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METODOLOGIA DA PESQUISA EM HISTÓRIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Definir pesquisa científica. > Descrever conhecimento empírico, filosófico e científico. > Reconhecer os fundamentos do método científico. Introdução O que significa realizar uma pesquisa científica? Quais são os seus fundamentos e procedimentos? Em qual conjuntura histórica surgiu o chamado “método científico” e a quais outras formas de conhecimento ele se contrapõe? Recu- perar a historicidade da pesquisa científica pode auxiliar a compreender os movimentos anticientificistas contemporâneos, baseados nas fake news e na pós-verdade? Esses são alguns questionamentos a que procuraremos responder ao longo deste capítulo. Como a pesquisa científica surgiu em uma conjuntura específica da história, está diretamente relacionada ao próprio desenvolvimento da ciência como uma forma de conhecimento, derivado de procedimentos racio- nais, repetíveis e baseados em um método. Na filosofia, essa área é chamada de “teoria do conhecimento”, e, no campo da história, trabalhamos algumas dessas ideias filosóficas em metodologia da pesquisa histórica, em teoria da história e na história da historiografia. Neste capítulo, você aprenderá uma definição de “pesquisa científica” e acompanhará sua historicidade. Estudará as diferenças, na “teoria do co- nhecimento”, entre o conhecimento empírico, o conhecimento filosófico e o conhecimento científico. E, por fim, compreenderá os fundamentos do método científico, observando sua contribuição para a pesquisa e a escrita da história. Pesquisa científica Caroline Silveira Bauer O que é pesquisa científica? Hoje, pode parecer banal para os acadêmicos aplicarem determinados métodos e seguirem certos preceitos para a realização de pesquisas científicas. Para muitos, inclusive, esse procedimento já foi interiorizado e naturalizado em seu ofício de pesquisador. Entretanto, se recuperarmos a historicidade das formas de conhecimento, chamada na filosofia de “teoria do conhecimento”, veremos que o “método científico”, que pauta as pesquisas científicas, consolidou-se em determinado momento em que a ciência se apresentava como outra possibilidade para a leitura da realidade, apresentando respostas diferentes das crenças, das opiniões e das religiões. De acordo com Aranha e Martins (1993, p. 129): O conhecimento científico é uma conquista recente da humanidade: tem apenas trezentos anos e surgiu no século XVII com a revolução galileana. [...] A ciência moderna nasce ao determinar um objeto específico de investigação e ao criar um método pelo qual se fará o controle desse conhecimento. A utilização de métodos rigorosos permite que a ciência atinja um tipo de conhecimento sistemático [...]. Assim, diferentemente de outras formas de conhecimento, a pesquisa científica seria pautada pela objetividade, permitindo que qualquer outra pessoa, ao seguir os mesmos procedimentos metodológicos adotados pelo pesquisador, encontrasse os mesmos resultados. Abordaremos mais sobre as características da pesquisa científica no último tópico deste capítulo. Podemos, dessa forma, definir a pesquisa científica como: […] um procedimento formal com método de pensamento reflexivo que requer um tratamento científico e se constitui como caminho para se conhecer a realidade ou para descobrir verdades parciais. Significa muito mais do que apenas procurar a verdade: é encontrar respostas para questões propostas, utilizando métodos científicos. Especificamente é um procedimento reflexivo sistemático, controlado e crítico, que permite descobrir novos fatos ou dados, relações ou leis, em qualquer campo de conhecimento (LAKATOS; MARCONI, 1992, p. 43). Portanto, a pesquisa envolve procedimentos racionais e de sistematização, procurando apresentar respostas a problematizações propostas. Realiza-se a pesquisa como uma forma de investigação “[…] quando não se dispõe de informação suficiente para responder ao problema, ou então quando a infor- mação disponível se encontra em tal estado de desordem que não possa ser adequadamente relacionada ao problema [...]” (GIL, 2002, p. 17). Para realizar uma pesquisa, é necessário mobilizar conhecimento disponíveis, preexis- tentes, e utilizar métodos, técnicas e teorias que orientem o procedimento Pesquisa científica2 científico. Uma pesquisa científica envolve várias fases, da escolha do tema à formulação do problema, passando pelo planejamento e execução da pes- quisa propriamente dita, até a apresentação dos resultados da investigação. Em que locais se realizam pesquisas no Brasil? Ainda que tenhamos diversos centros de investigação e pesquisa, são as universidades públicas as maiores desenvolvedoras de pesquisas científicas no Brasil. Leia, no artigo A pesquisa científica e as funções da Universidade, de Jankevicius (1995), de que modo as pesquisas científicas se relacionam com as universidades. De momento, é importante destacarmos que nem todas as ciências com- partilham dos mesmos métodos. Por exemplo, o método científico das ciências exatas é diferente daquele empregado pelas ciências da saúde, que, por sua vez, distingue-se de uma concepção científica das ciências humanas. As pesquisas relacionadas ao ser humano e às suas ações de modificação da natureza, o que poderíamos chamar de ciências humanas, já foram exploradas por paradigmas científicos que as aproximavam mais ou menos das ciências biológicas e exatas. No entanto, desde meados do século XIX, as ciências humanas reivindicam para si uma metodologia de pesquisa científica própria. Na sua gênese, as Ciências Humanas procuraram praticar a metodologia experimen- tal/matemática da ciência, assumindo os pressupostos ontológicos e epistemológi- cos do positivismo. Mas as peculiaridades do modo de ser humano foram mostrando a complexidade do fenômeno humano e a insuficiência da metodologia positivista para sua compreensão e explicação. Por isso, mesmo sem abandonar a inspiração positivista, foram enriquecendo-a e aprimorando-a (SEVERINO, 2007, p. 112). De acordo com Gil (1987), podemos citar as seguintes peculiaridades das ciências humanas e sociais em relação às demais ciências: � os fenômenos humanos não ocorrem de acordo com uma ordem se- melhante à observada no universo físico, o que torna impossível a sua previsibilidade; � as ciências humanas lidam com entidades que não são passíveis de quantificação, o que dificulta a comunicação dos resultados obtidos em suas investigações; Pesquisa científica 3 � os pesquisadores sociais, por serem seres humanos, trazem para as suas investigações certas normas implícitas acerca do bem e do mal, prejudicando os resultados de suas pesquisas; � a ciência se vale fundamentalmente do método experimental, que exige, entre outras coisas, o controle das variáveis que poderão interferir no fenômeno estudado. Os fenômenos sociais, por sua vez, envolvem uma variedade tão grande de fatores que tornam inviável, na maioria dos casos, a realização de uma pesquisa rigidamente experimental. Nas últimas décadas, algumas concepções sobre as ciências humanas e sociais se alteraram, e, diferentemente do que afirmava Gil (1987), já não se considera difícil comunicar o resultado das pesquisas nessas áreas, nem que a subjetividade dos pesquisadores prejudique as investigações. Sabemos que não existe neutralidade na ciência, o que não significa que o pesquisador precise descuidar de preceitos éticos. Além disso, é importante fazer referência a debates ocorridos no âmbito da filosofia e da teoria da história, bem como da história da historiografia, que defendem que a história não é uma ciência. Para o historiador Reis (2003, p. 56–57): […] a história diz em nome do real o que é preciso dizer, crer e fazer. Pretendendo dizer o real, ela o fabrica. Ela torna crível o que ela diz. E faz agir. Essas narrati- vas fabricadas produzem a história efetiva. Os poderes econômicos e políticos esforçam-se por pô-la do seu lado, de a adular,pagar, orientar, controlar ou manter. A história, portanto, lutando contra a ficção, o lendário e o falso, aproxima-se da ciência. Ela procura imitá-la em seu controle da linguagem e em seu controle da prova. Ela se inspira em seu espírito rigoroso e em sua busca da objetividade. Ela também aspira a apreensão e o domínio da realidade empírica. Diferentes formas de conhecimento Para estudarmos as diferentes formas de conhecimento, tomemos empresta- das algumas definições oriundas da filosofia. Para os profissionais dessa área: […] o conhecimento é o pensamento que resulta da relação que se estabelece entre o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido. [...] O conhecimento pode designar o ato de conhecer, enquanto relação que se estabelece entre a consciência que conhece e o mundo conhecido. Mas o conhecimento também se refere ao produto, ao resultado do conteúdo desse ato, ou seja, o saber adquirido e acumulado pelo homem (ARANHA; MARTINS, 1993, p. 21). Pesquisa científica4 Segundo Aranha e Martins (1993, p. 21): [O conhecimento] é simultâneo à transmissão pela educação dos conhecimen- tos acumulados em determinada cultura. No correr dos tempos, a razão humana adquire formas diferentes, dependendo da maneira pela qual o homem entra em contato com o mundo que o cerca. A razão é histórica e vai sendo tecida na trama da existência humana. Serão nas diferentes formas que os seres humanos utilizam para buscar inteligibilidade para o mundo que encontraremos diversas formas de conhe- cimento, como o empírico, o filosófico e o conhecimento científico, aos quais nos deteremos aqui. Chamamos de “conhecimento empírico” as formas de conhecimento de- rivadas da experiência sensível, realizadas pela observação da realidade e de seus fenômenos e por meio da experimentação. É considerado a primeira etapa do conhecimento, vinculada à percepção e à sensação. De acordo com Abrantes e Martins (2007, p. 316): […] o conhecimento sobre a realidade objetiva origina-se de sensações/percepções. À base desses processos produz-se o conhecimento sensorial, ou a matéria prima do pensamento. Ao refletirem aspectos da realidade, possibilitam o aparecimento de uma imagem sensorial do mundo, com base na qual o homem começa a adquirir consciência, a conhecer os fenômenos da realidade, identificando, neles, proprie- dades, relações, origens, efeitos etc. Essas características não devem ser utilizadas para criar uma hierar- quização entre os conhecimentos. Aliás, o conhecimento empírico é muito importante para a pesquisa científica, porque é por meio do contato com determinadas realidades e de sua observação que somos levados a elaborar problematizações e hipóteses para a formulação do conhecimento filosófico e científico. Em outras palavras, não existe hierarquização ou oposição, mas complementaridade entre níveis diferentes da construção do conhecimento, com valores próprios. Pautando-se em princípios da lógica formal, o conhecimento empírico é absolu- tamente racional, revelando aspectos do objeto que se expressam pela categoria da existência presente, a exemplo de quantidade, qualidade, propriedade, medida, classe etc. (ABRANTES; MARTINS, 2007, p. 316). Pesquisa científica 5 Ainda assim, podemos encontrar em algumas obras referências ao “conhecimento empírico” como “conhecimento comum” ou “senso comum”, ou, ainda, “conhecimento vulgar”, o que poderia aparentar uma inferiorização desse conhecimento. No entanto, devemos empregar esses termos quando nos referirmos aos conhecimentos que utilizamos cotidianamente, a partir de determinadas práticas, não necessariamente submetidas a um “método científico” para se obter um saber. Como exemplifica Carvalho (2008, p. 5): […] sabemos que o maracujá tem um efeito calmante, ou que a erva-cidreira tem efeito na cólica intestinal dos bebês, ou mesmo, que é bem provável que, levando uma pessoa comum a um ponto extremo de frustração, arrisco-me a tomar um soco no nariz. Utilizamos cotidianamente esses conhecimentos empíricos e verificamos os seus resultados positivos. Esses conhecimentos podem ser transformados em conhecimento científico, entretanto não o são enquanto não aparecem os requisitos fundamentais, que são justamente o método, a sistematização e a generalização. Assim, podemos caracterizar o “conhecimento empírico” como acrítico, sem reflexão sobre si próprio, marcado pela subjetividade e pela valoração dos indivíduos. É também falível, inexato e assistemático, “[...] pois não tem a preocupação de uma sistematização e organização de ideias num conjunto coerente, consistindo antes em uma série de conhecimentos dispersos e desconexos [...]” (ARAÚJO, 2006, p. 128). Ainda, poderíamos afirmar que o “conhecimento empírico” é imediatista, voltado para as necessidades ime- diatas, e costuma ser transmitido geracionalmente pela educação informal e pelas experiências pessoais (ARAÚJO, 2006). De acordo com Araújo (2006, p. 129): Embora sem métodos críticos e sem sistematização, mas sendo colado às necessi- dades imediatas e fruto da intuição e da experiência, o conhecimento derivado do senso comum existe numa constante tensão entre os pré-conceitos, os modelos consagrado que se transmitem ao longo das gerações sem o devido questionamento de sua validade ou de suas reais relações de causa e efeito, e o dinamismo e a espontaneidade que formulam a todo momento novas teorias e novos modelos explicativos. Enfim, apresenta as duas dinâmicas de conhecimento: a abertura e a cristalização. Pesquisa científica6 Lembre-se de que a diferenciação entre as formas de conhecimento que estamos estabelecendo, na maioria das vezes, é mais formal, porque a relação dos seres humanos, como sujeitos do conhecimento, com o mundo a ser conhecido vincula saberes oriundos da experiência, da reflexão e da ciência. Segundo Kopnin (1978, p. 150): [...] todo o nosso conhecimento provém, em suma, das sensações e percepções; pois o homem não possui outras fontes, outros canais com o mundo exterior e ressalta que em nível empírico obtém-se da experiência imediata o conteúdo fundamental do pensamento; são racionais antes de tudo a forma de conhecimento e os conceitos implícitos na linguagem, em que são expressos os resultados do conhecimento empírico. Isso não significa que possamos confundir uma forma de conhecimento com outra, nem as equivaler, mas compreender sua indissociabilidade e inter-relação, bem como suas especificidades. Em relação ao conhecimento filosófico, podemos afirmar que se trata de uma forma de saber que procura respostas para algumas problematizações e alguns conhecimentos acerca da realidade. Caracteriza-se pela capacidade de refletir dos seres humanos, utilizando o raciocínio e empregando a linguagem. Conforme Araújo (2006, p. 130): [...] é mais comum encontrar a filosofia não exatamente como uma forma de co- nhecimento da realidade, como as outras, mas como uma forma de conhecimento que avalia as demais formas de conhecimento, que estuda a natureza e os limites das diferentes manifestações do conhecimento humano. A filosofia se encontra diretamente relacionada ao “espírito científico”. De acordo com Marcondes (2002 apud BORGHI, 2016, p. 245), “[…] os diferentes povos da Antiguidade — assírios e babilônios, chineses e indianos, egípcios, persas e hebreus —, todos tiveram visões próprias da natureza e maneiras diversas de explicar os fenômenos e processos naturais [...]” e “[...] é na cul- tura grega que podemos identificar o princípio deste tipo de pensamento que podemos denominar, nesta sua fase inicial, de filosófico-científico [...]”. Já o “conhecimento científico”, também chamado por alguns autores de “teórico”, tem sua origem em elaborações racionais a partir dos dados apre- sentados pelo conhecimento empírico. Pesquisa científica 7 Sua forma lógica é constituída pelo sistema de abstrações que explica o objeto, isto é, pelos conceitos, visando reproduzir o seu processo de transformação.Ultra- passando os limites do que é dado pela experiência, a racionalidade teórica não é simplesmente a forma ordenada (definidora, caracterizadora, classificatória etc.) de expressão da experiência, mas sim o recurso, a ferramenta por meio da qual se apreende um novo conteúdo, não passível de observação imediata do aparente (ABRANTES, MARTINS, 2007 p. 316-317). Diferentemente do conhecimento empírico, em que se buscam respostas para questões práticas do cotidiano, sem necessariamente propor uma re- flexão, o conhecimento científico se caracteriza por uma investigação, com objetivos mais universais de explicação, empregando-se conceitos e teorias e organizando-se sistematicamente o conteúdo. De acordo com Abrantes e Martins (2007, p. 321-322): [...] para entender a essência do conhecimento [científico], é necessário vê-lo como investigação, porquanto nesta se manifesta justamente a particularidade característica do conhecimento humano: o movimento do pensamento no senti- do de resultados efetivamente novos. A investigação científica enquanto ato do conhecimento se realiza à base da interação prática do sujeito com o objeto. Ela constitui uma forma teórica de apreensão do objeto pelo sujeito, nela se manifesta especialmente a natureza social do sujeito. Por isso, também podemos afirmar que o conhecimento científico parte de um questionamento, de uma problematização da realidade, que pressupõe conhecer o que já foi estudado ou realizado sobre o tema e o que será possível compreender a partir da atividade investigativa. Trata-se de etapas de um conhecimento que é sistemático e que se evidenciam nos procedimentos ou nas fases do “método científico”, apresentado no projeto de pesquisa. Para Abrantes e Martins (2007, p. 322-323): […] para a colocação de um problema, além de ser necessário conhecimento do que lhe é antecedente, é fundamental que se conheçam, também, as vias de sua solução. O problema posto em uma investigação científica se caracteriza como um sistema teórico cujo princípio unificador, ao invés de se constituir exclusivamente de teses autênticas de uma dada teoria, é uma questão que nelas se sustenta. Implicada naquilo que o autor denomina de juízo questão (problema de pesquisa), está a resposta provável (hipótese) a ele, ideia diretriz que pode conduzir a um conhecimento novo. No processo de investigação científica, as teses prováveis estão em conexão com as autênticas. Pesquisa científica8 Poderíamos, ainda, fazer referência ao conhecimento artístico, ide- ológico e teológico ou religioso. Quanto ao último, sua fonte são as práticas e os textos religiosos, e seu critério de verdade é a crença e a fé (CARVALHO, 2008). De acordo com Araújo (2006), para o conhecimento teológico ou religioso, o princípio da autoridade é fundamental, pois ele se apoia em verdades indiscutíveis, exigindo uma atitude de fé perante um conhecimento revelado, ou seja, compreender uma verdade que já está pronta. Ainda: […] o homem é menos sujeito do conhecimento, na medida em que não pratica experimentações ou busca novas formulações, mas apenas busca compreender cada vez mais um corpo de conhecimentos que se lhe apresenta já organizado, sistematizado, com regras, hierarquias e leis. Ao mesmo tempo, trata-se de um tipo de conhecimento não falseável, isto é, que não permite a verificação porque vem da transcendência. E, exatamente por essa característica, representa uma forma de conhecimento que evolui muito lentamente, tende a ser estacionário (ARAÚJO, 2006, p. 129). Fundamentos do método científico Neste tópico, aprofundaremos a respeito dos fundamentos do método cien- tífico. O que confere cientificidade à determinada metodologia de pesquisa? Como dito anteriormente, é praticamente impossível dissociar o “espírito científico” da filosofia, por sua preocupação com uma argumentação lógica fundamentada na razão. No entanto, a fundamentação da prática da ciência, como conhecemos atualmente, remete ao século XVI. De acordo com Gressler (2003 apud ARAÚJO, 2006, p. 133): […] a necessidade de se ter fundamentos sobre o processo de investigação e sobre a certeza dos resultados despertou o interesse de pensadores já no início do século XVI, em três povos distintos do Ocidente. Na França, René Descartes pautou sua defesa no método dedutivo; na Inglaterra, o grande teorizador da experimenta- ção, Francis Bacon, deu uma configuração doutrinária à indução experimental, procurando ensinar alguns métodos rudimentares de observação e apontamentos e na Itália, Galileu Galilei, preocupado em instituir um pensamento baseado na experimentação, resolveu por à prova alguns ensinamentos de Aristóteles. Pesquisa científica 9 Assim, podemos afirmar que a ciência se origina historicamente no século XVI, diretamente relacionada ao processo da modernidade e das modificações econômicas, filosóficas, políticas, religiosas e sociais pelas quais a Europa passava naquele período. Desde então, com transformações oriundas de questionamentos epistemológicos e mudanças conjunturais, a ciência se desenvolve em uma dinâmica de renovação e, ao mesmo tempo, de consoli- dação dos conhecimentos constituídos (ARAÚJO, 2006). Vejamos, então, alguns dos fundamentos do “método científico”. Conforme Richardson (1999), essas regras são arbitrárias, havendo muitos pressupostos para trabalhar cientificamente, os quais se alteram de acordo com os campos das ciências (biológicas, exatas, humanas, da saúde, etc.). Assim, um primeiro fundamento seria o pensamento indutivo como fonte de informação: “[...] é possível ter conhecimento de muitas coisas, observando apenas algumas. O conhecimento indutivo é incompleto, mas é básico para a maioria das ciências [...]” (RICHARDSON, 1999, p. 18), o que não significa invalidar o pensamento dedutivo, e sim enfatizar a lógica e o raciocínio matemático. Outro aspecto do método científico reside na confiança na capacidade de observação dos cientistas, “[o que] implica confiança na percepção do pesquisador, em sua sensibilidade e memória [...]” (RICHARDSON, 1999, p. 18). Esse fundamento nos remete à discussão realizada anteriormente acerca da importância do conhecimento empírico no processo do conhecimento filosófico e científico, além de chamar a atenção para os debates quanto à neutralidade e à objetividade na ciência. Quanto a esse aspecto, Sousa (2006, p. 153) combate a tese de que o conhecimento científico é desvinculado da política: Todo conhecimento científico é uma ação política. A produção do conhecimento científico dialoga com as necessidades da sociedade e com as próprias necessidades da comunidade acadêmica. Isso é política. Ciência que não faz isto dificilmente é reconhecida como ciência. [...] O conhecimento científico para sê-lo precisa do reconhecimento da comunidade científica (como, por exemplo, publicar suas pes- quisas numa renomada revista científica). Além disso, precisa do reconhecimento da sociedade, dos veículos de comunicação que autorizam esse conhecimento, reproduzindo os resultados das pesquisas. E todo esse movimento da busca ne- cessária do reconhecimento é uma ação política. Por fim, o método científico supõe que, para seu desenvolvimento, o fenômeno ou a realidade a serem investigados devem ser observáveis ou perceptíveis, por mais que se trate de temas abstratos (RICHARDSON, 1999). Pesquisa científica10 De acordo com Richardson (1999, p. 19): O método científico pode ser considerado algo como um telescópio — diferentes lentes, aberturas e distâncias produzirão formas diversas de ver a natureza, e o uso de apenas uma vista não oferecerá uma representação adequada do espaço total que desejamos compreender. Talvez diversas vistas parciais permitam elaborar um “mapa” tosco da totalidade procurada. Apesar de sua falta de precisão, o “mapa” ajudará a compreender o território em estudo. A partir do que foi dito até o momento, podemos afirmar que os funda- mentos do “método científico” podem serempregados tanto para operações cotidianas quanto para a formulação de um projeto de pesquisa e seu de- senvolvimento. Por exemplo: […] o preparo de um prato, a partir de uma receita, o planejamento do orçamento familiar, as compras em um supermercado incluem elementos do método científico tradicional. Compreender a aplicação do método científico a esses problemas aparentemente não científicos é fundamental para poder conhecer e transformar a realidade. Se queremos melhorar algo, devemos utilizar o método científico (RICHARDSON, 1999, p. 23). Contudo, nos interessa sobremaneira a aplicação do método científico para o desenvolvimento de pesquisas orientadas para a história, compreendida como uma ciência com suas especificidades. Portanto, devemos empregar um conjunto de fundamentos que estruturam o método das ciências, a saber (RICHARDSON, 1999): � Meta: o objetivo do estudo. � Modelo: qualquer abstração do que está sendo trabalhado ou estudado. � Dados: as observações realizadas para representar a natureza do fenômeno. � Avaliação: processo de decisão sobre a validade do modelo. � Revisão: mudanças necessárias no modelo. Pesquisa científica 11 Richardson (1999, p. 23) aponta que: O ponto de partida de qualquer pesquisa é a meta ou o objetivo. Em um segundo momento, desenvolve-se um modelo do processo que será estudado ou do fenômeno que será manipulado. Posteriormente, vem a coleta de informações (ou utilização de dados já coletados). Comparam-se os dados e o modelo em um processo de avaliação, que consiste simplesmente em estabelecer se os dados e o modelo têm sentido. Se o modelo não dá conta dos dados, procede-se à sua revisão — modificação ou substituição. Assim, o método científico é um processo dinâmico de avaliação e revisão. Esses cinco elementos, portanto, constituem os fundamentos do método científico, e, embora existam algumas variações de terminologia conforme as diferentes ciências, seu sentido é o mesmo. Assim, articulam-se diferentes saberes e procura-se, a partir do desenvolvimento de uma pesquisa orientada pelo método científico, buscar algumas respostas para problematizações e questões sobre determinados fenômenos e a realidade. Ainda, alguns autores criticam isso que chamam de uma interpretação do “método científico”, “[…] como um conjunto algorítmico, objetivo e fixo de regras para fazer ciência”, oriundo de uma “herança empirista-positivista [...]” (MASSONI; MOREIRA; SILVA, 2018, p. 905). Para eles: [...] atualmente o campo global da ciência é tão complexo e heterogêneo, que já não é mais possível argumentar em defesa de um método que seja comum a todas as ciências. Já não se pode afirmar que todos os fenômenos naturais sejam redutíveis a expressões matemáticas, ou que todos os objetos e fatos da realidade sejam analisáveis experimentalmente, ou que todas as hipóteses válidas ou acei- tas possam ser confrontadas diretamente com a realidade. Temos hoje inúmeros processos (estatísticos, de modelagem computacional, de matemática avançada e seu papel construtivo), de pluralidade de causas e emergência de propriedades não antecipáveis, especialmente as favorecidas pela sofisticada instrumentação (MASSONI; MOREIRA; SILVA, 2018, p. 921). Referências ABRANTES, A. A.; MARTINS, L. M. A produção do conhecimento científico: relação sujeito-objeto e desenvolvimento do pensamento. Interface, Botucatu, v. 11, n. 22, p. 313–325, 2007. ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. ARAÚJO, C. A. Á. A ciência como forma de conhecimento. Ciências & Cognição, Rio de Janeiro, v. 8, p. 127–142, 2006. 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Pesquisa científica 13
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