Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: Uma breve análise do ABC Paulista Neide dos Santos Brentegani 1 Beatriz Aparecida Tangerino 2 Resumo Este artigo tem por objetivo discutir sobre políticas educacionais realizadas na Região do ABC, sobretudo as políticas voltadas para a infância e para adolescência. Trata-se de um estudo de metodologia de revisão bibliográfica, centrado em debater sobre questões que envolvem as intervenções públicas que possuem em seu objetivo central auxiliar a criança e o jovem, os seus direitos e participação social como atores sociais na esfera pública. Embora o sistema de ações públicas direcionadas de forma específica ao público adolescente e jovem esteja ainda em ascensão, este estudo tem como tema as concepções e a forma de construção da esfera das ações públicas para crianças e jovens, principalmente das classes mais populares, na região do ABC Paulista. Palavras-chave: Políticas Públicas, ABC, Criança e Adolescente. PUBLIC POLICIES FOR CHILDREN AND ADOLESCENTS: A brief analysis of Abc Paulista Abstract The purpose of this article is discussing educational policies carried out in the ABC Region, especially policies aimed at children and adolescents. It is a methodology study of bibliographic review, focused on discussing issues, involving public interventions that have in their central objective to help children, young people and their rights and social participation as social actors in the public sphere. Although the system of public actions directed specifically to the adolescent and young public are still on the rise, this study has as its theme the conceptions and the form of the sphere construction of public actions for children and young people, mainly the most popular classes, in the region of ABC Paulista. Keywords: Public Policies, ABC, Child and Adolescent. 1 Assistente Social pela Faculdade Paulista de Serviço Social de São Caetano do Sul, especialista em Políticas Públicas e Gestão de Projetos Sociais, E-mail: neide.brentegani@yahoo.com.br 2 Mestre em Educação, Especialista em Direito Educacional, coordenador pedagógico PMSP, E-mail: beatriztangerino@hotmail.com 2 1 INTRODUÇÃO Meu interesse em investigar as políticas públicas para crianças e adolescentes surge a partir de minha carreira como Assistente Social, atuando em programas de serviço de convivência e fortalecimento de vínculo familiar para crianças, adolescentes e suas famílias. A vivência com famílias em situação de vulnerabilidade mostra a fragilidade destas políticas, que atendem de maneira precária as reais necessidades e demandas do referido público. Inicio com um breve histórico e, em seguida, avanço para o contexto político do ABC Paulista e as políticas educacionais desta região. Para tanto, foi realizado um estudo de metodologia qualitativa por meio de uma abordagem de revisão bibliográfica. Como referencial teórico, colaboraram, principalmente, os estudos de José de Souza Martins (1992), Sergio Luiz de Cerqueira Silva (1994) e Heloísa Helena Teixeira de Souza Martins (1994) – autores que se debruçaram sobre a história do desenvolvimento da Região do ABC Paulista. 2 BREVE HISTÓRICO São Bernardo do Campo integra, juntamente com mais seis cidades (Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Santo André e São Caetano do Sul) o ABC Paulista, fazendo parte da Região Metropolitana da Grande São Paulo. Com o passar dos anos, o ABC tornou-se conhecido por ser uma grande região em decorrência, principalmente, de dois elementos que caracterizam sua organização urbana: um parque industrial e um movimento operário e sindical de forte presença. No contexto político histórico do ABC, pode ser observada, desde os anos oitenta, a iniciativa de administradores locais e o apoio de partidos pautados pelo progressismo de caráter democrático, os quais tiveram uma atuação enfática nas cidades de Diadema, Santo André, Mauá, e Ribeirão Pires. No caso de São Bernardo do Campo, os partidos têm um histórico de alternância. Apenas São Caetano do Sul pode ser observado no sentido contrário, por ser administrado por gestões mais conservadoras. Esta conjuntura histórica regional, permitiu que a maioria dos governos das administrações municipais do ABC instituíssem novos padrões de interações entre o Estado – na sua dimensão local – e a sociedade, assim como implementassem como a aliança feita entre as administração locais do, ABC e Governo Estadual e São Paulo afim de cobrir o direito de acesso de crianças e adolescentes a escolarização, no final da 3 década de 70 e a fundação do fundo de políticas municipais de educação de jovens e adultos, a ampliação do atendimento de educação infantil e a implementação de creches publicas, nos anos 80(Villar e Villar et al, 2004). Neste contexto, pode ser verificado o surgimento nesta região, desde os anos 80, investimentos da área pública realizados por executivos municipais nos campos da educação básica - Educação infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio - e do Ensino Superior, como observado no quadro 1 abaixo, o índice de alfabetização no ABC se aproxima de 1, situação considerada boa por Ancassuerd (2001, p62) QUADRO 1 Municípios de ABC – 2000 Índice de escolaridade Índice de alfabetização Diadema 0, 600 0,886 Mauá 0, 603 0,886 Ribeirão Pires 0,689 0,909 Rio Grande da Serra 0, 569 0,866 Santo André 0,754 0, 921 São Bernardo 0,769 0,912 São Caetano 0,878 0,942 Fonte: Atlas da Exclusão Social no Brasil. POCHMANN et al. (2003) apud Ancassuerd, 2001. Exemplos são os Programa de Pós-Urbanização, criado em 1995, abrangendo moradores de núcleos habitacionais urbanizados, oferecendo serviços básicos de saúde, educação e lazer, o MOVA (Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos) de Diadema, fornecendo formação de monitores para alfabetização. Esses monitores se tratavam de moradores da região, que ministravam suas aulas em igrejas, centros comunitários ou mesmo nas residências das pessoas (Prefeitura Municipal de Diadema, 1996). Dentre esses projetos, pode-se mencionar um esforço maior para a alfabetização de jovens e adultos e ao atendimento do primeiro e segundo segmentos do Ensino Fundamental. Os programas relacionados ao ensino médio possuem menor investimento, já que este segmento é de responsabilidade do Estado. Embora o sistema de ações públicas direcionadas de forma específica ao público adolescente e jovem esteja ainda em ascensão, este estudo tem como tema as concepções e a forma de construção da esfera das ações públicas para crianças e jovens, 4 principalmente das classes mais populares, na região do ABC Paulista. As ações se caracterizam por estarem centradas em projetos e atividades educacionais as quais não ficam reduzidas à inserção regular nas escolas, podendo se expandir para as áreas de trabalho, lazer, cultura, esportes e outras formas que visem reduzir a violência e estimular a ação dessas crianças e jovens, abraçando e unindo esses setores. 3 CONTEXTO POLÍTICO DO ABC Para analisar o panorama da Região ABC, torna-se necessário observar os aspectos que circundam a realidade social mais ampla, pois não é possível avaliar suas políticas de forma isolada, desconsiderando influências estruturais de ordem política e econômica que perpassam por todo contexto social. Ainda assim, pode-se debruçar sobre atividades específicas desenvolvidas pela região mencionada, as quais a caracterizam como uma região de plena atuação social e a insere num contexto político atuante dentro da sociedade brasileira. Originalmente, a região suburbana exibia um ar bucólico responsável por atrair os indivíduos que buscavam afastamento da dinâmica de São Paulo (MARTINS, 1992). Entretanto,devido a decisões externas ao local, a região seria propícia para abrigar o parque industrial de maior expressão do Mercosul e do Brasil. No final do século dezenove, muitas indústrias começaram a surgir, dando à região um aspecto já industrial. Isso se deu por conta da implementação da ferrovia São Paulo Railway, que interligava Jundiaí a Porto de Santos para atividades ligadas a produção da lavoura de café do oeste paulista. Esses traços foram se reforçando com o surgimento da Via Anchieta, nos anos 40, e, posteriormente, com a instalação das grandes montadoras na região, as quais marcaram de vez a região como tipicamente industrial (SILVA, 1994). Embora as decisões políticas tomadas fora da região tenham sido muito importantes para a construção dos princípios industriais no ABC, os elementos próprios daquele espaço também foram decisivos para que esse panorama fosse possível. Posteriormente, o que marcou a região e sua força perante todo o Brasil foi a ação de atores sociais advindos deste local que fincaram neste solo a bandeira da luta operária. O movimento operário surgiu neste contexto industrial, demonstrando seus protestos acerca das condições indignas de trabalho que assolavam os trabalhadores de acordo com marcante influência anarco-sindical defendendo o caso dos trabalhadores da 5 região e combatendo a nível nacional as ideias capitalistas responsáveis por causar tantos danos à sociedade. A partir dos anos 70 e no decorrer dos 80, o sindicalismo ganhou novos contornos na região, sendo considerado sinônimo de luta, também em contexto nacional e internacional, por conta da autonomia advinda dos trabalhadores e da politização sobre questões referentes ao trabalho (MÉDICI, PINHEIRO, 1990). Sendo assim, o ABC ganhou projeção nacional por conta das propriedades benéficas do seu parque industrial e por representar lutas pelos direitos dos trabalhadores de modo autônomo. As conquistas do ABC no tocante aos direitos operários mediante ao campo trabalhista desde o seu surgimento propiciou inúmeras outras conquistas sociais nos campos religioso, estudantil, culturais, étnicos etc, trazendo para a região um aspecto de interação e respeito aos direitos humanos (MARTINS, 1994). Todos esses movimentos e seus respectivos apoiadores e componentes dão vida ao espaço regional que hoje intera a comunidade da Região do ABC, ainda que alguns problemas possam se sobressair nesse contexto histórico de lutas e ações sociais, demonstrando que o complexo não é característico apenas de unidade. O avanço das políticas de mercado e o produto de tais políticas muitas vezes desiguais também perpassam pela região. Nesse panorama, São Caetano do Sul consiste na cidade pertencente ao 1º. lugar no ranking de exclusão social do Brasil, possuindo os melhores indicadores de qualidade de vida, enquanto Rio Grande da Serra pertence à 2.096ª, posição do ranking de exclusão (POCHMANN, AMORIM, 2003). Não distinguiríamos entre unidade e diversidade, se não soubéssemos que a unidade é o próprio do planeta e da história e a diversidade é o próprio dos lugares. Os eventos operam essa ligação entre os lugares e uma história em movimento. A região e o lugar, aliás, definem-se como funcionalização do mundo e é por eles que o mundo é percebido empiricamente. A região e o lugar não têm existência própria. Nada mais são que uma abstração, se os considerarmos à parte da totalidade. Os recursos totais do mundo ou de um país quer seja o capital, a população, a força de trabalho, o excedente etc., dividem-se pelo movimento da totalidade, através da divisão do trabalho e na forma de eventos. A cada momento histórico, tais recursos são distribuídos de diferentes maneiras e localmente combinados, o que acarreta uma diferenciação no interior do espaço total e confere a cada região ou lugar sua especificidade e definição particular. Sua significação é dada pela totalidade de recursos e muda conforme o movimento histórico (Santos, 2002: 165). 6 Sendo assim, as políticas voltadas para a infância e para a adolescência e juventude no âmbito da educação podem ser compreendidas, neste cenário, como resultado dos investimentos provenientes de recursos capitalistas, os quais são investidos em prol de determinados retornos e dos próprios moradores que participaram do movimento político defendendo seus interesses, inclusive em oposição, muitas vezes, às práticas pouco humanas do capital financeiro. 3.1 Políticas educacionais do ABC A partir dos anos 70, houve um esforço dos gestores do ABC na busca por parcerias com o governo estadual de São Paulo para instituir o direito ao acesso à educação por crianças e adolescentes\ jovens. Dessa forma, haveria uma divisão de acompanhamento, na qual os municípios ficariam encarregados de fornecer a educação infantil, começando pelo pré-escolar, e o ensino superior por meio de Fundações; a esfera estadual ficaria responsável pelo acesso ao ensino fundamental e ensino médio e pelo ensino técnico\profissional. No decorrer dos anos 80, as cidades de Diadema, São Bernardo do Campo e Santo André deram início ao ciclo de políticas municipais de educação de jovens e adultos, nos anos iniciais do ensino fundamental, e aprimoraram os serviços ofertados à educação infantil após a inauguração de escolas e creches. Ao mesmo tempo, os órgãos locais de Diadema e São Caetano passaram a ofertar serviços mais importantes para o público infantil, investindo em materiais e ferramentas escolares próprias para crianças com necessidades especiais. A partir dos anos 90, São Caetano, Diadema e Santo André ampliaram suas ferramentas e equipamentos escolares, tornando-os mais diversos e instituindo a modalidade de suplência profissionalizante no ensino fundamental. Todas essas práticas implementadas de acordo com medidas políticas locais voltadas para a educação culminou no surgimento de uma importante rede de unidades públicas de educação com finalidade de fornecer e acompanhar o acesso à escola pelas crianças, adolescentes e jovens do ABC. Com esse serviço, todas as administrações locais do ABC desenvolveram trabalhos fundamentais como programas na área cultural, implementando bibliotecas, espaços de leitura, fundações voltadas para lazer e cultura etc. Investiram, ainda, em 7 trabalhos voltados para os esportes e para o lazer. Esse movimento deu frutos muito positivos para a socialização dos jovens e crianças da região. Ademais, no final dos anos 90, surgiu o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA) nos vários municípios da Região, produto de uma política de colaboração entre as administrações dos municípios e os setores progressistas da sociedade civil organizada. O MOVA possui em sua essência forte influência do pensador Paulo Freire acerca dos direitos das crianças e adolescentes ao possuírem acesso à escolarização de qualidade e com dignidade. Assegurar a todos os jovens e adultos não escolarizados de Diadema o direito à alfabetização. Integrar e engajar diferentes setores da Sociedade Civil num amplo movimento de alfabetização e Educação. Criar o Fórum Municipal de Alfabetização com a participação dos diferentes segmentos representativos da sociedade.(Objetivos do MOVA – Diadema). Quadro 3: Projetos e programas e suas distribuições Município Programa/ Projeto/ Ação Nível de atendimento Alfabetização Ens. Fundamental 1º segmento Ens. Fundamental 2º segmento Ensino Médio R. G da Serra MOVA S. Caetano do Sul PROALFA Ribeirão Pires MOVA Santo André MOVA SEJA Diadema MOVA EJA São Bernardo MOVA PROMAC Telecurso Mauá MOVA EJA Data-base:2003 Outra importante iniciativa foi em 1995, a criação do Telecurso em São Bernardo do Campo, o qual ofertava em nível municipal o EnsinoFundamental e o Ensino Médio para jovens e adultos impedidos de frequentar a escola na idade considerada correta. A partir dos anos 90, essas ações educacionais oferecidas pelos serviços públicos do estado de São Paulo e pelos gestores locais das cidades que compõem o ABC passaram a sofrer mudanças, tanto por motivação da política de descentralização e 8 desconcentração de responsabilidade político-administrativa praticada pelo governo paulista, como pela regulamentação e implementação do Fundo de Valorização do Magistério – FUNDEF (Lei Federal 9424/96). É por motivação do FUNDEF, de certa forma, que novos projetos e programas ou mesmo a renovação e aprimoramento desses projetos já existentes deixaram de ser realizados. Assim, isso influenciou as ações anteriormente vistas, efetuadas com a primeira onda de políticas públicas educacionais em Diadema, Santo André, São Bernardo e Mauá no fim dos anos 80 e início dos 90: A reforma educacional iniciada em 1995 veio sendo implementada sob o imperativo de restrição do gasto público, de modo a cooperar com o modelo de ajuste estrutural e a política de estabilização econômica adotados pelo governo federal. [...] Essas diretrizes de reforma educacional implicaram que o MEC mantivesse a educação básica de jovens e adultos na posição marginal que ela já ocupava nas políticas públicas de âmbito nacional...”. (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p. 122). Entretanto, mesmo com as determinações do FUNDEF no sentido de não contemplar o desenvolvimento das políticas de educação de jovens e adultos, os próprios moradores e administradores locais podem atuar na própria região, ainda que isso vá ao encontro com as políticas de nível nacional. O fato de a região do ABC possuir acesso a recursos dos orçamentos municipais é um fator de grande importância nesse caso. Dessa forma, no final dos anos 90, as cidades de Santo André, São Bernardo do Campo São Caetano, Mauá, Ribeirão Pires e Diadema reformularam o serviço prestado, contrataram mais profissionais para a equipe de educação, trabalharam na adaptação das ferramentas e recursos escolares para que fosse possível oferecer atendimento ao ensino fundamental regular e supletivo. Embora seja necessário realizar uma averiguação mais profunda sobre os efeitos de tais ações para a população da Região, pode-se observar que os frutos foram muito positivos, principalmente por conta do atendimento prestado à infância com as creches e o pré-escolar, a educação especial e o atendimento voltado para a educação de jovens e adultos. Neste último caso, os próprios morados dos municípios conseguido atuar o sentido de organização na luta contra a erradicação do analfabetismo, mesmo com as limitações empreendidas pelo FUNDEF. Dessa forma, eles evidenciam capacidade de produção de novas políticas de educação para este segmento específico da população, como poderá ser visto com mais profundidade a seguir. 9 4. Políticas educacionais para jovens e adultos no ABC A partir da década de 60, as práticas educacionais direcionadas a jovens e adultos da região do ABC passaram a receber apoio do Centro Popular de Cultura – CPC, do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, da Ação Popular – AP, de iniciativas da POLOP (Política Operária) e de outros movimentos políticos de esquerda atuantes na esfera popular. Essas práticas de cunho cultural faziam referência aos princípios ideológicos e pedagógicos de Paulo Freire, que atuou pela luta contra o analfabetismo a partir de suas reflexões teóricas voltadas para a aceitação e valorização dos saberes do educando e de seu grupo de interação. Somado a isso, uma pedagogia contemplando o diálogo entre educando e educador como o centro da metodologia, negando e criticando ativamente a “educação bancária”, que consistia na visão do docente como detentor pleno do saber e do aluno como o ser passivo que deveria receber esse saber (MARTINS, 1994; ANCASSUERD, 2001). Essas idéias percorreram e ganharam força em todos os debates pedagógicos brasileiros, não sendo diferente no ABC, que deu continuidade ao pensamento através de ações, mesmo com a implementação do Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, pela Ditadura Militar. Direcionado pelo governo do executivo federal, o Mobral consistia em sua essência em uma ação pública estatal com a finalidade de combater o analfabetismo, estando atrelado à necessidade da qualificação da mão de obra, sobretudo a industrial. Por isso, não consistia somente em uma política preocupada com o direito à educação, mas de preparar essa população de acordo com as necessidades funcionais da indústria que o Estado buscava superar. Entretanto, a pedagogia de Paulo Freire manteve-se viva e atuante no ABC, principalmente com a ajuda da Igreja Católica, que dispôs de suas paróquias existentes nas cidades da região e das sociedades amigos de bairro. Esta corrente irá refletir na administração municipal de Diadema, de viés progressista, no início da década de 80, quando surgiu, como parte de uma política pública setorial, o primeiro serviço de educação de jovens e adultos no ABC. Como anteriormente mencionado, no decorrer dos anos 90, esta ação de política local, variando de algum modo, foi seguida pelos demais governos dos executivos municipais do ABC, dando fim, de uma vez por todas na região, aos resíduos provenientes do MOBRAL. A filosofia freiriana aplicou-se 10 também na EJA de São Bernardo do Campo a partir de 2009, quando a deliberação CMED 2/2009 estabelece as diretrizes para os cursos de Educação de Jovens e Adultos em nível Fundamental, implantados e mantidos pelo Poder Público no sistema municipal de ensino. Pode-se observar que desde muitos anos há ações específicas voltadas para fomentar e aprimorar as políticas educacionais de jovens e adultos, como projetos encabeçados por diversos movimentos coletivos, ação de populares ou setores da sociedade civil organizada e ações efetivadas pelo Estado mediante as esferas federal e local. Nas cidades da região, a educação de jovens e adultos foi sendo aperfeiçoada e alterada de acordo com a ação de gestores e administradores locais, os quais agiram em prol de uma política mais acolhedora para esse público, mesmo que diante de alguns conflitos, dificuldades ou contradições na implementação de algum projeto ou programa. Desde o início até a atualidade, a educação para jovens e adultos, em toda a Região, passou a integrar o cotidiano desses jovens, demonstrando seu desenvolvimento e aperfeiçoamento diante dos problemas enfrentados. Há indicadores positivos no tocante ao analfabetismo à ampliação do período de escolaridade de jovens e adolescentes ainda hoje, podendo ser observados na população com quinze anos ou mais, no ABC, como apontam instituições como Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Isso se deve em grande parte também aos avanços identificados nos Serviços e Programas de EJA dos municípios da região. Pode-se considerar uma grande vitória social, fruto do trabalho da força e união de cidadãos moradores do ABC. Entretanto, por mais que essa conquista seja significante para os direitos dos jovens e adultos, há, ainda hoje, muitos desafios políticos e pedagógicos advindos do mesmo processo de conquista e ampliação deste direito e que tornam singular esse campo de atuação dos administradores locais da Região. Muitas dificuldades que marcavam a educação de jovens e adultos podiam ser identificadas, principalmente em relação à estrutura ou investimentos em uma pedagogia mais preparada para amparar tais alunos: ausência de ambientes próprios para as aulas, dificuldades para obter modelos pedagógicos apropriados, inexistência de um currículode acordo com as demanda e necessidades específicas de jovens e adultos, ausência de certificados de conclusão do processo de formação, entre outras. Tais 11 problemas foram se desenvolvendo, alguns resolvidos, outros ainda pertinentes – inclusive na educação brasileira de forma geral. Deste modo, no combate a desafios apresentados diante da questão política educadores de mais qualidade ou mais preparados para atuar com jovens e adultos não alfabetizados ou com baixa escolaridade, por exemplo, optou-se por profissionalizar os educadores com a efetivação de concursos públicos – direcionados para os que possuem a certificação do curso de licenciatura plena em Pedagogia, para que o selecionado concursado seja incorporado na equipe docente da escola. Neste panorama, a escola passa a ser única e não oferece apenas serviços para o segmento infantil. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise dos estudos selecionados acerca das principais políticas públicas educacionais do ABC voltadas para a infância e a juventude possibilita observar que os atores sociais da região possuem, desde o início das políticas observadas, protagonismo no tratamento das questões estudantis, mobilizando a luta e atuando junto com administradores locais. Dessa forma, ambos agem de forma a organizar recursos financeiros e físicos para projetar atividades cuja finalidade consiste em contribuir para a efetivação dos direitos à educação. Dessa forma, é possível observar a existência algumas gerações de políticas, como a geração que deu início às práticas e ações voltadas para a infância e para a adolescência\juventude de acordo com a administração local, e uma geração e as marcada fortemente pela participação da sociedade civil, com os moradores da região atuando de forma independente e ativa. As primeiras políticas observadas, neste sentido, foram consolidadas e são marcadas pela inserção da estrutura administrativa das prefeituras locais, possibilitando maiores condições para a sua permanência e desenvolvimento, fato que ocorreu com menor expressão na geração seguinte. Cabe observar que muitas dessas políticas educacionais se valeram das postulações pedagógicas de Paulo Freire, as quais prezam pelo conhecimento de forma a manter a criança, o jovem e o adulto livres e conhecedores plenos em sua leitura de mundo. Embora tenha sido possível observar, através dessa breve análise das políticas públicas implementadas pela Região do ABC, que muitas conquistas foram possíveis 12 graças à atuação política de moradores e de administradores, deve-se salientar que ainda há muitos desafios a serem enfrentados, tanto pela esfera da educação infantil quanto pela esfera da educação para jovens e adultos. É necessário que haja um diálogo entre a sociedade civil e as administrações para que as políticas sejam continuadas e aperfeiçoadas, principalmente no panorama de diversidade em que nos encontramos atualmente. 13 REFERÊNCIAS ANCASSUERD, Marli Pinto. Curso de formação de professores, aluno trabalhadores e projeto institucional: o caso do Departamento de Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Santo André (1966-1990). São Paulo: PUC/SP (dissertação de mestrado), 2001. HADDAD, Sérgio& DI PIERRO, Maria Clara. Escolarização de jovens e adultos. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, no. 14, p. 108-130, 2000. MARTINS, Heloísa Helena Teixeira de Souza. Igreja e Movimento Operário no ABC. São Paulo: Editora Hucitec; São Caetano do Sul: Prefeitura Municipal de São Caetano do Sul, 1994. MARTINS, José de Souza. Subúrbio. Vida cotidiana e história no subúrbio da cidade de São Paulo: São Caetano, do fim do Império da República Velha. São Paulo: HUCITEC; São Caetano do Sul: Prefeitura de São Caetano do Sul, 1992. MÉDICI, Ademir; PINHEIRO, Suely. 1o. de Maio e os principais momentos da luta sindical em São Bernardo: 1902-1990. São Bernardo do Campo: Secretaria de Educação, Cultura e Esportes, 1990. POCHMANN, Marcio e AMORIM, Ricardo (Org,). 2003. Atlas da Exclusão social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. SILVA, Sergio Luiz de Cerqueira. Crise e ajuste da indústria da Grande são Paulo – 1980/1993: um estudo do caso da Região do ABC. (dissertação de mestrado). Campinas, SP, 1994.
Compartilhar