil acessibilidade para os irmãos. Tanto o autor de livros quanto o “blogueiro” fazem a mesma coisa: escrevem. Se é assim, como aferir a qualidade do material? No caso dos livros as editoras funcionam como “filtros de qualidade”, garantindo um conteúdo mais consistente e impedindo assim, que “aberrações” sejam publicadas. No caso dos blogs não há como garantir este filtro, sendo que a triagem fica a cargo do leitor.14 O fato é que existem riscos e oportunidades quando se trata do uso da Internet na Maçonaria. No que diz respeito às oportunidades, pode-se alegar que os trabalhos postados na rede, além de não acarretarem custos, ainda possibilitam aos profanos, pela identificação com os princípios maçônicos, uma maior aproximação com a Maçonaria, o que poderia representar num acréscimo qualitativo em seus quadros. 11 ISMAIL, Kennyo. Debatendo tabus maçônicos. Londrina: Ed. Maçônica “A Trolha”, 2016. 12 Ibid., p. 73. 13 RAIMUNDO, Nuno. A Maçonaria e as novas tecnologias de informação e comunicação (2016). In: A partir pedra. Blogue sobre Maçonaria escrito por mestres da Loja Mestre Affonso Domingues. Disponível em: <https://a-partir-pedra.blogspot.com.br/2016/05/a-maconaria-e-as-novas-tecnologias-de.html>. Acesso em: 04 dez. 2017. 14 ISMAIL, op. cit, p. 74-75. 11 © Mario Alencastro Ademais, a Internet possibilita uma excelente oportunidade de acesso a material maçônico de qualidade para quem se encontra longe dos grandes centros urbanos e também para os mais jovens, sempre mais afeitos à uma crescente cultura digital, na qual a leitura eletrônica vem ganhando espaço. Os riscos são bem conhecidos. Vão desde a divulgação de material maçônico que não deveria ser exposto publicamente, até a divulgação de conteúdo inverídico, impreciso, fantasioso, e mesmo difamatório, conduzindo o leitor menos preparado a formar uma imagem distorcida acerca da Maçonaria. O que fazer para ser prever em relação aos riscos? Algumas ações podem ser muito úteis para se identificar a veracidade de um conteúdo. Procurar identificar quem é o autor da informação é o primeiro passo. Verificar se ele tem credibilidade no meio maçônico e se a origem do conteúdo é reconhecida, são medidas de precaução indispensáveis. Outro ponto importante é saber se o conteúdo expressa apenas uma opinião pessoal ou se está balizado por alguma instituição que tenha credibilidade.15 Para concluir, cabe chamar a atenção para o aparecimento de lojas online, como no caso da Internet Lodge nº 965916 jurisdicionada à Grande Loja Provincial de East Lancashire (GLUI) e a Lodge Ireland 200017 que integra a Grande Loja de Maçons Antigos, Livres e Aceitos da Irlanda. Interessante notar que já consta do List of Lodges Masonic 2018, a Castle Island Virtual nº 190, que funciona sob os auspícios da Loja de Manitoba (Canadá) 18. Em tais lojas online, os irmãos reúnem-se virtualmente a partir de qualquer lugar onde estão localizados. As reuniões têm abertura e encerramento ritualísticoe a Sessão da Loja é conduzida da mesma maneira que numa loja presencial. Geralmente promovem quatro encontros presenciais ao ano e as demais atividades são conduzidas valendo-se dos mais variados recursos disponíveis na Internet, tais como e-mails, chats e fóruns. As lojas online ainda 15 Biblioteca Virtual do Governo do Estado de São Paulo. Como checar informações na internet. Disponível em: <http://www.bibliotecavirtual.sp.gov.br/temas/internet-e-tecnologia/como-checar- informacoes-na-internet.php>. Acesso em 29 jan. 2018. 16 Internet Lodge nº 9659. Disponível em: <http://internet.lodge.org.uk>. Acesso em 04 fev. 2018. 17 Lodge Ireland 2000. Disponível em <https://www.ireland2000.org/>. Acesso em 04 fev. 2018. 18 MORAIS, Cassiano Teixeira de. Evasão maçônica. Causas e consequências. 2.ed. Brasília: Ed. DMC, 2017. p. 104. 12 © Mario Alencastro são uma incógnita. Se vingarão ou serão apenas exóticas exceções, somente o tempo trará a resposta. 13 © Mario Alencastro Capítulo 2 – O pensamento pós-moderno e a Maçonaria Vive-se hoje em “tempos líquidos”, nos quais nada foi feito para durar. São tempos pós-modernos, nos quais a transitoriedade prevalece sobre os valores tradicionais que até então davam sustentação às sociedades ocidentais.19 A incredulidade em relação às metanarrativas é a marca da condição pós- moderna.20 Entende-se por metanarrativa, uma narrativa de nível superior capaz de explicar todo o conhecimento existente ou de representar uma verdade absoluta sobre o universo. Representam visões totalizantes da história, capazes de prescrever regras de conduta política e ética para toda a humanidade. A Bíblia e o Alcorão são exemplos de metanarrativas universalmente conhecidas. Da mesma forma, as ideologias iluministas e marxistas também representam metanarrativas. As grandes narrativas estão em crise, em vias de desaparecer, carregando com elas também as narrativas religiosas, que entram em declínio juntamente com concepções filosóficas, utopias gerais e projetos históricos com pretensões totalizantes. A consequência é que tudo que é sólido parece se dissolver no ar e que a humanidade caminha sobre areia movediça.21 No que diz respeito à Maçonaria, algumas questões podem ser levantadas. Que atitude ela deve adotar em relação à contemporaneidade? Deve se tornar um reduto de conservadorismo, resistindo às mudanças do tempo, ou deve estar em constante processo de construção, renovação e adaptação à pós- modernidade? É o que será discutido a seguir. 19 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001 20 LYOTARD, Jean-François. O Pós-Moderno. 4.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993. p.24. 21 Tudo que é Sólido Desmancha no Ar é a obra mais conhecida do autor estadunidense Marshall Berman, configurando-se numa história crítica da modernidade e contendo análises críticas de vários autores e suas épocas - desde o Fausto de Goethe, passando pelo 'Manifesto' de Marx e Engels e pelos poemas em prosa de Baudelaire. 14 © Mario Alencastro 2.1 A condição pós-moderna A condição pós-moderna22 materializa-se na necessidade de superação da modernidade, de seus valores e princípios. Grosso modo, é possível elencar alguns aspectos que caracterizam o pensamento pós-moderno: • As ideias tradicionais deixam de ser referências válidas (colapso das grandes narrativas e utopias). • Desencanto social em relação à religião, à política e à ciência. • Interesse pelo alternativo. • Subjetividade, multiculturalismo e pluralidade. Cabe ressaltar que nem todos os autores optaram pelo termo “pós- moderno”. Não obstante, apesar de usarem terminologias diferenciadas, não escapam de apresentar a época atual como marcada pela subjetividade e incertezas. A expressão “tempos hipermodernos”, por exemplo, é utilizada para definir uma época na qual, ocorre a intensificação do tripé da modernidade, ou seja, a exaltação do mercado, o individualismo e a escalada técnico-científica.23 O conceito de “modernidade líquida” também seria adequado para definir o tempo presente. A metáfora do “líquido” ou da fluidez serve para ilustrar o principal aspecto do estado dessas mudanças. Um líquido sofre constante mudança e não conserva sua forma por muito tempo. As formas de vida contemporânea se assemelham aos líquidos pela vulnerabilidade e fluidez, incapazes de manter a mesma identidade por muito tempo, o que reforça um estado temporário e frágil das relações sociais e dos laços humanos. Essas mudanças de perspectivas aconteceram em um ritmo intenso e vertiginoso a partir da segunda metade do século XX. Com as tecnologias, o tempo se 22 Entende-se por Modernidade o período, influenciado pelo Iluminismo, em que o homem passa a se reconhecer como um ser autônomo, autossuficiente e universal, e a se mover pela crença de que, por meio da razão, se pode atuar sobre a natureza e a sociedade. Já a pós-modernidade teve início a partir dos anos de 1960. As raízes da discussão encontram-se na crise cultural que se faz sentir principalmente a partir do pós-guerra. O desencanto que se instala na cultura é acompanhado da crise de conceitos fundamentais ao pensamento moderno, tais como verdade, razão e progresso. Cf. CHEVITARESE, L. “As razões da pós-modernidade”. In: Análogos. Anais da I SAFPUC, Rio de janeiro: Boolink. 23 Cf. LIPOVESTSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004. 15 © Mario Alencastro sobrepõe ao espaço. Podemos nos movimentar sem sair do lugar. O tempo líquido permite o instantâneo e o temporário.24 Se, no período que precedeu a pós-modernidade, que poderíamos intitular de “modernidade sólida”, os conceitos, ideias e estruturas sociais eram mais rígidos e inflexíveis e o mundo tinha mais certezas, o que conferia aos indivíduos uma certa estabilidade, apesar de sustentada por graus variados de autoritarismo, na modernidade líquida tudo se volatiza e passa-se a viver num “mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível”.25 Outra abordagem interessante é a concepção de “sociedade de risco”, na qual se associa o processo de industrialização à produção de riscos, dado que, uma das principais consequências do desenvolvimento científico industrial é a exposição da humanidade a riscos e inúmeras modalidades de contaminação nunca observadas anteriormente, constituindo-se, portanto, em ameaças para os habitantes e para o meio ambiente. Tais riscos abrangem um amplo espectro que vai desde a instabilidade dos mercados às catástrofes ambientais e terrorismo. O problema é ainda maior porque os riscos gerados hoje não se limitam à população atual, uma vez que as gerações futuras também serão afetadas de forma até mais grave.26 2.2 Desdobramentos Apesar da dificuldade de se estabelecer marcos conceituais para explicar o momento presente, é possível identificar alguns desdobramentos significativos e que acarretarão em impacto nas atividades maçônicas. Um primeiro ponto a ser discutido é o niilismo. Para se entender o niilismo, cabe recorrer ao filósofo Friedrich Nietzsche, quando ele, na voz do seu homem louco, teria anunciado a “morte de Deus”. [...] Para onde foi Deus? gritou ele, já lhes direi! Nós o matamos –, vocês e eu. Somos todos os seus assassinos! [...] O mais forte e mais sagrado que o mundo até então possuíra sangrou inteiro sob os nossos 24 Cf. BAUMAN, op. cit. p.9 25 BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2004. p. 7 26 Cf. BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade.São Paulo: Ed. 34, 2011. 16 © Mario Alencastro punhais – quem nos limpará deste sangue? Com que água poderíamos nos lavar? Que ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos que inventar? A grandeza deste ato não é demasiado grande para nós? Não deveríamos nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele?27 A metáfora da morte de Deus significa o enfraquecimento da tradição metafísico-teológica cristã e de todas as certezas que ela comportava. Também simboliza o vazio espiritual que marcou o homem ocidental desde o momento em que as referências tradicionais, os ideais suprassensíveis e os valores supremos foram suprimidos. A precariedade da vida moral e as incertezas axiológicas do homem contemporâneo têm, no niilismo, sua gênese. O termo niilismo está associado à ausência de metas e com a falta de respostas à pergunta ‘para quê?’. Nietzsche concebeu o niilismo como uma espécie de inibição, de bloqueio ao ato de progredir, de lançar-se agressivamente à frente. Essa forma passiva de niilismo expressa o desdobramento da decadência quando a força do espírito humano se apresentou cansada e esgotada.28 Um individualismo exacerbado acompanha o niilismo. Com o enfraquecimento das grandes doutrinas totalizantes, dentre elas os princípios iluministas de emancipação humana, presentes no lema de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, tão familiares aos maçons, prevalece o individualismo, a atitude que privilegia o indivíduo em relação à comunidade. O que se tem é a depreciação do ideal de abnegação em prol da satisfação das aspirações imediatas, à paixão pelo ego, à felicidade intimista e materialista. Tal movimento não representa um triunfo da individualidade em face das restrições que lhe são impostas, mas, sim, da realização de indivíduos estranhos às disciplinas, às regras, aos constrangimentos diversos, às uniformizações. A característica do individualismo contemporâneo é o narcisismo e a explosão hedonista, muito mais que a conquista da liberdade. Privilegiam-se agora as escolhas privadas e individuais.29 27 NIETZSCHE, Friedrich W. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. Parte 125. p.147-148. 28 GIACOIA Jr., Oswaldo. Nietzsche. São Paulo: Publifolha, 2000. p.64-65. 29 LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barueri, SP: Manole, 2005. p. xviii-xix. 17 © Mario Alencastro Com o um enfraquecimento das doutrinas e sistemas unitários, bem como dos grandes discursos de legitimação do real, o pensamento filosófico contemporâneo denuncia o fato de que as referências tradicionais estão desaparecendo e está difícil estabelecer quais seriam os fundamentos possíveis de uma teoria ética pertinente à realidade que ora se apresenta. Estão enfraquecidas as bases habituais que antes serviam de sustentação à filosofia moral. A crise dos fundamentos que caracterizam o universo contemporâneo, crise notória na ciência, na filosofia ou mesmo no direito, afeta particularmente o campo ético. Assim, no que tange à ética, o que prevalece é o relativismo, segundo o qual não há princípios morais universalmente válidos, pois, os princípios morais são válidos segundo uma cultura ou segundo escolhas individuais; embora o comportamento moral acompanhe o ser humano desde os seus primórdios, a moral muda e se desenvolve com a mudança e o desenvolvimento das diversas sociedades concretas. Isso pode ser comprovado pela substituição de certas normas e princípios por outros, de certos valores morais e de certas virtudes por outras.30 Com a profusão de interpretações acerca do ato moral, confunde-se a consciência ética do indivíduo e, por conseguinte, com o modo como ele dá resposta à normatividade social. Desta forma, fica à cargo do Direito, na condição de que “representa apenas o mínimo de Moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver”31 a organização do comportamento moral dos indivíduos na sociedade. Uma vez que, nem todos podem, ou querem realizar de forma espontânea as obrigações morais, situação que se agrava com o relativismo, torna-se “indispensável armar de força certos preceitos éticos, para que a sociedade não soçobre”32. Com isto tem-se a judicialização da ética. Outro ponto de interesse é o que se pode chamar de império da tecnociência, o imenso desenvolvimento científico e tecnológico que exerce profunda influência na vida das pessoas. A respeito disso, é possível afirmar que “os desenvolvimentos da ciência, da técnica, da indústria, da economia, que 30 VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. 15.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p.229 31 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.42 32 Ibid., p.42. 18 © Mario Alencastro doravante propulsionam a nave espacial Terra, não são regulados nem pela política nem pela ética nem pelo pensamento”.33 Ressalte-se o fato de que, a ação humana tecnologicamente potencializada pode danificar irreversivelmente a natureza e o próprio homem. Surge assim uma nova dimensão para a responsabilidade, que seja capaz de interagir com essa nova ordem de grandeza, em termos de consequências futuras para a ação humana.34 Tudo conduz a uma crise socioambiental sem precedentes, uma situação que perdura desde as últimas décadas do século XX. Crise que afeta todos os aspectos da vida humana – saúde, relações sociais, economia, tecnologia e política. Uma crise de dimensões morais, intelectuais e espirituais, em tal escala que, pela primeira vez na história, a humanidade está sendo obrigada a se defrontar com a real ameaça de sua extinção e de toda a vida no planeta. 35 De fato, o desenvolvimento tecnológico e científico abriu possibilidades para um melhor conhecimento da natureza e melhores condições de vida humana, mas também está pondo em risco a sobrevivência da Terra, pois o avanço acelerado da sociedade urbana e industrial tem provocado graves impactos no meio ambiente. Os sinais de perigo são evidentes: a poluição do ar, das águas e do solo, o desmatamento, o agravamento do efeito estufa (aquecimento do planeta), a extinção de espécies da fauna e flora, as alterações climáticas, desertificação, chuva ácida, destruição da camada de ozônio e a escassez dos recursos hídricos, são apenas alguns exemplos de problemas contemporâneos, cuja solução exige grandes investimentos e mobilização em escala mundial. É a concretização da Sociedade de Risco, na qual, “a geração mais tecnologicamente equipada da história humana, é aquela mais assombrada por sentimento de insegurança e desamparo”. 36 33 MORIN, Edgar. Rumo ao abismo: ensaio sobre o destino da humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. p.7. 34 JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto : Ed. PUC-Rio, 2006. 35 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 2012. p.21 36 BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.p. 132 19 © Mario Alencastro Ainda, quando se analisa os desdobramentos do pensamento pós- moderno, há de se considerar a questão do consumismo desenfreado e seus impactos na vida em sociedade, o que é um fator de extrema preocupação para aqueles que trabalham em prol de uma sociedade mais justa e perfeita. Os norte-americanos, por exemplo, consomem 88kg de recursos naturais por dia. Se todos vivessem assim, a Terra só comportaria 1/5 da população atual, o que per si, já mostra a insustentabilidade de um modelo econômico centrado no consumismo.37 O consumismoé um veículo de narcisismos, por meio dos seus estímulos estéticos, morais, sociais; e aparece como o grande fundamentalismo do nosso tempo, porque alcança e envolve toda gente. Por isso, o entendimento do que é o mundo passa pelo consumo e pela competitividade, ambos fundados no mesmo sistema da ideologia.38 Interessante notar que mesmo dentre os integrantes da intelligentsia capitalista, já existem críticas ao consumismo exacerbado, que estimula o débito elevado do consumidor e conduz a uma economia cada vez mais impulsionada pelas finanças do que pelos produtos. Tal situação dá sustentação a um modelo que permite que os políticos e os interesses comerciais colaborem para subverter os interesses econômicos da maioria dos cidadãos.39 Não se pode esquecer o fato de que, o atual modelo de desenvolvimento (produção e consumo de massa) além de causar impactos irreversíveis ao ambiente e à saúde das pessoas, ainda não conseguiu propor soluções para a pobreza sempre persistente. Sabe-se que cerca de 5 bilhões das mais de 7 bilhões de pessoas que habitam a Terra são pobres ou extremamente pobres. Passam fome, não têm acesso à e nem aos serviços de saúde.40 A Maçonaria, organização que historicamente sempre esteve atenta ao clima intelectual e cultural do mundo, o “espírito da época”, não deve se omitir 37 Governo do Estado de São Paulo – Secretaria do Meio Ambiente. Cadernos de educação ambiental: consumo sustentável. Disponível em: <http://arquivos.ambiente.sp.gov.br/cea/2014/11/10-CONSUMO- SUSTENT%C3%81VEL.pdf>. Acesso em 28 mar 2018. 38 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 11. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 49. 39 KOTLER, Philip. Capitalismo em confronto: soluções reais para os problemas de um sistema econômico. Rio de Janeiro: Best Business, 2015.p.22-23. 40 Ibid. p. 30-31. 20 © Mario Alencastro diante de dos desafios trazidos pela pós-modernidade e nem evitar o embate que se apresenta entre a tradição e o pensamento pós-moderno. 2.3 Maçonaria, tradição e contemporaneidade A evasão maçônica, ou seja, a redução do número de maçons no mundo e a consequente diminuição de sua influência é um fato de que não pode passar desapercebido. Salvo algumas exceções, os números são preocupantes. A Grande Loja Unida da Inglaterra, talvez a potência maçônica mais antiga do mundo, que no século passado contava com cerca de 550 mil membros, atualmente conta com aproximadamente 220 mil maçons. Situação semelhante acontece nos Estados Unidos, a maior nação maçônica do mundo, que viu o número de maçons cair de 4.600 para 1.300 milhões.41 Poderíamos citar várias possíveis razões para esse “esvaziamento”, mas o que interessa no momento são suas possíveis relações com o mundo pós- moderno, sempre a colocar em xeque as tradições. Aliás, e é bom ressaltar, não se trata de algo que acontece apenas no seio da Maçonaria, pois, as Igrejas na Europa estão passando pela mesma situação. Segundo reportagem do The Wall Street Journal, por conta da secularização que se expande na Europa, muitas igrejas estão literalmente fechando as portas, muitas se transformando em museus, espaços culturais e até mesmo bares. A situação da Holanda é emblemática, pois, nos próximos dez anos, cerca de 65% das igrejas do país vão ser desativadas por falta de fiéis. A Igreja Católica terá de fechar as portas de mil templos e a protestante, 700. A Igreja da Inglaterra fecha cerca de 20 igrejas por ano. Quase 200 igrejas dinamarquesas foram consideradas inviáveis ou subutilizadas. Já a Igreja Católica Romana na Alemanha fechou cerca de 515 igrejas nos últimos dez anos.42 A crise de valores das sociedades pós-modernas na qual prevalecem o relativismo moral e a desconfiança em relação a tudo que diz respeito à tradição, 41 Cf. MORAIS, op. cit., p. 69-73. 42 BENDAVID, Naftali. Europa coloca suas igrejas vazias à venda. The Wall Street Journal. Jan. 7, 2015. Disponível em: <https://www.wsj.com/articles/europa-coloca-suas-igrejas-vazias-a-venda- 1420607030>. Acesso em 28 mar 2018. 21 © Mario Alencastro assim como o advento de indivíduos que têm dificuldades em assumir compromissos e que fazem do consumismo e do imediatismo o objetivo de suas vidas, podem ser fatores determinantes para esse cenário tão desanimador. Diante dos riscos que ora se apresentam à tradição qual o caminho a ser seguido? Caberá “a cada maçom, isolada ou coletivamente, manter os ‘freios’ impostos pela tradição”43 ou “torna-se evidente a necessidade da ordem maçônica reavaliar seu projeto existencial, adaptando-o velozmente às condições naturais da vida moderna”? 44 Trata-se de uma encruzilhada. Entretanto, enfrentar dificuldades e encontrar soluções não é novidade para a Maçonaria, pois sempre fizeram parte da história da organização. A manutenção da integridade da Maçonaria, bem como de seu protagonismo no mundo, são desafios que vêm sendo vencidos desde antes de 1717, ano da fundação da Grande Loja de Londres e Westminster. Mudanças são necessárias para que a Maçonaria jamais perca seu caráter de instituição progressista. No entanto, não se pode perder de vista de que nem todo arcaísmo é um mal em si, muito menos que toda novidade sempre represente um progresso. O momento exige ousadia, mas também prudência. Prudência, grego phronésis e do latim prudentia, é a sabedoria na deliberação, decisão e ação. É ela que determinará o que é necessário escolher e o que é necessário evitar.45 43 CAMINO, R. da. A maçonaria e o terceiro milênio: objetos e objetivos da maçonaria. São Paulo: Madras, 2005. p. 16. 44 TRAUTWEIN, B. Novos rumos à maçonaria. Londrina: Ed. Maçônica “A Trolha”, 1999. p. 32 45 Sobre o conceito de Prudência (phronesis) ver JAPIASSÚ, Hílton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio e Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991. p. 193. 22 © Mario Alencastro Capítulo 3 – A vida em Loja Por tudo que foi apresentado até agora, uma pergunta se faz obrigatória: “Como tornar a Maçonaria mais interessante para os seus membros, como levá- los a preferirem os trabalhos em Loja, num mundo cheio de novas atrações, Internet, cinema, desporto de massas?”.46 Está aí mais um grande desafio, do qual nenhum maçom pode se eximir. Reuniões burocráticas, repetitivas e sem conteúdo, quase sempre omissas em relação a temas relevantes e que dizem respeito à atualidade, podem contribuir para a desmotivação em relação aos trabalhos em Loja. Da mesma forma, posturas autoritárias e dogmatismos de toda natureza, assim como problemas de relacionamento interpessoal contribuem para o esvaziamento das oficinas maçônicas. Antes de discutirmos esses fatores, cabe compreender o significado do termo “Loja”. 3.1 A Loja Presente dos termos neolatinos loggia (italiano), loge (francês), logia (espanhol), lodge (inglês) e loja (português), deriva do latim locus – lugar, local, sítio, posição. A palavra Loja tem relação com as guildas medievais, sendo que, num documento de 1292, a palavra foi utilizada para designar o local de trabalho, ou a oficina dos artesãos. Também pode ser entendida como o alojamento destes. Seria o local onde os pedreiros guardavam suas ferramentas de trabalho, faziam suas reuniões e descansavam e, principalmente, estreitavam seus laços de fraternidade.47 A Loja sem dúvida alguma é um agregado sociológico, um grupamento de pessoas que se unem a partir de elementos compartilhados, ideias em comum e visões semelhantes a respeito do mundo. Agregados sociológicos ou 46 OLIVEIRA, Cipriano. Maçonaria: passado, presentee futuro. Londrina: Ed. Maçônica “A Trolha”, 2011. p.47. 47 Em Maçonaria, Loja é reunião de maçons, enquanto que o Templo é o local onde são realizadas as sessões maçônicas. Sobre o conceito de Loja ver CASTELLANI, José. Dicionário de termos maçônicos. 2.ed. Londrina: Editora Maçônica “A TROLHA”, 1995. p. 10102-103. Ver também CASTRO FILHO, Plínio Barroso de. Dicionário enciclopédico maçônico do Rito Escocês Antigo e Aceito. 10 ed. Curitiba: Eureka Editora, 2014. p. 275. 23 © Mario Alencastro organizações sociais existem desde o momento em que o ser humano passou a viver em sociedade. Têm como características a presença de indivíduos que possuem objetivos, interesses e valores compartilhados. Geralmente são estabelecidos em busca de determinadas finalidades como, por exemplo, estudar ou discutir certos temas ou simplesmente compartilhar experiências. Desta forma, é lícito inferir que a Loja também funciona como uma Comunidade de Prática, visto que seus membros se unem em torno de tópicos e interesses comuns a todos. Numa Comunidade de Prática os indivíduos trabalham juntos com o objetivo de encontrar meios de melhorar o que fazem, com base no aprendizado diário e por meio da interação regular. Grosso modo, uma Comunidade de Prática se constrói sobre as seguintes bases: (a) “empreendimento conjunto”, no qual são traçados objetivos comuns, acordos entre os membros, responsabilidades e ritmos; (b) “engajamento mútuo”, o que envolve os relacionamentos, as ações conjuntas e a manutenção da comunidade e; (c) “repertório compartilhado” que são os elementos históricos, as ferramentas, os discursos, eventos e conceitos que dão corpo à comunidade.48 A Loja também é uma família, pois, “ao reunir homens de segmentos distintos, recriando-os como irmãos, a instituição maçônica pode reinventar, simbolicamente e em escalas menores, uma família”49 Este conceito de família aparece com muita força no Salmo 133, presente em muitos ritos maçônicos. Oh! quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união. É como o óleo precioso sobre a cabeça, que desce sobre a barba, a barba de Arão, e que desce à orla das suas vestes. Como o orvalho de Hermom, e como o que desce sobre os montes de Sião, porque ali o Senhor ordena a bênção e a vida para sempre.50 Na essência a Loja deveria ser um centro de união no qual se desenvolve um verdadeiro e puro sentimento, e que se cultiva a liberdade individual, a fraternidade universal, a igualdade de direitos, a solidariedade e a lealdade.51 48 Sobre as Comunidades de Prática ver WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning and identity. 18. ed. Cambridge: University Press, 2008. 49 KOFES, Suely. Dilemas na maçonaria contemporânea: um experimento antropológico. Campinas: Editora Unicamp, 2015. p. 85. 50 BÍBLIA, A. T. Salmos. In BÍBLIA. Português. Estudando a Palavra de Deus. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 588. 51 PETERS, Ambrósio. Maçonaria, história e filosofia. 2.ed. Curitiba: Academia Paranaense de Letras Maçônicas: Grande Oriente do Estado do Paraná, 1999. p. 39 24 © Mario Alencastro Mas nem sempre é assim, visto que fatores comportamentais muitas vezes comprometem a harmonia da Loja. 3.2 Comportamento em Loja Uma pesquisa realizada em 2017 pela Grande Loja Maçônica do Distrito Federal (GLMDF) acerca de causas de evasões, concluiu que os conflitos interpessoais (desavenças e desentendimentos com, ou entre, outros maçons) foi a principal causa, representando 26,3% do universo. A frustração quando membros não podem expressar suas ideias ou têm suas opiniões desvalorizadas também é um forte fator (10,5%).52 Certamente os elementos identificados pela GLMDF estão presentes em outros orientes e, possivelmente, em quase todas as Lojas. Fatores comportamentais são determinantes quanto à permanência dos irmãos em Loja. O fato é que, quando duas ou mais pessoas estão juntas sempre há a possibilidade de conflito. Um conflito mal resolvido poder trazer consequências nefastas para a Loja. Viver com os outros nem sempre é coisa fácil. A existência, dentro de um grupo social – e a Maçonaria não foge desta realidade – é feita de laços de amizade, de simpatia ou mesmo de antipatia. Isso pode reforçar a coesão do grupo ou destruir sua eficácia. Infelizmente um número muito expressivo de pessoas ainda não entendeu que existe um bem comum a defender e do qual elas dependem para o bem-estar próprio e o de seus semelhantes. Quando se fala em relações humanas, é muito importante saber identificar o efeito que as atitudes e comportamentos individuais causam no ambiente e nos outros. Pessoas “de mal com a vida” geralmente não serão bons integrantes de uma comunidade. É necessário, portando, buscar o entendimento das atitudes negativas a fim de eliminá-las e aumentar a eficiência no contato com os irmãos em Loja. Toda pessoa que vive em coletividade está sujeita a interagir com outras, portadoras das mais diversas características individuais, consequentes de suas experiências de vida; em outras palavras, cada indivíduo carrega consigo uma 52 MORAIS, op. cit., p. 92 25 © Mario Alencastro “bagagem” de experiências que utilizam para reagir de forma diferenciada diante de determinada situação. Existem indivíduos que, por características pessoais, são naturalmente agressivos. São do tipo que falam alto e muito sensíveis às críticas. Também existem os calados, os falantes, os indecisos, os ocupados e os meticulosos. Outro tipo interessante é o “sabe tudo”, vaidoso e que faz questão de mostrar seus conhecimentos ou a sua inteligência a todos. Seu oposto é o dependente, inseguro e que usa a queixa como meio de defesa. Conheça seus irmãos, identifique suas características e necessidades comuns e se adapte a essas pessoas para melhor atendê-las, o que consequentemente melhorará seu desempenho profissional. Respeito aos outros nunca é demais e controlar a agressividade é sempre um bom remédio para se evitar aborrecimentos. Numa discussão cogitar que o outro pode ter razão e que tudo pode girar em torno de pontos de vista diferentes, mas não irreconciliáveis. A regra de ouro cabe bem aqui: “jamais fazer aos outros o que não gostaríamos que fizessem conosco”. Para se evitar conflitos é importante desenvolver em Loja um ambiente aberto aos debates, com liberdade de comunicação e igualdade de tratamento. A dialética deve prevalecer e a convivência deve se construir com foco no que se tem em comum e não nas diferenças sejam elas religiosas ou políticas. O posicionamento individual de cada irmão deve ser respeitado.53 Em suma, há de se cultivar a competência comunicativa, a igualdade de chance no emprego da fala por todos os participantes do discurso, no qual todos tenham o direito de proceder a interpretações, fazer asserções, pedir explicações e detalhamentos sobre as proposições. A tônica está na capacidade para expressar ideias, intenções e intuições pessoais, sempre com base na democratização das informações.54 A Maçonaria se distingue das outras sociedades, por conta da filosofia embutida no seu lema universal – liberdade, igualdade, fraternidade. Em outras palavras, só há verdadeira fraternidade em uma comunidade quando todos se sentem iguais; só há igualdade quando no convívio, os indivíduos minimizam 53Cf. ISMAIL, op. cit., p.164 e PETTERS, op. cit, p. 219 54 Sobre a competência comunicativa ver HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. 26 © Mario Alencastro conscientemente parte suas condições sociais de qualquer natureza; e, só há verdadeira liberdade, quando todos podem decidir seus própriosdestinos sem imposições de qualquer espécie.55 Nesse ponto, nunca é demais recordar Voltaire para quem a “tolerância é a consequência necessária da percepção de que somos pessoas falíveis: errar é humano, e estamos o tempo todo cometendo erros”. Não poderíamos encerrar esta seção, sem mencionar as responsabilidades de quem governa a Loja, em especial o Venerável Mestre e os Vigilantes. Como deveriam se comportar? Talvez os dez passos elencados a seguir possam ajudar. 1. Respeitar o ser humano e crer nas suas possibilidades que são imensas; 2. Confiar no grupo, mais do que em si mesmo; 3. Evitar críticas a qualquer pessoa em público, procurando elogiar, diante do grupo, os aspectos positivos de cada um; 4. Estar sempre dando o exemplo, em vez de ficar criticando o tempo todo; 5. Evitar dar ordens, procurando a cooperação de cada um; 6. Dar a cada um o seu lugar, levando em consideração os seus gostos, interesses e aptidões pessoais; 7. Evitar tomar, mesmo de maneira provisória, a iniciativa de uma responsabilidade que pertença a outrem, mesmo pensando que faria melhor; no caso de chefes que lhe são subordinados, evitar passar por cima deles. 8. Consultar os membros do grupo antes de tomar uma resolução importante, que envolva interesses comuns; 9. Antes de agir, explicar aos membros do grupo o que vai fazer e porque; 10. Evitar tomar parte nas discussões, quanto presidir uma reunião; guardar neutralidade absoluta, fazendo registrar, imparcialmente, as decisões do grupo. 56 Por fim, cabe destacar a importância dos padrinhos, pois são responsáveis por aqueles que foram apresentados, principalmente enquanto são aprendizes, orientando-o no que diz respeito aos bons costumes maçônicos e à conduta correta em Loja. 55 PETERS, op. cit., p. 212. 56 WEIL, Pierre. Relações humanas na família e no trabalho. 44.ed. Petrópolis: Vozes, 1992. p. 75. 27 © Mario Alencastro 3.3 Organização dos trabalhos A organização dos trabalhos é um fator fundamental para o sucesso de uma Loja e é sempre bom enfatizar que “nenhum irmão deveria sair de uma assembleia sem ter aprendido algo culturalmente novo”.57 Sabe-se que grande parte das evasões acontece por conta de reuniões cansativas e sem conteúdo e isto parece ser um tema recorrente na Maçonaria brasileira. 58 No congresso promovido pela Academia Maçônica de Letras, cujo tema foi “Panorama Atual da Maçonaria no Mundo”, realizado no Rio de Janeiro em 1981, já se discutia essa importante questão.59 Algumas inciativas podem ser incentivadas para contornar esse problema, tais como, implantação de bibliotecas, incentivo a movimentos culturais em Loja, incluir nas Sessões a discussão de temas atuais e emergentes, promoção de reuniões “brancas”, incentivo às Lojas de Estudo e, acima de tudo, evitar o isolamento com o estímulo a intervisitação. No que diz respeito às Lojas de Estudo, cabe destacar as Lojas Acadêmicas ou Universitárias, que foram concebidas com o objetivo de modernização da Maçonaria e rejuvenescimento de seus quadros. Atualmente existem Lojas Universitárias atuantes em todas as Obediências Maçônicas Regulares do Brasil. Embora regidas pelas mesmas leis que regulamentam qualquer Loja Maçônica, têm como propósito privilegiar a iniciação de universitários, professores e demais candidatos ligados à área acadêmica. Espera-se que, além do desejado rejuvenescimento da Ordem, que se obtenha benefícios com o ingresso do maçom universitário, no sentido da promoção da busca de um conhecimento metodologicamente mais aprofundado e com a base científica necessária para a consolidação do ensino maçônico. Além disso, as Lojas Universitárias buscam adequar seus horários e atividades à vida acadêmica do obreiro, buscando condições de horário, local e frequência que possibilitem a conciliação das atividades da Maçonaria com as 57 PETERS, op. cit., p. 213. 58 Sobre as causas das evasões ver MORAIS, op. cit., p. 92-93. 59 Cf. Anais do I Congresso Internacional de História e Geografia. Rio de Janeiro: Academia Brasileira Maçônica de Letras, 1981. 28 © Mario Alencastro de estudante ou professor, o que sem dúvida contribui para a permanência do maçom na Loja.60 Além do que já foi apontado, é desejável também que a Loja tenha um Planejamento, que os Vigilantes estejam preparados para orientar os aprendizes e companheiros e que sempre os critérios de seleção dos candidatos sejam rigorosos, visto que uma boa seleção garante uma safra de bons obreiros. 3.4 A prática ritualística A dominação de todas as coisas por meios técnicos, pela ciência e pelo cálculo, fez com que de certo modo ocorresse uma espécie de “desencantamento do mundo”, a descrença em relação aos poderes mágicos e misteriosos que poderiam agir e interferir no mundo. Este fenômeno de “dessacralização da vida” se agravou com o advento da pós-modernidade que nos trouxe a decomposição dos grandes relatos ao anunciar o fim das certezas e das instituições (estado, família, religião etc.).61 Nesse contexto, como fica o trabalho maçônico em seu método ritualístico e iniciático? Antes de se procurar uma resposta, é importante retomarmos o conceito de Maçonaria, tal como apresentado por Albert Pike: A Maçonaria é uma ciência especulativa, mas baseada na arte operativa. Todos os seus símbolos e alegorias se referem a esta ligação. Sua verdadeira linguagem é emprestada da arte, e sugere singularmente que a iniciação de um candidato em seus mistérios é chamada, em sua fraseologia peculiar, de obra.62 Se a Maçonaria é sistema de moral, velado por alegorias e ilustrado por símbolos, como sobrevirá num mundo desencantado? Talvez pelo fato de que seu método seja o que há de mais atual em termos de desenvolvimento pessoal e social. 60 Cf. GALDEANO, L. F. As lojas universitárias e a modernização da Maçonaria. Um estudo no GOB na Primeira Década do Século XXI. C&M. Brasília, Vol. 1, n.2, p. 125-136, jul/dez, 2013. Disponível em: <http://cienciaemaconaria.com.br/index.php/cem/article/viewFile/17/15>. Acesso em: 31 mar 2018. 61 Sobre o “desencantamento do mundo” ver WEBER, Max. Ensaios de sociologia. 5.ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1982. 62 PIKE, Albert G. O simbolismo da Maçonaria. v.2. São Paulo: Universo dos Livros, 2008. p. 89. 29 © Mario Alencastro Na Maçonaria são usadas, há séculos, fórmulas recentemente descobertas pelas ciências modernas: a dinâmica de grupo, os sociodramas modelizados e a projeção simbólica. São práticas descondicionantes e melhoradoras, que auxiliam seus membros a se tornarem seres humanos mais tolerantes e moralmente responsáveis. Sem dúvida suas práticas são um antídoto muito indicado para um certo desenvolvimento patológico da sociedade atual.63 A representação dramática (dramatização) e suas qualidades catárticas (método psicodramático) foram descobertas na antiguidade. Por meio desse método, exploram-se vivencialmente os modos de ser próprios dos homens, suas condutas, a maneira como eles se relacionam com os demais, suas paixões e seus valores.64 Os ensinamentos na Maçonaria são revelados por símbolos e sensibilizados num ritual. A partir da observação dos símbolos tem-se acesso a uma “cosmologia” – esquema de conceitos e relações que tratam o Cosmo como um todo ordenado e um “desenho para viver” – o ser humano pode ser construído e/ou transformado pela posse de um conhecimento superior e ação virtuosa.65 O que vem a ser um símbolo? Do grego symbolon (σύμβολον), designa um tipo de signo em que o significante (realidade concreta) representa algo abstrato (religiões, nações, quantidadesde tempo ou matéria etc.). Os símbolos são susceptíveis de revelar uma modalidade do real ou uma estrutura do mundo que não é evidente no plano da experiência imediata. A forma visível e exterior do signo, seja ela uma taça ou uma cruz, é apenas um foco de atenção que capacita o adorador [no caso dos símbolos religiosos] a entrar em contato psíquico com a força espiritual anima e dá sentido aquele símbolo. A imagem pictórica, a forma, é apenas um canal para uma realidade transcendente.66 A Maçonaria é uma ciência especulativa, mas que tem por base a arte operativa. Seus símbolos e alegorias se referem a esta ligação. O esquadro, o 63 GALVÃO, Octaviano. In: CASTELLANI, José. A Maçonaria moderna. 2ª ed. São Paulo: A Gazeta Maçônica, 1987. p. 11. 64 Cf. MENEGAZZO, Carlos M. Magia, mito e psicodrama. São Paulo: Ágora, 1994. P. 90-91 65 KOFES, op. cit., p. 218. 66 FORTUNE, Dion. Magia aplicada. São Paulo: Editora Pensamento, 1988. p. 27-28. 30 © Mario Alencastro compasso, o maço, o cinzel e tantos outros objetos da arte da construção assumem no maçom especulativo um caráter simbólico e revelador. Aqui cabe um adendo, pois é provável que, mesmo entre os maçons operativos, já existisse algo de especial nesses objetos, pois, para os antigos, o trabalho era sagrado. Quando trabalhavam na construção de uma catedral também estavam se construindo, tornando-se trabalhadores e homens melhores.67 O método iniciático é essencialmente intuitivo. Trata-se de uma linguagem tradicional, imemorial e universal que permite o estabelecimento através do tempo e do espaço, da relação adequada entre o sinal e as ideias. Decorre daí o fato de que a Maçonaria se utiliza de símbolos a fim de provocar a iluminação por aproximação analógica. A plasticidade dos símbolos supera a limitação da linguagem em exprimir a totalidade do objeto. Por esse motivo, é difícil traduzir os símbolos maçônicos em linguagem usual sem lhes falsear o sentido profundo e o valor. Oriundos da tradição religiosa, do hermetismo e das ferramentas e dos usos e costumes dos maçons operativos, a simbologia maçônica não se constitui apenas em objetos, mas também em gestos, sinais palavras, lendas e parábolas.68 O método iniciático vale-se do simbolismo e de práticas ritualísticas. A palavra rito tem sua origem no latim ritus, um costume ou cerimônia que se repete de forma invariável de acordo com um conjunto de normas previamente estabelecidas. São carregados de simbolismo e geralmente tendem a expressar o conteúdo de algum mito. Ritual seria a celebração de um rito, via de regra, conduzido por alguma autoridade. Os ritos são de extrema importância para o ser humano. O homem profano descende do homo religiosus. Os comportamentos de seus antepassados religiosos fazem parte da sua constituição, tal como ele é hoje. De certo ponto de vista, quase se poderia dizer que, entre os modernos que se proclamam a- religiosos, a religião e a mitologia estão "ocultas” nas profundezas de seu inconsciente69. O homem moderno (a-religioso) carrega ainda toda uma 67 Usa-se o termo hierofania para designar a existência do sagrado quando se manifesta através de objetos habituais do nosso cosmos. A sacralização da natureza ou os objetos sagrados. 68 NAUDON, Paul. A Maçonaria. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1968. p, 97-98 69 Genericamente, o termo inconsciente define todos aqueles processos mentais que ocorrem sem que o indivíduo se dê conta. Sem que tenha consciência sobre eles. Para Freud, muito do que forma a 31 © Mario Alencastro mitologia camuflada e numerosos ritualismos degradados. Os festejos de Ano Novo ou a instalação numa casa nova apresentam a estrutura (laicizada) de um ritual de renovação. O mesmo pode se dizer das festas que acompanham um casamento, o nascimento de uma criança e a obtenção de um novo emprego.70 Num sentido mais profundo, e aqui se inclui a ritualística maçônica, é pela repetição dos rituais que o homem se projeta para uma época mítica, em que os “arquétipos” foram revelados pela primeira vez. Arquétipo é uma imagem apriorística incrustrada profundamente no inconsciente coletivo71 da humanidade, refletindo-se em diversos aspectos da vida humana como sonhos e narrativas. São os elementos constitutivos dos mitos, imagens universais que existiram desde os tempos mais remotos, como a morte do herói e a criação do mundo. Quando realizado em toda sua plenitude o ritual permite, pela sua repetição, a abolição do tempo profano. Abandona-se por assim dizer a ditadura de Chronos, o tempo linear cuja metáfora é o relógio, para se penetrar em Kairós, o tempo da pura existência do ser e dos valores. Os símbolos e gestos presentes no ritual agem como se fossem catalizadores de sentimentos de seus praticantes, proporcionando ao maçom, não apenas um avanço educativo e moral, mas também um reforço psicológico, por meio do mito trabalhado pelo grupo. A iniciação é exemplo de ritual arquetípico. Suas origens provavelmente remontam à Caldéia, ao Egito e à Grécia, aos mistérios de Elêusis e aos mistérios órficos-pitagóricos, nascidos dos mistérios egípcios, sendo que sua finalidade sempre foi preparar o advento da Perfeição. Iniciar-se, era aprender a morrer simbolicamente, alçar-se ao estado de pureza, de conhecimento e de plenitude absoluta. A iniciação comportava diversos graus; o iniciado que parecia consciência (desejos, lembranças, etc.) é inconsciente e escapam à própria consciência. Cf. JAPIASSU; MARCONTES, op. cit. p. 131-132. 70 Sobre a ligação entre o homem profano e homo religiosus ver ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 162-165. 71 Inconsciente Coletivo, segundo o conceito de psicologia analítica criado pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, é a camada mais profunda da psiquê. Ele é constituído pelos materiais que foram herdados, e é nele que residem os traços funcionais, tais como imagens virtuais, que seriam comuns a todos os seres humanos. Cf. JUNG, Carl Gustav. Símbolos e interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Vozes, 2011. 32 © Mario Alencastro conservar o mesmo corpo, a mesma alma, obtinha, na realidade, em cada grau iniciatório, a regeneração de uma parte do ser.72 Desde a mais remota antiguidade ela consiste essencialmente numa mudança do regime ontológico do neófito. Em outras palavras, a iniciação representa uma experiência transpessoal possibilitada pela integração do indivíduo na sua dimensão humana e cósmica. O neófito “morre” para sua vida infantil, profana, não regenerada e renasce para uma nova existência, na qual, em que, na condição de iniciado, poderá ter acesso a um conhecimento superior.73 Jamais podemos esquecer também que a iniciação é uma metáfora para a vida, pois toda a existência humana se constitui de uma série de provas, a experiência reiterada da "morte" e da “ressureição". A própria existência humana é uma iniciação. O segredo maçônico, tão cercado de mistérios, pode se traduzir na experiência interior que o processo iniciático proporciona; algo que é impossível de se dar a conhecer, pois que é uma experiência única e subjetiva. O processo iniciático consiste na busca da reintegração do homem em sua essência, ao mesmo tempo pelo intelecto e pelo coração.74 Mesmo para os Maçons operativos a iniciação no conhecimento do ofício era ao mesmo tempo a iniciação na lei divina pois o trabalho profissional era uma forma de serviço a Deus. Diante de tudo isso, como deveríamos nos comportar numa Sessão Ritualítica? Em primeiro lugar devemos ter pelo Templo uma postura de respeito absoluto. O templo é o espaço sagrado, uma “imago mundi”, a reprodução terrestrede um modelo transcendente, uma concepção do Templo como cópia de um arquétipo celeste, possivelmente herdada da tradição judaico-cristã.75 Ao se reconhecer seu caráter sagrado, jamais deveríamos adentrar no Templo sem o devido respeito e preparo. Isso envolve a indumentária correta, a limpeza corporal e mental, o desligar-se das coisas profanas e o despir-se das 72 NAUDON, op. cit., p. 86-87. 73 ELIADE, op. cit., p. 157 74 NAUDON, op. cit., p. 100. 75 ELIADE, op.cit., p.32. 33 © Mario Alencastro desavenças pessoais. Conversas frívolas, brincadeiras e anedotas de gosto duvidoso também deveriam ser evitadas. O ritual precisa ser conduzido com a máxima concentração, pois tem por finalidade a concretização da passagem de um estado de consciência para outro, do profano ao sagrado. No ritual, cada oficial é um ator que deve ter como meta transmitir as mensagens da melhor forma possível. A representação de gestos, a presença de música e a observação dos símbolos conduz o obreiro a uma temporalidade diferente da profana (Chronos versus Kairós). A atenção ao ritual permite a abstração das paixões e preocupações do mundo exterior.76 O ritual não envelhece, mesmo que seja muito bem conhecido e executado na mesma sequência. A repetição faz parte do processo e, apesar da formatação ser sempre igual, os resultados são inesperados e proporcionam ao participante insights e percepções sempre novas. Quando executado e forma apropriada, o ritual maçônico não cansa e sim renova as energias. 77 76 Cf. CHABOUD, Jack. Les francs-maçons. Toulouse: Éditions Milan, 2012. p. 26. 77 JINARAJADASA, C. Os ideais da Maçonaria. Curitiba: CEDITEO, 1987. p. 28-29. 34 © Mario Alencastro Capítulo 4 – Interfaces, novos discursos, desafios e perspectivas A superexposição nas redes sociais que afeta indivíduos e organizações, a multiplicidade de narrativas nem sempre condizentes com a realidade dos fatos, a intensa troca de informações “em tempo real” e a gigantesca e quase irrestrita disponibilização de conteúdos na Internet, são desafios a serem enfrentados por organizações tradicionais como a Maçonaria. Como garantir sua perenidade neste mundo pós-moderno, sem abrir mão de seus princípios e se manter fiel à máxima “Novae sed Antiquae”. Trata-se de um momento crucial na trajetória da Maçonaria, no qual alguns temas espinhosos precisam ser abordados sem preconceitos, pois, não há como traçar o cenário contemporâneo da Maçonaria sem abordar, por exemplo, as discussões que envolvem igualdade de gênero, as restrições aos portadores de deficiência física, as relações interinstitucionais e a universalidade maçônica. 4.1 Universalidade maçônica A estrutura da Maçonaria, depende de uma organização local (as Lojas), mas tem a universalidade como ideal e horizonte. Ao mesmo tempo que se dá a expansão das redes maçônicas pela criação de novas Lojas, seu caráter universal é garantido pela preservação e circulação de sua cosmologia, ou seja, a cultura e o conhecimento maçônico, mantidos e atualizados nos e pelos rituais. A Maçonaria, portanto, pretende a universalidade. “Ela é universal e suas oficinas se espalham por todos os recantos da Terra, sem preocupação de fronteiras nem de raças” como rezam alguns rituais. Mas será que é assim mesmo? No Brasil atualmente existem três Obediências que se inserem no que se poderia considerar “Obediências Regulares”: o Grande Oriente do Brasil, as Grandes Lojas Estaduais que compõem a Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil (CMSB) e os Grandes Orientes Independentes, integrantes da Confederação Maçônica do Brasil (COMAB). 35 © Mario Alencastro Não obstante a hegemonia das Lojas integrantes das Obediências Regulares, existe um número expressivo de Lojas irregulares em atividade no território brasileiro, o que põe em questão o tão propalado ideal de universidade da Maçonaria. É um tema conflituoso, mas que merece uma reflexão serena por parte de todos os maçons que propugnam em prol dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Outro ponto complicado é a questão do reconhecimento internacional, discutível em termos de alcance e validade. Qual o verdadeiro alcance de se ter o reconhecimento da Grande Loja da Inglaterra (GLUI), ou constar do List of Lodges americano?78 Para muitos maçons, uma obediência regular é apenas aquela que tem o reconhecimento da Grande Loja Unida da Inglaterra, a Grande Loja Mãe do Mundo. Tal assertiva merece uma análise mais cuidadosa. A primeira Grande Loja foi a Grande Loja de Londres e Westminster fundada em 1717 e não a Grande Loja Unida da Inglaterra. Nesse ponto cabe relembrar a celeuma envolvendo “antigos” e “modernos”79, que só teve fim em 1813, quando houve o entendimento entre as duas facções da Maçonaria Inglesa que se fundiram para formar a Grande Loja Unida da Inglaterra. Sob esse viés, o Grande Oriente de França, fundado em 1773, ou seja, 40 anos antes do que a GLUI, também poderia se autoproclamar o primaz da Maçonaria do mundo.80 Há de se concluir, portanto, que a primazia da GLUI pode ser questionada, e “nem lhe confere a condição de se autojulgar o arbitro da regularidade de todas as outras potências, cujos efeitos práticos só fazem sentido dentro dos limites de sua própria jurisdição” 81, faltando-lhe inclusive o poder de sanção, e sem este poder não há autoridade.82 78 O List of Lodges é uma publicação anual da Pantagraph Printing Stationery Company, e é uma importante referência da Maçonaria regular enquanto fonte de consulta. A condição para uma Grande Loja aparecer no diretório List of Lodges é o reconhecimento por dez (10) Grandes Lojas regulares dos Estados Unidos da América. Fonte: <http://www.pantagraphprinting.com/2017LoL.html> 79 A disputa entre “Modernos” e “Antigos” é uma disputa fundamental da maçonaria Inglesa. Classicamente, ela é enunciada assim: até 1750, a Maçonaria Inglesa esteve unida e uniforme. Em 1751, maçons irlandeses que viviam em Londres e afeitos aos usos e costumes herdados dos operativos, passaram a questionar as inovações da Grande Loja de Londres e Westminster e fundaram a “Grande Loja dos Antigos”. A partir daí, a outra grande loja, passou a ser chamada de “Grande Loja dos Modernos”. 80 MUNIZ, André Otávio Assis. Curso elementar de maçonologia. São Paulo: Richard Veiga, 2016. p. 49- 50 81 PETERS, op. cit., p. 45. 82 Ibid., p. 121-122. 36 © Mario Alencastro Feito esse adendo, qual seria a regra a ser seguida no que diz respeito a um poder maçônico superior? A GLUI, que tem um pouco mais de 200 mil maçons é a regra? A primeira sempre manda? Aliás, ela é realmente a primeira? Ou será que os EUA, que possuem mais de 2,5 milhões de Maçons, seriam a regra? Aliás, a regra é sempre se balizar pelos outros? Isso não seria um tipo de “colonialismo”?83 A questão do reconhecimento envolve uma série de aspectos que fogem ao objetivo do presente trabalho. Há de se considerar sempre que existem Lojas que seguem as regras de origem e funcionamento, mas que, ao se desvincularem das obediências regulares tornam irregulares, enfraquecendo a Maçonaria brasileira. Outro aspecto a se destacar é que talvez a Maçonaria considerada regular está perdendo espaço no mundo, como será discutido adiante. A relação conflituosa entre as potências maçônicas, fator determinante para desentendimentos e cisões, é preocupante, pois quebra a universalidade da Maçonaria. Seja por diferenças de ordem filosófica, ritualística, organizacional ou política, a quebra da unidade maçônica enfraquece a organização com um todo. 4.2 O grande “Cisma” Tema pouco explorado pelos estudiosos
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