Prévia do material em texto
cespeUnB Centro de Seleção e de Promoção de Eventos DIDÁTICA APLICADA À FILOSOFIA SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO NO CARGO DE PROFESSOR PLENO I PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL 3 Autor Álvaro Sebastião Teixeira Ribeiro DIDÁTICA APLICADA À FILOSOFIA 2010 SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO NO CARGO DE PROFESSOR PLENO I PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL cespeUnB Centro de Seleção e de Promoção de Eventos 4 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia Reitor José Geraldo de Sousa Junior Vice-Reitor João Batista de Souza Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (CESPE) Ricardo Carmona Diretor-Geral Roger Werkhäuser Escalante Coordenadoria de Educação Corporativa e Eventos Roberta Freitas Soares Gerência de Formação de Pessoas Equipe Técnico-Pedagógica Ana Maria da Silva Peixoto Danielle Xabregas Pamplona Nogueira Lady Sakay Luis Fernando Tavares Santos Michelle Galdino da Silva Milene de Fátima Soares Nayara César Santos de Morais Vera Lúcia de Jesus Endereço Campus Universitário Darcy Ribeiro Edifício Sede CESPE/UnB Caixa Postal 04488 CEP: 70904-970 – Asa Norte, Brasília/DF Telefone: (61) 3448-0100 Fax: (61) 3448-0110 Site: www.cespe.unb.br E-mail: sac@cespe.unb.br AUTOR: Álvaro Sebastião Teixeira Ribeiro Possui graduação em Educação Física pela Faculdade Dom Bosco de Educação Física e especialização em Ensino de Filosofia pela Universidade de Brasília. Atualmente é conveniado FUB/SEEDF da Universidade de Brasília, atuando em cursos de formação de professores. Tem experiência na área de Educação. cespeUnB Centro de Seleção e de Promoção de Eventos 5 Sejam benvindos ao módulo de didática aplicada à filosofia. Convidamos a todos(as) que se disponham a uma experiência. Sim, a experiência de ler o texto, pensar com o texto e vivenciar o conhecimento, questionando-o e recriando-o. Parece-nos ser esta, uma atitude filosófica. Pois, a filosofia tem a ver com o questionar, com o não aceitar as coisas prontas, com colocar uma dúvida onde os outros só veem certezas. Cremos que esta será a atitude mais interessante para a leitura do Módulo. Este não é um Módulo com o objetivo de transmitir muitos conteúdos para serem repassados. Não é um texto que vai apresentar teorias ou sistemas filosóficos a vocês. Não trataremos da história da filosofia ou de teorias de filósofos, mesmo que consideremos estas coisas como muito importantes. Queremos compartilhar com você uma atitude baseada na percepção da importância e das possibilidades dos educadores explorarem a dimensão filosófica de sua prática; as portas educacionais que abrem uma postura filosófica no educador-educando. Para melhor atender aos nossos objetivos, o módulo está assim organizado: na primeira unidade temática, você vai encontrar uma reflexão sobre educação, escola e sociedade, com suas possíveis relações. Apesar de estas relações serem diversas e complexas, tentaremos apresentar algumas idéias que possam nos ajudar a compreender a função da escola e do ensinar e aprender, principalmente, a filosofia. Na segunda unidade temática, procuramos apresentar alguns fundamentos para pensar a relação entre filosofia e educação. Assim, estaremos delimitando o sentido da filosofia no espaço da experiência. Resgataremos a filosofia como experiência de pensamento, como exercício vital dos sujeitos educacionais. Estamos apresentando o ensino da filosofia como um espaço que propicia o pensar. Na terceira unidade temática, estudaremos duas dimensões dessa filosofia entendida como experiência do pensar: o diálogo e a criação. Em outras palavras, especificaremos, nessa seção, de que maneira se exerce um pensar criador em um espaço dialógico e diverso. Finalmente, na quarta unidade temática, explicitaremos os métodos e os sentidos com os quais se pode tentar levar a filosofia ao processo educativo. Esperamos que a experiência do filosofar seja a tônica deste nosso estudo. E que a satisfação do caminhar se projete no nosso futuro profissional e pessoal. APRESENTAÇÃO 6 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia Sumário Unidade 1 – Educação, Escola e Sociedade: tecendo possíveis relações. 7 Objetivo 8 Sociedade, Cultura e Natureza 8 Relações entre Estado e Educação 10 Função da Escola 12 Atividades 13 Referências 14 Unidade 2 – Filosofia como experiência: fundamentos de uma reflexão. 15 Objetivo 16 Filosofia e Experiência 16 A prática filosófica 18 O perguntar filosófico 19 Atividade 20 Referências 21 Unidade Temática 3 - Fundamentos à prática filosófica 22 Objetivo 23 Diálogo 23 Criação 25 Atividade 26 Referências 27 Unidade Temática 4 - A sala de aula: espaço privilegiado da experiência do pensa 28 Objetivo 28 A sala de aula: espaço do pensamento 28 Orientações Curriculares para o Ensino Médio - Ciências humanas e suas Tecnologias: Conhecimento de filosofia 35 Atividade 39 Referências 41 7Unidade I - Educação, Escola e Sociedade: tecendo possíveis relações UNIDADE I Educação, Escola e Sociedade: tecendo possíveis relações. Apresentação As relações entre filosofia e educação são muito diversas e complexas. Neste capítulo, procuraremos compreender a educação como uma dimensão de nossa práxis, isto é, aquela dimensão de nossa vida que envolve diversos processos de construção, reconstrução e produção do conhecimento. As relações entre filosofia e educação têm a ver com nossa condição de sujeitos educandos-educadores, que excede, em muito, o espaço da sala de aula e da própria escola. Os educadores continuam a se defrontar, na sala de aula, com alunos e alunas com problemas de toda ordem: financeiros, sociais, afetivos etc. Em função disso, muitos apresentam dificuldades de aprendizagem e a maioria não identifica a importância do que está estudando. O desinteresse pelos conteúdos continua acontecendo. Por outro lado, muitos pais continuam a pensar que a educação é um problema somente da escola. Qual professor já não se deparou com esta problemática? Como dar conta disto? O educador continua tentando dar respostas à sociedade, que cobra dele, mas nem sempre o apóia, embora, a mesma sociedade afirme que a educação é importante. Os educadores se perguntam: Por que estamos vivendo esta situação? Quais são as causas de nossos problemas? Com quem pode o educador contar? O que queremos e o que fazer? 8 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia Nesta Unidade vamos refletir sobre Educação, Escola e Sociedade, tentando tecer algumas relações entre elas. Destacaremos o papel da escola e do educador(a) na construção de espaços pedagógicos que permitam a construção de conhecimentos necessários para transformações possíveis. Objetivo Refletir sobre as relações entre Sociedade e Educação, destacando o papel social a ser desempenhado pela escola e pelo(a) educador(a). Sociedade, Cultura e Natureza Pensemos um pouco no conceito que temos de educação. Frente a essas perguntas poderíamos cair na tentação de responder que só existe uma educação, com os mesmos objetivos, as mesmas funções e a mesma importância. Isto é verdadeiro se entendemos educação por uma ação que qualifique nossas crianças e jovens para adaptarem-se às necessidades criadas pela sociedade, ou seja, se entendemos educação como espaço de adaptação social. Simples, não? Convido-os/as a refletir um pouco mais. A humanidade alcançou o estágio atual por que tinha que ser assim? O desenvolvimento humano levaria necessariamente ao que temos hoje? É natural que tenhamos este tipo de sociedade, pois o progresso nos levou a isto? Tentemos, rapidamente, viajar pela história da humanidade. Os chamados pré-históricos lutaram com a natureza para construir sua cultura. A escassez de alimentos vegetais, pelo aumento dapopulação ou por problemas climáticos, fez com que os/as homens/mulheres procurassem outras terras e outros alimentos, transformando-se em nômades e carnívoros. A necessidade de locomoção e de lutar com outros animais para poder comer, facultou ao ser humano a construção Recriar uma sociedade é um esforço político, ético e artístico, é um ato de conhecimento. Paulo Freire PARA PENSAR O que vem a ser educação? Qual seu significado? Qual sua função (ou funções)? Qual sua importância? 9Unidade I - Educação, Escola e Sociedade: tecendo possíveis relações de instrumentos, de transporte e de caça. Estes instrumentos foram utilizados, mais tarde, nas lutas entre os próprios seres humanos, para defesa ou conquista. E assim foi ao longo dos tempos: as necessidades foram aparecendo e soluções foram buscadas. Mas, essas necessidades foram sempre ditadas pela natureza? Na relação com a natureza o ser humano começa a construir culturas. Estas culturas são construídas pela ação do/a homem/mulher sobre a natureza ao longo dos tempos até nossos dias. Elas são frutos de nossas necessidades e desejos. Será que eles são sempre nossos, de todos? Vamos à história, novamente. Vejamos o caso da Grécia. Existia na Grécia antiga uma democracia. Apesar de ser uma democracia da minoria, pois apenas os homens livres podiam decidir, era uma democracia. Por que essa democracia não se aperfeiçoou, com a inclusão de outros segmentos da sociedade? Afinal de contas era uma boa idéia, e pelo que se tem conhecimento, uma prática que trazia benefícios ao povo grego. Poderíamos enumerar vários motivos para que isto não tenha acontecido, mas vamos ficar em apenas dois, talvez os mais importantes. Primeiro, a própria aristocracia grega exigia maior poder de decisão, e, depois, os macedônios e os romanos, que não tinham espírito tão democrático, invadem a Grécia, submetendo, pela força, seu povo a seus governos. Podemos perceber que se travaram conflitos entre os sujeitos sociais. Primeiramente entre a aristocracia ateniense e os demais cidadãos, e, posteriormente, entre outros povos, com práticas conquistadoras e o povo grego. Houve luta ideológica e luta militar, o vencedor impõe seus ideais e suas práticas ao perdedor. O que temos hoje é fruto de quê? Da natureza das coisas, dos conflitos entre ser humano e natureza, dos conflitos entre atores sociais ou da luta do bem contra o mal? Vejamos um pouco mais. Nos dias de hoje as estatísticas demonstram que um por cento da população mundial detém recursos iguais aqueles que são divididos entre os cinquenta por cento mais pobres, com tendência a uma concentração ainda maior. Como você se posiciona frente ao quadro sociopolítico que ora enfrentamos? Com indiferença? Com otimismo? Concorda com os rumos da economia? Não vê relação entre as dificuldades sociais enfrentadas pela maioria da população e a economia mundial? Acha que este é um problema para políticos e não para você? Acredita que os problemas sociais são apenas políticos e não econômicos? É complexo? Pois bem, nossa postura pedagógica vai depender, em grande parte, de nossa visão de mundo. É frente à situação de injustiça observada no mundo atual que perguntamos: queremos uma educação que mantenha essa situação? Para os que acham que o mundo é assim mesmo e os maiores devem “comer” os menores, como acontece em parte da natureza, talvez o ideal deva ser este mesmo. Para os que pensam assim, sugerimos olhar para a própria natureza, a mesma natureza que serve de parâmetro para a sustentação ideológica desse estado de coisas, e verificar que se é verdade que 10 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia alguns animais maiores se alimentam de animais menores, também é verdadeiro que muitos convivem de forma solidária. Portanto, nos parece possível pensar diferente e tentar a construção de um mundo melhor, mais justo e mais solidário. Um mundo em que os/as homens/mulheres possam construir outras escalas de valores e, consequentemente outras formas de organização social. Para isso é necessário construirmos as condições de mudança. Como afirma Paulo Freire, “a educação não é a chave para a transformação, mas a transformação é por si mesmo educacional”. O mundo atual apresenta um movimento constante em direção a transformações de toda ordem. Ao mesmo tempo em que estas transformações apresentam avanços significativos no campo tecnológico, geram desigualdades cada vez maiores entre as classes sociais. Isso tem suscitado uma série de desafios para todos aqueles que se ocupam da educação. A despeito dos ganhos sociais alcançados nos últimos anos, a realidade social brasileira apresenta ainda um quadro de profunda injustiça. É nesse quadro de permanência das desigualdades sociais que a escola brasileira se situa. Portanto, é necessário que o processo educacional seja analisado à luz do processo sociohistórico, pois a educação está inserida dentro da totalidade da organização social. Pois, a educação se opera, na sua unidade dialética com a totalidade, como um processo que conjuga as aspirações e necessidades do homem no contexto objetivo de sua situação histórico-social. a educação é, então, uma atividade humana partícipe da organização social. (Cury, 1998, p. 13) Relações entre Estado e Educação Dentro desse processo social, o Estado se apresenta como estrutura que regula as relações de produção e detém a hegemonia sobre as classes sociais, em benefício daquela que detém o poder, ou seja, os bens de produção. Para Antonio Gramsci, o Estado “é uma união dialética da sociedade civil com a sociedade política (...) À sociedade civil cabe a função de hegemonia e à sociedade política a função de dominação de normas, leis, polícia, exército, cadeia etc” (apud Cury, 1998, p. 51). Para PARA PENSAR O que é o Estado? Como ele se apresenta? O que vem a ser sociedade civil? 11Unidade I - Educação, Escola e Sociedade: tecendo possíveis relações o mesmo Gramsci, a escola, assim como a igreja, fazendo parte da sociedade civil, tem a função de garantir a hegemonia ideológica dentro do contexto social. Essa função hegemônica atribuída à escola, dentro da sociedade civil, leva muitos educadores a definirem a escola como mera reprodutora das relações sociais. Pois esta seria a intenção da classe que tem o domínio do poder político. A escola como parte de um projeto político só serviria para a obtenção de resultados favoráveis a esse mesmo projeto, não tendo, portanto, autonomia para contradizer o sistema. Isto é o que afirmam diversos estudiosos da educação, entre eles, Pierre Bordieu e Jean- Claude Passeron, que segundo Saviani, afirmam que toda e qualquer sociedade estrutura-se como um sistema de relações de força material entre grupos ou classes: sobre a base da força material e sob sua determinação erige-se um sistema de relações de força simbólico cujo papel é reforçar, por dissimulação, as relações de força material. A violência simbólica se manifesta de múltiplas formas: a formação da oposição pública através dos meios de comunicação de massa, jornais, a pregação religiosa, a educação familiar etc. (Saviani, 2000, p. 30-31) Esta função de reprodução das relações de dominação existentes na sociedade, pela escola, não é negada por outros educadores. O que se pode ressaltar é que, estando a escola em uma sociedade de relações dialéticas, ela também se insere nessa totalidade dialética. Portanto, a escola também está em constante movimento, contendo, assim, a sua própria contradição, segundo a lei fundamental da dialética. Portanto, a educação poderia servir também aos interesses de outras classes e grupos sociais. Pois, por seu caráter contraditório, estaria aberta a toda ação social. Reconhecer suas limitações é reconhecê-la como parte do todo social. Neste todo, é determinado para a escola a função de atuar na esfera da formação direta das mentalidades. Portanto, não se pode desprezar a possibilidade que ela tem de contribuir para aconstrução de conhecimentos necessários a todas as camadas da sociedade, fator essencial para qualquer transformação. A educação pressupõe a análise do mundo injustamente estruturado e dos mecanismos que o desenvolvem. Essa análise depende, por sua vez, da compreensão do mecanismo da sociedade economicamente capitalista em que vivemos e dos meios hegemônicos de transmissão de visão de mundo de uma determinada classe dominante e de acordo com os interesses dessa sociedade capitalista. Quando nos questionamos sobre o que é educação, poderíamos cair na tentação de afirmar que educação é uma ação que deve qualificar nossas crianças, adolescentes e jovens para se adaptarem às necessidades criadas pela sociedade. E nessa perspectiva poderíamos definir a escola também como um espaço de adaptação social. Entretanto, 12 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia nossa perspectiva é pensar a escola como âncora de uma pedagogia crítica baseada no diálogo, na negociação e nas referências da comunidade. As abordagens epistemológicas e os enfoques de diferentes teorias têm possibilitado um pensar diferente e nos conduz à tentativa de construir uma visão de mundo em que as pessoas possam fundar outras escalas de valores e, consequentemente outras formas de organização social. Para isso, é necessário construirmos as condições de mudança e, como afirma Paulo Freire, “a educação não é a chave para a transformação, mas a transformação é por si mesmo educacional” (Freire, 2001). Função da Escola Necessitamos de uma escola que trate o/a educando/a como sujeito ativo de seu conhecimento, que reflita valores, crenças e comportamentos humanos. O/A educador/a é um/a colaborador/a neste processo de construção das identidades, aquele/a que estimula e ordena a dinâmica, de tal forma, que não se anule a criatividade e a espontaneidade do educando, pois, como nos ensinou Paulo Freire, “os homens se educam em comunhão” (Freire, 1977/ 79). A escola é um espaço relacional. Essas relações ocorrem a partir do encontro das diferenças. É no diferente, no outro, que nos vemos, nos compreendemos e nos construímos como humanos. O outro “é aquilo de que nos diferenciamos: o diferente, a possibilidade, o limite, o contorno, o desconhecido. Aquilo que nos permite reconhecermo-nos em nós mesmos pela diferenciação que estabelecemos com ele” (Bessa, 2006, p.4). O outro está em toda a comunidade educativa, e por que não dizer, em nós mesmos. É nas relações que estabelecemos com estes outros, que construímos e reconstruímos nossas identidades pessoais, familiares, sociais e culturais. Um encontro com outro é uma possibilidade de transformação e de criação. Para que possamos nos encontrar com o outro é necessário o estabelecimento de um espaço dialógico. Diálogo é a comunicação entre os seres humanos que se dá no processo de conhecimento do mundo, “ele sela o relacionamento entre sujeitos cognitivos, podemos, a seguir, atuar criticamente para transformar a realidade” (Freire e Shor, 1987, p. 123). PARA PENSAR Que escola queremos? Nossa escola é a escola de nossos sonhos? 13Unidade I - Educação, Escola e Sociedade: tecendo possíveis relações Nesse processo educativo, estudantes não devem ser vistos como recipientes vazios, onde deva ser depositado nosso conhecimento. Eles aprendem e ensinam, como nós. Por isso, deve ser dada a eles oportunidade de maior participação. Devem poder opinar sobre os passos de seu processo de aprendizagem, bem como apresentar e reescrever suas próprias histórias. Atividades Ao término desta unidade, você deverá participar do Fórum da Unidade 1. FÁVERO, Altair A.; CEPPAS, Felipe; GONTIJO, Pedro E.; GALLO, Silvio & KOHAN, Walter. O ensino da filosofia no Brasil: um mapa das condições atuais. Caderno. Cedes, Campinas, vol. 24, n. 64, p. 257-284, set./dez. 2004. Disponível em http:// www.scielo.br/pdf/ccedes/v24n64/22830.pdf. Acessado em 25/10/2009. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 4.ed. RJ, Paz e Terra,1977. cespeUnB Centro de Seleção e de Promoção de Eventos LEITURA COMPLEMENTAR 14 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia BESSA, Dante Diniz. Homem, pensamento e cultura. Disponível em: <http://www. mec.gov.br/profuncionario>. Acesso em: 10 nov. 2009. CURY, Carlos Roberto J. Escola e contradição. São Paulo: Papirus, 1988. SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. 33.ª ed. revisada. Campinas: Autores Associados, 2000. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. FREIRE, Paulo e SHOR. Medo e ousadia: cotidiano do professor. São Paulo: Paz e Terra,1987. MENDONÇA, Erastos F. Ideologia e educação católica: o discurso libertador da igreja latino-americana e a práxis das escolas católicas brasileiras. Dissertação(Mestrado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade de Brasília, Brasília, 1987. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 15 Filosofia como experiência: fundamentos de uma reflexão. Apresentação O que é a filosofia? Esta é uma questão que tem instigado filósofos, pensadores e pessoas comuns, ao longo de, pelo menos, os últimos três milênios da história humana. Como entendê-la? Como defini-la? Há muitas definições e tratados conceituais sobre o que vem a ser a filosofia. No entanto, vamos pensar um pouco a partir de nossos próprios conceitos e conhecimentos. Primeiramente, tente elaborar sua própria definição de filosofia. Vamos nos exercitar na busca de respostas para as perguntas acima. A filosofia não pode ser colocada dentro dos muros de idéias fechadas e homogêneas. Ela não se enquadra em limites fixos. Pois, ao tentarmos definir limites para a filosofia estaremos levando-a para o seu próprio fim. Ao mesmo tempo em que não podemos defini-la, também não podemos deixar de pensar nela. Portanto, vamos nos exercitar na tentativa de compreender a filosofia. Vamos lá! Escreva o conceito ou conceitos sobre filosofia que mais lhe chamam a atenção. Não é necessária uma resposta brilhante, mas sim, uma resposta possível, autêntica e sincera. Muito bem, guarde sua resposta, para pensar, a partir dela, conosco. Vamos iniciar um caminho. Ninguém pode caminhar pelo outro, mas podemos caminhar juntos. Vamos fazê-lo? Será que existe um único caminho para se definir a Filosofia? Creio que nossas respostas, dadas anteriormente, caso postas lado a lado, nos permitiria ver que não. Vamos, também, fazer o mesmo exercício que propusemos a vocês. Vamos tentar apenas mais uma possibilidade de se pensar a filosofia. Não vamos apresentar o produto dos que se dedicam ao pensar sobre ela. Desta forma não estaremos tentando definir a UNIDADE II Unidade II - Filosofia como experiência: fundamentos de uma reflexão 16 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia filosofia a partir do que Platão ou Hegel, ou qualquer outro filósofo, produziram. Nessa perspectiva, estudar filosofia significaria aprender as teorias, idéias, conhecimentos, produzidos pelos filósofos. Não é o que tentaremos fazer, para isso queremos contar com vocês. Pode ser? Objetivo Pensar as possibilidades da Filosofia enquanto experiência humana. Filosofia e Experiência Para elaborarem seus conhecimentos filosóficos, os filósofos fazem um exercício do pensamento. Esse processo do pensar é um caminho que podemos buscar para definir o que pensamos sobre filosofia. Dessa forma, podemos trilhar dois caminhos para a nossa tentativa de definição da filosofia: o produto do pensamento e o processo do pensar. Este segundo caminho é o que tomaremos aqui. Assim, convidamos vocês para trilhar esse caminho da experiência do pensamento. É desafiante pensar que podemos andar juntos pelos caminhos da filosofia, quando a pensamos como experiência do pensamento. A filosofia como experiência é uma viagem que se faz com o pensar, é um transladar-se sem se mover do lugar. Para que seja uma experiência, ela deve ser intransferível, intersubjetiva, irrepetível,única. Uma experiência é o contrário de um experimento, pelo menos como ele é entendido na ciência positiva. Esta considera que um experimento para ser válido deve ser objetivo, transferível, independente do sujeito que o faz. Ao contrário de um experimento, na experiência não podemos prever o resultado, no entanto, podemos sair transformados. Sendo assim, o que poderemos encontrar pelo caminho? Nós e nossas próprias experiências? Os diferentes textos e suas mais diversas interpretações? São questionamentos que nos instigam a trabalhar novos conceitos e possibilidades A filosofia é uma prática teórica com muitos séculos de história Walter Kohan PARA PENSAR O que é filosofia? O que é experiência? É possível uma experiência do pensamento? 17 no ensino de filosofia. Mas o que caracteriza uma experiência de pensamento para que ela seja filosófica? Como podemos saber se uma experiência de pensamento é filosófica? Como já apontamos acima, afirmar que a filosofia é uma experiência é dizer que ela não pode ser transmitida ou transferida de uma pessoa para outra, pois ela depende de como uma subjetividade se configura no momento em que ocorre. Uma experiência também é algo imprevisível. Não é possível antecipar quando ou como acontecerá. Para uma experiência do pensar, a relação que estabelecemos com os nossos pensamentos é tão ou mais importante do que o conteúdo do pensar. Essa não é uma relação de apropriação ou domínio do que é pensado, mas se caracteriza pela possibilidade que abre para a formação e transformação do que somos. A filosofia como experiência atravessa a vida daqueles que a praticam causando mudanças, abrindo o pensamento para ele próprio e para a novidade. Quando pensamos a filosofia como intransferível e irrepetível estamos asseverando que nossa prática não visa a reprodução, mas a novidade que emerge de cada encontro entre diferentes formas de pensar e viver. Como a novidade que buscamos promover é sempre imprevisível, suspeitamos que talvez não haja métodos que levem a experiências do pensar. Essas idéias modificam o que se convencionou chamar de 'ensino' e de 'aprendizagem'. Exploraremos a seguir algumas idéias que relacionam a filosofia como experiência e o que significa ensinar e aprender. Mas, por que devemos optar pelo caminho da experiência e não pelo caminho do conteúdo filosófico? Primeiramente, não estamos abandonando o conhecimento filosófico construído ao longo da existência humana. Ele deverá ser fonte de nossas reflexões. Os conhecimentos, as reflexões e as experiências vivenciadas pelos filósofos não podem ser descartadas, mas estarão no centro de nossa caminhada educativa. No entanto, pensemos um pouco mais sobre a filosofia. Do que ela se alimenta? Do que ela vive? Vejamos. Platão já afirmava que a filosofia alimenta-se de sentimentos profundos que são gerados por nosso estar-no-mundo: assombro, espanto, insatisfação. Pensamos que a filosofia resiste a essa naturalização do universo humano. Opõe-lhe a idéia de que dimensão alguma de nosso mundo deve ser aceita como inevitável ou inexorável. Para a filosofia, não existem no âmbito da vida humana fenômenos puramente naturais. O mundo humano é um mundo do não determinado, do contingente, do que sempre pode ser de outra maneira. O questionamento filosófico procura pensar essa contingência, em seus fundamentos, suas consequências e nas condições de potencializar outras contingências alternativas às existentes. Unidade II - Filosofia como experiência: fundamentos de uma reflexão 18 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia A prática filosófica Assim como Paulo Freire afirmava em relação à educação, a prática filosófica não é neutra. É uma construção humana que está sempre situada em um ponto na história e no espaço. Oferece elementos para manter o mundo a nossa volta como está ou para a sua mudança. Quando a filosofia é praticada na escola, contexto no qual se constituem tantas subjetividades e formas de relação com o mundo, a necessidade de explicitar seus princípios e funções talvez se torne ainda maior. Mas, o que teria essa forma de pensar a ver com nossos estudantes. Afinal, eles são a razão maior de estarmos pensando sobre filosofia, hoje. Será que eles aceitam a idéia de um mundo imutável? Cremos que não. Suas reações frente ao mundo, a começar pela escola, dizem bem sobre isso. Por esta, entre outras razões, a filosofia estaria em sintonia com os estudantes: crianças, adolescentes e jovens. Porque elas também não gostam muito de que o mundo seja apresentado como algo imutável. Porque elas também gostam de pensar e explorar o mundo. Porque eles também pensam sobre as possibilidades de novas construções. Em suma, porque eles também gostam de perguntar e investigar os "porquês" de nossas contingências. Nossos alunos e a experiência filosófica encontram-se no espaço que geram para a ruptura e para a novidade. Tanto uma quanto a outra afirmam sua alteridade diante da ordem estabelecida. Sua relação com o mundo não é marcada pela continuidade do hábito dos antigos, de seus valores e verdades. Os estudantes não se deixam capturar por pretensões de poder. Está sempre além do sonho totalitário de convertê-la em algo já planejado. É um outro, como a filosofia. O convite filosófico feito à infância, à adolescência e a juventude, talvez leve a uma intensificação da novidade trazida pelos estudantes. Talvez faça com que nós, adultos, conheçamos um pensar outro, outra forma de estar no mundo. Talvez faça com que eles, estudantes, resistam ainda mais ao pensar adulto, tornem-se menos vulneráveis diante de seus desejos. Para vivermos a experiência da filosofia, é necessário um elemento básico, que é o PARA PENSAR É possível filosofar? Os(as) estudantes(as) podem filosofar ou só os filósofos e professores são capazes disso? 19 questionamento, a perguntar. Sim, o perguntar, o colocar em questão, é “a pedra basal da filosofia” (Kohan). Não podemos confundir o questionar filosófico com o exercício retórico da conquista ou persuasão. Como afirma Rubem Alves (1995), o questionamento filosófico é um exercício que desvela o caráter problemático daquilo que é mostrado e percebido como óbvio, natural ou normal. Nessa primeira dimensão, a experiência de pensamento filosófico é o exercício de colocar em questão os saberes, práticas e valores circulantes em nossa realidade. Praticada na escola pública, ela é o exercício de questionar as verdades e certezas que ali imperam. Podemos perceber as relações que estão se estabelecendo deste módulo com o primeiro módulo? A escola e a educação não se constroem nas relações sociais? Não devemos questionar estas relações? Não devemos compreendê-las para buscar alternativas àquelas que nos submetem? Vamos continuar nosso caminho. O perguntar filosófico Kohan e Ribeiro (2007) nos convidam a conhecer um pouco da história da filosofia, para que possamos situar o perguntar enquanto seu fundamento. Nos seus primeiros passos, a Filosofia foi uma prática indissociável da Educação, desde o seu nascimento na Grécia, nas praças públicas, nas ruas. Um dos primeiros filósofos, Sócrates1 , explica a relação da filosofia com as perguntas no seu depoimento ante os juízes, antes de ser condenado à morte2: as interrogações aos seus concidadãos lhe mostraram que talvez ele fosse o homem mais sábio, não porque soubesse grande coisa em termos de um saber positivo mas, sim, na medida em que ele reconhecia que o saber não é uma posse, mas um caminho, uma investigação (Apol. 23c). Sócrates sugere que o saber mais propriamente humano tem a forma de uma busca, de uma consideração, de um ensaio (Apol. 23c), no qual o que caracteriza o mestre não é a promessa de chegar a um conhecimento certo ou a uma resposta acabada, mas uma atitude de compartilhar com os outros um espaço de interrogação (Apol. 33a-b) (Kohan e Ribeiro, 2007, p. 13). PARA PENSAR Onde se encontra a essencialidade do perguntar filosófico?1 Sócrates( 479 – 399 a. C. ) – Filósofo, orador e guerreiro. Teve diversos discípulos- sendo o mais famoso Platão- mas não fundou nenhuma escola nem deixou nenhum escrito. 2 Cf. Platão, Defesa (ou Apologia) de Sócrates. Daqui em diante citaremos este diálogo, que aparece nas boas traduções de Platão, como Apol. seguido da numeração das margens. Unidade II - Filosofia como experiência: fundamentos de uma reflexão 20 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia Nesse contexto, Sócrates, também pronunciou a mais famosa de suas frases: “só sei que nada sei”. Qual o significado dessa frase? Kohan e Ribeiro continuam a nos ajudar, nesse quesito: Talvez queira dizer que, pelo menos para Sócrates, o saber humano mais propriamente humano é o filosófico, na medida em que reconhece a impossibilidade de adquirir um saber pleno, certo, e se afirma no desejo (phílo) irrenunciável de buscar saber (sophia) mesmo frente a essa impossibilidade. Esse exercício revela, para Sócrates, o valor de uma vida, por que uma vida sem exame, sem perguntas, não merece ser vivida (Apol. 38a). Porém, a filosofia (philo-sophia) enfrenta uma situação trágica na pólis: mesmo sendo ela a normatividade da vida mais propriamente humana, enquanto questionadora das certezas próprias e alheias, e investigadora ,acima de tudo, da verdade, é muito pouco praticada pelos seres humanos e até é vista pelas ordens dominantes como perigosa e hostil, a tal ponto que o próprio Sócrates foi condenado à morte pela sua vida filosófica e por ensinar filosofia (Kohan e Ribeiro, 2007, p.14). Assim, o perguntar da filosofia nos ajuda a questionar os pensamentos, próprios e alheios. Dessa forma, ela é sempre transformadora porque impossibilita seguir pensando aquilo que pensamos — pelo menos da forma que o pensamos — seguir sendo aquilo que somos. As perguntas da filosofia abrem os diversos sentidos da crítica. Elas permitem reconhecer limites, explorar coisas que são apresentadas como óbvias, naturais, normais. Elas também levam a pôr em questão valores, conhecimentos, instituições. Elas também afirmam o caráter ilimitado do pensar humano. Em filosofia não podemos permitir que o pensamento tenha limites. As perguntas da filosofia são precisamente a procura de quebrar os limites do pensamento. Por que pensamos aquilo que pensamos? Por que não poderia ser de outra forma? Atividade Vamos pensar mais pouco? Vá ao Ambiente Virtual de Aprendizagem e participe do Fórum da Unidade 2. LARROSSA B, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de Experiência. Tradução de João Wanderley Geraldi. Revista Brasileira de Educação, Jan/Fev/Mar/Abr 2002 Nº 19. Disponível em: < http://www.anped.org.br>. Acesso em: 30 out. 2009. LEITURA COMPLEMENTAR cespeUnB Centro de Seleção e de Promoção de Eventos 21 ALVES, Rubem. Conversas com quem gosta de ensinar. São Paulo: Ars Poética, 1995. DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: 34, 1998. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. KOHAN, Walter; LEAL, Bernardina e RIBEIRO, Álvaro (orgs.). Filosofia na Escola Pública. Petrópolis: Vozes, 1999. KOHAN, Walter & RIBEIRO, Álvaro. Filosofia e práxis pedagógica. Brasília: Universidade de Brasília, 2007. KOHAN, Walter. Infância: entre Educação e Filosofia. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. PLATÃO, “Defesa de Sócrates”. In: SÓCRATES. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974. Unidade II - Filosofia como experiência: fundamentos de uma reflexão REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 22 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia Fundamentos à prática filosófica Apresentação Nos últimos dois séculos a ciência procurou fragmentar o conhecimento para poder entender o mundo. As disciplinas escolares são fruto desta fragmentação. Mas, a compreensão do mundo nem sempre passa pela sua decomposição em partes, mas sim pela visão que temos do todo. Quando observamos o todo podemos verificar que existe uma complexidade no mundo que muitas vezes ultrapassa nossa possibilidade de compreensão apenas pela via científica. Segundo Edgar Morin (2000) o ser humano é um ser complexo, pois, ao mesmo tempo em que é Sapiens (sábio) é também Demens (louco). Ao mesmo tempo capaz de trabalhar tenazmente na busca da cura de uma doença grave, é capaz de trabalhar, também tenazmente, na construção de armas de alta destruição. O ser humano é científico e imaginativo ao mesmo tempo. É racional e irracional, chora, ri, se emociona, mas, também pode ser calculista. Somos seres biológicos e culturais, ao mesmo tempo. Assim é o ser humano, assim é a vida, vivemos entre o caos e a harmonia. Entre o existir e o não existir. Entre o pensar e o sentir. UNIDADE III 23Unidade III - Fundamentos à prática filosófica Objetivo Considerar os elementos que conformam as dimensões dialógica e criativa do pensar. Diálogo Devemos lutar por uma educação que admita as incertezas, do conhecimento, da razão, da natureza, das verdades, da existência? Como não admitir as incertezas se elas existem? Admiti-las, significa nos acomodarmos a elas? Há diferenças individuais, fruto de diferenças sociais, culturais, econômicas, familiares. Fruto de necessidades e desejos. Vontades e aspirações. Passados e Futuros. Sensibilidades. Modo de pensar a vida. Compreensão do mundo. Etc. É com a realidade de um grupo heterogêneo que devo trabalhar? A educação para ser transformadora precisa estar transformando. Por isso, necessita estar centrada na vida da comunidade. As culturas locais e seus valores devem ser ponto de partida para o aprendizado. A sala de aula, a escola, o bairro, a cidade, formam comunidades de vida e, dentro destas comunidades existem micros comunidades, como, por exemplo em uma sala de aula pequenos grupos se formam, por vários motivos. O espaço social da sala de aula deve estar baseado na solidariedade entre seus componentes. Educandos e educadores devem interagir com o conhecimento e aprenderem juntos. O ensinar e o aprender só ocorrerão quando o desejo, a vontade do educando assim o solicitarem. Por isso, educando e educador devem dialogar entre si e com o conhecimento. Diálogo é uma exigência existencial, pois, é o encontro dos que se solidarizam para refletir sobre o seu próprio agir. Para Paulo Freire, o diálogo é um ato de criação, por isso não pode servir de instrumento manhoso de conquista. A única conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos envolvidos. Para ele, para dialogar são necessários alguns fundamentos, entre eles o amor, a fé na humanidade, a esperança e o pensar crítico. Segundo Freire, haverá diálogo quando sentirmos um profundo amor pelos/as homens/ mulheres e pelo mundo. Através desse amor é possível a pronúncia do mundo. É possível porque é um ato de coragem e não de medo. Quando amo o mundo, amo a vida; se amo a vida, amo o ser humano; se amo os homens sou impulsionado à transformação. Para ser tem que estar sendo. Paulo Freire E por que o diálogo? 24 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia A construção do mundo é um ato de constante recriação. Mas, como podemos recriar se somos donos da verdade sobre o mundo? Neste lugar de encontro, não há ignorantes nem sábios absolutos, mas sim homens e mulheres que, em comunhão, buscam saber mais. É preciso acreditar que o/a homem/mulher são capazes de criar e recriar a sua realidade. A fé no/a homem/mulher é uma necessidade anterior ao próprio diálogo, para que esse possa ser implementado. Para o diálogo, é necessária a esperança. Um desesperançado não cria e, muito menos, recria algo. Ele espera que tudo padeça. A esperança está na raiz de nossa imperfeição. A esperança é uma ação em direção ao ser-mais. O diálogo não pode ser feito na desesperança, pois seria a negação do próprio diálogo. E, finalmente o diálogo requer um pensar crítico. O pensar crítico é um pensar verdadeiro, pois percebe a realidade como um processo em constante movimento. Opensar crítico não aceita a dicotomia mundo-homem e, reconhece entre eles uma inquebrantável solidariedade. Ao mesmo tempo em que o diálogo implica um pensar crítico é capaz de gerá-lo. (Freire, 1977, p.79-83). O diálogo poderá nos permitir conhecer as indagações de nossos alunos, suas reais necessidades e seus desejos. Mas que diálogo devemos desenvolver na filosofia? A filosofia é o espaço do desacordo. As palavras, os conceitos, a realidade, tudo é fruto do desacordo na filosofia. São comuns os discursos educacionais que afirmam o diálogo como superação das divergências. É comum em educação dizer que o diálogo permitiria superar os desacordos, ou pelo menos torná-los toleráveis até alcançar um consenso. No entanto, é preciso ter cuidado com essas afirmações, pois elas podem conter uma ilusão perigosa e conservadora, uma vez que legitimam consensos produzidos em condições desiguais, aqueles emanados pelos mais bem situados nas relações econômicas e culturais, visando unificar, padronizar, homogeneizar. É preciso afirmar o valor do desacordo no processo. O diálogo filosófico pode ser um dos espaços propícios para a explicitação e compreensão dos desacordos. O diálogo filosófico é uma forma de esclarecer, explicitar e compreender as diferenças na forma em que vemos e valoramos o mundo que compartilhamos. Ele não procura dissolver essas diferenças, mesmo porque seria uma forma de suicídio. Sem essas diferenças, não teríamos filosofia, nem educação, nem política, nem seres propriamente humanos. (Kohan e Ribeiro, 2007, p. 15-16). 25 Criação O diálogo predispõe os interlocutores ao debate e a construção filosófica. Com isso, abrimos a possibilidade destas relações se tornarem cada vez mais complexas de sentido e significado, estabelecendo novas conexões com o mundo e seu futuro. A experiência filosófica também é espaço da utopia, de novos projetos, da emergência de novos saberes, da construção de novas relações. Por isso ela é, fundamentalmente, criadora. Esta dimensão criadora da filosofia é apresentada pelos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari (1998). Para eles, a filosofia, antes de mais nada, cria conceitos. Traçar, inventar e criar é a trindade filosófica, apresentada por ambos. Toda a experiência filosófica deve resultar na criação de conceitos. Sua base é o tempo vivido de cada um. Todo o conceito é criado sobre um plano de imanência no qual se movimentará e vai se cruzar com outros conceitos, em seu plano e em infinitos planos imanentes. O conceito de filosofia de Deleuze e Guattari coloca a dimensão do novo, do que ainda não é, como marca insubstituível do pensar filosófico; para eles, a criação filosófica revoluciona o âmbito do pensar estabelecendo que pode acontecer o aparentemente impossível; ele mesmo é um acontecimento do pensar, a irrupção de algo não previsto, um exercício sempre perigoso. A criação é um ato de instaurar o novo no mundo. Claro, instaurar o novo nem sempre consiste em inventar algo que não existia. Pode consistir em descobrir uma relação que não era percebida, em apresentar uma nova ordem nos elementos já existentes ou simplesmente em perceber o mesmo de uma outra forma. É fundamental no ato de criar visar alternativas ao mundo existente. Essa concepção destaca o caráter não transmissível da filosofia e nos ajuda a superar a dicotomia entre teoria e prática filosóficas: a filosofia é uma prática teórica criadora ou não é filosofia. A filosofia não se transmite, ela se exerce. Finalmente, essa proposta assinala para o filósofo uma postura irreverente, mas ao mesmo tempo continuadora da história da filosofia. Dessa forma, podemos concordar com Kant quando afirma que não é possível ensinar filosofia, mas sim, filosofar. Só a filosofia pode ser criativa? Unidade III - Fundamentos à prática filosófica 26 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia Atividade Agora, você deverá participar do Fórum da Unidade 3. GALLO, Silvio; SOUZA, Regina Maria. Porque matamos o barbeiro: reflexões preliminares sobre a paradoxal exclusão do outro. Educação e Sociedade XXIII, n 79, Agosto/2002. Disponível em: <http://www.scribd.com>. Acesso em: 01 nov. 2009. cespeUnB Centro de Seleção e de Promoção de Eventos LEITURA COMPLEMENTAR 27 DELEUZE, Gilles; GATTARI, Felix. O que é filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1998. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. FREIRE, Paulo e SHOR. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. São Paulo: Paz e Terra,1987. KOHAN, Walter; LEAL, Bernardina e RIBEIRO, Álvaro (orgs.). Filosofia na Escola Pública. Petrópolis: Vozes, 1999. KOHAN, Walter & RIBEIRO, Álvaro. Filosofia e práxis pedagógica. Brasília: Universidade de Brasília, 2007. KOHAN, Walter. Infância. Entre Educação e Filosofia.Belo Horizonte: Autêntica, 2003. Unidade III - Fundamentos à prática filosófica REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 28 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia A sala de aula: espaço privilegiado da experiência do pensar Apresentação A sala de aula pode tornar-se um espaço primoroso na atividade do pensamento, um local das possíveis realizações, de encontros e de confrontos entre diferenças e semelhanças. Mas, como nos prepararmos para a caminhada até a sala de aula? O que poderemos encontrar pelo caminho? Os adolescentes e jovens e suas próprias experiências, os diferentes textos e suas mais diversas interpretações, os recursos didáticos e suas formas, as diferentes técnicas de ensino e seus apelos, os conteúdos curriculares e suas exigências, o ambiente escolar e suas imposições. O que mais? Objetivo Refletir sobre o espaço da sala de aula e suas possibilidades enquanto experiência do pensar Orientações Curriculares para o Ensino Médio - Ciências humanas e suas Tecnologias: conhecimento de filosofia O Ministério da Educação lançou, em 2006, uma série orientações curriculares para UNIDADE IV Fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos alcança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Martim Heidegger 29Unidade IV - A sala de aula: espaço privilegiado da experiência do pensar o Ensino Médio. Segundo o MEC (2006), as mesmas foram elaboradas “a partir de ampla discussão com as equipes técnicas dos Sistemas Estaduais de Educação, professores, alunos da rede pública e representantes da comunidade acadêmica”. As Orientações Curriculares tem por objetivo principal incrementar o diálogo com e entre os educadores, visando contribuir para uma educação de qualidade e voltada para o desenvolvimento da cidadania. É preciso ressaltar que o próprio documento não o apresenta como uma cartilha ou manual a ser seguido, mas como mais um instrumento de reflexão sobre a educação, que deve ser usado em proveito da aprendizagem. O documento apresenta o currículo em três grandes blocos de conhecimentos: Linguagem, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências humanas e suas Tecnologias. A Filosofia é parte do terceiro bloco de conhecimentos: Ciências humanas e suas Tecnologias. A forma de apresentação visa criar a possibilidade dos conhecimentos serem vistos a partir de possibilidades interdisciplinares. É afirmada a necessidade da oferta obrigatória da disciplina Filosofia, para que, assim, a mesma possa participar de forma ativa em projetos transversais, contribuindo assim com a formação plena do educando. Em consonância com o Inciso III do § 1º do Artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394 de 20/12/1996), no qual se afirma que o educando ao final do ensino médio deve demonstrar o “domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania” (p. 21), o documento apresenta suas razões para a definição de uma identidade para a Filosofia. Embora reconhecendo a dificuldade para definir um sentido para a filosofia, afirma a necessidade de se buscar respostas para a pergunta “O que é filosofia?”. Uma primeira posiçãoé de que nenhuma resposta pode ser ingênua uma vez que cada resposta está comprometida com pontos de vista eles próprios filosóficos. Assim, responder à pergunta é já filosofar, sendo perigosa e enganadora a inocência. Uma resposta aparentemente universal se situa logo em um campo particular (no aristotelismo, no platonismo, no marxismo, etc.), sendo a trama que lhe confere sentido um misto de autonomia do pensador e de instalação em um contexto histórico” (p. 22). Tendo em vista as razões acima, a filosofia passa, então a ter o sentido dado por cada professor. Pois, “a resposta de cada professor de Filosofia do ensino médio à pergunta “que filosofia?” sempre dependerá da opção por um modo determinado de filosofar que considere justificado” (p. 24). Desta forma, o conceito de cidadania também não escaparia a mesma lógica. Portanto, como o conhecimento filosófico a ser desenvolvido tem como ponto de apoio a educação para a cidadania, conforme a LDB, é necessário buscar na legislação que conceitos emanam delas. O documento, então, traz à tona os valores apresentados pela LDB, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para o 30 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia Ensino Médio, a saber: I. os fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática; II. os que fortaleçam os vínculos de família, os laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca. A Resolução que a aprova as DCNEM, traz em seu artigo 3º os princípios estéticos, políticos e éticos em que se sustenta a educação nacional, a saber: I. a Estética da Sensibilidade, que deverá substituir a da repetição e padronização, estimulando a criatividade, o espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado e a afetividade, bem como facilitar a constituição de identidades capazes de suportar a inquietação, conviver com o incerto e o imprevisível, acolher e conviver com a diversidade, valorizar a qualidade, a delicadeza, a sutileza, as formas lúdicas e alegóricas de conhecer o mundo e fazer do lazer, da sexualidade e da imaginação um exercício de liberdade responsável; II. a Política da Igualdade, tendo como ponto de partida o reconhecimento dos direitos humanos e dos deveres e direitos da cidadania, visando à constituição de identidades que busquem e pratiquem a igualdade no acesso aos bens sociais e culturais, o respeito ao bem comum, o protagonismo e a responsabilidade no âmbito público e privado, o combate a todas as formas discriminatórias e o respeito aos princípios do Estado de Direito na forma do sistema federativo e do regime democrático e republicano; III. a Ética da Identidade, buscando superar dicotomias entre o mundo da moral e o mundo da matéria, o público e o privado, para constituir identidades sensíveis e igualitárias no testemunho de valores de seu tempo, praticando um humanismo contemporâneo, pelo reconhecimento, pelo respeito e pelo acolhimento da identidade do outro e pela incorporação da solidariedade, da responsabilidade e da reciprocidade como orientadoras de seus atos na vida profissional, social, civil e pessoal. A partir desses princípios que devem ser observados pela educação na formação da cidadania é possível, então, identificar o papel da filosofia no Ensino Médio. Este papel seria o de contribuir para “desenvolvimento da competência geral de fala, leitura e escrita – competência aqui compreendida de um modo bastante especial e ligada à natureza argumentativa da Filosofia e à sua tradição histórica. Cabe, então, especificamente à Filosofia a capacidade de análise, de reconstrução racional e de crítica, a partir da compreensão de que tomar posições diante de textos propostos de qualquer tipo (tanto textos filosóficos quanto textos não filosóficos e formações discursivas não explicitadas em textos) e emitir opiniões acerca deles é um pressuposto indispensável para o exercício da cidadania” (p. 26). 31 Assim, o estudo da filosofia deve estar assentado na sua história, que seria o motor principal do currículo. Para isto são propostas temáticas que poderiam compor o currículo da filosofia no Ensino Médio: 1) Filosofia e conhecimento; Filosofia e ciência; definição de Filosofia; 2) validade e verdade; proposição e argumento; 3) falácias não formais; reconhecimento de argumentos; conteúdo e forma; 4) quadro de oposições entre proposições categóricas; inferências imediatas em contexto categórico; conteúdo existencial e proposições categóricas; 5) tabelas de verdade; cálculo proposicional; 6) filosofia pré-socrática; uno e múltiplo; movimento e realidade; 7) teoria das idéias em Platão; conhecimento e opinião; aparência e realidade; 8) a política antiga; a República de Platão; a Política de Aristóteles; 9) a ética antiga; Platão, Aristóteles e filósofos helenistas; 10) conceitos centrais da metafísica aristotélica; a teoria da ciência aristotélica; 11) verdade, justificação e ceticismo; 12) o problema dos universais; os transcendentais; 13) tempo e eternidade; conhecimento humano e conhecimento divino; 14) teoria do conhecimento e do juízo em Tomás de Aquino; 15) a teoria das virtudes no período medieval; 16) provas da existência de Deus; argumentos ontológico, cosmológico, teleológico; 17) teoria do conhecimento nos modernos; verdade e evidência; idéias; causalidade; indução; método; 18) vontade divina e liberdade humana; 19) teorias do sujeito na filosofia moderna; 20) o contratualismo; 21) razão e entendimento; razão e sensibilidade; intuição e conceito; 22) éticas do dever; fundamentações da moral; autonomia do sujeito; 23) idealismo alemão; filosofias da história; 24) razão e vontade; o belo e o sublime na Filosofia alemã; Unidade IV - A sala de aula: espaço privilegiado da experiência do pensar 32 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia 25) crítica à metafísica na contemporaneidade; Nietzsche; Wittgenstein; Heidegger; 26) fenomenologia; existencialismo; 27) Filosofia analítica; Frege, Russell e Wittgenstein; o Círculo de Viena; 28) marxismo e Escola de Frankfurt; 29) epistemologias contemporâneas; Filosofia da ciência; o problema da demarcação entre ciência e metafísica; 30) Filosofia francesa contemporânea; Foucault; Deleuze. Este conjunto de temas concretizaria uma possibilidade de construção de um currículo que daria condições ao educando ao desenvolvimento de competências e habilidades necessárias ao seu pleno desenvolvimento. É preciso ressaltar que esta posição não é consenso no seio dos educadores. Podemos citar o Profº Silvio Gallo, da Unicamp, que nos parece representativo de uma outra posição: Para tanto, a organização curricular precisa ser feita em torno de problemas filosóficos, visando promover experimentações com o pensamento conceitual para o equacionamento desses problemas. Num tal registro, a história da Filosofia e os temas filosóficos estão presentes, mas como pano de fundo. O essencial é a problematização e a conceituação que, de resto, não é possível sem o recurso à história, à tradição filosófica, aos textos filosóficos. Apenas assim poderemos ter um ensino de Filosofia que diga respeito à vida dos estudantes e, portanto, faça sentido. E apenas assim, desenvolvendo elementos para a construção de uma autonomia de pensamento, o ensino da Filosofia desempenhará um papel na construção de uma sociedade republicana e verdadeiramente democrática. (GALLO, 2009). Parece-nos que a crítica principal se localiza no fato de as Orientações Curriculares para o Ensino Médio colocarem a centralidade do ensino de filosofia na sua história. O que, para Sílvio Gallo, não responde às necessidades dos educandos. Para inserir o cotidiano das relações educativas e pessoais dos educandos nos currículos escolares, os problemas filosóficos poderiam criar maiores oportunidades. No entanto, apresentados pelas Orientações Curriculares, podem proporcionar uma base para que os problemas filosóficos possam ser trabalhados. De qualquerforma, como bem afirma o documento, os próprios professores e seus contextos educativos é que serão responsáveis por essas definições. A sala de aula: espaço do pensamento Kohan, Leal e Ribeiro (1999) nos alertam para o esforço que devemos fazer na construção de um espaço que propicie a reflexão filosófica. Com isso não podemos ter garantias quanto ao que fazer na sala de aula. Não saberemos se não nos dispusermos 33 a caminhar. Sucessos ou fracassos são próprios da convivência humana, isso implica em não sabermos o que nos espera. Lançar-se na ousadia da conquista e da descoberta conjunta, a partir do espaço educativo da filosofia, é um risco que, talvez, valha a pena correr. A sala de aula não deve ser só um espaço de transmissão de saberes filosóficos, mas sim, uma constante construção de novos conhecimentos e, principalmente, um espaço de investigação filosófica. O papel do professor em uma reflexão filosófica não passa pela transmissão de conhecimento filosófico, pela transmissão de doutrinas, conteúdos ou valores pré-estabelecidos, mas sim, cabe ao professor permitir incentivar a problematização constante em torno dos temas em debate. Quanto mais o professor contribuir para que as crianças, os adolescentes e jovens problematizem as situações propostas, mais ele poderá estar contribuindo para que o aluno busque a investigação. Assim, ele poderá tornar-se um coinvestigador. Ao professor cabe envolver-se como coordenador das discussões, preparando as aulas, selecionando materiais didáticos, elaborando instrumentos avaliativos, preparando perguntas de aprofundamento, enfim, envolvendo-se com a aula antes, durante e depois dela. A sala de aula configura-se como o espaço privilegiado das relações pedagógicas. É o espaço da realização do que foi planejado. O espaço do encontro de seres humanos. É nesse ambiente de relações que os educandos se encontram. O que poderia diferenciar os encontros/aulas de filosofia das demais? Talvez as perguntas realizadas. Aquelas perguntas que são feitas sem que se antecipem respostas. As perguntas que têm na correspondência que propiciam sua importância. Aquelas cujos remetentes ou destinatários podem ser ignorados, pois não precisam ser respondidas. Elas ensejam problematizações. Delas decorrem discussões. São estas as características marcantes de um encontro/aula filosóficas: perguntas, problematizações, discussões. Poderíamos, a título de exemplo, afirmar que o encontro/aula poderá ser organizado a partir de quatro momentos/pilares: Definindo-se, como tal, os conceitos e noções que serão problematizados na aula. Nesse sentido, poderia haver temas amplos, bem como temas específicos. Exemplo: Ética (como tema geral) e violência verbal e não verbal (como tema específico). Os temas podem se originar dos conteúdos/objetivos/valores e/ou habilidades previstos nos programas escolares. Ou, ainda, na realidade do cotidiano da comunidade. Unidade IV - A sala de aula: espaço privilegiado da experiência do pensar Tema Texto 34 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia O tema deve ser apresentado em forma de texto, como por exemplo: textos filosóficos, textos literários ou poéticos, conceitos, história, dramatizações, filmes, música etc. O texto deve ser colocado livremente à disposição dos educandos. É necessário que eles mesmos possam realizar a leitura dos textos, sejam eles apresentados de forma oral, escrita ou por outro meio. O que não devemos é interpretar o texto, antes de sua apresentação. É importante ressaltar aqui o quanto este aspecto é essencial, pois percebemos em nossa prática que o mesmo texto pode levar a diversas problematizações, nem sempre previstas em nosso planejamento. Após a apresentação do tema, busca-se uma problematização do mesmo, a partir do texto através do qual o tema é apresentado, levantando-se então questões e perguntas possíveis e imagináveis. Deve ser uma verdadeira chuva de idéias, que deve ser elaborada em grupo, pensando, discutindo, revendo nossas próprias posições, pontuando posições rígidas, etc. Esse momento é extremamente importante, pois é uma espécie de laboratório para o professor lidar com questões que podem surgir em sala de aula, ou seja, é um instante de reflexão e abertura, em que o professor ‘pesca’ as reflexões e segue refletindo depois do próprio planejamento. Nesse momento, busca-se o modo e o que será avaliado em cada aula. Por exemplo, avaliar a discussão por meio de carinhas (bom, médio e ruim), avaliar o tema por meio de um desenho etc. Soltar a criatividade aqui é essencial. É neste momento que levamos os educandos a realmente sentir o quão importante é a filosofia e o pensar, pois eles mesmos devem verificar o que conseguiram configurar internamente com o debate, ou seja, que construção criadora foram capazes de realizar. O que se pretende não é definir uma metodologia pedagógica. Talvez, propor, sim, uma metodologia que torne possível a reflexão inicial sobre qualquer tema, a partir de textos múltiplos, não, necessariamente, um texto escrito em forma de prosa, nem mesmo um texto escrito. Mas, uma poesia, um fato diário, um texto literário ou filosófico ou científico, ou ainda, algo do cotidiano do aluno, suas alegrias, tristezas, descobertas ou insatisfações, ou então, os conteúdos historicamente acumulados pela humanidade. O texto apresentado será problematizado, esmiuçado e reconstruído pelos Adolescentes e Jovens. É em torno desse texto, devidamente problematizado, que irá ocorrer a investigação, a reflexão. Para isso, é necessário o encontro entre o professor Perguntas problematizadoras Avaliação 35 e educandos em torno do desafio de dialogar com o texto e em torno dele. O debate entre os componentes da turma oferecerá as condições para que a investigação filosófica ocorra, é através dele que as posições se explicitarão, as divergências e convergências far-se-ão presentes. É através do debate que as posições poderão sofrer mudanças e questionamentos, todos estarão na mesma condição, todos sabem e não sabem ao mesmo tempo. O resultado do debate, da reflexão não será um consenso entre as partes, mas sim, uma afirmação saudável da diversidade. É preciso, não só problematizar ou refletir sobre um tema, através de um texto, é necessário avaliar o vivido. A partir dessa reflexão, é possível pesquisar com mais afinco as temáticas surgidas e suas variantes. O espírito investigativo, a problematização temática e o diálogo com o conhecimento entre educador(a)/educando(a), poderão ser armas significativas na construção de um espaço pedagógico plural em que muitas respostas possam ser dadas para uma mesma questão e as descobertas múltiplas poderão fortalecer o ser humano na busca de sua libertação, de si mesmo e dos opressores externos. Não é o professor que irá sozinho transformar totalmente as condições adversas que os sistemas econômicos e políticos têm nos impingido. No entanto, o papel que o (a) professor (a) pode desempenhar na luta pela libertação do ser humano pode ser, sem dúvida, significativo. O papel de contribuir para libertações individuais, como afirma Foucault, liberta-nos daquilo que fazem de nós. Mas, também, de libertações coletivas: sociais e políticas. Este pode ser o papel do (a) professor (a), professor (a) este (a) que também é construído (a) historicamente, portanto, não deve considerar-se o (a) “salvador (a) da pátria”, ou culpar-se por todos os fracassos. Mas, para que o professor possa criar uma pedagogia da pluralidade, onde todos possam conhecer criar, relacionar-se e ser sujeito de sua educação, faço mais uma indicação. Para que possamos transformar nossa sala de aula em um espaço de diálogo e investigatório, o(a) professor(a) necessita uma formação, pessoal e coletiva, que leve em consideração a possibilidade de nos colocarmos em situação de ouvir nosso aluno. René Barbier (1998), educador francês, chama esta esta disposição de “escuta sensível” 2 . Para poder colocar-nosem escuta é necessário nos dispor a ouvir. Quem sabe, para isso, podemos colocar nossa sensibilidade em ação? É, sim, nossa sensibilidade. Não é o que mais fazemos? Meu aluno está com problemas, não tem o que comer, está triste, hoje precisou de um carinho. Pois bem, para Barbier, sensibilidade “é a forma elaborada do sentimento de ligação (reliance): uma ‘empatia generalizada’ em relação a tudo o que vive e a tudo o que existe” (apud Barbosa, 1998, p.183). Unidade IV - A sala de aula: espaço privilegiado da experiência do pensar 36 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia Para Barbier, a sensibilidade contém em seu cerne o sentimento de “amor” ou “compaixão”. Para ele, a sensibilidade manifesta-se de diversas formas: a sensibilidade ecológica nos implica aos fatos da vida na terra; a sensibilidade ética é o sentimento de ligação com o que pode ser bom e a sensibilidade estética nos identifica com o que é “belo”, mas se apresenta no nosso interior, mais ou menos o que se chama “beleza interior”. Vale ressaltar a preocupação de inúmeros educadores que atuam com filosofia com o “amor”. Talvez seja um resgate do pensamento socrático que está nos primórdios da filosofia enquanto área de conhecimento humano. Recentemente, em um livro organizado por Borba e Kohan (2008), pelo menos três professores universitários abordam a atitude amorosa como um dos pilares para uma educação fillosófica. São eles: Giusepe Ferraro, da Universidade Federico I, Nápoles-Itália; Felipe Ceppas, da PUC-RJ e UGF-RJ e Jorge Larrosa, Universidade de Barcelona – Espanha. Poderíamos pensar que isso seria uma atitude piegas. Mas, quando a idéia vem de lugares tão diferentes e de pessoas que não tem o hábito de estarem juntos, devemos ter pelo menos uma atitude filosófica sobre o tema. A disposição para uma atitude amorosa; um ir ao encontro, através do diálogo e uma prática investigativa, creio serem elementos importantes para a construção de uma educação que seja parceira na libertação pessoal e coletiva das pessoas. Evidente que as libertações deverão ser sempre condicionadas ao meio cultural que a sociedade for capaz de construir. SIOMARA, Borba; KOHAN, Walter. Filosofia, aprendizagem, experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. LEITURA COMPLEMENTAR 37Unidade IV - A sala de aula: espaço privilegiado da experiência do pensar O uso de filmes e vídeos na investigação filosófica é aconselhável e desejável. Além de filmes de longa metragem, existe uma considerável filmografia de curtas à disposição. A Petrobrás mantém um site com curtas de variadas temáticas e que pode ser acessado com facilidade: <http://www.portacurtas. com.br>. Existem inúmeros sítios na internet que oferecem vídeos variados sobre educação e filosofia. Indicaria o site do Youtube (<http://www.youtube.com>), hoje o que oferece maior número de opções. Os filmes abaixo apresentam temáticas relacionadas com a educação de um modo geral. No entanto, são importantes para a investigação filosófica. Você poderá escolher os que forem mais adequados às temáticas que serão investigadas. SUGESTÕES DE FILMES E VÍDEOS Filmes: Sociedade dos Poetas Mortos • Lançamento: 1989 • Direção: Peter Weir • Duração: 02h 09min • Sinopse: Um ex-aluno, hoje professor de literatura, chega a um conservador colégio, onde revoluciona os métodos de ensino ao propor que seus alunos aprendam a pensar por si mesmos. Uma mente brilhante • Lançamento: 2001 • Direção: Ron Howard • Duração: 02h 15min • Sinopse: trata-se da história de John Nash, considerado esquizofrênico pelos médicos, que chegou a ganhar um Prêmio Nobel graças à sua genialidade. 38 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia Filmes: Nenhum a menos • Lançamento : 1999 • direção: Zhang Yimou duração: 01h 56min • Sinopse: Um professor de uma escola no interior da China precisa sair de licença para cuidar da mãe doente. A única pessoa que aceita substituir o professor é uma menina de 13 anos Wei Minzhi. Como a evasão escolar é muito grande, Gao instrui Wei a não permitir que nenhum de seus alunos abandone o curso. Pro dia nascer feliz • Lançamento : 2006 • direção: João Jardim duração: 01h 28 min • Sinopse: As situações que o adolescente brasileiro enfrenta na escola, envolvendo preconceito, precariedade, violência e esperança. Adolescentes de 3 estados, de classes sociais distintas, falam de suas vidas na escola, seus projetos e inquietações. Escritores da liberdade • Lançamento : 2007 • direção: Richard LaGravenese • duração: 01 hs 28 min • Sinopse: História envolvendo adolescentes criados no meio de tiroteios e agressividade, e a professora que oferece o que eles mais precisam: uma voz própria. Quando vai parar numa escola corrompida pela violência e tensão racial, a professora Erin Gruwell combate um sistema deficiente, lutando para que a sala de aula faça a diferença na vida dos estudantes. Agora, contando suas próprias histórias, e ouvindo as dos outros: uma turma de adolescentes. 39 Atividade O PLANO DE AULA O plano de aula é um instrumento fundamental para a organização pedagógica do professor. Embora, em uma investigação filosófica, o que foi planejado possa não ser seguido, não devemos improvisar. Um bom planejamento nos dará uma base sólida para os imprevistos próprios de uma investigação. Um plano não poderá deixar de conter as seguintes partes: Tema – vai ampliar buscar a relação interdisciplinar e transdisciplinar dos conhecimentos a serem previstos conforme já explanado anteriormente, os temas podem se originar nos programas escolares, ou, ainda, na realidade do cotidiano da comunidade. Objetivo(s) – deverá antever aquilo que será importante para o aluno alcançar, ou seja, os conhecimentos a serem desenvolvidos. O objetivo deve expressar o que se quer alcançar? Para que se quer alcançar? E o por que se quer alcançar? Com o estudante, para estes afirmarmarem conhecimentos significativos. Evitar expressões como: “Levar o aluno a refletir sobre...”. Neste caso, podemos optar por: “Refletir sobre...” Valores/Habilidades - dizem respeito ao conjunto de situações a serem desenvolvidos pelos estudantes no processo ensino aprendizagem. Ligam-se aos atributos relacionados não apenas ao saber-conhecer, mas ao saber-fazer, saber-conviver e ao saber-ser; Recursos didáticos – neste campo devemos explicitar os instrumentos a serem utilizados para o desenvolvimento do tema. O texto, conforme explicitado anteriormente, será exposto neste espaço. Procedimentos – é o espaço onde será descrito a organização da aula. Desde a apresentação do tema, passando pela investigação propriamente dita, até a avaliação. Como a turma vai estar organizada, se em grupo ou não. Como serão apresentados e utilizados os recursos materiais. Como serão desenvolvidos os debates. Enfim, como estaremos organizados para a investigação filosófica e como ela dar-se-á. Avaliação – a avaliação é o momento de riqueza interior, de retomada, de visualização do que fazer, do como fazer e do para que fazer. É o momento que propicia uma reflexão dos educandos, do educador sobre o conhecimento Unidade IV - A sala de aula: espaço privilegiado da experiência do pensar 40 Módulo 5 - Didática aplicada à Filosofia adquirido. Uma tomada de consciência sobre o momento vivido. Eu aprendi, e agora, qual sentido isso pode ter para mim. Provavelmente, será o momento mais importante do aprendizado. A avaliação deve ser processual e diária, isto é, não devemos esperar o final do bimestre para aplicarmos um instrumento de medidas do conhecimento. As observações diárias e refletidas pelos próprios estudantes devem ser a base para avaliação do ensino/aprendizado. Referências – são todas as fontes que ampliam e dão suporte aos conhecimentos construídos e ao desenvolvimento da pesquisa. Devem estar referenciadas como: áudios-visuais, jornais, periódicos e outras fontes utilizadas para organizaçãoe desenvolvimento da aula. Para finalizarmos o nosso módulo, você deverá participar do fórum da Unidade 4. cespeUnB Centro de Seleção e de Promoção de Eventos 41 BARBIER, Renê. A escuta sensível na abordagem transversal. In: BARBOSA, Joaquim Gonçalves. Multirreferencialidade nas ciências e na educação. Trad. Sidney Barbosa. São Carlos: EduUFSC, 1998. BARBOSA, Joaquim Gonçalves (Coord). Multirreferencialidade nas ciências e na educação. Revisão da Tradução: Sidney Barbosa. São Carlos: EdUFSCar, 1998. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. KOHAN, Walter, LEAL, Bernardina e RIBEIRO, Álvaro (Orgs). Filosofia na Escola Pública. Petrópolis: Vozes, 1999. LUCAS, Mª Angélica. Temas transversais: novidade? Disponível em: <http://www. anped.org.br/1301t.htm>. Acesso em: 10 nov. 2009. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Trad. Catarina L. F. da Silva e Jeanne Sawaya. 2ª ed. São Paulo: Cortez; Brasília-DF: UNESCO, 2000. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Unidade IV - A sala de aula: espaço privilegiado da experiência do pensar