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Acidentes Escorpiônicos (Epidemiologia, Veneno, Diagnóstico, Tratamento)

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Introdução:
Os escorpiões são artrópodes quelicerados da ordem Scorpiones.
São considerados um dos animais mais antigos do mundo e são distribuídos por todos os
continentes, exceto a Antártida, tendo a sua maior concentração nas regiões tropicais e
subtropicais. São conhecidas aproximadamente 1.500 espécies agrupadas em 20 famílias
e 165 gêneros. Os escorpiões podem habitar ambientes diversificados, desde desertos e
cavernas profundas a altitudes superiores a 4.200m, como nos Andes e no Himalaia. São
animais carnívoros e que tem como fonte principal de alimentação grilos, baratas e
insetos em geral.
A produção da peçonha pelos escorpiões tem por objetivo principal a alimentação, já que
graças ao veneno eles conseguem imobilizar a presa. Outra função da peçonha é a
autodefesa. A maioria das espécies possui hábitos noturnos e durante o dia escondem-se
sob pedras, troncos, entulhos, telhas ou tijolos. Muitas espécies são bem adaptadas a
viver em áreas urbanas, onde encontram abrigo dentro ou próximo das casas, onde
acabam por encontrar farta alimentação. A falta de competidores e de predadores, como
macacos, quatis, seriemas, sapos e rãs, é outro fator que permite a rápida proliferação
dos escorpiões, já que não vai haver um controle populacional desses animais.
No Brasil são encontradas espécies de escorpiões pertencentes a cinco gêneros:
Isometrus
Ananteris
Microtityus
Rhopalurus
Tityus 
No entanto, as espécies que apresentam relevância médica são as do gênero Tityus,
sendo as de maior importância: 
T. serrulatus
T. bahiensis
T. stigmurus. 
Acidentes escorpiônicos
No Amazonas, os acidentes são causados principalmente por: T. silvestris, T. cambridgei,
T. metuendus. A maior gravidade e frequência de acidentes ocorre com T. serrulatus,
conhecido como escorpião-amarelo, que possui ampla distribuição no país indo desde a
Bahia ao Paraná e também região central do mapa.
O T. serrulatus se destaca devido a sua facilidade de reprodução partenogenética, por
isso apresenta alta prolificidade, já que uma fêmea não precisa do macho para gerar
população. Nos habitats onde aparece T. serrulatus, há redução das demais espécies por
causa da prolificidade e do canibalismo. Os indivíduos desta espécie, geralmente, não
são encontrados sozinhos, assim, quando se encontra um, é indicativo de que certamente
há vários por perto. Outra espécie do gênero Tityus que possui importância médica é o T.
bahiensis, popularmente chamado de escorpião-marrom, que pode ser encontrado em
todo o país, exceto região Norte. T. stigmurus, espécie também importante, é mais comum
no Nordeste.
É notório o aumento no número de casos por acidentes escorpiônicos nas épocas de
calor e chuvas, pois estas coincidem com o período de maior atividade biológica desses
animais. Os acidentes tem, predominantemente, um caráter urbano, nos últimos anos as
ocorrências tem sido mais elevadas nos estados do Nordeste, atingindo mais de 20 mil
acidentes em 2003 e taxa de incidência de 12 casos por 100 mil habitantes. Felizmente, a
maioria dos acidentes escorpiônicos são classificados como leve, por isso não requerem
soroterapia e podem ser tratados na unidade de saúde mais próxima do local de
ocorrência.
Entretanto, apesar da baixa letalidade, crianças abaixo de 14 anos correm riscos mais
elevados de evoluir para óbito, podendo atingir 3,2% de mortes entre essa faixa etária. No
ano de 2003, foram registrados 48 óbitos por acidentes escorpiônicos, dentre eles, quase
a totalidade foi entre menores de 14 anos. É importante salientar que no caso do
escorpionismo, o tempo entre o acidente e o início de manifestações sistêmicas graves é
bem mais curto do que para os acidentes ofídicos. Assim, pessoas picadas, ao apresentar
os primeiros sinais de envenenamento sistêmico, devem receber o soro específico o mais
rápido possível, bem como medidas de suporte para a manutenção das funções vitais.
O número total de diferentes compostos presentes no veneno dos escorpiões foi estimado
em 100.000, mas apenas 1% é conhecido. Após a centrifugação, a peçonha apresenta
duas porções, uma insolúvel e outra solúvel. A porção insolúvel é considerada parte não
tóxica, e é composta por mucoproteínas e restos de membranas. Já a porção solúvel é
composta por proteínas básicas neurotóxicas, enzimas, outras substâncias orgânicas
(lipídeos, carboidratos, nucleosídeos, nucleotídeos, peptídeos, aminoácidos livres) e íons
diversos. Contudo, é importante saber que a composição da peçonha dos escorpiões
varia de acordo com a espécie e também entre os indivíduos e regiões geográficas que
habitam, isso devido à condições ambientais e tipo de alimentação. No Brasil, a espécie
Epidemilogia 
Veneno 
que teve sua peçonha mais estudada, devido a sua grande importância, foi a T.
serrulatus. De modo geral, é sabido que a peçonha dos escorpiões promove a
despolarização da membrana e a liberação de catecolaminas (noradrenalina e adrenalina)
e acetilcolina pelas terminações neuronais nas sinapses pós-ganglionares por ativação de
canais de Na+ no sistema nervoso periférico. Dependendo do neurotransmissor liberado e
da fibra nervosa, os efeitos podem ser adrenérgicos ou colinérgicos. A adrenalina e a
noradrenalina são responsáveis por aumento da pressão arterial, arritmias cardíacas,
vasoconstrição periférica e, eventualmente, insuficiência cardíaca, edema pulmonar
agudo e choque. A acetilcolina promove aumento das secreções lacrimal, nasal, salivar,
brônquica, sudorípara e gástrica, tremores, espasmos musculares, mioses e redução da
frequência cardíaca. Há ativação dos receptores NK1 que resulta em contração da
musculatura lisa intestinal e inflamação. Os receptores NK1 presentes em mastócitos,
quando ativados, promovem liberação de mediadores do processo inflamatório, incluindo
o fator ativador de plaquetas (PAF), interleucinas IL-1, IL-2, IL-6 e IL-10 e leucotrienos.
Estes mediadores podem ser os responsáveis pelo edema pulmonar, em decorrência do
aumento da permeabilidade capilar pulmonar, além das alterações hemodinâmicas
produzidas pela hipertensão. Sabe-se que, no estômago, a peçonha de T. serrulatus
induz a liberação de acetilcolina e histamina, aumentando o volume gástrico, a secreção
de pepsina e a produção de ácidos com a consequente redução no pH gástrico. O veneno
dos escorpiões do gênero Tityus também pode ser considerado como responsável por
moderada toxicidade reprodutiva já que estudos mostraram que o veneno de T. serrulatus
promoveu contração do útero de ratas não prenhas, provavelmente por meio de liberação
de acetilcolina e estimulação de receptores muscarínicos. Assim, é possível que este
veneno possa favorecer a ocorrência de abortamentos.
Uma característica comum em acidentes escorpiônicos é que os sinais clínicos costumam
aparecer rapidamente após a picada, isso se deve pela rápida distribuição dos
componentes do veneno inoculado, assim a gravidade pode ser determinada em uma a
duas horas após o acidente. A sintomatologia vai depender da gravidade do acidente
provocado e varia de acordo com múltiplos critérios como a quantidade de peçonha
injetada, espécie do escorpião, condições do télson, número de ferroadas, predominância
dos efeitos (simpáticos ou parassimpáticos), peso e idade da vítima. Pessoas mais jovens
e idosos são mais sensíveis, além disso também conta como critério a variação de
sensibilidade de cada um. 
Portanto, os casos podem ser classificados em três categorias: 
leves 
moderados 
graves 
No Brasil, a maioria dos acidentes por escorpiões apresentam gravidade leve. Nos
quadros leves há dor, que inicia imediatamente após a ferroada, no local picado. Essa dor
pode ser de intensidade moderada apenas no local, ou muito intensa, quando irradia-se
por todo o membro acometido, e pode apresentar edema local. Devido a dor, o animal se
locomove sem apoiar o membro afetado,que se torna hipersensível, e pode apresentar
vocalizações, inquietação, chegando à níveis de agressividade. Em casos moderados,
Sinais Clínicos
além da dor local intensa, ocorrem outros sinais clínicos como náuseas, vômitos,
sialorreia, agitação ou sonolência, taquicardia, taquipneia e picos hipertensivos. Nos
casos graves, também podem ser observados vômitos profusos, hipotermia
hipermotilidade gastrintestinal, desorientação, hiperatividade, taquicardia sinusal ou
bradicardia, arritmias cardíacas, taquipneia, hiperpneia, ou bradipneia, insuficiência
cardíaca, choque e, às vezes, até convulsões. A causa da morte geralmente é colapso
cardiovascular ou em decorrência do edema pulmonar.
O diagnóstico em acidentes escorpiônicos é baseado nas manifestações clínicas e
epidemiologia. Na maioria dos casos, tais informações já permitem o diagnóstico do tipo
de envenenamento. Não existem exames laboratoriais para confirmação, porém alguns
exames complementares são importantes no acompanhamento de pacientes com
manifestações sistêmicas, tais como:
Exame eletrocardiográfico para revelar taquicardia sinusal com complexos
ventriculares prematuros,marca-passo migratório e bloqueio atrioventricular.
Exame ecocardiográfico para verificar alterações da função ventricular e da fração
de ejeção, hipocinesia ventricular (graus variáveis), semelhante ao que ocorre na
cardiomiopatia dilatada.
Radiografia de tórax, para verificar o aumento da área cardíaca e sinais de edema
pulmonar agudo.
Ecocardiografia evidencia, em acidentes graves, hipocinesia do septo
interventricular e de parede.
Exames bioquímicos para encontrar hiperglicemia, hipocalemia, aumento das
atividades séricas de amilase, creatinoquinase (CK), creatinoquinase fração MB,
aspartato aminotransferase e lactato desidrogenase, e aumento sérico de troponina
I, cortisol e insulina. Por outro lado, não há grandes alterações nos níveis séricos
de proteínas totais, albumina e frações de globulinas. 
No hemograma, podem ser observados aumento no hematócrito, concentração de
hemoglobina e número de eritrócitos
Atualmente já foi desenvolvido teste ELISA para detectar antígenos circulantes do
veneno em pacientes picados por T. serrulatus, porém, devido ao custo, esse tipo
de teste não é utilizado rotineiramente em clínicas veterinárias. Ademais, ele é
eficaz apenas em casos moderados e graves, pois possui sensibilidade insuficiente
para detectar os antígenos em casos leves.
Na maioria dos casos, para acidentes escorpiônicos de classificação leve onde há dor e
parestesia local, não é necessário a administração de soro, apenas tratamento
Diagnóstico
Tratamento
sintomático para alívio da dor por uso de anestésicos como a lidocaína a 2% ou
analgésico sistêmico. Já acidentes de classificação moderada onde estão presentes: dor
local intensa associada a uma ou mais manifestações como náuseas, vômitos, sudorese,
sialorreia, agitação, taquipneia e taquicardia, se faz necessário a aplicação de 2 à 3
ampolas de soro antiescorpiônico (SAEsc) ou soro antiaracnídico (SAA), que possui uma
parte de anticorpos contra a peçonha de escorpiões. 
Para tratamento de casos graves, aqueles que apresentam, além dos sinais já citados
anteriormente, a presença de uma ou mais das seguintes manifestações: vômitos
profusos e incoercíveis, sudorese profusa, sialorreia intensa, é preciso a administração de
4 à 6 ampolas de SAEsc ou SAA. A aplicação dos soros deve, assim como com os soros
antiofídicos, ser feita pela via intravenosa. 
Esses procedimentos são válidos para uso humano, pois estes soros não estão
disponíveis para uso em animais, isso devido a grande dificuldade na produção do soro
antiescorpiônico, pois para produzi-lo é necessário um grande número de escorpiões para
a obtenção da peçonha em quantidade suficiente para compor o soro. Assim, é preciso
uma grande estrutura para produção dos escorpiões, o que inclui a criação de seu
alimento, baratas.
O tratamento da bradicardia sinusal associada a baixo débito cardíaco devem ser tratados
com atropina. A hipertensão arterial persistente, associada ou não a edema pulmonar
agudo, é tratada com o emprego de nifedipina. Nos pacientes com edema pulmonar
agudo, além das medidas convencionais de tratamento deve ser considerada a
necessidade de ventilação artificial mecânica, dependendo da evolução clínica. Em casos
de choque, geralmente há necessidade do emprego de infusão venosa contínua de
dopamina e/ou dobutamina. Vasodilatadores, anticolinérgicos, antieméticos,
corticosteroides e anticonvulsivantes são indicados de acordo com o quadro clínico
apresentado pelo animal. Todos os casos considerados graves requerem monitoração do
paciente quanto às frequências cardíaca e respiratória, pressão arterial, oxigenação,
estado de hidratação e equilíbrio hidroeletrolítico. 
O prognóstico do envenenamento escorpiônico quase sempre é bom, exceto nos quadros
de intoxicações graves, principalmente em crianças ou filhotes. As complicações e os
óbitos podem ocorrer nas primeiras 24 horas, consideradas críticas e que, portanto,
necessitam de acompanhamento clínico urgente.
O combate aos escorpiões com praguicidas é pouco eficaz, pois eles se escondem em
buracos e frestas, dificultando seu contato com o produto. No entanto, alguns cuidados
podem ajudar a combater os escorpiões nas residências e, consequentemente, prevenir a
ocorrência de acidentes, incluindo:
manter limpos os jardins, quintais e terrenos baldios
eliminar baratas e cupins (alimentos)
manter plantas distantes das paredes e, de preferência, em suportes de ferro que
elevem os vasos do chão
preservar predadores dos escorpiões, como lagartos, galinhas, corujas e lagartixas.
Prevenção de acidentes

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