Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ROGÉRIO BORGES da TV no BRASIL 2 Poucos aparelhos, uma transmissão amadora e cheia de problemas técnicos, a reação do público variando entre a curiosidade e a completa indiferença. Quando a Tupi emitiu o sinal pioneiro de uma emissora de TV no Brasil, em 18 de setembro de 1950, não seria de admirar que alguém, vendo aquela estreia, duvidasse de seu futuro. A novidade, que se consolidava nos EUA desde os anos 1930, chegou com atraso ao Brasil, pelas mãos pelo polêmico magnata da mídia Assis Chateaubriand e tendo no rádio um concorrente que parecia imbatível. Raros poderiam desconfiar que estavam presenciando o início de uma revolução. Uma revolução que não termina nunca e é feita incessantemente, acompanhando as novidades de cada tempo. A inquietude da TV desde aquela transmissão inicial, sete décadas atrás, é o ponto nervoso dessa obra. Nesta jornada inicial, vamos falar de como este meio é, hoje, completamente diferente do que já foi um dia, agregando formatos e plataformas, interações e linguagens, promovendo experiências e sensações únicas. Do bombril ao 8K Na imagem, mal se conseguia distinguir o que era gente e o que era objeto. Formas um tanto embaçadas circulavam naquela tela dentro de uma espécie de caixote, de onde também saíam sons. Um cinema portátil, para alguns. Uma bobagem que não merecia atenção, para outros. Uma corrida tecnológica sem fim para quem a colocava no ar, em operações que beiravam a temeridade, com equipamentos imensos e caros, e resultados nem sempre satisfatórios. O início da TV no Brasil teve a marca do pioneirismo, com seus erros e histórias icônicas. TV no Brasil sempre teve o rumo alterado por mudanças tecnológicas, mas nenhuma tão radical quanto a observada nos dias atuais AS NOVAS TECNOLOGIAS DA TV Reinvenção aos 70 Assis Chateubriand, responsável por trazer a TV ao Brasil, fala diante da câmera. Só 200 aparelhos assistiram à primeira transmissão da TV no BRASIL 3 Uma trajetória cuja evolução podemos medir pela qualidade da imagem que chega até nós hoje, 70 anos depois daqueles vultos e “fantasmas” fugidios. Esse tipo de problema teria vida longa na história da TV brasileira. Antenas ineficientes, improvisadas em perigosas instalações no telhado, ou em cima do aparelho, com pedacinhos de bombril nas pontas para ajudar na recepção. Quando os equipamentos ficaram melhores, as emissoras fizeram investimentos. O Brasil ganhou um sistema de satélites, nos anos 1970, e essa situação foi melhorando. Tudo isso aconteceu gradativamente, enquanto a TV conquistava público e mercado. No início, porém, as condições eram muito complicadas. Em 1952, dois anos depois de sua instalação no Brasil, só existiam em todo o território nacional cerca de 11 mil televisores. Naquele ano, era inaugurada a TV Paulista, a terceira do Brasil, que se juntava às TVs Tupi de São Paulo e do Rio de Janeiro. Tateava-se um modelo de programação que pudesse seduzir mais telespectadores com seu conteúdo, já que, se dependesse da imagem, seria difícil. Os registros daquela época mostram que a qualidade das transmissões era precária, com muitos cortes, imagens que dançavam na tela, instáveis, som sem sincronia com o que se via. Ainda que o equipamento que foi importado para inaugurar a TV no Brasil fosse de última geração, havia um problema crônico com os canais de transmissão. Em seus primeiros tempos, apenas um raio de 100 quilômetros em torno da emissora era atendido pelo sinal. Só no final de 1951 o Brasil passou a fabricar seus próprios receptores, da marca Invictus. A importação das câmeras dos EUA, imensas e frágeis, foi uma operação de guerra, assim como o contrabando que o dono da Tupi, Assis Chateaubriand, providenciou dos 200 primeiros aparelhos de TV, distribuídos em residências e lojas para que alguém assistisse à estreia. Das três câmeras que chegaram para o grande dia, uma pifou antes do início da transmissão. Uma das suspeitas é que a água benta jogada para benzer o equipamento tenha danificado seus mecanismos eletrônicos. E o pior é que não havia ninguém que soubesse consertar aquilo. Mesmo com todos os contratempos, a TV foi ao ar e em seguida vieram outros canais, nos anos 1950 e 1960, com equipamentos mais modernos sendo trazidos da TV no BRASIL 4 do exterior, ao passo que o preço dos aparelhos domésticos ficava mais acessível. Ao dar seu próximo grande salto tecnológico, a TV já era algo bem disseminado no Brasil, um sonho de consumo acalentado por todas as famílias. E quem já possuía um receptor preto-e-branco passou a ambicionar algo a mais no início dos anos 1970, quando as imagens ganharam cores. A primeira transmissão colorida no País foi em 1972, na cobertura da Festa da Uva, em Caxias do Sul, realizada pela TV Difusora, de Porto Alegre. Teste que foi um sucesso e estimulou a vinda de aparelhos de TV colorida para o Brasil. A cor já fazia parte da programação de canais no exterior. Basta lembrar que a Copa de 1970, no México, foi filmada com a nova tecnologia, mas por aqui ela precisou de mais tempo para engrenar. Era necessária fazer uma mudança total nos equipamentos, com muito investimento, e a TV Globo tomou a frente desse processo. A TV Anhanguera foi pioneira na adoção das novas tecnologias, tudo para proporcionar mais qualidade nos serviços prestados aos telespectadores A primeira novela a cores foi O Bem Amado, de 1973. Logo, em 1974, o Jornal Nacional passou a ser transmitido no formato colorido. Dali por diante, as inovações tecnológicas tiveram um ritmo mais rápido. Nos anos 1980, veio o videocassete, que permitia gravar programas ou assistir conteúdos na hora que se desejasse. O controle remoto, inventado ainda nos anos 1950 nos EUA, caiu no gosto do brasileiro. Em 1988, o governo autorizou a instalação da TV a cabo no Brasil, causando mais um impacto nos hábitos de consumo de conteúdo em imagens. da TV no BRASIL 5 Admirável mundo novo A revolução digital da TV mundial aprofundaria a transformação. As primeiras experiências com a TV digital no mundo ocorreram em 1995 nos EUA e Japão, que criaram sistemas próprios de transmissão nesse novo modelo, substituindo o anterior, chamado de analógico, e que vedava diversas ferramentas de interação e de desen- volvimento na qualidade da imagem e do som. No Brasil, após muitas disputas políti- cas e econômicas sobre qual desses modelos adotar, a TV digital chegou em 2007. A TV brasileira ingressou, assim, na era da Alta Definição. Além de uma qualidade muito superior, permitiu interações com outras formas de comunicação, como a internet. “Hoje, praticamente todos os players que têm a TV tradicional estão inseridos nos aplicativos, na TV conectada”, enfatiza Carlos Cauvilla, diretor de Engenharia e Tecnologia de TV e Rádio do Grupo Jaime Câmara. Esses aplicativos têm mudado a forma de fazer e consumir os conteúdos da TV. Os aparelhos ficaram inteligentes, interligando equipamentos simultaneamente pela internet. Ao mesmo tempo, a TV migrou para o smartphone e o computador, princi- palmente quando se mescla ao cinema para abastecer os conteúdos de plataformas de streaming. “Além da tela tradicional na TV, você pode utilizar vários dispositivos conectados, incluindo a Smart TV, para consumir conteúdos, onde você quiser, da forma como você quiser”, aponta Cauvilla. Acompanhar esses movimentos é o único caminho possível. “A TV Anhanguera e as emissoras do Grupo Jaime Câmara, desde a época do analógico, têm sido pionei- ras no uso de tecnologias. Na transição do analógico para o digital, fomos a primeira rede de TV fora do eixo Rio-São Paulo a transmitir o sinal em HD, em alta definição. Também fomos agora, no Centro-Oeste, o primeiro grupo a transmitir no Globo Play, essa plataforma conectada em todos os dispositivos, mantendo essa conexão com o telespectador”, enumera Cauvilla. Com novas demandas por interação, a TV de hoje busca soluções criativas. “De- senvolvemos um aplicativo, oQVT (Quero Ver na TV), em que o telespectador pode se comunicar de forma direta. Numa plataforma no celular, ele consegue mandar para a gente conteúdo que pode ser exibido e se tornar uma reportagem em nos- sos telejornais”, diz o diretor. “Essa evolução tecnológica nos deixa mais próximos do telespectador, para atender da melhor forma possível. A TV continuará a ser uma plataforma relevante”, complementa. Uma evolução que aponta para experiências ainda mais abrangentes, transfor- mando a TV em algo muito além do que poderia imaginar a mente mais criativa de 70 anos atrás. “Já temos conteúdos produzidos em 4K para aparelhos inteligentes. Quem assina a Globo Play já pode experimentar isso. E, a caminho, nós já temos o 8K, que é de uma qualidade impressionante”, anuncia Cauvilla. “Além das resoluções do vídeo, existe também o áudio imersivo, que está tendo sua padronização finalizada e que fará parte dos novos modelos de telas.” Preparados para tanta inovação? Pois é melhor tomar fôlego, porque toda essa evolução está só começando. “Quando olhamos para o futuro, já temos tecnologias que serão o diferencial para quem vai consumir TV. Nossos desafios serão entender cada vez mais os hábitos das pessoas, entender o que eles desejam e levar isso pela tecnologia, nos conteúdos. No Brasil, de forma gratuita, a TV continuará sendo muito importante na vida de nossos telespectadores”, acrescenta o diretor Cauvilla. da TV no BRASIL 6 Para entender tudo TV DIGITAL – A migração do sistema analógico para o digital foi um divisor de águas para a TV brasileira, que adotou um sistema misto, uma tecnologia baseada no modelo japonês, mas com adaptações de pesquisadores brasileiros. Houve um período de transição, com ajustes das emissoras e dos fabricantes de TV, possibilitando o ingresso de novos atores nesse mercado. STREAMING – Baseadas em distribuição de dados digitais, são plataformas que estabelecem pontes entre hábitos de consumo próprios da TV, do cinema e da internet. Globo Play, Netflix, Disney Plus e Amazon Prime, entre outras, vêm consolidando esta programação por demanda, que se caracteriza pelo usuário consumir os conteúdos em vários suportes, na hora que quiser. 4K E 8K – São medidas da qualidade da resolução das imagens que vemos nos aparelhos de TV. A versão HD já havia dado um salto enorme quanto ao sistema analógico. Depois veio a Full HD, com 2 milhões de pixels (pontos que formam as imagens) na tela. A 4K tem uma resolução 4 vezes melhor que a Full HD. A 8K é o dobro da 4K, dando uma sensação inédita até agora. SMART TV – Um computador em forma de TV, que capta sinais de internet, projeta material de seu celular e já faz outros serviços domésticos. A TV é uma espécie de vanguarda de uma fronteira tecnológica em pleno desenvolvimento, que é a internet das coisas. O preço, antes proibitivo, tem caído e novas gerações dos produtos já seduzem os consumidores. ÁUDIO IMERSIVO – As pesquisas em torno dessa ferramenta para a TV vêm sendo desenvolvidas já há algum tempo, tomando algo parecido com o que já existe em várias salas de cinema. A diferença é que tal instrumental estaria em nossa sala, conferindo uma experiência sensitiva intensa a partir da interação de som e imagem, de acordo com o conteúdo que é visto. NOVAS TELAS – Quando surgiram as telas planas e as slims (bem finas), com aparelhos de TV que dispensam os tubos de imagem, houve um espanto geral. Hoje, telas imensas e que se curvam e com painéis especiais, com sistemas tecnológicos de emissão de luz de cada ponto formador da imagem, proporcionam uma sensação imersiva ainda mais profunda. da TV no BRASIL 7 As telenovelas brasileiras são produções dinâmicas, que ousam em te-máticas e linguagens, na relação com o público, na forma de mostrar as muitas faces do País. Com um olho no enredo e outro na audiência, auto- res e autoras souberam auscultar a batida dos sentimentos dos telespectadores, provocando e debatendo nosso jeito de ser, nossa forma de pensar e agir, nossas mazelas e nossas qualidades, registrando retratos cômicos e dramáticos do Brasil. Por isso esse tipo de atração firmou-se como o mais popular nos 70 anos da TV brasileira. A primeira novela da TV brasileira foi uma adaptação de um sucesso no rádio, Sua Vida Me Pertence, que estreou em dezembro de 1951, na TV Tupi. Passava apenas duas vezes por semana e era escrita, dirigida e protagonizada por Walter Forster. Ufa! Teve apenas 15 capítulos e tinha no elenco Lima Duarte, hoje com 90 anos. Na época, a teledramaturgia era feita ao vivo – não havia equipamentos para gravação – e o principal investimento voltava-se para a produção de espetáculos teatrais encenados na TV, como o Grande Teatro Tupi. O hábito de ver novela começou a arraigar-se mesmo no brasileiro no início dos anos 1960, quando os folhetins passaram a ser diários. A primeira obra neste formato foi 2-5499 Ocupado, trama protagonizada pelo casal 20 da TV, Tarcísio Meira e Glória Menezes, em 1963, na Tupi. Em 1964, ocorreu o primeiro fenôme- no de audiência, o dramalhão latino O Direito de Nascer, também na Tupi. Com poucos televisores no País, o último capítulo foi transmitido para multidões nos ginásios do Ibirapuera, em São Paulo, e do Maracanãzinho, no Rio. O desfecho apoteótico do personagem Albertinho Limonta, vivido por Amil- ton Fernandes, mostrou definitivamente que aquele seria o principal produto de AS NOVELAS Em seus 70 anos, nenhuma atração eletrizou mais o público da TV no Brasil que as novelas. Um gênero que, em 2020, celebra também o centenário daquela que foi sua autora pioneira Um povo noveleiro Tarcísio Meira, Cláudio Cavalcanti, Macedo Neto e Cláudio Marzo em Irmãos Coragem, 1970 (Foto: Acervo Globo) da TV no BRASIL 8 entretenimento oferecido pela TV, em capítulos diários, por longos meses. As no- velas invadiram o cotidiano dos brasileiros, contando histórias cheias de dramas e lágrimas. Mas em 1968, Lima Duarte, o mesmo Midas responsável por dirigir O Direito de Nascer, revolucionou o gênero com Beto Rockfeller, de Bráulio Pedroso, modernizando a narrativa das novelas e inaugurando um novo tempo. Os anos 1970, com a entrada da Globo de forma definitiva na disputa com a Tupi e a Excelsior pela primazia das novelas, foi a década das ousadias, como o western Irmãos Coragem, de Janete Clair, com a criação de heróis que conquista- ram até o público masculino. Foi também o tempo de O Bem Amado, um passo arriscado na direção da crítica alegórica do regime militar, escrita pelo comunista de carteirinha Dias Gomes e que se tornou também a primeira novela em cores do Brasil. Odorico Paraguaçu encarnava o coronelismo da política brasileira. A sensualidade de Gabriela na novela que mostrou pela primeira vez o univer- so de Jorge Amado neste formato, o sucesso internacional de A Escrava Isaura, a comédia rasgada de Guerra dos Sexos foram, aos poucos, contribuindo para criar horários específicos para os folhetins, que poderiam ser ocupados pelas tramas românticas e urbanas de Janete Clair (Selva de Pedra), pelo realismo mágico de Dias Gomes (Saramandaia) ou pelo riso solto de Sílvio de Abreu (Cambalacho) e de Cassiano Gabus Mendes (Que Rei Sou Eu?) As novelas brasileiras foram se diversificando e criando fenômenos. Vale Tudo foi um marco nesse sentido, por mostrar um Brasil ocupado pelo embate entre a honestidade e o jeitinho brasileiro num tempo em que a censura a essas pro- duções havia sido revogada. Vieram os sucessos trigueiros de Tieta, Pantanal e Renascer, a diversão teen de Vamp, as protagonistas negras de Xica da Silva e Da Cor do Pecado, a doçura de Carrossel e Chiquititas, o novelão clássico de Senhora do Destino, o suspense de Avenida Brasil. Mil faces de um povo noveleiro. Sua Vida me Pertence, a primeira novela, estreou em dezembro de 1951, na TV Tupi Tarcísio Meira e Glória Menezes foram protagonistas de 2-5499 Ocupado O Sheik de Agadir: boa aceitaçãojunto ao telespectador Sônia Braga na pele de Gabriela, de Jorge Amado da TV no BRASIL 9 La Magadan, a pioneira Uma história que tinha um sheik árabe, uma princesa assassina e um oficial nazista. Em resumo, uma loucura. Mas eram exatamente essas tramas rocambolescas que faziam milhões de pessoas colarem os olhos na tela da TV preto-e-branco – de casa ou de algum vizinho – para acompanhar dramalhões que usavam e abusavam de romances proibidos, laços de sangue secretos, crimes misteriosos e finais que variavam entre os felizes e os trágicos. Assim nasceu a novela brasileira. E o gênero teve uma parteira: a cubana Gloria Magadan. No ano em que a TV no Brasil completa 70 anos de existência também marca o centenário desta autora pioneira das novelas, responsável por alguns dos primeiros sucessos da teledramaturgia nacional. Gloria nasceu em Cuba em 1920, mas a revolução comunista em seu país, liderada por Fidel Castro e Che Guevara, em 1959, fez com que precisasse migrar. Na ilha caribenha, ela já era escritora e encontrou abrigo no Brasil a partir de 1964. A TV Globo foi inaugurada no ano seguinte e seus destinos se encontraram. As novelas passaram a ter formatos de capítulos diários apenas em 1963, apesar de a TV Tupi, a pioneira das emissoras por aqui, ter feito algumas tentativas no gênero com exibições mais espaçadas. Foi Gloria Magadan, nesta segunda fase da produção de teledramaturgia nacional, quem deu as cartas por mais de dez anos. Ela ingressou na Globo e implantou no canal a tradição de produzir novelas. Escrevia suas próprias histórias e supervisionava os textos de outros autores, entre os quais Janete Clair, que viria a substituí-la como maior nome do gênero. Na Globo, O Sheik de Agadhir, a novela que tinha a princesinha psicopata (Marieta Severo) e um nazista extemporâneo (Mário Lago), foi um de seus maiores sucessos, entrando para o imaginário das novelas brasileiras. Também escreveu Eu Compro Esta Mulher, A Rainha Louca e O Homem Proibido, produções livremente inspiradas em clássicos da literatura. Seu reinado na emissora acabou no final dos anos 1960, quando a empresa percebeu que a fórmula de Magadan já não agradava tanto o público. A Tupi já produzia novelas mais modernas. Ela acabou saindo da emissora carioca e chegou a escrever mais uma novela, E Nós, Aonde Vamos? Na verdade, ela acabou indo para fora do Brasil, onde seu estilo folhetinesco ainda tinha boa aceitação – aliás, basta ver as produções das TVs de México, Colômbia, Venezuela para atestar essa diferença. Encontrou em Miami um local onde seu trabalho era muito valorizado para o público latino que vivia no EUA. Morreu em junho de 2001, ainda lembrada por aqui como a mulher que iniciou a telenovela brasileira. Gloria Magadan: autora cubana veio para o Brasil em 1964 da TV no BRASIL 10 JANETE CLAIR (1925-1983) – Se Glória Magadan foi a pioneira, ninguém revolucionou mais o gênero no Brasil que sua “estagiária” Janete Clair. O talento desta mineira de Conquista já havia sido atestado na Rádio Nacional, onde escreveu radionovelas, mas a ousadia de romper com parâmetros apareceu na TV, com folhetins em que surgia o cotidiano do brasileiro. Logo de cara, solucionou um fracasso, Anastácia, A Mulher Sem Destino, criando um terremoto que matou os personagens, recomeçando do zero. Depois, encavalou vários sucessos, a começar pela antológica Irmãos Coragem, de 1970. Em seguida vieram Selva de Pedra, Pecado Capital, O Astro, Pai Herói. Morreu enquanto escrevia Eu Prometo, concluída por Glória Perez. IVANI RIBEIRO (1916-1995) – Fazer estrondoso sucesso com a mesma novela mais de uma vez, escrevendo versões diferentes para emissoras distintas. Será que alguém conseguiu tal feito? Ivani Ribeiro sim, e mais de uma vez. A partir de 1963, esta paulista de São Vicente escreveu tramas para vários canais, como Tupi e Excelsior. Chegou a lançar 13 novelas seguidas para um único horário da Excelsior. Nos anos 1970, emplacou na Tupi dois sucessos, Mulheres de Areia e A Viagem. Vinte anos depois, já na Globo, fez o remake de ambas e repetiu o fenômeno, algo inédito naquelas proporções. Antes, já havia escrito A Gata Comeu para o horário das 18h da Globo, recuperando a trama A Barba Azul, levada ao ar pela Tupi. DIAS GOMES (1922-1999) – Nos anos de chumbo da década de 1970, a Globo peitou a ditadura e manteve como um de seus principais autores do horário nobre o comunista assumido Dias Gomes, o dramaturgo baiano que já havia feito história no cinema ao ver sua obra O Pagador de Promessas chegar à Palma de Ouro em Cannes com o filme de Anselmo Duarte. Isso, claro, irritava os censores, que gostavam de cortar suas tramas, até chegar ao ápice de proibir um de seus trabalhos de ir ao ar. Em 1975, a primeira versão de Roque Santeiro foi embargada no dia da estreia. Roque Santeiro só foi ao ar em 1985. Outra de suas novelas, O Bem Amado, provocava os poderosos. São de sua autoria ainda as tramas Saramandaia e O Espigão. CASSIANO GABUS MENDES (1929-1993) – Pioneiro da TV brasileira, Cassiano Gabus Mendes testemunhou a primeira transmissão da Tupi, em 1950. Com apenas 21 anos de idade, já escrevia textos para a emissora, até chegar a cargos de direção, bancando a revolucionária Beto Rockfeller, de Bráulio Pedroso, em 1968, protagonizada por seu cunhado, Luiz Gustavo. Sua primeira novela, porém, só estreou em 1976: Anjo Mau. Foi na Globo que Cassiano se destacou como autor, com vários sucessos na década de 1980. Em Elas Por Elas, criou o detetive atrapalhado Mário Fofoca. Também escreveu Ti-Ti-Ti e Brega & Chique e, por fim, a satírica Que Rei Sou Eu?, uma alegoria bem humorada das mazelas brasileiras. As penas da história Separamos 10 autoras e autores, com seus grandes sucessos, que fizeram o Brasil ser o país que assiste e produz novelas como nenhum outro no mundo. da TV no BRASIL 11 GILBERTO BRAGA (1945- ) – Ele assinou suas primeiras tramas com Janete Clair (Bravo!) e Lauro César Muniz (Corrida do Ouro) nos anos 1970, até ser destacado para adaptar obras literárias, para o horário das 18h da Globo. Daí veio o arrebatador sucesso A Escrava Isaura, uma das novelas brasileiras mais vistas no exterior. Também é dele o fenômeno Dancin’Days. Nos anos 1980, ao lado de Aguinaldo Silva, escreveu Vale Tudo, com as vilãs Odete Roitman e Maria de Fátima. É autor ainda de trabalhos como O Dono do Mundo, Celebridade e Paraíso Tropical. BENEDITO RUY BARBOSA (1931- ) – As novelas rurais, épicos do interior do Brasil, são sua marca registrada. Desde Meu Pedacinho de Chão, no início dos anos 1970, até sua última obra, Velho Chico, ele mergulhou nesses universos. Isso fica patente na trilogia formada por Pantanal (Manchete), Renascer e O Rei do Gado (Globo). A cultu- ra italiana também foi bastante abordada por ele, em novelas como Os Imigrantes (Bandeirantes), Terra Nostra e Esperança (Globo). Duas filhas e um neto do novelista seguiram o mesmo caminho do patriarca. SÍLVIO DE ABREU (1942- ) – Ele primeiro tentou a carreira de ator, mas foi como autor que Sílvio de Abreu fez sucesso. Seu primeiro trabalho foi a versão de Éramos Seis para a Tupi. Mas foi na comédia que ele se encontrou, a começar por Guerra dos Sexos, em que teve a ou- sadia de colocar os ícones Paulo Au- tran e Fernanda Montenegro numa antológica cena de pastelão. Vieram ainda Cambalacho, Sassaricando e Deus nos Acuda. Daí migrou para novelas mais dramáticas, com a policialesca A Próxima Vítima, e as românticas Belíssima e Passione. AGUINALDO SILVA (1943- ) – Jornalista que fazia coberturas policiais, Aguinaldo Silva iniciou sua carreira na TV escrevendo séries que remetiam àquele universo, até estrear como novelista em Partido Alto. Depois vieram a ruidosa par- ceria com Dias Gomes em Roque Santeiro (ele lembra que escreveu a maior parte da trama sozinho) e a dobradinhacom Gilberto Braga em Vale Tudo. A partir de Tieta, novela que criou às pressas a pedido da Globo, enfileirou sucessos, como Pedra Sobre Pedra, Porto dos Milagres, A Indomada e Senhora do Destino. LAURO CÉSAR MUNIZ (1938- ) – Veterano nas novelas, Lauro César Muniz ajudou a formar vários cole- gas de profissão. Na Globo, onde ajudou a emissora a conquistar a liderança da audiência, escre- veu sucessos como Escalada, Os Gigantes, Casarão e a metanarrativa Espelho Mágico, em que abordava o próprio universo da TV. Nos anos 1980, emplacou novelas de grande audiência, como a trama de suspense e vingança Roda de Fogo e a política O Salvador da Pátria. Nos últimos anos, produziu tramas para a TV Record. GLÓRIA PEREZ (1947- ) – Ela é uma espécie de herdeira de Janete Clair, com tramas que se baseiam no melhor estilo novelão. Foi assim com Barriga de Aluguel, inicial- mente pensada para o horário das 20h, mas deslocada para a faixa das 18h por ser considerada “dra- mática demais”. Depois ela con- seguiu se firmar no horário nobre com tramas como De Corpo e Alma (quando viveu a tragédia de perder a filha Daniella Perez, assassinada por um colega de elenco), Explode Coração e as histórias multiculturais O Clone, Caminho das Índias e América. da TV no BRASIL 12 Uma aliada poderosa A data oficial da primeira transmissão de TV no Brasil é 18 de setembro de 1950. Mas antes que a TV Tupi, de São Paulo, inaugurasse por aqui aquele que seria o meio de comunicação mais popular do País, o dono do canal, o magna- ta Assis Chateaubriand, fez um teste do equipamento que havia adquirido para o empreendimento. Em 5 de julho de 1950, na sede de sua empresa, os Associados, foi feita uma transmissão fechada para convidados, entre artistas e empresários interna- cionais. Era a inauguração festiva do Museu de Arte de São Paulo. O PAPEL DA ARTE Em seus 70 anos no Brasil, a TV foi um meio poderoso de popularização da cultura, contribuindo para sua expansão e variedade O Masp era uma das meninas dos olhos de Chateaubriand. Ele angariava doações – às vezes com extorsões – para reforçar os recursos destinados à compra de obras de grandes mestres da pintura europeia. Reza a lenda que o homem que montou o acervo do museu, Pietro Maria Bardi, teve dificuldades em convencer o patrão a não colocar esses quadros nos estúdios da Tupi no dia de sua inauguração, o que poderia danificá-los com o excesso de luz. Há laços profundos entre a TV e as artes no Brasil, o que geraria um intercâmbio intenso entre elas. Clássicos do teatro e da literatura, lançamento de grandes nomes da música, apoio ao cinema fizeram, desde o seu início, parte da história da TV brasileira. Essa comu- nhão foi importante para popularizar manifestações culturais antes restritas a fre- quentadores de plateias de elite. Obras a que a maioria das pessoas não teriam acesso foram inseridas nas casas de milhões de brasileiros, em seus formatos originais ou em adaptações, familiarizando esses trabalhos com novos públicos, abrindo horizontes culturais mais amplos a gerações de telespectadores. Uma das primeiras iniciativas nesse sentido foi o Grande Teatro Tupi, exatamente na emissora pioneira. Produzidas nas sedes de São Paulo e do Rio de Janeiro, essas montagens eram apresentadas ao vivo – nos anos 1950 não havia equipamento para Nana Caymmi e Gilberto Gil no Festival da Música Popular Brasileira de 1967 da TV no BRASIL 13 gravação dos programas – e levaram à TV grandes nomes dos palcos nacionais. A ideia de sua criação foi de Guilherme Figueiredo, que escalou um elenco que incluía nomes como Fernanda Montenegro (a primeira atriz contratada profissionalmente da TV brasileira), Nathalia Timberg e Ítalo Rossi. Todos esses nomes integravam ou viriam a integrar companhias de teatro brasi- leiras históricas, como o TBC, o Teatro Brasileiro de Comédia. Seus maiores criadores se revezavam entre as câmeras da Tupi e os palcos, fazendo com que nascesse ali a teledramaturgia nacional, antes mesmo do surgimento das telenovelas. E nasceu levando clássicos do teatro grego, peças de Shakespeare, obras dos maiores drama- turgos do mundo. Tudo isso produzido em escala industrial. Só o autor Manoel Carlos, por exemplo, adaptou mais de 100 obras para a Tupi. A emissora foi a responsável pelo ingresso na TV de gigantes do porte de Fernan- do Torres, Ziembinski, Sérgio Brito, Tônia Carrero, Sérgio Cardoso. Até mesmo nomes que tinham certa resistência em entrar no novo meio se renderam à possibilidade de levar arte de alta qualidade a um público numeroso, encenando textos de Ibsen, Goethe, Tchekov, Pirandello, Eugene O’Neill. E ali também se deu a estreia de astros e estrelas que depois estariam nas novelas, como Francisco Cuoco, Claudio Cavalcanti, Sebastião Vasconcelos, Iara Lins e Zilka Salaberry. Ao todo, em suas diferentes fases, os teleteatros da Tupi levaram ao ar nada menos que 1.321 textos, em programas que também tiveram os nomes de TV de Vanguar- da, Tele-Teatro Brastemp, TV de Comédia. Entre seus colaboradores estavam autores como Rachel de Queiroz, que escreveu a peça O Padrezinho Santo, levada ao ar em 24 de abril de 1958, e um de seus textos de teatro mais conhecidos, A Beata Maria do Egito, encenado na TV em 04 de janeiro de 1959, com adaptação de Dionísio Azeve- do e Lima Duarte no elenco. Grande Teatro Tupi: Fernanda Montenegro e Sérgio Britto em A Casa em Ordem Até mesmo nomes que tinham certa resistência em entrar no novo meio se renderam à possibilidade de levar arte de alta qualidade a um público numeroso da TV no BRASIL 14 Nos palcos, nas páginas Do teatro para outros gêneros literários. Ao longo de sua história, a TV lançou um olhar especial para a literatura, sobretudo a brasileira, fazendo verdadeiros clássicos tornarem-se atrações muito populares. Novelas, séries, especiais ganharam a teli- nha, permitindo que as obras dos maiores expoentes da produção literária nacional experimentassem novas roupagens e públicos. Nesse quesito, a TV Globo foi a que mais investiu. Já nos anos 1970, a adaptação do romance Gabriela, de Jorge Amado, inaugurou em horário nobre esse nicho. O autor baiano, aliás, é um dos nomes mais constantes no casamento entre TV e literatura. Depois da morena Cravo e Canela, vieram mais adaptações, como Tenda dos Milagres, Dona Flor e Seus Dois Maridos e o megassucesso Tieta, no final dos anos 1980. A novela fez a brejeirice da protagonista e a carolice da vilã Perpétua con- quistarem o Brasil, o que acontece ainda hoje em suas reprises na TV fechada e nos serviços de streaming. O mergulho no universo sertanejo também foi realizado por intermédio de trabalhos de outros gênios. Em um especial premiado internacionalmente, o poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, foi cantado, declamado e encenado no sertão árido e nas margens do Rio Capiberibe. Já o humor de O Auto da Compadecida, de Ariano Su- assuna, que havia ganhado uma adaptação mais antiga, nos fez rir e nos emocionou na minissérie global, com um elenco estelar e inspirado. A série virou filme e repetiu o sucesso. Mais recentemente, o especial Alexandre e Outros Heróis trouxe à tona a parte bem humorada da prosa de Graciliano Ramos. Nos sertões mais centrais do País, o épico de Guimarães Rosa foi adaptado em uma das mais elogiadas minisséries da história da TV, Grande Sertão: Veredas. Um ou- tro clássico de nossas letras, O Tempo e o Vento, do gaúcho Érico Verissimo, foi levado Edwin Luise e Lucélia Santos em A Escrava Isaura, um dos grandes sucessos da TV Jorge Amado é um dos nomes mais constantes no casamento entre TV e literatura da TV no BRASIL 15 à TV em uma produção de grande porte, acompanhando as gerações da família Terra Cambará e a história do Rio Grande do Sul. Outra de suas obras, Incidente em Antares, foi adaptada para uma série de TV. A Globo levou ao ar, ainda, uma novela baseada em Olhai os Lírios do Campo,também do autor. O filho de Érico, Luis Fernando Verissimo, tornou-se um nome recorrente nos especiais de humor da Rede Globo, principalmente na série A Comédia da Vida Privada. Ocupava um horário específico na programação, chamado Terça Nobre, para o qual foram adaptados textos como O Alienista, de Machado de Assis, O Coronel e o Lobisomem, de José Cândido de Carvalho, e Os Pastores da Noite, de Jorge Amado. Episódios curtos e exibidos em uma única noite, ao contrário de séries mais longas ou novelas retiradas da literatura. O Sorriso do Lagarto, de João Ubaldo Ribeiro, e Riacho Doce, de José Lins do Rego, viraram séries na Globo. Capitu foi uma adap- tação de Dom Casmurro, de Machado de Assis, e Anar- quistas Graças a Deus saiu do livro de mesmo nome de Zélia Gattai. Novelas de época de autores do século 19 conquistaram o público, a começar por A Escrava Isaura, de Bernardo Gui- marães. Em 1975, a Globo transformou em novela os romances Helena, de Ma- chado de Assis, e A Moreni- nha, de Joaquim Manuel de Macedo. A lista é imensa: Dois Irmãos, de Milton Hatoum; Ciranda de Pedra, de Lygia Fagundes Telles; A Casa das Sete Mulheres, de Letícia Wierzchowski; A Muralha, de Dinah Silveira de Queiroz; Agosto, de Rubem Fonseca; Chapadão do Bugre, de Mário Palmério (esta última, na TV Manchete, emissora que também adaptou Tocaia Grande, de Jorge Amado). Os contos de Lima Barreto, por exemplo, foram unidos, resultando na novela Fera Ferida. O mesmo aconteceu com a novela Felicidade, reunião de narrativas de Aníbal Machado. Além disso, a TV foi a responsável por levar os próprios escritores para mais próxi- mo de seu público. Cora Coralina, por exemplo, foi “apresentada” aos seus leitores em reportagens de emissoras de televisão. Assim, sua voz e sua figura de uma senhora já bastante idosa integraram o imaginário de seus versos. Já a imagem mais famosa de Clarice Lispector é a de sua última entrevista, dada de improviso à TV Cultura pouco antes de morrer. As respostas ferinas, o cigarro aceso, a língua presa criaram uma mística ainda maior em torno da autora. Tony Ramos e Bruna Lombardi na minissérie da Globo Grande Sertão: Veredas, de 1985 da TV no BRASIL 16 Compartilhamento de telas “Ô, da poltrona!”. Este jargão, repetido em tantas noites de domingo na progra- mação da Rede Globo, era uma das senhas para uma atração de grande audiência: o programa de humor Os Trapalhões. O quarteto formado por Renato Aragão (Didi), Dedé Santana, Mussum e Zacarias fez da TV um trampolim irresistível para outro tipo de tela, bem maior. Por pelo menos duas décadas, Os Trapalhões produziram de um a dois filmes por ano, quase todos eles recordistas de bilheteria. Foram mais de 40 produções, com milhões de pessoas nos cinemas. Esse é apenas um exemplo da forma como TV e cinema também andaram juntos no Brasil desde a inauguração da Tupi, em 1950. Boa parte do público viu nossos maio- res clássicos da telona na telinha. Mesmo aqueles filmes produzidos antes da chegada da TV ao País, como as chanchadas da Atlântida dos anos 1940, depois foram reprisa- dos por várias emissoras, estimuladas pela popularidade dos artistas que integravam os elencos dos filmes, como Grande Otelo e Oscarito. Muitos migraram para a TV, em programas de humor ou novelas. Mesmo trabalhos considerados mais densos também tiveram espaço, como os premiados O Pagador de Promessas – a obra de Dias Gomes depois ganharia uma adaptação para a TV – e Deus e o Diabo na Terra do Sol já foram exibidas algumas vezes, ainda que hoje estejam restritas a canais específicos da TV a cabo. Mas as comé- dias inocentes de Mazzaropi, por exemplo, ainda podem ser vistas em sessões promo- vidas pela TV Cultura. Como aconteceu em quase todo o mundo, porém, o cinema comercial virou a estrela na grade de programação. Quando se lança uma produção cinematográfica, há toda uma estratégia de marketing que inclui, claro, a TV, em todos os seus formatos. Antes a TV aberta im- perava sozinha, quadro que mudou com a ampliação de canais a cabo e que foi revolucionado com a chegada do streaming. Telefilmes também surgiram como um produto alternativo oriundo da TV e séries foram reeditadas para se transformarem em obras para a exibição nas salas de cinema. A Globo chegou a abrir um estúdio, a Globo Filmes, de olho nessa interação. Mais recentemente, a linguagem mais esmerada e esteticamente melhor traba- lhada do cinema passou a influenciar as produções de TV. Nomes ligados ao cinema, como Fernando Meirelles e Cao Hamburger, desenvolveram projetos com canais de televisão ou com produtoras, elevando o nível técnico de determinados projetos. Até mesmo diretores de fotografia consagrados, como Walter Carvalho, começaram a ser solicitados para emprestar seu olhar para séries e novelas. Cinema e TV, em todos os sentidos, nunca estiveram tão interligados. Dedé Santana, Lucinha Lins, Renato Aragão, Mussum e Zacarias no filme Os Saltimbancos Trapalhões Os Trapalhões produziram de um a dois filmes por ano, quase todos eles recordistas de bilheteria da TV no BRASIL 17 Trilha sonora de nossas vidas Programas musicais de grande audiência, com os maiores nomes da nossa mú- sica, em todos os estilos, contribuíram para criar um público amplo e variado para a produção fonográfica nacional a partir da TV. Isso vem desde os primeiros tempos, já que a televisão tinha um forte lastro com o rádio. Vários artistas da chamada Era de Ouro radiofônica também foram soltar a voz ou apresentar seus programas no novo meio de comunicação. Muitos telespectadores passaram a ver pela primeira vez o rosto de quem eram fãs, mas de quem só conheciam a voz. Um dos que fizeram esse caminho foi Abelardo Barbosa, o Chacrinha. Sucesso no rádio, repetiu a dose na TV, na Tupi e na Globo. Por seu programa passavam, além dos calouros, artistas de todos os matizes. Não é à toa que apadrinhou nomes como Clara Nunes, que era adorado por Roberto Carlos e Raul Seixas e ganhou até homenagem num samba de Gilberto Gil. Na mesma esteira, outras atrações fizeram sucesso seme- lhante, como o Programa Flávio Cavalcanti, que também quebrava discos de que não gostava, e o Clube do Bolinha. Um capítulo à parte foram os festivais de música, alguns bastante emblemáticos. O filme Uma Noite em 67 mostra o mais espetacular de todos, o 3º Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record. Reunidos, em uma única disputa e com canções que marcaram história, os gigantes Gilberto Gil (Domin- go no Parque, acompanhado dos Mutantes), Caetano Veloso (Alegria, Alegria), Edu Lobo (Ponteio) e Chico Buarque (Roda Viva). Nesse período nasceram a Jovem Guarda e a Tro- picália, sob os holofotes da principal emissora de TV da época. O documentário Tropicália, de Marcelo Machado, mostra que Paulo Machado de Carvalho, então dono da Record, estimulava uma certa “guerra civil” nos bastidores da emissora, formando grupos de diferentes gêneros que rivalizavam entre si. Caetano Veloso chega a dizer, no filme, que foi assistindo os programas de Chacrinha, com sua estética tropicali- zada, que sedimentou parte de sua linha de atuação. Ele também afirma, categori- camente, que sem a TV, aqueles movimentos intensos não teriam ocorrido tal qual aconteceram. Nos estúdios da Record, Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa popularizaram o iê, iê, iê. Também ali Elis Regina e Jair Rodrigues capitanearam o badalado O Fino da Bossa. Pela TV assistimos a Bossa Nova ganhar o mundo, testemunhamos o nasce- douro do Rock Brasil e a histórica primeira edição do Rock in Rio, em 1985, vimos os trios elétricos tomarem a folia e os sambas cariocas transformarem-se em hinos, pre- senciamos a ascensão do sertanejo, do funk e as novelas colaram em nossa mente hits românticos. A TV só faz sentido com trilha sonora. Abelardo Barbosa, o Chacrinha: por seu programa passaram grandes nomes da TV no BRASIL 18 – Atenção! Atenção! O senhor Presidente da República,Getúlio Vargas, suicidou-se nas dependências do Palácio do Catete! Na manhã daquele fatídico 24 de agosto de 1954, o veículo que primeiro deu o plantão do desfecho da grave crise política que se desenrolava nos derradeiros dias de governo de Getúlio Vargas foi o rádio. Locutores empostavam as vozes com dramaticidade para informar ao Brasil sobre o tiro fatal dado pelo mandatário da nação no próprio peito. Mas as manifestações de desespero das pessoas em frente ao caixão do líder político, as filas para o velório, a revolta contra os inimigos de Getúlio, esses registros em imagens já devemos à TV. Ela havia chegado ao Brasil apenas 4 anos antes da morte trágica de Getúlio, mas mostrou desde o início sua vocação para ser um dos principais meios de arquivo de acontecimentos históricos. O primeiro telejornal brasileiro foi produzido pela emis- sora que inaugurou a TV no Brasil, a Tupi. Ele se chamava Imagens do Dia e começou a ser produzido antes mesmo de a primeira transmissão do canal do magnata Assis Chateaubriand ir ao ar. Uma equipe captou parte do desfile do 15 de Setembro em São Paulo e isso foi exibido em 19 de setembro. Portanto, um dia depois de a Tupi entrar no ar, o locutor Ruy Rezende leu um texto introdutório e as imagens, captadas pelos cinegrafistas Jorge Kurkjian, Paulo Salomão e Alfonso Zibas, começaram a ser mostradas ao ainda pequeno público paulistano que tinha aparelhos receptores em casa. A professora Edna Mello Silva, professora da O PAPEL DO JORNALISMO Desde 1950, a TV brasileira tem sido, com seu jornalismo, um arquivo de registros históricos de épocas, regimes políticos e episódios que moldaram o mundo como o conhecemos hoje Testemunha ocular da História Cid Moreira e Hilton Gomes foram os primeiros apresentadores do Jornal Nacional da TV no BRASIL 19 Universidade Federal de São Paulo, resgatou essa história pioneira, estudando essas primeiras imagens do telejornalismo nacional, condensadas em 8 filmes preservados na Cinemateca Brasileira. “Na época, a programação da TV Tupi de São Paulo iniciava-se a partir das 20 horas e o telejornal não tinha um horário certo para ser veiculado, pois dependia da pro- gramação a ser exibida antes dele”, escreve a pesquisadora, em um de seus estudos sobre o tema. Ela aponta que a linguagem então empregada ainda estava muito ligada à do rádio, mas não só a ele. “É possível deduzir que a influência do cinejornal pode ter sido marcante na forma de reportar os acontecimentos. Notícias esportivas e informações ligadas à agenda dos governantes.” Hoje completamente em desuso, cinejornal já fazia sucesso, levando às plateias imagens de fatos e perso- nalidades. Eram apresentadas antes da exibição dos filmes nas salas de cinema, sempre, como descreve Edna Mello, “com imagens em planos abertos, com poucos cortes, acompa- nhados pela narração de um locutor em off”. Espécie de precursores do telejornalismo, os cinejornais sobre- viveram algum tempo, com atrações como o Canal 100, que trazia breves documentários sobre nosso futebol, sob os versos da canção que entoava “Que bonito é...” O rádio, porém, era o meio de comunicação com mais apelo popular e não demo- rou para seu principal produto jornalístico migrar para a TV. No ar desde 28 de agosto de 1941 na Rádio Nacional, o Repórter Esso (tinha esse nome porque era patrocinado pela gigante do petróleo) era um companheiro inseparável dos brasileiros. Com o slogan “Testemunha Ocular da História”, sua primeira transmissão informou o público sobre o ataque alemão à Normandia, na França, durante a Segunda Guerra Mundial. Escutá-lo à noite tornou-se tradição familiar. Já em 1952, a TV Tupi arregimentou a atração para sua programação. Sua voz mais conhecida foi Heron Domingues, que o apresentou no rádio entre 1944 e 1962. Na TV, o noticiário foi rebatizado para O Seu Repórter Esso, apresentado por nomes como Luiz Jatobá e Gontijo Teodoro, ficando no ar até 1970. Naquele ano, ele já tinha um concor- rente de peso, o Jornal Nacional, da Rede Globo, que foi ao ar em 1º de setembro de 1969, tendo na bancada os apresentadores Cid Moreira e Hilton Gomes, depois substituído por Sérgio Chapelin. O Jornal Nacional, aliás, foi o primeiro telejornal brasileiro a ser trans- mitido em rede nacional, simultaneamente, explorando uma tecnologia que chegara ao Brasil em fevereiro de 1969 e que permitiu que os brasileiros vissem a chegada do Homem à Lua – com cobertura de repórteres do País no lançamento da espaçonave Apollo 11, nos EUA – naquele mesmo ano, e a Copa do Mundo de 1970. A primeira entrevista via satélite também foi feita em 1969, pela Globo, uma conversa de Hilton Gomes com o papa Paulo VI, direto do Vaticano. Canal 100: telejornal era exibido nos cinemas e tinha o futebol como centro da TV no BRASIL 20 Quem fez nossa TV O âncora da TV Globo, Heron Domingues, deu a notícia tão aguardada naqueles dias de agosto de 1974. No boletim Jornal Internacional era mostrado o sinal da Casa Branca, aberto antes do início do pronunciamento do então presidente dos EUA, Richard Nixon, mostrando o homem que estava no centro de uma crise política iné- dita. Sem saber que já poderia ser visto por alguém, ele contava piadas e mostrava- -se descontraído. Minutos depois, anunciaria sua renúncia do cargo mais poderoso do mundo, na esteira do escândalo de Watergate. Heron deu todas as informações e saiu da emissora carioca para jantar com amigos. Voltou para casa e deitou-se. Naquela mesma noite, um enfarte fulminante calou uma das vozes mais conhecidas do Brasil desde os tempos do Repórter Esso no rádio, aos 50 anos de idade. Esta é uma das muitas histórias que beiram o inacreditável e mar- cam o telejornalismo brasileiro na sua missão de levar informações de fatos relevantes ao público. Heron era comentarista do Jornal Na- cional, cuja primeira edição foi apresentada por Hilton Gomes e Cid Moreira. Cid foi um símbolo do mais longevo telejornal da história da TV brasileira, aquele que ainda é líder de audiência no segmento. Ao lado dele, por décadas, esteve Sérgio Chapelin. E por muitos anos, no seu cérebro, estiveram profis- sionais como Armando Nogueira e Alice-Maria, jornalistas que, mesmo antes da criação da Rede Globo, já levava notícias a todo o Brasil. Armando, por exemplo, trabalhou na Copa de 1954. Hilton Gomes cobriu o assassinato de John Kennedy pela TV Excelsior, em 1963, e a ida do homem à Lua, em 1969. Nesses 70 anos, o telejornalismo inovou em formatos, como a revista eletrônica Fantástico, pioneira em mesclar, com mais ousadia, informação e entretenimento. Também foram criados programas de mais fôlego, tomando como padrão atrações da TV dos EUA. O Globo Repórter é um deles, que começou com os materiais es- peciais e investigativos feitos por nomes como Hélio Costa e Lucas Mendes. Glória Maria, a primeira jornalista negra com destaque, também tem sua trajetória ligada ao programa, mostrando todo o mundo em suas reportagens. O modelo de ancoragem mais opinativo dos telejornais foi inaugurado por aqui por Boris Casoy, no SBT Brasil, e Marília Gabriela inovou na forma de fazer entrevistas com mais profundidade em seus programas na Bandeirantes. Flagrantes, furos jor- nalísticos, coberturas especiais, premiações internacionais – como o material produ- zido pela Rede Globo sobre a invasão do Complexo do Alemão – ajudam a contar essa trajetória de sete décadas. Heron Domingues apresentou o boletim Jornal Internacional na Globo da TV no BRASIL 21 Nada passou em branco A televisão levou todos os fatos históricos para dentro da casa dos brasileiros nos últimos 70 anos, cobrindo, em cada uma das sete décadas que compõem sua trajetória, o que de mais importante moveu o mundo, dos avanços da ciência às maiores tragédias, das guerras e revoluções aos feitos humanos que desafiaram nossa imaginação. Tudo pôde ser visto em preto e branco ou a cores, no formato analógico ou digital,em imagens fugidias ou em alta definição. São 70 anos de mediação entre nossa vida e este vasto mundo. Anos 1950 ANOS JK – O presidente Juscelino Kubitschek soube, como poucos, abrir seu sorriso para os ainda incipientes noticiários de TV, mas que já captavam o espírito daqueles 50 anos em 5. Uma coroação que veio com as obras e a inauguração de Brasília, tudo filmado. REVOLUÇÃO CUBANA – Os barbudos que desceram a Sierra Maestra para plan- tar, no quintal dos EUA, um regime comunista na Guerra Fria, também foram mostra- dos pela TV brasileira. Fidel Castro e Che Guevara eram personagens distantes para a maioria, mas não desconhecidos. Anos 1960 GOLPE DE 64 – A crise iniciada com a renúncia de Jânio Quadros e agravada no governo de João Goulart resultou no golpe militar de 1964, também coberto – e até mesmo apoiado – por emissoras de TV, que dali por diante viveriam, por sua vez, períodos de dura censura. CHEGADA DO HOMEM À LUA – Um pequeno passo para um homem, um grande passo para a humanidade. A frase do astronauta Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua, em 1969, foi ouvida por plateias eletrizadas em todo o mundo via satélite, inclusive na TV brasileira. Anos 1970 REVOLUÇÃO SEXUAL – Os anos 1960 já haviam sido de mudanças profundas no comportamento e na cultura, o que continuou nos anos 1970. No Brasil, os hippies, roqueiros, os jovens ganharam cor, podendo ser vistos em programas jornalísticos na TV brasileira. HERZOG – Mesmo sob censura, o telejornalismo tinha focos de resistência duran- te a ditadura. Um deles ficava na TV Cultura e seu diretor, Vladimir Herzog, foi chama- do a depor no DOPS, de São Paulo, em 1975. Foi assassinado lá dentro e sua morte abalou o regime militar. da TV no BRASIL 22 Anos 1980 DIRETAS JÁ E TANCREDO – Comícios pelo Brasil, votação no Congresso para a volta das eleições diretas para presidente, derrota, vitória no Colégio Eleitoral. Tancredo Neves punha fim à ditadura, mas morreu sem tomar posse. A TV acompanhou seu ápice e seu martírio. QUEDA DO MURO DE BERLIM – Trepado em cima do Muro de Berlim, o repórter Silio Boccanera atestava, em uma reportagem anto- lógica, que o maior símbolo da Guerra Fria estava ruindo. Era o fim de uma era, o emblema de um fato histórico que a TV brasileira mostrou, ao vivo. Anos 1990 IMPEACHMENT DE COLLOR – Povo na rua vestido de preto e um coro único pelo País. A TV brasileira, como se cobrisse um enredo policial, via as provas se avolumarem contra o então presidente Fer- nando Collor e transmitiu ao vivo a votação de seu impeachment. PLANO REAL – Esperança de estabilização econômica que muitos receberam com ceticismo, escaldados com os fracassos da década anterior, o Plano Real finalmente venceu a hiperinflação e fez a econo- mia respirar ares mais civilizados. Anos 2000 11 DE SETEMBRO – Uma cena inacreditável. Ao vivo, canais transmitiam o choque do segundo avião contra as Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova York, enquanto cobriam a primeira colisão. O Brasil e o mundo pararam para ver os ataques terroristas nos EUA. ACIDENTES AÉREOS – Um plantão noticiou, em setembro de 2006, que um avião da Gol havia desaparecido sobre a Amazônia. Outro plantão, em julho de 2007, mostrava um avião da TAM ardendo em chamas, em São Paulo. Duas tragédias dissecadas pela TV. Anos 2010 PRIMAVERA ÁRABE – Quedas de ditadores – algumas delas, de forma violenta –, pedidos por mais liberdade e desestabilização da geopolítica internacional. A chamada Primavera Árabe ganhou amplo espaço nos noticiários e os brasileiros puderam testemunhar os protestos. JORNADAS DE 2013 – Edições especiais de telejornais sinaliza- vam que o que víamos nas ruas brasileiras em junho de 2013 não era algo trivial. Centenas de milhares de pessoas nas grandes cidades do País pediam honestidade na política e melhores serviços públicos. da TV no BRASIL 23 “Você tem a pulseira da Jade?” “Viu o cabelo da Solange?” “Aquele vestido da Preta é lindo.” “Gostei da camisa do Flamel.” Em diferentes momentos, essas frases estiveram na boca dos brasileiros e elas mostram que a TV dita moda, estabelece tendências, vira febre. As pulseiras da Jade eram as que Giovanna Antonelli usava na novela O Clone. O cabelo da Solange era o ostentado por Lídia Brondi em Vale Tudo. O vestido da Preta era o desfilado por Taís Araújo em Da Cor do Pecado. A camisa do Flamel era a marca do figurino do alquimista de Edson Celulari em Fera Ferida. “O figurino para os personagens de uma novela e de um programa de variedades possui diferenças”, explica o estilista goiano Paulo Vitor Santos, há dois anos trabalhando na Globo, onde já participou de produções como as novelas Órfãos da Terra, Verão 90 e Amor de Mãe. “Nas novelas, o nosso guia principal é o texto escrito pelo autor. É a partir dali que extraímos as características da personagem, fazemos pesquisas de campo e começamos a ‘criar’ sua personalidade através das roupas. Nos programas de variedade vestimos os apresentadores que não são personagens e sim alguém que já possui personalidade própria”, acrescenta. Acompanhando as tendências do tempo em que são exibidas, as novelas, sobretudo, acabam sendo uma espécie de registro do que se usava, do que fazia sucesso em determinada época. Criou-se uma cultura no País de se olhar com atenção para a TV em busca de inspiração e modelos que, rapidamente, ganham as ruas, as vitrines das lojas, as bancas dos camelôs, os salões de beleza. “Algumas histórias possuem personagens com mais apelo estético e isso, consequentemente, se reflete no figurino”, diz Paulo Vitor. “Para esses personagens são feitas pesquisas mais profundas de desfiles internacionais e tendências que ainda estão por vir.” FEBRES E MODAS DA TV Fazendo a cabeça do públicoTV foi uma inventora e propagadora de tendências em roupas e penteados, lançando modas que ganharam as ruas e ficaram na memória O corte de cabelo de Tônia Carrero em Pigmaleão 70 (1970) é até hoje um dos mais copiados da TV no BRASIL 24 Para algo fazer sucesso fora das telas, porém, depende do carisma de quem interpreta o personagem, dos rumos que ele terá na trama, da resposta dos telespec- tadores. “Eu acredito que uma peça ou acessório cai no gosto do público por dois motivos principais: o primeiro é a frequência de exposição, a outra é a identificação com o personagem, história”, avalia o figurinista. “Saber o que vai virar moda ou não é sempre uma surpresa. Às vezes, o que a figurinista escolheu achando que ia virar uma tendência pode não cair no gosto do público; em outras, o que ela escolheu despre- tensiosamente vira uma febre.” O mesmo acontece com as cabeças, dos personagens e dos telespectadores. “A gente tem que estar acompanhando para poder estar antenado no momento. O que a brasileira mais assiste é novela. Ela procura as personagens, as atrizes que estão fazendo sucesso para poder se espelhar”, afirma o cabeleireiro Eder Bueno Macedo. Com seus mais de 30 anos de profissão, ele já testemunhou inúmeros cortes e penteados lançados pela TV e que clientes desejaram reproduzir em seus próprios cabelos. “Os escritores vão criando histórias a partir de imagens da vida real. Acho isso bacana. Tem que saber escolher seu estilo”, aconselha. As mais copiadas O cabeleireiro Eder Bueno recorda-se de alguns íco- nes da TV brasileira que já movimentaram e ainda agitam os salões de beleza com seus estilos. “Um dos cortes mais copiados, ainda hoje comentados, é o da Tônia Carrero na novela Pigmaleão 70. Até hoje é pedido, com uma nova releitura, claro. Outros cortes muito copiados foram o da atriz Marília Pêra, em Brega & Chique, da Cristiane Torloni, em A Gata Comeu, da Vera Fischer, em Perigosas Peruas, e da Débora Falabella, em Avenida Brasil”, cita. “Outra atriz muito copiada é a Glória Pires.” Para diferentes linhas de corte, referências também distintas. “Falando em franjas, as mais famosas até hoje foram as de Lídia Brondi, em ValeTudo, e de Alinne Moraes, em Duas Caras. Febre na época. Em repicados, o mais famoso é o de Cláudia Raia. Nos tempos mais atuais, vem o cabelo da Cláudia Abreu, em Belíssima”, aponta. “A atriz mais copiada atualmente é a Giovanna Antonelli, e seu cabelo de mais sucesso foi o da novela Da Cor do Pecado. Ela estava com um cabelo curto, todo arrepiado atrás, franja toda colorida. Muito lindo”, elogia. “Algumas histórias possuem personagens com mais apelo estético e isso, consequentemente, se reflete no figurino”, revela o figurinista Paulo Vitor. “O trabalho do figurinista é conseguir equilibrar essa variante com um olhar estético para a TV.” Peças mais simples, que dão mais margem para serem reproduzidas, largam na frente nessa corrida, como as blusas ciganinhas da per- sonagem Babalu (Letícia Spiller), em Quatro por Quatro. Paulo Vitor, desde criança, prestava atenção no que o pessoal vestia nas atrações da TV. “Sempre!”, enfatiza. Marília Pêra em Brega & Chique (1987): outro corte muito pedido Os vestidos de veludo da Nazaré, em Senhora do Destino (2004) marcaram o figurino da época da TV no BRASIL 25 Suas lembranças sobre os figurinos que lhe marcaram permanecem muito vivas. “Um que eu me lembro muito é o da personagem Fada Bela (Angélica), no programa Caça Talentos. Lembro dos figurinos do Castelo Rá-Tim-Bum. De nove- las, os vestidos de veludo da Nazaré em Senhora do Destino; as roupas branco/ Off white da eterna Carminha, de Avenida Brasil, e por aí vai...” Mais exageradas, como a viúva Porcina (Regina Duarte), em Roque Santeiro, ou mais sóbrias, como as Helenas de Manoel Carlos, todos os estilos convivem na TV. Nem sempre dá para seguir Nem todos podem dizer que têm a versatilidade capilar de uma Fátima Bernardes, certo? A apresentadora ficou conhecida por fazer verdadeiras revoluções nos cabelos, deixando às vezes o público surpreso, perplexo. Certa vez, ela precisou explicar seu novo visual depois do choque que as pessoas levaram ao vê-la na bancada do Jornal Nacional. Nem sempre é possível fazer tan- tas peripécias, ainda que a moda que a TV sugere seja tentadora. “Nessas horas, temos que explicar que não dá para fazer o que querem. Já perdi cliente por causa disso”, admite o cabeleireiro Eder Bueno. Essa fissura pela moda também já foi abordada nas próprias atrações da TV, como novelas e séries desse universo. A mais famosa delas foi Ti-Ti-Ti, de Cassiano Gabus Mendes, que ganhou duas versões. O cerne da trama era a rivalidade entre dois nomes da alta costura, Victor Valentim (Luiz Gustavo) e Jacques Leclair (Reginaldo Faria). Eles foram tão populares nos anos 1980, que a primeira versão da novela gerou o lançamento de produtos reais, como o batom Boka Loka. Também de Cassiano Gabus Mendes, Plumas & Paetês tinha um enredo que envolvia uma empresa do ramo da moda. No final dos anos 1980, Antônio Calmon escreveu Top Model, um sucesso absoluto. Depois, no início dos anos 1990, veio a minissérie Sex Appeal, que tratava do concorrido mercado das modelos de grife. Em Vale Tudo, de Gilberto Braga e Aguinaldo Silva, um dos núcleos era a revista de moda Tomorrow. Belíssima, de Sílvio de Abreu, tinha como cenário uma fábrica de roupas. A última trama que trouxe esse elemento foi Verdades Secretas, de Walcyr Carrasco, mostrando os lados obscuros desse meio. E Wa- lcyr criou ainda, em A Dona do Pedaço, a influencer de moda Vivi Guedes (Paloma Oliveira), que virou fenômeno nas redes sociais. Babalu (Letícia Spiller), de Quatro por Quatro (1994), ostentava blusas ciganinhas da TV no BRASIL 26 Quem lembra dessas modas? AS BOCAS DE SINO – Nos anos 1960 e 1970, as calças bocas de sino, camisas bufantes e, depois da chegada da cor à TV, um verdadeiro arco-íris na telinha, alimentavam os sonhos de consumo do público, dos programas da Jovem Guarda da Record a Beto Rockfeller, da Tupi. COSTELETAS JORNALÍSTICAS – A cena parece insólita, mas nos anos 1970, Cid Moreira e Sérgio Chapelin, na bancada do Jornal Nacional, ostentavam vistosas costeletas, cabelos volumosos, ternos com cortes da moda e cores berrantes. Difícil prestar atenção nas notícias. IDEAL DE BELEZA – Há quem diga que não houve mulher mais bonita que Tônia Carrero. Quando a dama do teatro, com sua elegância natural, migrou para a TV, lançou moda em novelas como Pigmalião 70 (cabelos cheios) e Água Viva (a prática do top less). LIBERDADE EM MADEIXAS – Os cabelos soltos foram marca nos libertários anos 1970, com a beleza de Sônia Braga liderando as tendências, seja como a trigueira Gabriela, seja como a empoderada Júlia de Dancin’ Days. Combinavam bem com vestido de chita ou bustiê. O FRENÉTICO DANCIN’ DAYS – Abra suas asas, solte suas feras! A novela Dancin’ Days trouxe o universo da discoteca, com roupas descoladas e coloridas para homens e mulheres e a inconfundível meia colorida associada a sandálias abertas. Conjunto confortável para dançar. UM CORTE INESQUECÍVEL – Maria Cláudia chamava a atenção na novela Plumas e Paetês com um corte de cabelo que seria recorrente nos anos 1980. Ele formava um grande volume, curto na frente, enorme atrás. Modelo que depois migrou para a música, adotado por vários artistas. O CHANEL CHIQUE – Uma das personagens mais hilárias das novelas brasileiras foi capaz, ainda, de lançar um corte de cabelo copiadíssimo. O chanel negro da falida Rafaela, de Brega & Chique, é inesquecível. Ponto para a elegância e o talento de Marília Pêra. AS GAROTAS DO FANTÁSTICO – Nos anos 1980, a audiência masculina do programa Fantástico era vitaminada pelo concurso Garotas do Fantástico. Os minúsculos biquínis nos modelos asa delta, na frente, e fio dental, atrás, viraram moda, ousadias levadas para as praias do País. AS BOTAS DA XUXA – O programa era para o público infantil, mas Xuxa, além de Rainha dos Baixinhos, também foi a rainha dos acessórios, que iam de pulseiras à chuquinha no cabelo. Mas nada se compara às quilométricas botas, que iam acima dos joelhos. Muita gente usou. da TV no BRASIL 27 O PODER DO COURO – Protagonista da novela Fera Radical, Malu Mader surgia na tela vestindo jaquetas de couro, calças jeans e outros acessórios que denotavam sensualidade e um certo poder rústico. Não deu outra. As peças, fáceis de combinar, viraram moda. AS VIAGENS DE GLÓRIA PEREZ – As novelas da escritora têm marcas registradas: tramas em países exóticos, dancinhas típicas e toda sorte de elementos que viram febre nos figurinos. A pulseira que também era anel, peça usada em O Clone, virou artigo de primeira necessidade. A SUNGUINHA DO GALÃ – Carlos Alberto Riccelli era mostrado em numerosas cenas da novela Vale Tudo usando sungas para lá de cavadas. Nos anos 1980 e 1990, o modelo era muito comum entre os homens. Depois caiu em desuso, substituído por peças mais recatadas. ACESSÓRIOS DE PANO – Sandrinha (Adriana Esteves), de Torre de Babel, popularizou um diadema feita de tecido. Antes, os irmãos interpretados por Guilherme Fontes e Guilherme Leme, usavam, em Bebê a Bordo, lenços, inserindo essa peça no vestuário masculino. E AQUELAS OMBREIRAS? – Uma das modas mais populares – e mais feias – legadas pelos anos 1980 foram as imensas ombreiras, colocadas em ternos, jaquetas, blusas. Nas novelas, elas eram onipresentes. Apresentadores, como Gugu e Xuxa, as adotaram. E o público também. BLACK POWER – Demorou para que os cabelos crespos fossem aceitos na TV, em novelas e telejornais. Mais um sinal do racismo estrutural da sociedade brasileira. A partir do momento que atrizes e jornalistas negras ganharam destaque, puderam assumir a beleza de seus fios. GÓTICO SOFT – Roupas negras e maquiagem escura, da sombra ao batom. O visual gótico conquistou os adolescentes do início dos anos 1990 graças à novela teen Vamp, de enorme sucesso. Os vampiros soft da TV eram copiados por meninas e meninos. SENSUAIS E PODEROSAS – Algumas personagens conseguiram fazer de peças de roupa íntima algo maisque isso. Tieta (Betty Faria) mostrava sutiãs de renda vermelha ou preta com naturalidade. Mais recentemente, Bibi Perigosa (Juliana Paes) era adepta de body cavados. AS CAMISAS DO ALQUIMISTA – Camisas de algodão cru de mangas compridas, sem gola, com uma fileira de botões na frente que ia até a altura do peito. Esse visual conquistou os homens nos anos 1990 graças ao personagem Flamel (Edson Celulari), da novela Fera Ferida. da TV no BRASIL 28 Chico Anysio, travestido de uma senhora gaúcha, pega o telefone e dispa-ra, no melhor sotaque dos pampas: “João Baptista? É Salomé!” Em plena ditadura militar, o presidente João Baptista Figueiredo era satirizado pela personagem do maior criador de tipos da história do humor na TV do Brasil, em esquetes que não perdoavam as mazelas de um País que vivia sob censura. Em horário nobre da Globo, Chico levava ao público uma crítica contundente que os telejornais não eram autorizados a fazer. Este é um dos papéis que o humor desempenhou por aqui. Nos seus 70 anos de história, rir fez parte do cotidiano de quem assiste TV nas mais diversas emissoras do País. Já nos seus primeiros anos, alguns formatos humorísticos migraram do rádio para a nova mídia. Certos quadros, como o Primo Rico e Primo Pobre, interpretados pelos veteranos Paulo Gracindo e Brandão Filho, por exemplo, atravessaram décadas, fazendo aparições em vários programas. Outros nasceram num formato para a TV, mas com tipos trazidos do circo e do rádio, como A Praça da Alegria, que estreou na Tupi ainda em 1953. Explorando a lógica dos vaudevilles franceses e as peças de Teatro de Revista brasileiros, o riso na TV nacional buscou sua identidade, seja com fórmulas que apostavam na picardia, em piadas de cunho sexual, quanto num humor mais inocente, ou mesmo físico, algo mais inspirado em comediantes clássicos do ci- nema, como a dupla O Gordo e o O Magro, Buster Keaton, Irmãos Marx e Charles Chaplin. Dessa variedade de opções, a TV brasileira foi encontrando seu próprio jeito de fazer um público imenso e heterogêneo rir ao mesmo tempo. HUMOR NA TV Sete décadas de gargalhadasProgramas de humor figuram entre as principais atrações da TV em sua história no Brasil, transformando- se no decorrer das décadas e traduzindo nossa mentalidade e vida pública Chico Anísio como Salomé: crítica à ditadura militar da TV no BRASIL 29 Logo vieram os comediantes de destaque, muitos deles iniciados também no rádio, no circo ou nas comédias da Atlântida dos anos 1940 e 1950, grande labo- ratório de roteiristas, atores e atrizes que se tornaram populares da maior parte do público brasileiro por meio da TV. Puxados pelo carisma da imbatível dupla Oscarito e Grande Otelo, outros rostos estrearam naquela época, para, nas décadas seguintes, virarem referência no novo meio. Em certa escala, as chanchadas da telona migra- ram para a telinha, com outros recursos e armas. Os programas de humor ganharam mais vigor na TV brasileira nos anos 1960, sobretudo na Record e na Excelsior. Nelas, Ronald Golias aprontava confusões na Família Trapo e Moacyr Franco mostrava seus múltiplos talentos de ator, cantor e comediante em Moacyr Franco Show. É quando a Globo, inaugurada em 1965, entra nessa disputa, primeiro com Balança, Mas Não Cai, em 1968, e depois com Faça Humor, Não Faça Guerra. Por trás dessas produções, havia nomes como Carlos Manga e Max Nunes, roteiristas e diretores provindos do cinema e do rádio. Nos anos 1970, os programas ganha- ram contornos mais políticos em razão do aperto do cerco da ditadura. Mesmo em atrações aparentemente inocentes, como a pioneira versão de A Grande Família, levada ao ar a partir de 1972 pela Globo, havia o olhar do autor Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, notório militante de esquerda que inseria nas situações cotidianas dos roteiros as agruras econômicas de um típico núcleo familiar brasileiro e seus perrengues financeiros, desmentindo a narrativa do Milagre Econômico vendida pelos militares. Um dos expoentes daquela nova fase dos humorísticos que cutucavam nas feridas do País foi Chico Anysio, que estreou seu Chico City na Globo em 1973, por onde desfilavam personagens que tinham a língua ferina e o comportamento desprezível, incluindo aí coronéis autoritários e políticos corruptos. Nos programas que faria depois, Chico Anysio acrescentaria a essa galeria um líder religioso pilantra, gente que dava carteiradas para conquistar privilégios, moralistas que tinham vidas secretas para lá de animadas. Um quadro comple- to do Brasil, enfim. Logo, Chico ganhou a companhia de Jô Soares nesse terreno, que também criou personagens críticos, sobretudo nos anos 1980, época de uma redemocratização cheia de vícios. Em Veja O Gordo e Viva o Gordo, Jô fazia graça, já na abertura, com figuras proeminentes da vida real – nem o papa João Paulo II escapava –, ironizando seres autoritários nostálgicos da ditadura ou vítimas do regime que custavam a acreditar que aquele período tenebroso havia acabado. Jô tinha a bagagem de ter trabalhado no jornal O Pasquim, pedra no sapato do autoritarismo. Jô Soares em uma das esquetes do seu Viva o Gordo O quadro Primo Rico, Primo Pobre foi um dos grandes sucessos da TV da TV no BRASIL 30 Os Mestres da Alegria Por muitos anos, Chico Anysio e Jô Soares, na Rede Globo, e Carlos Alberto de Nóbrega, titular no SBT há mais de 30 anos do banco da Praça É Nossa, herdado de seu pai, Manuel de Nóbrega, foram portos-seguros para comediantes veteranos que ajudaram a construir o humor na TV brasileira. Em seus programas, verdadeiras entidades da área, como José Vasconcellos, Zezé Macedo, Walter D’Ávila, Lúcio Mauro, Costinha, Antônio Carlos Pires, Moacyr Franco, Zilda Cardoso, Grande Otelo e Brandão Filho, continuaram no dia-a-dia do público. Ao mesmo tempo, essas atrações também revelaram novos nomes do humor, como Tom Cavalcante, Cláudia Jimenez, Fafy Siqueira, Heloísa Perissé, Ingrid Guimarães, Marcius Melhem, Leandro Hassum e o próprio filho de Chico Anysio, Bruno Mazzeo. Além disso, popularizaram tipos que se tornaram sinônimos de certas situações brasileiras, gravando bordões em nossa memória. Dona Bela, Catifunda, Rolando Lero, a Velha Surda, Bronco, Baltazar da Rocha e João Canabrava viraram “pessoas” e não apenas personagens. Esses mestres do humor ajudam-nos a contar um pouco de nossa história para além da TV. Pensar no quarteto dos Trapalhões, por exemplo, é também falar de uma infância passada nos anos 1970 e 1980, quando a criançada ficava ansiosa para ver Didi, Dedé, Mussum e Zacarias no cinema. Dercy Gonçalves, que chegou a ter programas próprios nos anos 1970, tornou-se conhecida por seu vocabulário sem pudores, desafiando estereótipos em relação a pressões de comportamento que sempre pesou sobre as mulheres em uma sociedade machista. A TV também abriu espaço para que comediantes do cinema chegassem a outros públicos sem sair de seu habitat. Foi o caso de Mazzaropi, astro de seus filmes em que interpreta um caipira que transitava entre a inocência absoluta e a Costinha José Vasconcelos Ronald Golias e Grande Otelo da TV no BRASIL 31 matreirice sábia do interior. Os chamados shows de um homem só não ficaram de fora, com programas de auditório abrindo oportunidade para esses artistas do teatro, como as sessões de piadas fortes de Ary Toledo no programa Sílvio Santos, as canções do menestrel Juca Chaves ou os causos de Rolando Boldrin. Com o envelhecimento e a morte de muitas dessas referências, outros tomaram seus lugares. Já nos anos 1980, novos roteiristas inseriram mais ousadia nas atrações, como a trupe da TV Pirata e do Casseta & Planeta. As chamadas sitcoms, modelos de programas cômicos muito populares nos EUA, ganharam mais terreno no Brasil, com maior produção de séries desta natureza por aqui, sobretudo na Rede Globo, como as criadas por Miguel Falabella (Toma Lá, Dá Cá e Pé na Cova) e Cláudio Paiva (Tapas & Beijos),que voltou ao ar em reprises. Os enlatados de sucesso Se foi sem querer querendo, não sei, mas que o sucesso veio com tudo e para ficar, já não resta dúvidas. O sucesso tão longevo e insuspeito como o do seriado Chaves, que ficou no ar no SBT por mais de 35 anos ininterruptamente – ainda mais em se tratando de um produto produzido no México ainda nos anos 1970 –, é um fenômeno cuja explicação talvez nem mesmo seja mais necessária. Em termos de programa de humor, com a famosa claque (a risada artificial inserida na cena), nenhum enlatado conquistou tantos fãs no Brasil quanto este. Outras atrações vindas do exterior foram muito apreciadas. A romântica e inocente Jeannie É um Gênio fez sucesso na TV brasileira nos anos 1970. Nos anos 1980, a Globo manteve nos finais da tarde um horário para as sitcoms norte-americanas, como As Super Gatas e O Poderoso Benson. A chegada da TV a cabo permitiu que fenômenos dos EUA fossem vistos simultaneamente aqui, como as séries Seinfeld, Friends, Two And a Half Man, Modern Family e The Big Bang Theory, além de programas de humor, como Saturday Night Life. Carlos Alberto de Nóbrega (direita) em um dos quadros de sucesso do A Praça é Nossa: a velha surda O seriado mexicano Chaves ficou no ar no SBT por mais de 35 anos ininterruptos da TV no BRASIL 32 Os clássicos do riso A PRAÇA DA ALEGRIA – “A mesma praça, o mes- mo banco…” A música veio bem depois da estreia na TV Tupi, em 1953, mas também está ligada à Praça da Alegria, de Manuel da Nóbrega, e depois à Praça é Nossa, de seu filho Carlos Alberto. Um clássico com quase 70 anos. FAMÍLIA TRAPO – Programa que misturava tea- tro e TV, como muitas atrações das primeiras décadas da televisão no Brasil, a Família Trapo era capitaneada por Ronald Golias e tinha no elenco um jovem Jô Soares (um de seus criadores) e o comediante Rena- to Corte Real. BALANÇA, MAS NÃO CAI – O programa foi criado inicialmente na Rádio Nacional, nos anos 1950, por Max Nunes e Paulo Gracindo, mas só estreou na Globo em 1968, dirigido por Lúcio Mauro. Era um grande cortiço, em que os mais absurdos e engraçados personagens conviviam. A GRANDE FAMÍLIA – Sua primeira versão foi ao ar em 1972 e tinha Eloísa Mafalda, Jorge Dória e Brandão Filho nos principais papéis. A segunda versão começou a ser exibida na Globo em 2001 e durou até 2014, com Marieta Severo e Marco Nanini vivendo o casal Lineu e Nenê. O PLANETA DOS HOMENS – Jô Soares e Agildo Ribeiro eram os anfitriões deste humorístico, que ironizava nosso comportamento de cada dia, em uma brincadeira com o filme O Planeta dos Macacos. Até um símio, o macaco Sócrates, ganhou vida na atração criticando os humanos. CHICO CITY – Chico Anysio teve seu primeiro programa-solo de humor na Globo a partir de 1973. Ali já apareciam alguns de seus personagens mais famosos, como Azambuja e Coronel Limoeiro. Chico teria várias atrações, como Chico Anysio Show, nos anos 1980. OS TRAPALHÕES – Sucesso na Excelsior em 1966 como Adoráveis Trapalhões, a atração, com várias formações – mas sempre com Renato Aragão e Dedé Santana no elenco – passou pela Record (Os Insociá- veis) e Tupi, antes de chegar à Globo em 1977, já com Mussum e Zacarias. da TV no BRASIL 33 ESCOLINHA DO PROFESSOR RAIMUNDO – Pro- grama criado em 1952 na Rádio Mayrink Veiga pelo radialista e humorista Haroldo Barbosa, sua estreia na TV foi em 1957, na TV Rio. Chico Anysio o manteve como quadro de seus projetos até virar uma atração própria. Inesquecível. VIVA O GORDO – Jô Soares já havia escrito e atuado em vários programas de humor na Globo, como Faça Humor, Não Faça Guerra e Satiricom, quando ganhou uma nova atração, o Viva o Gordo. Fez questão de trabalhar com amigos antigos, como Paulo Silvino e Francisco Milani. TV PIRATA – Em uma metanarrativa até então inédita na TV, o programa reuniu atores que faziam comédia, mas não eram reconhecidos como comediantes, como Marco Nanini, Ney Latorraca, Diogo Vilela, Débora Bloch, Regina Casé e Cláudia Raia. Foi revolucionário. SAI DE BAIXO – De uma ideia de Luiz Gustavo, com execução de Daniel Filho, as noites de domingo ganharam a graça de personagens como o escroque Caco Antibes (Miguel Falabella), a tonta Magda (Marisa Orth) e o porteiro Ribamar (Tom Cavalcante). CASSETA & PLANETA – Parte dos roteiristas da TV Pirata adivinha deste grupo, junção dos jornais satíricos Planeta Diário e Casseta Popular, formado por Bussunda, Hélio de La Peña, Hubert, Marcelo Ma- dureira, Beto Silva, Cláudio Manoel e Reinaldo. Sátira total à política e à TV. COMÉDIA MTV – Num estilo mais anárquico, a MTV levou ao ar um tipo de programa que influiu até nos programas da Globo. Não à toa, alguns de seus nomes, como Marcelo Adnet, Tatá Werneck e Dani Calabresa, foram desenvolver projetos na emissora carioca. ZORRA – Por mais de uma década apostando no humor físico e nas piadas de cunho sexual, o Zorra Total ocupou as noites de sábado da Globo, até o formato ser substituído por algo mais crítico e atual, o Zorra, com paródias da cena política e sátiras de situações do cotidiano. da TV no BRASIL 34 ESPORTE Copas do Mundo, Olimpíadas, Fórmula 1 e até campeonato de sinuca. A TV brasileira, em seus 70 anos, alimentou a paixão por todos os esportes e produziu instantes memoráveis Quando a TV brasileira foi inaugurada, em setembro de 1950, o Brasil vivia um de seus maiores traumas esportivos, um luto que se abatera sobre o País dois meses antes. Em 16 de julho daquele ano, cerca de 200 mil pessoas no Maracanã viram a Seleção Brasileira de futebol perder a final da primeira Copa do Mundo disputada no Brasil, levando 2 x 1 do Uruguai, no que ficou conhecido como Maracanazo. O Brasil nunca havia sido campeão e ainda esperaria 8 anos para ter este sonho realizado. A TV nasceu por aqui num ano esportivamente fatídico. O esporte foi uma das armas do novo veículo para conquistar público, ainda que houvesse pouquíssimos aparelhos de TV disponíveis para receber essas ima- gens pioneiras. Em um estudo apresentado na USP sobre as transmissões espor- tivas na televisão brasileira, Henrique Gasparino resgata a informação de que a TV Tupi, primeira emissora do País, colocou no ar, ainda em seu início, o programa Vídeo Esportivo, apresentado por Aurélio Campos. O primeiro jogo transmitido foi um Palmeiras x São Paulo, no Estádio do Pacaembu, em outubro de 1950. Nos anos seguintes, questões estruturais permaneceram sendo obstáculos difíceis de superar para uma maior popularização das transmissões esportivas pela TV. O rádio continuou a ser o modo preferido do público para acompanhar os grandes clássicos e até a Copa do Mundo, uma vez que quando se falava em esporte, todo mundo logo pensava em futebol, claro. Os fãs de esportes olím- picos aguardariam ainda mais para conseguir ver na TV as modalidades serem disputadas. A primeira transmissão de Olimpíadas no Brasil foi em 1972, direto da Alemanha. Paixões nacionais Seleção campeã do mundo em 1958, na Suécia da TV no BRASIL 35 Depois da inauguração da Rede Globo, em 1965, a Tupi e a Record passaram a ter uma forte concorrência. Com os satélites à disposição, o brasileiro passou a ver, além de seu sagrado futebol dos domingos, eventos internacionais. Já em 1972, a Globo transmitiu o primeiro título de Emerson Fittipaldi na Fórmula 1, inaugurando no País um novo gosto pelo automobilismo. A emissora, aliás, trabalhou para que o Brasil fosse incluído no calendário das corridas, o que só ocorreu em 1973, em Interlagos. O início dos anos 1970 foi o ponto de virada para a inclusão do esporte em horários nobres das emissoras brasileiras. A Copa do Mundo do México, em 1970, os Jogos Olímpicos de Muni- que, em 1972, a vitória na Fórmula 1 de Emerson, também em 1972, abriram os olhos das TVs para este nicho lucrativo. Nos anos 1980, as competições de diferentes modalidades fizeram ainda mais sucesso, com direito a algumas loucuras. Várias delas
Compartilhar