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CASO 5: DISPNEIA Flávia, 48 anos, mãe de três filhos, em consulta de rotina com sua ginecologista relata uma falta de ar progressiva após retornar de uma viagem que fez de ônibus até São Paulo para visitar parentes. Descreve que já foi fumante na juventude, mas que parou de fumar na primeira gravidez. Na infância, tinha chiado no peito e fez uso de “bombinha”, mas após os 16 anos não precisou mais. Durante a última gravidez, ganhou muito peso e não conseguiu voltar ao peso anterior, e acredita que o uso de anticoncepcionais pode estar ajudando, estando agora com 95kg (1,65m de altura). Sente-se cansada, com falta de ar aos mínimos esforços e com inchaço nas pernas que em consultas anteriores sua médica sempre disse ser relacionado ao peso excessivo. Na revisão dos sistemas relata tratamento para hipertensão controlada com losartana 50mg uma vez ao dia. Flávia pergunta para sua médica se toda esta falta de ar pode ser só da obesidade ou alguma doença pode estar envolvida. OBJETIVOS 1. Explicar a fisiopatologia (mecanismos envolvidos) da dispneia 2. Formular abordagem semiológica da dispneia 3. Relacionar a dispneia com as informações fornecidas pela paciente (viagem, tabagismo, “chiado no peito”/uso de bombinha, ganho de peso, hipertensão) 4. Elencar hipóteses diagnósticas 4.1. Listar exames FISIOPATOLOGIA DA DISPNÉIA A priori, pode-se definir a dispneia como “experiência subjetiva de sensações respiratórias desconfortáveis”. Ela deve ser encarada como um sintoma, já que deriva de interações entre múltiplos fatores (fisiológicos, psicológicos, sociais, ambientais) e pode induzir alterações secundárias (comportamentais e fisiológicas). A. Mecanismos fisiopatológicos ➔ Até então não foram descritos receptores específicos, tais como as terminações nervosas livres estão para a transdução da dor; ➔ Sensação respiratória: estimulação de receptores aferentes que causa uma ativação neurológica; ➔ Percepção respiratória: processamento desse estímulo pelo SNC, sendo mais subjetiva e relacionada à reação do indivíduo; Quimiorreceptores e mecanorreceptores → Tronco encefálico (bulbo) → Mm respiratórios Quanto aos quimiorreceptores, eles podem ser periféricos (carótida e aorta), detectando variações nas pressões parciais de oxigênio, ou centrais (bulbo), detectando alterações na pressão parcial de gás carbônico, mais especificamente de íons hidrogênio. Já os mecanorreceptores estão situados em vias respiratórias, pulmões e caixas torácicas e podem ser: - De estiramento: detectam a distensão pulmonar na musculatura lisa; Amanda Kuroishi - De irritação: ativados por material particulado, substâncias químicas, mudanças de volumes pulmonares e complacência e contração da musculatura lisa brônquica; - Fibras C (receptores J justacapilares): respondem e elevações das pressões intersticiais e capilares; - Fusos musculares: principalmente nos Mm. intercostais; - Tendinosos do diafragma: atividade inibitória sobre a respiração. Quanto ao surgimento da dispneia, uma teoria é a da “dissociação eferente-reaferente”, a qual seria resultante do descompasso entre sinais enviados pelos neurônios do SNC e informações captada pelos receptores. Isto é, quando as aferências são desproporcionais aos estímulos motores iniciais, a respiração se tornaria consciente e desconfortável. Para simplificar: aferências chegam ao SNC e o centro respiratório (bulbo) envia comandos para a musculatura, porém os receptores percebem uma incompatibilidade entre esses sinais de ação e aquela demanda inicialmente enviada. Hoje já se sabe do envolvimento córtico límbico que relaciona a dispneia com outros fatores, tais como dor, sede e fome. Amanda Kuroishi FORMULAR ABORDAGEM SEMIOLÓGICA DA DISPNEIA 1ª ANAMNESE ➔ Quando o paciente não mencionar nada a respeito, questionar se ele sente dificuldade para respirar; ➔ Investigar se a dispneia é ◆ Aguda: instalada ali em minutos (TEP maciço, IAM, pneumotórax, arritmias, crise de ansiedade, edema agudo de pulmão, aspiração de corpo estranho); ◆ Subaguda: instalação em horas (DPOC, sepse, insuficiência cardíaca congestiva, derrame pleural); ◆ Crônica: instalada há mais de 30 dias (infecções respiratórias, mau controle de comorbidade); ➔ Investigar o início da dispneia: época e hora em que ela aparece, bem como seu modo de instalação; ◆ Quanto ao modo de instalação: súbito (pneumotórax e embolias pulmonares) ou progressivo (DPOC e fibroses pulmonares); ➔ Investigar duração desde o início dos sintomas e das eventuais crises; ➔ Investigar os fatores desencadeante e se há falta de ar em repouso; ➔ Questionar qual a sensação trazida (se cansaço, esforço, sufocação, aperto); ➔ Investigar o número de crises e periodicidade; ➔ Na HPP, doença prévia ou procedimentos cirúrgicos, além das comorbidades; ➔ Investigar o que o paciente fazia antes do início da dispneia; ➔ Questionar se é acompanhada por tosse, dor no peito, edema, chiado, palpitações; ➔ Questionar a intensidade; ➔ No caso da dispneia aparecer durante os exercícios físicos, classificá-la em dispneia aos grandes, médios ou pequenos esforços; ➔ Investigar possíveis causas: ◆ Atmosféricas: mudança de altitude que altera a pressão parcial de oxigênio; ◆ Obstrutivas (laríngeas, da traqueia, brônquicas, bronquiolares) ◆ Parenquimatosas: redução da área de hematose; ◆ Toracopulmonares: alteram a elasticidade e movimentação do tórax e do pulmão, provocando assimetria entre os dois lados; ◆ Diafragmáticas: paralisia, hérnias que interfiram no movimento do diafragma; ◆ Pleurais: irritação das inervações sensitivas da pleura; ◆ Cardíacas ◆ De origem tecidual: que aumenta o consumo de oxigênio (ex: exercício físico e crises convulsivas); ◆ Ligadas ao sistema nervoso: origem neurológica (altera ritmo respiratório) ou psicogênico. 2º EXAME FÍSICO ➔ Revisão dos sinais vitais para detectar febre, taquicardia, oximetria de pulso; ➔ Inspeção: ◆ Pele: se há sudorese, palidez, cianose, rubor; ◆ Padrão respiratório do paciente; ◆ Distensão das veias do pescoço; Amanda Kuroishi ◆ Edema de mmii; ◆ Membranas do revestimento interno (ex: garganta) ➔ Palpação ◆ Observar elasticidade, expansibilidade (manobra de Ruault para verificar amplitude nos ápices e, se houver assimetria, Ruault positivo / manobra de Lasegue para verificar as bases pulmonares) e sensibilidade; ◆ Palpar pernas e área sacral para possíveis edemas; ◆ Verificar se há crepitação no tórax. ➔ Percussão ◆ Dos pulmões ● Som atimpânico = normal; ● Som maciço = ausência de ar e algo denso presente; ● Som timpânico = presença de ar no pneumotórax hipertensivo; ● Som submaciço = nronquite crônica; ● Som hiperssonante = enfisema pulmonar ➔ Ausculta: pulmonar e cardíaca ◆ Verificar a presença de sopros, murmúrio vesicular e outros ruídos; ● Murmúrio diminuído em casos de DPOC e fibrose pulmonar, abolido e pneumotórax e derrame pleural. INVESTIGAÇÃO SEMIOLÓGICA DA PACIENTE EM QUESTÃO ● HPP: tabagismo na juventude, asma na infância, obesidade, hipertensão, uso de anticoncepcionais, multípara (3), viagem longa recente; ● Semiologia da dispneia: ○ Crônica (instalação que ultrapassa dias) ○ Modo de instalação: progressiva ○ Fatores desencadeantes: mínimos esforços e viagem de ônibus até São Paulo ○ Acompanhada de inchaço nas pernas ○ Sensação de cansaço RELACIONAR A DISPNEIA COM AS INFORMAÇÕES FORNECIDAS PELA PACIENTE A. Viagem de ônibus a São Paulo B. Tabagismo ● Declínio da função pulmonar ● Danos do epitélio alveolar (supressão da proliferação, descamação celular, alteração da produção de surfactante) C. Chiado no peito/uso de bombinha ● Adma: inflamação da mucosa das vias aéreas que causa dispneia obstrutiva (nasal), de modo que a pessoa recorra à respiração oral. Ainda, há diminuição do pico de fluxo expiratório e da expansibilidade torácia; D. Ganho de peso/obesidade ● Limitação da atividade diafragmática e movimento costal ● Redução dos volumes e capacidades pulmonares Amanda Kuroishi ● Tolerância reduzida aos esforços E. Hipertensão F. Uso de anticoncepcional● Tromboembolismo venoso > êmbolos no pulmão > obstrução > dispneia. ELENCAR HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS O histórico de viagem longa recente associado ao uso de contraceptivo oral e edema nos membros inferiores são bastante sugestivos de embolia pulmonar. A hipertensão já é mais sugestiva de doença coronariana. O tabagismo aponta para câncer, DPOC e doença cardíaca. ➔ Asma: por ser uma doença que não tem cura e devido à menção ao chiado no peito associado ao uso de bombinha na infância, a paciente pode estar com crise asmática. Consequentemente, ocorre a contração dos músculos lisos dos brônquios, fazendo com que os brônquios se estreitem (broncoconstrição); adicionalmente, a inflamação e a secreção de muco nas vias resultam no inchaço dos tecidos de vias aéreas, demandando ainda mais esforço respiratório. Seria necessário investigar mais a história clínica e possível contato com fatores desencadeantes. ➔ DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica): tem como principal causa o tabagismo, o qual está presente no caso. Todavia, a paciente relata que esse hábito restringiu-se à juventude, de modo que possa não ter resultado em comprometimento pulmonar tão grande. Por outro lado, existe uma tendência hereditária da DPOC (investigar na HFam) ◆ Cerca de um terço das pessoas com DPOC grave apresentam perda de peso (falta de ar dificulta a alimentação e aumenta os níveis sanguíneos do fator de necrose tumoral); ◆ O desenvolvimento ocorre mais ou menos entre 40 e 50 anos; ◆ Decorre do enfisema (destruição das paredes alveolares) que causa obstrução permanente e irreversível do fluxo de ar + bronquite crônica; ◆ Pode ocorrer: sobreposição de asma e DPOC ➔ Tromboembolismo pulmonar / embolia pulmonar: coágulo localizada em veias das pernas ou da pelve se soltar e se aloja em uma das artérias do pulmão, obstruindo o fluxo de sangue, causando infarto da área que deixou de ser suprida ◆ No caso da paciente, a hipertensão, a obesidade, o histórico de tabagismo, gravidez, idade maior do que 35 anos, viagem longa recente e pílula anticoncepcional são fatores de risco para o desenvolvimento de trombos. Isso, associado ao edema de membros inferiores, é bastante sugestivo de trombose venosa profunda (formação de trombos nas veias das pernas, coxas e pelve); ◆ Pacientes com pequenas embolias são tratados apenas com anticoagulantes (varfarina); ◆ O anticoncepcional simula progesterona e estrógeno, hormônios que estimulam a formação de coágulos. Além disso, estudos apontam que ele causa resistência às proteínas C-reativas anticoagulantes naturais Amanda Kuroishi LISTAR EXAMES A oximetria de pulso é básica do exame físico e componente chave: baixa saturação (<90%) sugere gravidade, mas a normal não é excludente. No exame físico, também ficar atento ao uso da musculatura acessória (esternocleidomastoideo, escalenos, peitoral menor e serrátil anterior), acompanhar essa saturação e também o nível de consciência. Em caso de diagnóstico desconhecido, solicitar radiografia de tórax. Também, não podendo excluir isquemia miocárdica, eletrocardiograma e teste sérico de marcadores cardíacos. A gasometria também é importante para mensurar hipoxemia medindo a PaCO2. Sem diagnóstico depois desses exames, suspeitando de embolia pulmonar, fazer o teste do dímero D em caso de baixo risco e angiografia por TC ou cintigrafia de ventilação/perfusão em casos de alto risco. REFERÊNCIAS https://www.hospitaloswaldocruz.org.br/imprensa/noticias/trombose-causada-por-anticonc epcional-sintomas-e-pilulas-mais-perigosas https://www.mdsaude.com/pneumologia/embolia-pulmonar/ https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-pulmonares-e-das-vias-respirat %C3%B3rias/doen%C3%A7a-pulmonar-obstrutiva-cr%C3%B4nica-dpoc/doen%C3%A7a-pulm onar-obstrutiva-cr%C3%B4nica-dpoc https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/dist%C3%BArbios-pulmonares/sintomas-d e-doen%C3%A7as-pulmonares/dispneia Porto, Celmo Celeno. Semiologia médica 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. Martinez, José Baddini. Semiologia geral e especializada - 1. ed. Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2013. Amanda Kuroishi https://www.hospitaloswaldocruz.org.br/imprensa/noticias/trombose-causada-por-anticoncepcional-sintomas-e-pilulas-mais-perigosas https://www.hospitaloswaldocruz.org.br/imprensa/noticias/trombose-causada-por-anticoncepcional-sintomas-e-pilulas-mais-perigosas https://www.mdsaude.com/pneumologia/embolia-pulmonar/ https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-pulmonares-e-das-vias-respirat%C3%B3rias/doen%C3%A7a-pulmonar-obstrutiva-cr%C3%B4nica-dpoc/doen%C3%A7a-pulmonar-obstrutiva-cr%C3%B4nica-dpoc https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-pulmonares-e-das-vias-respirat%C3%B3rias/doen%C3%A7a-pulmonar-obstrutiva-cr%C3%B4nica-dpoc/doen%C3%A7a-pulmonar-obstrutiva-cr%C3%B4nica-dpoc https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-pulmonares-e-das-vias-respirat%C3%B3rias/doen%C3%A7a-pulmonar-obstrutiva-cr%C3%B4nica-dpoc/doen%C3%A7a-pulmonar-obstrutiva-cr%C3%B4nica-dpoc https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/dist%C3%BArbios-pulmonares/sintomas-de-doen%C3%A7as-pulmonares/dispneia https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/dist%C3%BArbios-pulmonares/sintomas-de-doen%C3%A7as-pulmonares/dispneia
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