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1 CURSO DE SERVIÇO SOCIAL Acadêmica: SIRLEY DA SILVA LOPES Orientadora : DALVA FELIPE OLIVEIRA TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO: UM TRAJETO PELA VIDA JI-PARANÁ/2010 2 SIRLEY DA SILVA LOPES TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO: UM TRAJETO PELA VIDA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná – CEULJI/ULBRA, como quesito de avaliação para a obtenção do título Bacharel em Serviço Social sob orientação da Profª. Msc. Dalva Felipe Oliveira. Ji-Paraná/2010 3 CIP-Brasil. Catalogação na Fonte Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná/ULBRA Ficha Catalográfica: Ana Cláudia da Silva Rodrigues – CRB11/604 L864t LOPES, Sirley da Silva. Tratamento Fora do Domicílio:um trajeto pela vida. /Sirley da Silva Lopes. Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná, 2010. 106 f.:il. Orientadora: MCs. Dalva Felipe de Oliveira. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço à Deus por tudo: vida, amor, paz, esperança, força de vontade, saúde, ar, sol, dia, noite, alimento, lar, família, amigos, vizinhos e irmãos na fé. Por ter guardado a minha vida durante esses quatro anos na BR, nas idas e vindas de Ouro Preto à Ji-Paraná, por ter dado a oportunidade de concluir o Curso de Serviço Social, por ter providenciado recurso financeiro para pagar, por ter me instruído nos estudos, trabalhos, por ter colocado pessoas especiais no meu caminho durante esta etapa da minha vida. Agradeço a minha família em especial meu querido Hélio pelos momentos de compreensão, apoio, alegria e amor. Ao meu filho Lucas Gustavo, perdoe a mamãe pelas vezes que não pude por você para dormir, nem dei seu ‘biscoito com leite’ depois do jantar, pelas vezes que te deixei no hospital internado para não perder compromisso acadêmico, mas lhe agradeço pela compreensão que muitas vezes na sua inocência dizia – minha mãe vai para a faculdade em Ji-Paraná. À minha mãe – Rosa, por sua luta incansável de orientar e corrigir cada um, chegando a usar a varinha, que juntos fizeram efeito em todos nós filhos. Obrigada pelas noites de sono que perdeste, pelos caminhos trilhados, enchentes cortadas com água acima da cintura, doenças superadas, dificuldades tantas enfrentadas para trabalhar e ajudar o pai a nos sustentar. Você é de fibra – é um mulherão. Em todos os momentos, todos os lugares, por quer que passe, por mais que faça tudo com perfeição e dedicação sempre há alguém que fica descontente, mas o mais importante é você, sua índole, sua garra, seu jeito de fazer, de lidar com pessoas que cativa, conquista, amolece até os corações daqueles que estão rancorosos, desfalecidos, desobedientes. Isso acontece no seu dia-a-dia, você mesma conta só não parou ainda pra perceber que é a ROSA mais perfeita que Deus colocou no mundo, de graça para nós e especialmente para mim Ao meu pai – Severino, obrigada pelas lutas enfrentadas para nos criar juntamente com nossa mãe, na sua simplicidade e humildade sempre trabalhou 5 incansável, derramaste muito suor, no trabalho pesado, utilizando de ferramentas que pouco lhe favorecia, como derrubar a floresta com machado, roçar o capoeirão com foice e limpar o terreno com enxada para plantar e colher. Assim nunca deixou nenhum de nós passar fome, frio ou desabrigados. Roupas, calçados, acessórios da moda, brinquedos, coisas da atualidade, conforto total não tínhamos. Era tudo muito simples, mas o mais importante jamais faltou, o amor, este ora não foi expressado com palavras do tipo “eu te amo”, mas cuidados que nos ensinaram para a vida, para o mundo. Aos meus irmãos – Gilson, Gilvan, João Paulo, Genivaldo, Sirlene, Simone, às meus cunhados e cunhadas, meus sobrinhos/sobrinhas, aos meus tios/tias, primos/primas, avós, sogro/sogra agradeço a cada um por fazerem parte da minha vida. As minhas colegas acadêmicas: Vanda, Geni, Aline, Ana Paula, Daiane, Raquel, Jucicleide, Angela, Naira, Veronez. Aos colegas de Ji-Paraná: Marinete, Roseli, Maria Neuza, Branca, Celso, Ivani, Risany, Marina e outros, agradeço a cada um, que Deus ilumine a todos com sua infinita bênção. Aos irmãos de fé da 3ª Igreja Presbiteriana do Brasil, à todos agradeço pelas orações, a compreensão e por fazerem parte da minha vida. Aos parceiros, ao ex-Deputado Estadual, ex- Prefeito de Ouro Preto e ex- Secretário de Estado da Agricultura - Carlos Magno Ramos, à Silvane do Supermercado Cota e Costa, à Dona Joana e família, À Poneza e família, ao Adenilson e Devair pela confiança, a Lieide e família, ao Grupo Cometa e todos os funcionários, à equipe da SEMAS – Gestão 2005/2006. Ao ex-prefeito Irandir Oliveira e sua esposa Andréia e toda sua família, à Rosangela, Hamilton e Antonio, pelo transporte de Ouro Preto à Ji-Paraná ao longo dos quatro anos. Aos professores pela dedicação e paciência em nos orientar, em especial Profª. Dalva pela Orientação do TCC, Profª. Dulce avaliadora e Professores: Ivania, Mara , Lediane, José Carlos que fizeram parte da minha formação acadêmica. Em tudo, daí graças, por que esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco ( I Ts 5, 18). 6 AVALIADORES _______________________________________ Profª. Msc. Dalva Felipe Oliveira _______________________________________ Assistente Social - Maria Geralda Alves Pereira ______________________________________ Profª. Msc. Dulce Teresinha Heineck ______________________________________ Assistente Social – Angélica Firmina _________________________________________ Média 7 JI-PARANÁ/2010 RESUMO Este trabalho é fruto de uma experiência acadêmica iniciada pelo Estágio Supervisionado em Serviço Social I e II, articulando as disciplinas de Pesquisa em Serviço Social I e II, alcançando sua concretude no Trabalho de Conclusão de Curso. O presente traz uma reflexão sobre a falta de articulação entre as redes sociais do município de Ouro Preto do Oeste que dificulta o acesso dos usuários do sistema único de saúde no tratamento fora do domicílio. Analisaram-se as dificuldades enfrentadas e as ações desenvo lvidas pelas assistentes sociais da Secretaria Municipal de Saúde do município de Ouro Preto do Oeste e na Delegacia Regional de Saúde de Ji-Paraná, Rondônia, para garantir o acesso aos usuários do sistema único de saúde no tratamento fora do domicílio. Identificou-se junto às assistentes sociais a duração para a concretização do processo para o acesso ao tratamento fora do domicílio e os motivos que justificam a recusa dos processos. Neste trabalho não foi elaborado índice de rendimentos dos usuários do sistema único de saúde por ser esta política de direito de todos, porém procurou-se conhecer um pouco da realidade econômica dos usuários do sistema único de saúde no tratamento fora do domicílio. Investigou-se junto a Secretaria de Saúde do município de Ouro Preto do Oeste e a Delegacia Regional de Saúde, as patologias que recebem financiamento para o Tratamento Fora do Domicílio e quais os Estados, cidades e Hospitais para onde ocorre o maiores número de encaminhamentos. A rede que compõe o atendimento do tratamento fora do domicílio, vai além do âmbito municipal, passando por um processo longo de espera e angústia para aqueles que já estão com os sentimentos aflorados devido a doença. Percebemos que as políticas de saúde têm avançado em conquistas, e para o tratamento fora do domicílio, há ainda muito a ser conquistado,humanizado, agilizado, equipado, para que os usuários possam ser atendidos com mais conforto, dignidade e humanidade. O profissional de Serviço Social está inserido nesta rede de relações. Sua presença é indispensável por ser um profissional de bagagem teórica-metodologia, ético- politico e técnico-operativo, que tem por Lei a Regulamentação da Profissão e o Código de Ética, além de poder contar com os próprios usuários para fazer a diferença social. Palavras-chave: Serviço social. Saúde. Tratamento fora do domicílio. 8 ABSTRACT This work is result of an academic experience initiated by Supervised Training in I and II Social service, articulating the disciplines of research in I and II Social service reaching its concreteness at Course Conclusion work. This study brings a reflection about the lack of articulation between the social networks of the municipality of Ouro Preto do Oeste that impeding the access of users of the health’s unique system and treatment away from home. Faced difficulties and the developed actions by social assistants were analysed in the Health’s Municipal Secretariat of Ouro Preto do Oeste and in the Health’s District of Ji-Paraná, Rondônia, to ensure the access to the users of health’s unique system in the treatment away from home. We identified with the social assistants the duration for the achievement of process for the access to the treatment away from home and the reasons those justify the refusal of the processes. In this work was not elaborated income’s index of the users of health’s unique system, for this is politics of right of everyone, but we knew a little of the economic reality of the users of health’s unique system in the treatment away from home. We Investigated with the Health’s secretariat of municipality of Ouro Preto do Oeste and the health’s Regional District the pathologies that receive financing for the treatment away from home that it goes to states, cities and hospitals for where happen the bigest numbers of referrals. The network that composes the attendance of the treatment away from home goes beyond the municipal ambit, passing by a long process of waiting and anxiety for who those are already with the agitated feelings due to the illness. We perceive that health’s politics have advanced in conquests, and for treatment away from home, there is still much to be conquested, humanized, expedited, equipped, for that users can be attended with more comfort, dignity and humanity. The Professional of the Social service is inserted in this network of relationships. Its presence is indispensable for being a professional of methodological-theoretical baggage, ethical-political and technical-operative, which has for Law the Regulating the Profession and the Code of Ethics, beyond it can count users themselves to make the social difference. Keywords: Social service. Health. Treatment away from home 9 LISTA DE SIGLAS AACD – Associação de Assistência à Criança Deficiente AIS – Assistência Integral à Saúde ANS – Agência Nacional de Saúde ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária ARENA – Aliança Renovadora Nacional AS – Assistente Social BM – Banco Mundial CAP’s – Caixas de Aposentadorias e Pensões CDC – Conselho de Desenvolvimento de Comunidade CEME – Central de Medicamentos CERAC – Central Estadual de Regulação de Alta complexidade CF/88 – Constituição Federal de 1988 CIB – Comissões Intergestores Bipartite CID – Código de Identificação da Doença CIT – Comissões Intergestores Tripartites CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas CNES - Cadastro Nacional Estabelecimento de Saúde CNRAC - Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade CNS – Conferencia Nacional de Saúde CNS – Conselho Nacional de Saúde COR - Centro de Oncologia e Radiologia CPF – Cadastro de Pessoa Física 10 CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira CSAN – Centro de Saúde Ana Nery CSCC – Centro de Saúde Carlos Chagas CSOP – Centro de Saúde Ouro Preto DATAPREV – Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social DNER – Departamento Nacional de Endemias Rurais DRS – Delegacia Regional de Saúde ECA– Estatuto da Criança e do Adolescente FEB – Força Expedicionária Brasileira FEDER – Federação dos Deficientes Físicos do Estado de Rondônia FHC – Fernando Henrique Cardoso FMI – Fundo Monetário Internacional FNS – Fundo Nacional de Saúde FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor FUNRURAL – Fundo de Amparo ao Trabalhador Rural GAB – Gabinete HMLMB – Hospital Municipal Laura Maria Braga IAPAS – Instituto de Administração Financeira da Previdência Social IAP’s – Instituto de Aposentadorias e Pensões IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social INCA - Instituto Nacional de Câncer INCRA – Instituto nacional de Colonização e reforma Agrária INPS –Instituto Nacional de Previdência Social INTO – Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia ISP – Inspetoria de Saúde dos Portos JK – Juscelino Kubitscheck LBA – Fundação Legião Brasileira de Assistência LOA – Lei de Orçamento Anual LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social LOS - Lei Orgânica da Saúde LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal 11 Lula – Luiz Inácio Lula da Silva MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário MDB – Movimento Democrático Brasileiro MDS – Desenvolvimento Social e Combate a Fome MEC – Ministério da Educação MESP – Ministério da Educação e da Saúde Pública MP – Ministério Público MPAS - Ministério da Previdência e Assistência Social MS – Ministério da saúde MT – Ministério do Trabalho NOAS – Norma Operacional de Assistência à Saúde NOB – Norma Operacional Básica do SUS OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde PAC – Programa de Aceleração do Crescimento PDR – Plano Diretor de Regionalização PIB – Produto Interno Bruto PIC – Plano de Integração e Colonização PIC – Plano de Integração e Colonização PIS – Programa de Integração Social PMS – Plano Municipal de Saúde PND - Plano Nacional de Desenvolvimento PPA – Plano de Pronta Ação PPA - Plano Pluri-Anual PPI – Programação Pactuada Integrada PREV-SAÚDE – Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde SAS – Serviços de Atenção a Saúde SEMPLAF – Secretaria Municipal de Planejamento e Fazenda SEMSAU – Secretaria Municipal de Saúde SESAU - Secretaria Estadual de Saúde SINPAS - Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social SNS - Sistema Nacional de Saúde SSE – Serviços Sanitários Estaduais SUDS – Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde SUS – Sistema Único de Saúde TFD – Tratamento Fora do Domicílio 12 USP – Universidade de São Paulo LISTA DE QUADRO QUADRO 1 - População de Ouro Preto do Oeste .............................................50 QUADRO 2 - Organograma de Atendimento dos Usuários do TFD.......................62 QUADRO 3 - Organograma da Segunda Rede de Atendimento do TFD .............63 13 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..........................................................................................................13 CAPÍTULO I. METODOLOGIA .................................................................................15 CAPITULO II. PROCESSO HISTÓRICO DA SAÚDE ...............................................24 2.1 A questão da saúde no Brasil: da Colônia a República Velha .......................24 2.2 A queda das velhas oligarquias e o pacto da modernização: Como ficou a questão da Saúde ? ..................................................................27 2.3 A saúde no Estado de Rondônia.....................................................................48 2.4 A Saúde no Município de Ouro Preto Do Oeste – RO ..................................49 CAPITULO III. FUNDAMENTAÇÃO LEGAL DO TFD................................................54 3.1 O TFD no Município de Ouro Preto do Oeste................................................ 57 3.2 A Realidade observada relacionando profissional, usuários e instituição......64 3.3 Como se tramita os processos do TFD ........................................................ 74 3.4 O perfil dos usuários do TFD .........................................................................76 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................83 REFERÊNCIAS..........................................................................................................87 APÊNDICE I - Roteiro de Entrevista com as Assistentes Sociais ............................90 APENDICE II - Roteiro de Entrevista com os usuários do TFD ...............................93 14 ANEXOS ..................................................................................................................94 INTRODUÇÃO Na Constituição Federal no seu Artigo 196 “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Todavia, essa validação em termo de capital fetiche tem dificultando esse acesso à saúde. Nos municípios periféricos o sistema de saúde não dispõe de infra-estrutura e nem das especialidades médicas para os tratamentos de alta complexidade tais como: cardiovascular, neurocirurgia, oncologia, epilepsia, traumato-ortopedia, transplantes de órgãos e tecidos, entre outros. Em função dessa lacuna, os usuários têm recorrido ao Tratamento Fora do Domicílio - TFD -. A falta de pesquisa sobre os tramites percorridos pelos usuários do TFD da Secretaria Municipal de Saúde de Ouro Preto nos motivou a analisar as relações estabelecidas entre os usuários do TFD e o profissional do Serviço Social. Refletir sobre a inacessibilidade, a falta de informação que muitos usuários ainda sofrem, pois quando ficam sabendo que o problema de saúde tem solução, alguns já estão com o estágio avançado da doença que a possui. A pesquisa pretende dar visibilidade aos usuários quanto ao direito que os mesmo têm e que é necessário a documentação exigida, pois estamos falando de recursos públicos e assim sendo tudo precisa de comprovação e esta comprovação vai desde a real 15 doença através dos exames até a prestação de contas dos recursos gastos pelo Estado. Demonstrar que alguns serviços atendidos pelo Tratamento Fora do Domicilio, podem ser evitados através da prevenção de doenças e acidentes, através do perfil dos usuários pesquisados. Proporcionar uma visão de que o usuário faz parte de uma rede de atendimento, e que em ambos os setores as informações não pode se fragmentar, dando uma continuidade para a realização do processo. No primeiro capítulo, descrevemos sobre a metodologia utili zada, os métodos de analise e de procedimento, os instrumentos e as técnicas de coletas de dados. O processo histórico da saúde está presente no capítulo segundo, numa análise desde o Brasil-Colônia até os dias atuais da saúde brasileira, seus avanços e conquistas. A fundamentação legal do TFD se encontra no terceiro capítulo, articulando a prática do profissional de Serviço Social e os usuários deste benefício. Neste capítulo há um aprofundamento do conhecimento do que é o Tratamento Fora do Domicilio, suas exigências e burocracias, seus alcances, os procedimentos para a obtenção do recurso, o trabalho dos profissionais em relação aos usuários e as falas dos usuários do SUS que buscaram o TFD, durante o Estagio Supervisionado em Serviço Social I e II. 16 CAPITULO I METODOLOGIA Para a realização da pesquisa, utilizou-se como método de procedimento o estudo de caso, pois o mesmo proporciona uma busca profunda e completa da realidade, numa variedade de fontes de informações. Ao definirmos tecnicamente o que é estudo de caso, percebe-se que após o planejamento da pesquisa ele entra na fase da investigação onde para Yin (2005, p.32) “[...] o estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites; entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”. Nesta pesquisa dos usuários do SUS que buscam o TFD, o estudo de caso será uma investigação que pretende buscar este fenômeno ainda não muito explorado. Pois o TFD é um beneficio visto no âmbito da política de saúde como um serviço de difícil acesso. O interesse pela pesquisa surgiu frente às dificuldades enfrentadas pelos usuários, pondo-se como campo de pesquisa para produção do conhecimento sobre o TFD, onde utilizou-se pontos de dados sobre os usuários que utilizam ou utilizaram o TFD, dentro da perspectiva de custos, gasto, tempo de duração e uma gama de dificuldades apresentadas pelos usuários e profissional de Serviço Social no acesso ao TFD. Yin (2005, p.33) definindo ainda a investigação no estudo de caso afirma que ela “[...] enfrenta uma situação tecnicamente única em que haverá muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados”. Assinala ainda que os resultados baseiam-se em várias fontes de evidência, beneficiando do desenvolvimento prévio 17 de proposições teóricas para a condução de coleta e análise dos dados. Assim, o estudo de caso abrange planejamento, técnicas de coleta de dados e a abordagem específica para análise destes. Enquanto pesquisa dos usuários do SUS no TFD, foi necessário o planejamento da busca pelos dados, coletados pelas técnicas de pesquisa, entrevistas e utilizando o método dialético para analise dos mesmos. A finalidade da pesquisa tem como base a compreensão da realidade pesquisada, a fim de entender as procedências, os meios, os métodos e técnicas solúveis para solucionar as problemáticas sociais. Martinelli (1999) enfatiza que ‘o estudo de caso não é apenas uma coleta de dados’, mas além de coletarem dados e informações, no estudo de caso, de cunho sociológico visa sistematizar uma atividade social. No TFD, a sistematização da pesquisa iniciou-se pela coleta dos dados dos usuários do SUS, da instituição e do profissional de Serviço Social que atua neste campo. Martinelli (1999, p. 46) afirma que “[...] o estudo de caso volta-se á realidade objetiva, investigando e interpretando os fatos sociais que dão contorno e conteúdo a essa realidade”. Portanto, este método proporciona a captação da expressividade do ser humano, objetividade em atividade do cotidiano, propondo a exploração e o aprofundamento dos dados coletados e observados, para a transcendência da realidade que está sendo investigada. O estudo de caso é, portanto, a articulação do caráter técnico, que investiga a realidade, com caráter lógico que devem estar apoiadas em referências teóricas. Além disso, deve considerar o processo histórico que, norteando a explicação do objeto estudado, destaca a gênese e a modificação dos conceitos e hipóteses (MARTINELLI, 1999, p.46). Algumas técnicas podem trazer elementos novos á compreensão e explicação que se faz da realidade social, podendo ser: questionários, entrevistas e observações dos fatos, não abrindo mão de outros recursos como dados estatísticos, gráficos demonstrativos, relatórios de execução, ambos vão auxiliar a obtenção do conhecimento na realidade observada. Aproveitando do conhecimentoempírico para co-relacionar com as interpretações dos fatos como enfatiza Martinelli (1999, p. 49) O estudo de caso é, portanto, uma investigação empírico-indutiva, na qual o caso é a unidade significativa do todo e deter a possibilidade de explicação da realidade concreta. [...] é preciso à ruptura do senso comum e, na mediação que o pesquisador faz entre forma e conteúdos do objeto do conhecimento, buscar dentre as diferentes perspectivas de interpretação, 18 aquela que permite uma aproximação relativamente maior da realidade concreta. É na busca que o investigador evidencia a relação entre o singular e o universal. Nessa busca, entra a verificação de informações e essas devem ser analisadas pelo investigador, quanto a sua real relevância, onde com sua comprovação dos dados, eliminando os que apresentarem inconsistência ou dúvida, assim vai proporcionar a fidedignidade. Ao sistematizar os dados, com a visão crítica, com o pensamento político, ideológico que orienta, é possível aproximar desta realidade com intuito de reconstrução. Diante das multiplicidades de fatores que incide sobre os usuários do Sistema Único de Saúde, selecionou-se o TFD porque apresenta número expressivo de usuários em busca de tratamento de saúde, onde os mesmos são encaminhados para realizarem seus tratamentos fora do Estado de Rondônia. Devido à carência que o estado sofre em não oferecer o tratamento adequado a certas doenças como câncer, cirurgias de traumatologias, cardíacas, transplantes e outros, os usuários são encaminhados para outros estados, onde através do SUS vai efetivar os procedimentos. Visto que existe o serviço e usuários do TFD, fez-se necessário a construção de um esboço de pesquisa que concretizasse o objetivo deste trabalho. Incluindo aí a análise do trabalho do profissional de Serviço Social, com atuação dentro da Secretaria de Saúde no município de Ouro Preto do Oeste. Selecionado esse recorte de realidade para ser investigado iniciou-se o levantamento da bibliografia pertinente ao tema haja vista que a escolha pelo tema não se deu em vazio, mas em função das leituras que foram realizadas ao longo do curso, nesse sentido, recorre-se a uma afirmação realizada por Iamamoto (2008, p. 21) “um projeto de pesquisa não sai de uma cartola mágica” se assim fosse era muito fácil enveredar pelo universo da pesquisa só com um agravante: sem teoria a prática não se sustenta. Neste sentido Paulo Netto ( 2009, p. 101) nos adverte quando afirma que No plano da articulação teórica, ultrapassa o senso comum com uma formulação sistemática, entretanto sem desbordar o seu terreno; no plano da intervenção, clarifica nexos causais e identifica variáveis prioritárias para a manipulação técnica, desde porém que a ação que sobre elas vier a incidir não vulnerabilize a lógica medular da reprodução das relações sociais. De acordo com Faleiros (1997, p. 58) “[...] a construção teórica já não se baseia mais na evidência dos fatos isolados, mas na estrutura global do pensamento 19 teoricamente sistematizado em teoria”. Contudo, a noção de verdade ou falsidade depende da relação com a teoria. No TFD as análises realizadas sobre os fatos ocorridos nos deu a base da pesquisa que foi sendo construída teoricamente. O formalismo, sem referência a um conteúdo, torna-se impotente para resolver os problemas que ele coloca. A teoria e a prática constituem, portanto, aspectos inseparáveis do processo de conhecimento e devem ser consideradas na sua unidade, levando em conta que a teoria não só se nutre na prática social e histórica como também representa uma força transformadora que indica à prática, os caminhos da transformação. De acordo com Kameyama (1989, p. 100) “[...] a teoria consiste também num conjunto de princípios e exigências interligadas que norteiam os homens no processo de conhecimento e na atividade transformadora”. Teoria e prática estão relacionados no dia-a-dia do profissional do Serviço Social, sendo articuladas nas relações que permeiam os usuários do SUS e as redes de atendimento. Não obstante, há que se captar as mediações que se interpõem entre a teoria e a prática. Segundo Chauí (1980, p.111) precisa o âmbito da teoria e o âmbito da prática, quando afirma que A relação entre teoria e prática é uma relação simultânea e recíproca por meio da qual a teoria nega a prática enquanto prática imediata, isto é, nega a prática como um fato dado para revelá-la em suas mediações e como práxis social, ou seja, como atividade socialmente produzida e produtora da existência social. A teoria nega a prática como comportamento e ação dados, mostrando que se trata de processos históricos determinados pela ação dos homens que, depois, passam a determinar suas ações. Revela o modo pelo qual criam suas condições de vida e são, depois, submetidos por essas próprias condições. A prática, por sua vez, nega a teoria como um saber separado e autônomo, como puro movimento de idéias se produzindo umas às outras na cabeça dos teóricos. Nega a teoria como um saber acabado que guiaria e comandaria de fora a ação dos homens. E negando a teoria enquanto saber separado do real que pretende governar esse real, a prática faz com que a teoria se descubra como conhecimento das condições reais da prática existente, de sua alienação e de sua transformação. É preciso passar da atividade teórica à prática, mas, de per si, a teoria não pode dar esse passo, não se passa direta e imediatamente de uma esfera à outra. A busca teórica para este trabalho foi realizada de forma que a pesquisa possibilitou “o conhecimento do meio, permitindo a identificação dos problemas a serem atacados” (IAMAMOTO e CARVALHO, 2009, p. 211). Aliás, o que pretendemos não era a resolução dos problemas, mas conhecer como ocorre o processo de tratamento 20 através do TFD, no município de Ouro Preto do Oeste, e indicar meios que pudesse provocar a mudança, onde os próprios usuários tomassem conhecimento da situação em que estavam inseridos. Para isso Iamamoto (2008 p, 62) afirma que Pesquisar e conhecer a realidade é conhecer o próprio objeto de trabalho, junto ao qual se pretende induzir ou impulsionar um processo de mudanças. Nesta perspectiva, o conhecimento da realidade deixa de ser um mero pano de fundo para o exercício profissional, tornando-se condição do mesmo, do conhecimento do objeto junto ao qual incide a ação transformadora ou esse trabalho ( grifos da autora). O objeto de trabalho está dado pelos usuários do TFD no dia a dia do profissional de Serviço Social, tecida pelas relações sociais que estes estão inseridos incluindo as dificuldades no seu acesso e reconhecer a existência das possibilidades dadas na realidade, são para os assistentes sociais uma prática que precisam de sua apreensão e para que possam transformá-las em possibilidades de prováveis mudanças. As formas de acesso para o TFD são medidas que precisam ser implementadas e através da intervenção do profissional de Serviço Social, sendo este campo de atuação deste profissional com uma perspectiva de mudanças. Mesmo porque “a natureza interventiva que é própria do Serviço Social se revela na escala em que a implementação de políticas sociais implica a alteração prático- imediata de situações determinadas” (NETTO, 2009, p. 76). Idealizar uma prática interventiva dentro da política de saúde para o acesso ao TFD é componente que orienta a ação alteradora para as situações que tem como difícil acesso deste benefício. Além da utilização da pesquisa bibliográfica utilizou-se a consulta em documentos pessoais dos usuários, documentos internos e externos do setor, e documentos que fazem parte, tanto da Prefeitura quanto da Secretaria de Saúde e específico do TFD. Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza das contribuições dos diversos autores sobre determinados assuntos, a pesquisa documentalvale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa. Os documentos pesquisados foram os processos de TFD já arquivados após sua efetivação, relatórios da Secretaria Municipal de Saúde, relatório do Núcleo de Serviço Social, documentos relacionados ao TFD, como: planilhas de custo, tabelas de preços e valores destinados aos usuários, e outros que contribuíram para a construção desta pesquisa. 21 Mas para atingir o objetivo proposto foi necessário a utilização de algumas técnicas de coletas de dados, iniciando-se pela observação que se concretizou através do diário de campo, na qual se descrevia sobre os usuários do TFD, o trabalho do profissional do Serviço Social, as burocracias institucionais, envolvendo desde a Secretaria Municipal de Saúde de Ouro Preto do Oeste, a Central de Regulação de Alta Complexidade - CERAC – , o destino do paciente em outros Estados. Através da observação percebeu-se a angústia dos pacientes que não conseguem seu encaminhamento com agilidade e o caso da doença é de extrema urgência. Por meio da observação teve-se um contato direto do pesquisador com o fenômeno observado, com objetivo de obter informações expressivas das relações entre os usuários, a instituição e o profissional. Minayo (2003, p.59), enfatiza que “[...]o observador enquanto parte do contexto de observação, estabelece uma relação face a face com os observados”. Utilizando esta técnica pode-se captar informações que não seriam obtidas através de outras técnicas, como por exemplo, um questionário, “[...]uma vez, observados diretamente na própria realidade, transmitem o que há de mais imponderável e evasivo na vida real” afirma Minayo (2003, p.59). Antes de iniciar a observação foi necessário estabelecer uma aproximação para romper o estranhamento principalmente em relação a equipe de profissionais da instituição. Rompendo-se essa etapa, ocorreu a minha inserção neste espaço e a partir daí iniciou-se o diálogo com os usuários. Minayo (2003, p. 60), afirma que “[...] nessa situação, o pesquisador deixa claro para si e para o grupo sua relação como sendo restrita ao momento da pesquisa de campo” ou do estágio curricular. A observação realizada na secretaria de saúde, em especial os usuários do SUS, as suas idas e vindas, as viagens perdidas, o processo negado, o processo incompleto, a falta de documentação, a dor, a tristeza, a angústia pelo tratamento, as alegrias por ter conseguido ou por já estar retornando ao tratamento, enfim as várias expressões tanto dos usuários como do profissional fez parte da minha observação as quais foram registradas no diário de campo. Mais do que guardar informações imediatas o diário de campo serve ao profissional de Serviço Social, quando ao ser relido teoricamente trazem em suas anotações observações que permitem avanços teóricos tanto para prática quanto para a produção teórica do Serviço Social. Lima (2007, p. 4) afirma “[...] o diário 22 consiste em um instrumento capaz de possibilitar o exercício acadêmico na busca de identidade profissional”. Lewgoy e Arruda (2007, p. 2), frisam que o diário de campo é base para “[...] reflexão da ação profissional cotidiana, revendo seus limites e desafios” a partir das aproximações sucessivas e críticas. O diário de campo apresenta-se tanto como caráter descritivo-analítico, quanto investigativo e de sínteses cada vez mais provisórias e reflexivas. Após observar as relações sociais tecidas entre os usuários e a profissional, passou-se a utilizar a técnica da entrevista, haja vista que a mesma se constitui como um dos principais meios para o investigador coletar dados, ela faz parte dos instrumentais do processo de trabalho do Serviço Social. Lewgoy e Arruda (2007, p. 3) afirma que a entrevista é “[...] como se fosse uma conversa profissional”, porém para o usuário às vezes não parece, porque ele está simplesmente respondendo perguntas de acordo com o que está ao seu alcance, ou como aconteceu. A importância da entrevista e de sua condução é destacada com pressupostos, habilidades e por um marco teórico para a qualificação de seu desenvolvimento. Essa exposição introduz a importância da entrevista que pode ser considerada uma atividade profissional com objetivos a serem alcançados, que coloca frente a frente uma ou mais pessoas que estabelecem uma relação profissional, através de suas histórias (LEWGOY e ARRUDA, 2007 p. 3) Durante as entrevistas realizadas com os usuários do TFD foi preciso ter habilidade para conduzi-las, houve a necessidade de voltar o assunto do tratamento do usuário para o qual o mesmo relatava, onde muitos se deixavam levar por fatos que ocorreram durante todo o processo. Tudo ajudou a enriquecer, pois percebe-se através das falas, que o usuário não está isolado, ou seja, as relações tecidas pelo mesmo extrapola o tratamento da doença que é portador, criam-se redes de relação com outros doentes, com profissionais, instituições, familiar, etc. Após a coleta dos dados realizados e descritas anteriormente passou a análise dos dados que foram embasados no método dialético. Analisar os dados através da teoria marxiana significa analisar o fenômeno em sua totalidade , ou seja, considerar as relações sociais tecidas entre as políticas estruturais adotadas pelo Brasil,os seus impactos na vida social dos usuários do Sistema Único de Saúde. A teoria marxiana tem uma especificidade na medida em que é a única teoria que resgata a totalidade e que também se coloca a questão da transformação [...]. Pode-se dizer que a teoria é a forma de organização do conhecimento cientifico que nos proporciona um quadro integral das leis, de 23 conexões e de relações substanciais num determinado domínio da realidade ( KAMEYMA, 1989, p. 100) Considera-se que o método dialético é superior ás outras formas metodológicas de conhecimento do ser social na sua complexidade intrínseca. Devido à consideração concreta daquilo que está vivo na obra marxiana, ou seja, na captação correta das tendências históricas principais da sociedade burguesa, por este ângulo A dialética não atinge o pensamento de fora para dentro, nem de imediato, nem tampouco constitui uma de suas qualidades; o conhecimento é que é a própria dialética em uma das suas formas; o conhecimento é a decomposição do todo. O ‘conceito’ e a ‘abstração’, em uma concepção dialética, tem o significado de método que decompõe o todo para poder reproduzir espiritualmente a estrutura da coisa (KOSIK, 1989, p. 14). A análise histórica que nos apresenta sem uma seqüência regular, configurando em situações complexas e no TFD os procedimentos são atendidos quase que exclusivamente pela esfera pública, onde apenas alguns procedimentos passa pela esfera privada. Isso se deve a mobilizações de movimentos sociais em busca de ampliação e efetivação do direito à saúde, onde veremos no decorrer desta pesquisa. Dialeticamente, os usuários do TFD estão em confronto/conflitos para validar o seu direito a vida, neste sentido se percebe que o trabalho do Serviço Social é extremamente relevante na sociedade burguesa. O seu fazer/profissional junto aos usuários se regido pelo Art. 5º do Código de Ética (1986) a) contribuir para a viabilização da participação efetiva da população usuária nas decisões institucionais; b) garantir a plena informação e discussão sobre as possibilidades e conseqüências das situações apresentadas,respeitando democraticamente as decisões dos usuários, mesmo que sejam contrárias aos valores e às crenças individuais dos profissionais, resguardados os princípios deste Código; c) democratizar as informações e o acesso aos programas disponíveis no espaço institucional, como um dos mecanismos indispensáveis à participação dos usuários; d) devolver as informaçõescolhidas nos estudos e pesquisas aos usuários, no sentido de que estes possam usá-los para o fortalecimento dos seus interesses; e) informar à população usuária sobre a utilização de materiais de registro audio-visual e pesquisas a elas referentes e a forma de sistematização dos dados obtidos; f) fornecer à população usuária, quando solicitado, informações concernentes ao trabalho desenvolvido pelo Serviço Social e as suas conclusões, resguardado o sigilo profissional; g) contribuir para a criação de mecanismos que venham desburocratizar a relação com os usuários, no sentido de agilizar e melhorar os serviços prestados; 24 h) esclarecer aos usuários, ao iniciar o trabalho, sobre os objetivos e a amplitude de sua atuação profissional. Á medida que o direito à saúde se realiza e concretiza pelo TFD, alteram o modo como as relações entre os usuários do SUS se estruturam. Contribuindo na criação de novas formas de sociabilidade, em que o outro passa a ser reconhecido como sujeito de valores, interesses e demandas legítimas passíveis de serem negociadas e acordadas pelo profissional de Serviço Social que realiza a mediação. Portanto, colocar os direitos sociais como foco do trabalho profissional é defendê-los tanto em sua normatividade legal quanto traduzi-los praticamente, viabilizando a sua efetivação social. Essa é uma frente de luta que move os assistentes sociais nas micro ações cotidianas que compõe o seu trabalho(IAMAMOTO, 2008, p. 78). A dialética se apresente ainda como a destruição do pseudoconcreticidade através do método dialético-crítico, ao qual o pensamento dissolve as criações fetichizadas do mundo reificado e ideal, para alcançar a sua realidade. Desta forma a dialética, é apresentada como método revolucionário de transformação da realidade. A realidade pode ser mudada, de modo mesmo revolucionário, por que o homem é que faz parte desta, e a partir dela é que toma consciência para sua transformação. Durante o período da pesquisa no TFD, os usuários, o profissional de Serviço Social, a instituição e as relações ali tecidas foram dando de formas autônomas e sem um precisão de como ia ocorrer os fatos. Assim, a aparência, o empírico, é o ponto de partida para o conhecimento. A dialética não aceita o mundo das representações e do pensamento comum sob o seu aspecto imediato, “[...]submete- os a um exame em que as formas reificadas do mundo objetivo e ideal se diluem, perdem a sua fixidez, naturalidade e pretensa originalidade para se mostrarem como fenômenos derivados e mediatos, como sedimentos e produtos da práxis social da humanidade (KOSIK,1989,p.17)”. 25 CAPÍTULO II PROCESSO HISTÓRICO DA SAÚDE NO BRASIL Moro num país tropical, abençoado por Deus E bonito por natureza ..., (Jorge BenJor) 2.1 A questão da saúde no Brasil: da Colônia a República Velha Para falarmos da saúde pública no Brasil, torna-se imprescindível conhecer os determinantes históricos neste processo. Como os indivíduos sociais (IAMAMOTO, 2008) carregam a sua historicidade, o setor saúde também sofreu as influências de todo o contexto político-social pelo qual o Brasil passou ao longo do tempo. Durante o Brasil - Colônia foi criada pelo Conselho Ultramarino português1, os cargos de físico-mor e cirurgião-mor, incumbidos de zelar pela saúde da população. Essas funções permaneceram sem ocupantes por algum tempo devido os baixos salários e os riscos que os médicos enfrentavam. Além disso, a população tinha dificuldades de sobrevivência em detrimento das “novas” moléstias, por outro lado a população preferia recorrer aos curandeiros indígenas ou negros ao invés das práticas médicas. De certo modo à procura pelos métodos alternativos de cura eram incentivadas em função da escassez de médicos graduados. Aos poucos, médicos e cirurgiões foram se instalando no Brasil, enfrentado dificuldades proveniente da pobreza, onde a maioria da população não podiam pagar uma consulta. O povo tinha medo de submeter-se aos tratamentos que eram baseados em purgantes e sangrias, provocando o enfraquecimento levando até a morte nos casos mais fracos. Onde a população preferia recorrer aos curandeiros negros ou indígenas, em vez de recorrer aos médicos formados na Europa (FILHO, 1996, p. 9). 1 Sistema administrativo no Brasil Colonial (1750-1777). 26 Em 1746 em todo o Território “haviam apenas seis médicos graduados em universidades européias (FILHO, 1996, p. 13)”. Essa ausência de médicos faziam com que suas orientações valesse apenas em casos de epidemias, como o caso da varíola, também chamada de mal das bexigas. Sem saber lidar com as epidemias a atitude mais tomada era o isolamento do doente. Para um atendimento das questões sanitárias foi necessário a criação de centros de formação médica que se estabeleceram nas províncias do Rio de Janeiro (1813 ) e da Bahia (1815) que foram transformadas nas primeiras escolas de medicina do país, “que tinham como objetivos: a proteção da saúde da população segundo os modelos europeus e a defesa da ciência, o que contribuiu para a construção da hegemonia da prática médica no Brasil (BERTOLOZZI, 1996, p. 382)”. As primeiras menções à saúde da população do Império estão na Constituição de 1824 no bojo do artigo 179, inciso XXI, que dispõe: Nenhum gênero de trabalho, de cultura, indústria, ou comércio pode ser proibido, uma vez que não se opunha aos costumes públicos, á segurança, e saúde dos Cidadãos. E, mais além, no inciso XXI, o seguinte: A Constituição também garante os socorros públicos. Além da varíola, outras doenças tais como, a febre amarela e a cólera assolavam a população e na hipótese que se tinha na época é que tais doenças vinham com os imigrantes. Para ter um controle sobre as mesmas, o Governo Imperial criou a Inspetoria de Saúde dos Portos – ISP - em 1828. Com esta inspetoria, os passageiros doentes iam para uma quarentena na baía de Quanabara, ao mesmo tempo exigiu-se que todos da Corte fossem vacinados. Alguns médicos concluíram que algumas enfermidades eram causadas por ‘miasmas’ provocado pelo ar corrompido vindo do mar que pairava sobre a cidade. Assim tomavam algumas medidas como disparar tiros na crença que iam movimentar o ar e que os miasmas iam embora. Essas medidas eram promovidas pontualmente sob a forma de campanhas, as quais eram abandonadas assim que se conseguiam controlar os surtos presentes na época (BERTOLOZZI, 1996, p. 381) Em 1829 foi criada a imperial academia de medicina, que funcionava como órgão consultivo do Imperador nas questões ligadas a saúde pública nacional. Surgiu também a Junta de Saúde pública, porém esta não conseguiu alcançar seu 27 objetivo de cuidar da saúde da população. Os ricos procuravam tratamento na Europa e aos pobres restavam as Santas Casas e os raros hospitais, onde nestes misturavam doentes de todos os tipos, dividindo até o mesmo leito. Durante o governo de Dom Pedro II incentivou-se pesquisas sobre as doenças, apesar do Brasil ter sido o país mais insalubre do planeta no final do Segundo Reinado. O campo do conhecimento começou a ganhar forma, onde os estudos eram voltados para a prevenção e a forma de atuação nos surtos epidêmicos, onde Filho (1996, p 13), define como área científica chamada de “medicina pública, medicina sanitária, higiene ou simplesmente saúde pública”. Apoiada pelos governos republicanos a nova etapa da medicina exigiu a reorganização dos serviços sanitários, desta forma as antigas juntas e inspetorias foram substituídas pelos Serviços Sanitários Estaduais – SSE - . Entre 1890 e 1900 as principais cidades do país sofreram com a varíola, febre amarela, peste bubônica, febre tifóide e cólera, matando milhares de pessoas. Diante desses casos deepidemia os médicos higienistas, passaram a ocupar importantes cargos na administração pública, assumindo o compromisso de estabelecer estratégias de combate as epidemias. Numa constante fiscalização e divulgação de regras básicas de higiene. Iniciava também a era da hospitalização de vítimas de doenças contagiosas e dos doentes mentais que até então eram isolados. O ser humano era tratado de forma desumana, onde o que era para ser recuperado fisicamente era submetido ao isolamento de tudo principalmente de suas atividades de trabalho. Em 1888, com a Abolição da Escravatura intensificaram-se os fluxos de imigrantes provenientes da Itália, Espanha e Portugal, esse período foi marcado pela hegemonia do café com predominância de grupos oligárquicos regionais. Com o aumento populacional principalmente em função da vinda dos imigrantes, as condições sanitárias que já eram péssimas tornaram-se cada vez pior. Esse fato, “[...] aliado à falta de políticas sociais e de saúde pertinentes, acabou por resultar na eclosão de epidemias de febre amarela e peste bubônica, dentre outras (BERTOLOZZI, 1996, p. 382)”. Ao verificar que os indivíduos sociais doentes não produziam o bastante para manter o capital, e que este constituía parte importante do processo de trabalho, os governos republicanos passaram a se preocuparem em implementar as ações de proteção da saúde para redução de enfermidades. 28 A idéia de que a população constituía capital humano e a incorporação de novos conhecimentos clínicos e epidemiológicos às práticas de proteção da saúde coletiva levaram os governos republicanos, pela primeira vez na história do país, a elaborar minuciosos planos de combate às enfermidades que reduziam a vida produtiva, ou útil da população (FILHO, 1996, p.14). Apesar do trabalho de cada cidadão ser considerado fonte geradora de riquezas, as políticas sociais não eram privilegiadas pelas autoridades republicanas. Essa contradição é explicada pela lógica das relações sociais dominantes do Brasil que ainda carregavam as marcas do passado colonial. Durante a República Velha (1889-1930), os estados mais ricos especialmente São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais foram governados pelas oligarquias, tendo a cafeicultura como principal fator econômico, influenciando na administração federal. Com estes os lucros foram investidos nas cidades, favorecendo a expansão urbana, a fim de alcançar o objeti vo do desejado progresso. Nesse sentido, buscaram apoio na ciência para melhorar as condições sanitárias, com objetivo de fluir a economia. Todavia, os olhares se voltaram exclusivamente para os setores urbanos das grandes metrópoles enquanto isso o meio rural ficava em segundo plano, e só atendido quando as questões sanitárias afetavam a produção agrícola e extrativistas de exportação. Dessa forma, o regime republicano, permaneceu com a política de desigualdade haja vista que conservava a maioria da população em situação precária. Sendo assim, a assistência de saúde era pra quem podia pagar; restava aos pobres, na qualidade de indigentes, o amparo nas Casas de Misericórdias. 2.2 A queda das velhas oligarquias e o pacto da modernização: Como ficou a questão da Saúde Na década de 30, Getúlio Vargas promoveu a reforma política administrativa afastando os líderes da República Velha. Utilizou as políticas sociais para justificar o sistema autoritário de sua época, o conjunto das reformas, a área sanitária passou a compartilhar do setor educacional com o Ministério da Educação e da Saúde Pública – MESP -, mesmo com a remodelação do aparelho de Estado, Vargas manteve uma imensa máquina burocrática para controlar os serviços. A criação do MESP parecia 29 ser também a realização parcial dos anseios do vigoroso movimento sanitarista da Primeira República. Através de suas agências estatais, o Estado Novo enraizaria a presença do poder público em toda a extensão do território brasileiro. Uma das agências que fez parte deste projeto foi justamente o Ministério de Educação e Saúde Pública, criado em 1930 com intuito de concretizar o ideal de reforma administrativa. O MESP agregou uma estrutura dividida em quatro departamentos específicos: educação, saúde pública, assistência social e cultura. Portanto, os princípios médico-sanitaristas formariam apenas um conjunto na pasta ministerial (SILVEIRA, 2004, p. 4). Assim muitos dos serviços sanitários organizados caíram por terra, pois a imposição de um novo programa montado pelos assessores do presidente não contava com especialistas no assunto, o que provocava certo medo na classe médica que ao se calar perante o regime autoritário, concentraram na defesa da classe. Se outrora a questão social era tratada como um problema de polícia, no governo varguista forjou um consenso para obter apoio da classe trabalhadora, de forma prussiana criaram-se as caixas de aposentadoria e pensões e os institutos de previdência que sob a tutela do Estado eram prestados serviços de assistência a população, nestes eram cobrados 3% do salário do empregado e 1% da empresa. A década de 30 assiste à formação dos IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões – que institucionalizam o seguro social fragmentando as classes assalariadas urbanas por inserção nos setores da atividade econômica: marítimos, bancários, comerciários, industriários e outros. Agora transformados em autarquias, os institutos passam a ser geridos pelo Estado, continuando a contar cm recursos financeiros de origem tripartite, com a diferença marcante de a contribuição patronal ser agora calculada, como a dos empregados, sobre o salário pago (COHAN, 2002, p. 16). Porém, para os tuberculosos foi criada legislação específica estes tinham que se afastar de seus familiares para o tratamento. Aos que não possuía carteira de trabalho assinada, o sofrimento era ainda maior, pois não contribuíam e assim conseqüentemente não recebiam nenhum benefício, restando o apelo à caridade pública. Porém com a Constituição de 1934 o operário passou a ter direito a assistência médica, licença remunerada a gestante trabalhadora e jornada de trabalho de 8 (oito) horas, que foram incluídas em 1943 na Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT -, incluindo também férias, horas extras, salário mínimo, indenização e outros benefícios. Ainda nos primeiros anos, iniciou um movimento de 30 educação em saúde, com objetivo da mudança de hábitos anti-higiênicos que facilitava a propagação das doenças. O analfabetismo impedia grande parte da população beneficiar-se do material utilizado, onde as emissoras de rádio entraram na divulgação de medidas de higiene. Durante a era Vargas, houve nítida diminuição das mortes por enfermidades epidêmicas, principalmente nos grandes centros urbanos do Sudeste e do Sul do país. Por outro lado cresceram as chamadas doenças de massa [...], marcadas por várias doenças endêmicas, entre elas a esquistossomose, doença de chagas, tuberculose, doenças gastrointestinais, doenças sexualmente transmissíveis e a hanseníase (FILHO, 1996, p. 37). E mesmo expandindo os serviços médico-hospitalar e as técnicas de controle das endemias, o Brasil permanecia como um dos países mais enfermos do continente. Isso foi demonstrado, ao selecionarem homens para fazer parte da Força Expedicionária Brasileira – FEB - , onde lutariam na Europa, os exames mostraram que a maioria estava com a saúde comprometida. A política populista foi mantida, os presidentes procuravam apoio popular firmando a imagem de “país do povo”, paralelo a isso os movimentos populares reivindicavam melhores condições de vida, de saúde e de trabalho. Assim [...] a década de 50 foi marcada por manifestações que procuravam firmar o país como potência, capaz de firmar o seu desenvolvimento econômico independente das pressões internacionais, em especial do imperialismonorte americano. Ao mesmo tempo houve crescimento de capital estrangeiro na economia nacional favorecendo a proposta desenvolvimentista, coordenada pelo Estado. Tendo como principal personagem o presidente Juscelino Kubitschek entre 1956-1961, período em que governou o país (FILHO 1996, p 13). Em maio de 1953 foi criado o Ministério da Saúde pelo presidente Getúlio Vargas, depois de 07 (sete) anos de tramitação e com verbas irrisórias, provocando a deficiência de funcionários, equipamentos, tendo como conseqüência altos níveis de mortalidade e morbidade de doenças. Atrelado a isso estava a estrutura dos Institutos de Aposentadorias e Pensões - IAPs –, convivendo ainda por décadas com a estrutura das Caixas de Aposentadorias e Pensões - CAPs –, remanescentes em várias empresas, permanece até 1966, quando então é unificado todo o sistema previdenciário no Instituto Nacional de Previdência Social – INPS - . No entanto, acompanhando profundas transformações da sociedade brasileira nesse período, sobretudo nesse processo de acelerada industrialização e urbanização, os serviços previdenciários de saúde vão progressivamente sendo pressionados pela demanda dos trabalhadores assalariados urbanos. Sem outro 31 serviço médico alternativo, quer estatal, quer privado, à exceção de uma rede de estabelecimentos de natureza filantrópica e de uma rarefeita rede pública hospitalar, ambulatorial e de atenção primária. Estabelece-se, então, a par de uma divisão social do trabalho entre os ministérios da Previdência e Assistência Social (criado em 1974) e da Saúde (que data de 1953), uma seletividade da clientela de ambos para os seus respectivos serviços de saúde. O primeiro destina-se à população mais diferenciada, dadas as características sociais do nosso país, por estar formalmente inserida no mercado de trabalho, e os serviços públicos vinculados ao outro ministério, às populações de mais baixa renda, excluídas do setor formal da economia (COHAN, 2002, p. 17). Em 1956, o Departamento Nacional de Endemias Rurais2, - DNER - passou a executar tarefas de combate à vários tipos de doenças na regiões rurais. Como segue texto da lei de criação deste departamento em seu Artigo 2º. Ao Departamento Nacional de Endemias Rurais cabe organizar e executar os serviços de investigação e promover o combate à malária, leishmaniose, doença de Chagas, peste, brucelose, febre amarela, esquistossomose, ancilostomose, filariose, hidatidose, bócio endêmico, bouba, tracoma e outras endemias existentes no país, cuja investigação e combate lhe forem especialmente atribuídas pelo Ministro de Estado da Saúde, de acordo com as conveniências de ordem técnica e administrativa. Parágrafo único - Não se incluem nas atribuições do Departamento Nacional de Endemias Rurais as doenças para as quais existam serviços federais específicos, bem como a sífilis e demais doenças venéreas, as febres tifóides e paratifóides, e amebíase, as shigolloses, a difteria, coqueluche, a varíola e outras doenças transmissíveis, cujo combate, executado por órgãos locais de saúde, pertencentes a Estados e Territórios, ao Distrito Federal, aos Municípios, autarquias e instituições particulares, seja efetuado com o auxílio técnico ou financeiro do Ministério da Saúde, segundo as normas traçadas pela Divisão de Organização Sanitária do Departamento Nacional da Saúde (MS, 1956, p. 1). A era desenvolvimentista de Vargas gerou uma grande acumulação e concentração de renda, que contribuiu para o processo industrializante do governo de Juscelino Kubitscheck. Com o fim da reconstrução européia depois da Segunda Guerra Mundial, Japão e comunidade européia estavam interessados em investir no terceiro mundo, ou seja, existia uma pressão para que o terceiro mundo se abrisse aos capitais estrangeiros. As comodidades oferecidas pelo Estado ao capital estrangeiro foram tão grandes que obrigaram ao capital nacional a associar-se a ele para desfrutar dos mesmos benefícios fiscais, tais como as isenções e os subsídios. 2 Lei Nº 2.743, de 6 de Março de 1956. 32 Portanto , o projeto industrializante do governo JK estava calcado sobre o tripé: capital nacional, capital estrangeiro, capital estatal. Essa nova fase da industrialização provocou a migração dos trabalhadores do campo para a cidade, por outro lado a modernização do campo também favoreceu para esse êxodo. Esses deslocamento provocou o inchaço nas cidades que sem condições financeiras, aglutinou-se nas periferias formando favelas, com moradas precárias, sem saneamento básico e falta de estrutura. O clientelismo prejudicou o bom funcionamento da política de saúde, onde os políticos trocavam ambulâncias, leitos, vacinas, funcionários e outras manipulações em troca de votos em épocas eleitorais. Sob pressão dos sindicatos o governo foi forçado a rever a legislação previdenciária: com a ampliação do número de trabalhadores e dependentes ao direito de tratamento de saúde financiados pelos institutos e caixas, aumento do número de salários e pensões aos trabalhadores afastados por motivo de doença. Assim teve que aumentar a porcentagem destinada aos tratamentos médicos que era de 5%, passando a quase metade da arrecadação ( FILHO, 1996, P. 72). Pressionada pelos trabalhadores a Previdência assumiu a prestação de assistência médico hospitalar, mesmo com serviços rebaixados em sua qualidade. Diante disso a medicina privada começava a pressionar o governo a interromper a construção de hospitais públicos, não competindo com o setor privado da medicina, onde o Estado deveria passar doações e empréstimos a juros baixos para que os empresários criassem uma rede de hospitais e clínicas, que atenderia a população e o governo com a venda de seus serviços, onde para isso teve apoio de alguns políticos. “Muitas verbas oficiais destinadas a essa área iam para deputados que também eram sócios de clínicas e hospitais. Eram eles bem mais que a população, os beneficiados pelas verbas públicas Filho (2001, p. 44)”. Em 1960, foi sancionada a Lei Orgânica da Previdência Social3 - LOPS -, onde a principal medida foi uniformizar as contribuições a serem pagas pelos trabalhadores. E preconiza sobre o acesso á saúde, como bem exposto em seu Artigo 1º. A previdência social organizada na forma desta lei, tem por fim assegurar aos seus beneficiários os meios indispensáveis de manutenção, por motivo de idade avançada, incapacidade, tempo de serviço, prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente, bem como a prestação de 3 Lei Nº 3.807, de 26 de Agosto de 1960. 33 serviços que visem à proteção de sua saúde e concorram para o seu bem- estar (MPAS, 1960, p. 1). Antes cada instituição cobrava um percentual e com a regularização passa a ser de 8% do salário vigente, o que não garantiu equilíbrio financeiro e melhoria dos serviços prestados o que impedia o bom funcionamento das políticas de saúde. Em 1964 com o golpe de Estado liderado pelos chefes das Forças Armadas, pôs fim da democracia populista. Com a crescente expansão do capital, após meados da década de 50, no incremento do processo de industrialização do país, configurando uma aliança entre o capital multinacional, o capital nacional associado- dependente e o capital do Estado, aprofundou a crise da saúde com este golpe. Os militares impuseram ao país um regime ditatorial e puniram todos os indivíduos e instituições que mostraram contra ao movimento auto proclamado Revolução de 64. Com isso muitos líderes sindicais, estudantis, religiosos, políticos, foram perseguidos por melhores condições de vida. O regime ditatorial militar estendeu-se por duas décadas, de 1964 a 1985, quando se deu o advento da chamada Nova República, [...] ao longo de duasdécadas de autoritarismo, e tomando –se a política econômica [...] foi posto a serviço de uma política de favorecimento do capital imperialista, política essa que se assentou na superexploração da força de trabalho, na indústria e na agricultura. Esse foi um dos segredos da persistência e reafirmação do lema ‘segurança e desenvolvimento’. A industria do anticomunismo, que floresceu sob esse lema, tinha como contrapartida econômica e política principal a superexploração do proletariado (SERRA 2000, p. 54). Em 1966 o governo criou o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS- , que unificou todos os órgãos previdenciários que funcionavam desde 1930. Assim o Estado tornou-se o único coordenador dos serviços de assistência médica, aposentadoria e pensões destinadas ás famílias dos trabalhadores que descontava 8 % em seu salário mensal. Nesta década foi promulgado o Programa de Integração Social4 - PIS –, na tentativa de comprometer o trabalhador com os acréscimos atingidos pela economia brasileira. Na Constituição de 1967, o Estado deveria apoiar as atividades privadas, e com o INPS começou a firmar convênios com hospitais privados para atender a massa trabalhadora. Os baixos valores e o atraso nas transferências foram determinantes para a fragilidade deste sistema, o que gerou fraudes, falsificações de 4 Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970. 34 internações, cirurgias desnecessárias, onde as instituições procuravam suprir desta forma as suas perdas. Com objetivo desenvolvimentista, o governo fez com que crescesse o orçamento dos Ministérios militares, dos Transportes e da indústria e Comércio e por outro lado houve a redução das verbas destinadas ao Ministério da Saúde, que em função das políticas econômicas teve que restringir suas ações à projetos e programas, delegando as outras pastas como agricultura e educação, uma parte da execução de tarefas sanitárias. Serra (2000, p. 59) salienta que; [...] e as pressões de grupos privados e monopolistas claramente privilegiavam uma noção de desenvolvimento que só poderiam explicar através de mais inflação e maiores empréstimos de capitais externos. Eram os efeitos do segundo choque do petróleo ainda retardando o ajustamento da economia e produzindo uma perigosa desintegração social. O FMI acompanhava a consecução de metas prefixadas de ajustamento da economia. Do ponto de vista social, a aplicação do receituário do FMI conduziu o país em 1983 a uma grande recessão, com desemprego e arrocho salarial, que implicou decisões que atingiram basicamente a classe trabalhadora, como a de cortar o crescimento real dos salários, política adotada em 1974. Nas políticas de saúde, o Ministério da Saúde privilegiava como elemento individual e não como fenômeno coletivo. Embora o Ministério da Saúde retomasse o compromisso estabelecido no Plano Nacional de Desenvolvimento - II PND -, de 1975, isso não alterou com significância o quadro de abandono à saúde pública. Quando a dengue, meningite, a malária se tornava epidemia, as autoridades recorriam à censura, impedindo sua divulgação. Esta censura impedia além da divulgação de epidemias, outras questões de relevância no quadro político envolviam tudo que o governo percebesse que a população não deveria saber. Desde 1971 os casos começaram a ocorrer e só em 1974, quando houve um súbito aumento dos casos de morte por meningite, foi que os responsáveis admitiram a epidemia, justificando que outros países sofriam com a mesma intensidade da doença. A consciência dos limites da medicina oficial se dá no contexto mais amplo do reformismo autoritário implementado pelo governo do general Geisel, expressão das implicações políticas da continuidade do projeto de desenvolvimento capitalista a partir do Estado. Com o aumento dos casos fatais, em 1974 o governo federal destinou verbas para a vacinação em massa contra a meningite. Esta campanha definida como “operação militar” foi realizada até 1977, quando a meningite foi declarada sob controle. 35 Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Sócia – MPAS - l, incorporando o INPS que livrou-se das imposições do Ministério do Trabalho, com renovação da promessa de garantia da saúde dos trabalhadores. O governo criou também a Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social5- Dataprev -, na tentativa de controlar a corrupção. Com o objetivo de acelerar o atendimento médico foi criado o Plano de Pronta Ação- PPA - e o Sistema Nacional de Saúde – SNS –(1975) , para baratear e tornar mais eficazes os serviços de saúde. Essas ações segundo Filho (1996, p. 56) “[...] era mais uma tentativa de superar as deficiências no setor, que pareciam intransponíveis”. Para atender as vítimas dos acidentes de trabalho na zona rural foram estendidos a estes, o seguro de acidente à zona rural, através da Lei nº 6.195 de 1974 e neste ano ainda foi criado o Conselho de Desenvolvimento de Comunidade pela Lei nº 6.168/1974. Neste período merece destaque ainda a integração do salário-maternidade nas obrigações de benefícios da Previdência Social6. De acordo com Serra (2000, p. 57) “o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS -, criado pela administração de Castello Branco, em Novembro de 1966, transformou-se num enorme organismo burocrático dirigido pela tecnocracia do regime”. Em 1977 com a promulgação da Lei nº 6.439 instituiu-se o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – SINPAS - , subdividido em: Instituto Nacional de Previdência Social – INPS - ; Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social- INAMPS -; Fundação Legião Brasileira de Assistência – LBA -, sendo esta para prestar assistência social à pessoa carente; Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - FUNABEM -; - Instituto de Administração Financeira da Previdência Social - IAPAS e Central de Medicamentos - CEME-. Em síntese, essa estrutura segundo Serra (2000, p. 63) tinha como [...] objetivo de universalizar e unificar toda estrutura dessas entidades numa só matriz gerencial, o que permitiu, em meados dos anos 80, que fosse coberta pela atuação do Ministério uma população previdenciária de 100 milhões de pessoas, correspondendo na época a 75% da população com um todo. A medicina previdenciária se expandia de forma gigantesca e em face desta expansão, em relação à saúde pública, surgiram distorções graves na política de 5 Criada em 4 de novembro de 1974, através da Lei nº. 6.125, oriunda da fusão dos Centros de Processamento de Dados dos institutos de previdência existentes até 1964. 6 Lei nº 6.136 de 1974. 36 atendimento em saúde, iniciando por uma ênfase exagerada em investimento na rede hospitalar, em deturpação da rede primária ambulatorial e de postos de saúde. Houve uma crescente compra de serviços da rede privada e o estimulo à expansão dos sistemas de medicina de grupo, satisfazendo a interesses empresariais com baixo grau de controle público. Os pressupostos das políticas de saúde, segundo Loyola (1984, p.11) “ [...] têm sido os mesmos da medicina científica na medida em que esta, ao deter o monopólio legítimo do saber médico na sociedade, é intolerante aos conhecimentos relativos á saúde produzidos fora de seu domínio. Isso implica, por outro lado, um processo de socialização de quadros profissionais (médicos, enfermeiros, administradores hospitalares) na ideologia de que o doente é um ser ‘abstrato e indiferenciado” o que mascara as diferenças de classe atualizadas no tratamento diferencial dos doentes. É também uma ideologia que produz ‘rendimentos simbólicos’, ao desvincular, das prescrições médicas, os eventuais insucessos da terapêutica. Vale citar aqui as concepções ideológicas sobre á importânciada saúde [...] função mascarar as relações de classe que ela encobre, o médico atua no sentido de preservar o monopólio de seu saber e autoridade indiscutida que a sociedade lhe outorga para dispor da doença, até mesmo do corpo e das sensações de seu cliente. E sua atitude é tão mais autoritária quanto mais baixa é a classe social do doente que, pela distancia sócio-linguística e dos hábitos mentais que o separa do médico, encontra-se incapacitado de contra-argumentar com ele, isto é, de impor seu próprio discurso ao discurso ‘forte’ e definitivo do medico (LOYOLA, 1984, p. 228). O início dos anos 80 no Brasil foi marcado por uma série de mudanças no panorama político e social acompanhado de uma crise econômica. A população apresentava padrão de vida precária sob grande desatenção do estado sobre investimentos em políticas sociais. Apesar da tentativa de repressão de manifestações populares reprobatórias ao Regime Militar, diversos segmentos sociais descontentes se organizam exigindo maior atenção do estado para os temas sociais. É nesse contexto que se organizam as assembléias populares composta por trabalhadores operários, associações de bairro, classe médica, desempregados, e outros, reunindo propostas variadas com interesses convergentes. Pressionado por movimentos sociais e sindicatos representantes de várias classes, o Regime Militar dá sinais de exaustão dando início a abertura democrática. Com as eleições de 1986 e a promulgação da Constituição Federal, a saúde passa a ocupar espaço importante nos temas sociais. O cenário político-ideológico é 37 formado pelos movimentos pró-reforma e conservadores. Entretanto várias das proposições reformistas discutidas na VIII Conferência Nacional de Saúde – CNS - rompendo com o modelo curativo são incorporadas em lei e acabam por constituir o Sistema Único de Saúde – SUS -. Em virtude da precariedade de uma rede pública de atendimento à saúde de cobertura nacional, a Previdência Social passa a comprar serviços da iniciativa privada fortalecendo sobremaneira esse setor. Nesse período houve a maior expansão até aquele momento de empresas médico-hospitalares, companhias de seguro-saúde juntamente com a indústria farmacêutica internacional. Por se tratar de um negócio extremamente lucrativo, o Brasil passa a atrair investimentos externos e em pouco tempo companhias brasileiras de saúde tiveram que concorrer com grupos internacionais e muitas acabaram por serem compradas. “ A criação da Agencia Nacional de Saúde- ANS - teve por objetivo normatizar um mercado que atuava há mais de vinte anos sem regras claras e precisas, demandando a definição dos direitos e deveres de empresas e consumidores dos planos e seguros privados de saúde (CANTON, 2006, p. 159)”. Os laboratórios farmacêuticos internacionais passaram a controlar o preço e a qualidade dos medicamentos comercializados no país e os hospitais passaram a importar equipamentos e artigos médico-hospitalares. Que contou com uma área específica de controle e segundo o Ministério da Saúde essa era a área competente para autorizar a fabricação de equipamentos e materiais de saúde e a de Tecnologia de Produtos para a Saúde é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA -. Ainda na década de 80, o governo militar trabalha para superar a crise política e numa tentativa conjunta dos Ministérios da Saúde e da Previdência cria o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde - PREV-SAÚDE – , visando organizar o setor público de saúde para contrapor-se ao setor privado sustentado em mais de 80% pelo próprio Estado. A iniciativa propunha a criação de uma rede pública unificada de oferta de serviços, regionalizada e hierarquizada, financiada e administrada pelo estado hegemônica sobre a rede privada. O programa PREV- SAÚDE, elaborado por um grupo técnico interministerial e apoiado pela Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS - , refletia a VII Conferência Nacional de Saúde7, cujo tema principal era a implantação de uma rede básica de saúde. Utilizando de 7 Realizada em 24 de março de 1980, em Brasília. 38 indicadores básicos, criados e construídos a partir do perfil epidemiológico de cada região. A OPAS, indicava que o importante seria utilizar os indicadores para implementação de políticas publicas que visasse a melhoria das condições de vida da população, construindo cidades saudáveis. Entretanto devido à falta de verbas previdenciárias e após debate entre os movimentos de saúde acabou somente com encaminhamento à Câmara dos Deputados. A recuperação da estratégia das AIS pela política de saúde do Governo Sarney enseja um conjunto de questionamentos entre os interessados na concretização das mudanças na área de saúde. Os princípios que norteavam as AIS não eram diferentes do fracassado PREV-SAÚDE: universalidade no atendimento; integralidade e equidade da atenção; regionalização e hierarquização dos serviços; descentralização das ações e do poder decisório; democratização através da participação da sociedade civil e do controle pelos usuários; planejamento e controle efetivo pelo setor público sobre o conjunto do sistema, incluindo os setores filantrópico e privado (MS, 1998, p. 8). Na efervescência política apresentada na segunda metade da década de 80, período de democratização do país que o debate sobre a participação popular voltou á tona, com uma dimensão de controle de setores organizados da sociedade civil sobre o Estado. O que constitui o chamado Movimento de Reforma Sanitária, que para Correia (2008, p. 124) esse [...] Movimento de Reforma Sanitária com a proposta do Sistema Único de Saúde como alternativa ao Sistema de Saúde em vigor, foi legitimado em nível nacional na VIII Conferencia Nacional de Saúde, em 1986. Nesta conferencia, houve ampla participação dos setores organizados na sociedade civil que, pela primeira vez, tinham uma presença efetiva, não existentes nas Conferencias Nacionais de Saúde anteriores. O cenário composto para a aprovação das propostas é misto entre integrantes do Movimento Sanitário (progressistas) e neoliberais (conservadores) comprometidos com o modelo privatista. É nesse contexto que será incorporado a discussão sobre um sistema público de saúde na Constituinte. Os debates e as recomendações que se seguiram á VIII Conferencia contribuíram para três níveis de ação política e técnica da Reforma Sanitária: a luta pelo texto da saúde no capítulo da ordem social da nova Constituição; os movimentos táticos – institucionais que iniciaram o processo de implementação da reforma; a mobilização da sociedade (entidades sindicais e comunitárias, partidos políticos, etc.) para ampliação das bases sociais do movimento sanitário (CORDEIRO, 2001, p. 60). O momento foi de discussão intensa e proposição de um modelo nacional reformista para a saúde, que apesar de entraves e como ressalvas, acabou por 39 incorporar muitas de suas propostas na Constituição Federal de 1988, após análise pela Comissão Nacional de Reforma Sanitária da Assembléia Constituinte. No plano ideológico rompeu-se explicitamente com a concepção do processo saúde doença e a visão curativista e medicalizante que fundamentava o modelo médico assistencial. Admite-se após longos anos, o caráter insuficiente de resolução dos problemas de saúde apenas por meio de consultas médicas e assistência hospitalar. Torna-se reconhecido o caráter social da doença e a responsabilidade do estado, conforme trecho inicial do Tema I do Relatório da VIII Conferência Nacional de Saúde. Em seu sentido mais abrangente, a saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. 2- A saúde não é um conceito abstrato.
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