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Autoria e Participação

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Teorias sobre Autoria
Numa visão mais tradicional da doutrina (clássica), a exemplo de Nelson Hungria, Magalhães Noronha e Frederico Marques, não havia sentido em distinguir as figuras de autor e partícipe, tendo em vista que todos aqueles que concorriam para o delito, deveriam ser considerados autores, de modo que, para Nelson Hungria, não haveria espaço para a discussão de uma pretensa acessoriedade da participação ou mesmo de admitir figuras como a chamada autoria mediata.
Contudo, com a reforma promovida no Código Penal em 1984, em especial no artigo 29, abandonou-se a posição desse entendimento doutrinário de um conceito mais extensivo de autor, passando-se a admitir entendimento doutrinário que era considerado minoritário, defendido, por exemplo, por Damásio de Jesus, no sentido de ser necessário distinguir as figuras de autor e partícipe para a devida análise do fenômeno do concurso de pessoas ou agentes.
 
1. Teoria Objetivo-formal: trata-se da teoria que considera que a distinção entre autores e partícipes se dá no nível da contribuição para o fato criminoso objetivamente realizado, de modo que somente pode ser considerado autor aquele que realiza o verbo núcleo do tipo, que compõe a essência da conduta criminosa. 
2. Teoria Objetivo-material: trata-se da teoria que considera que a distinção entre autores e partícipes se dá no nível da contribuição para a causação do resultado do delito, de modo que se considera autor aquele que se apresenta como uma causa para a ocorrência do delito, enquanto partícipe é aquele que atua no delito de modo a conformar o fato sem ser o principal causador dele.
3. Teoria Extensiva: trata-se da teoria adotada pelo entendimento superado da doutrina mais tradicional, no sentido de que não haveria distinção entre autores e partícipes.
4. Teoria Extensiva Subjetiva OU Teoria subjetiva: trata-se da teoria que distingue autor e partícipe a partir do ânimo (animus) do agente, de modo que será considerado autor aquele que pretende (intenciona, tem o ânimo) de praticar o delito tendo este como um delito próprio, enquanto partícipe seria aquele que quer participar no crime de terceiro.
5. Teoria Objetivo-subjetiva: trata-se da teoria que conjuga a proposta das teorias objetivas com a proposta das teorias subjetivas para chegar ao conceito de autor.
6. Teoria do Domínio Final do Fato: com os estudos de Hans Welzel, o tema relativo aos debates sobre autoria ganhou contornos mais precisos. Para Welzel, somente poderia ser considerado autor aquele que controlasse o processo causal de lesão ao bem jurídico tutelado, de modo todos os demais, independentemente do tipo de contribuição, seriam partícipes. Com a Teoria do Domínio Final do Fato ou Teoria Final-Objetiva de Hans Welzel, passou-se a identificar no autor uma característica essencial, que é o controle do processo de causação do resultado, é dizer, da provocação da lesão ao bem jurídico tutelado ou a sua exposição a perigo de lesão. Assim sendo, inclui-se na noção de autoria, a chamada autoria mediata, que permite inclusive punir como autor aquele que utiliza o outro como instrumento de sua conduta (inimputável como instrumento). Considera como autor todo aquele que detém o controle finalístico da conduta.
7. Teoria do Domínio Funcional do Fato: de acordo com a teorização de Claus Roxin, para a identificação do autor é necessário observar a ideia central de controle do fato criminoso, que se desdobra em 3 situações distintas: 1ª) domínio da ação, pelo controle exercido sobre a ação típica; 2ª) domínio da vontade, pelo controle da vontade de terceiro; 3ª) domínio funcional do fato), pelo controle funcional do fato, ou seja, de etapa relevante ao fato criminoso.
 
· O Código Penal brasileiro optou por adotar o critério objetivo-formal como regra, considerando a chamada Teoria Restritiva da Autoria, havendo distinção entre autor e partícipe. Desse modo, pode-se considerar como autor aquele que pratica ato relevante na execução da empreitada criminosa.
· Todavia, é importante observar que a Teoria do Domínio Final do Fato tem ganhado espaço ao longo do tempo, notadamente diante da complexidade de algumas empreitadas criminosas, a exemplo do que ocorre com os crimes relacionados às organizações criminosas de que trata a Lei 12.850/13.
· Vale destacar, ainda, que a Teoria do Domínio Final do fato foi expressamente incluída em hipótese no Código Penal, quanto ao artigo 122 (induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio e à automutilação), por força do advento da Lei 13869/19, seguindo orientação que já era trabalhada na doutrina e na jurisprudência.
Obs.: ver art. 122 do CP, §§ 6° e 7°. 
Momento temporal do concurso de agentes
De acordo com o entendimento majoritário, o concurso de agentes pode ocorrer até o momento final da consumação da conduta criminosa. No entanto, há entendimento minoritário na doutrina, a exemplo de Nilo Batista, que considera ser possível a adesão nos crimes formais até o momento do exaurimento da conduta, o que seria a hipótese da chamada coautoria sucessiva, assim entendida como aquela que só se apresenta num momento posterior ao início do crime.
 
Quanto à chamada coautoria sucessiva, há divergência na doutrina em relação à atribuição de determinados resultados que se verificam antes do ingresso do agente. De acordo com Hans Welzel, se o agente que ingressa posteriormente (coautor sucessivo) tem ciência daquela circunstância, deverá responder por ela.  Por outro lado, para autores como Fernando Galvão e Nilo Batista, haveria ausência de relação de causalidade a permitir a atribuição desses resultados que se verificaram antes do ingresso do agente. 
Participação
Entende-se como partícipe aquele que, com seu comportamento (conduta), colabora para a empreitada criminosa, possuindo conduta acessória à conduta principal do autor e dos coautores. Trata-se do comportamento daquele que auxilia, instiga ou induz a prática delituosa, como regra. O partícipe não pode praticar ato executório. 
A participação consiste em uma forma de contribuição secundária para o cometimento do delito, que segundo Zaffaroni, se configura enquanto tipicamente acessória, tendo a reprovabilidade justificada a partir da Teoria do Favorecimento ou da Causação, segundo a qual a participação contribui (favorece) para o ocorrência do fato criminoso. 
Vale lembrar que auxiliar é efetivamente prestar auxílio material para a prática da conduta, como ocorre, por exemplo, quando há o empréstimo de uma arma de fogo para a prática de um crime de roubo. Instigar, por sua vez, é reforçar vontade pré-existente de praticar a conduta, ou seja, é estimular a vontade que o autor já tem de praticar a conduta ("colocar lenha na fogueira", "regar a semente da vontade da prática delituosa já plantada na mente do autor"). Induzir, por fim, é fazer nascer no outro a vontade da prática da conduta ("plantar a semente da vontade da prática delituosa").
De acordo com o entendimento da doutrina tradicional, pode-se classificar a participação em moral ou material, o que, de acordo com a dogmática mais moderna, corresponderia às expressões instigação e cumplicidade. Com relação à participação, há discussão sobre a necessidade ou não de que a instigação (induzimento ou instigação) seja genérica ou objetiva com relação à prática do delito, de modo que se pergunta se bastará a indicação genérica do delito, ou se é necessário que o partícipe diga "o quê, quando e onde" para que possa ser responsabilizado. 
De acordo com o entendimento que prevalece, bastará a indicação genérica do crime a ser cometido, contanto que a indicação feita pela instigação seja decisiva para que o autor do fato principal resolva cometer o delito. 
Pergunta-se, ainda, até que ponto o partícipe pode responder criminalmente, havendo, basicamente, que se considerar as vertentes da acessoriedade mínima e da acessoriedade limitada. De acordo com a ideia da acessoriedade mínima, o partícipe só responderia se o fato praticado pelo autor fosse minimamente típico. Por outro lado, para a acessoriedadelimitada, adotada pelo entendimento majoritário, basta que o fato praticado pelo autor principal seja típico e ilícito para verificarmos a responsabilidade do partícipe. 
 Para além dessas teorias, temos também outras vertentes que vale mencionar. De acordo com a Teoria da Acessoriedade Extremada, o partícipe somente poderia responder se a conduta do autor principal se enquadrasse enquanto típica, ilícita e culpável, entendimento que é criticado na Teoria da Acessoriedade Limitada, uma vez que a culpabilidade é um elemento que demanda análise subjetiva. 
 
 Há, ainda, a chamada hiperacessoriedade, segundo a qual o partícipe somente poderia responder se o autor principal tivesse praticado fato típico, ilícito, culpável e punível, ou seja, acrescentando-se o elemento da punibilidade.
 
 Outro ponto relevante que merece destaque é a questão da tentativa de participação, que não punível, na forma do artigo 31 do Código Penal. De acordo com a doutrina de Zaffaroni, a participação é exclusivamente dolosa, não cabendo falar em tentativa de participação, sendo certo que a participação não configura tipo penal autônomo, mas sim é acessória à conduta principal. 
 
 Ademais, para Zaffaroni, não se pode falar em participação culposa em crime doloso nem tampouco em participação dolosa em crime culposo, assim como não cabe participação culposa em crime culposo, pois crime culposo não admite tentativa, requisito do artigo 31 do Código Penal para a participação. 
 
 De acordo com Zaffaroni, como não cabe participação culposa em crime doloso, se houver culpa o agente responde por crime culposo. Por outro, como também não cabe participação dolosa em crime culposa, nesse caso, resolve-se pela hipótese de autoria mediata. (lembrar do exemplo do motorista de táxi que pratica homicídio culposo na direção de veículo automotor e do passageiro que, pretendendo o resultado morte de um desafeto, induz o motorista a empreender velocidade excessiva).
Autoria
Autoria individual: trata-se da hipótese na qual o agente realiza o delito sozinho, ou seja, caso em que não haverá concurso de agentes.
Autoria mediata: trata-se da hipótese que Welzel determina ser de um "vácuo de punibilidade", que se insere no meio termo entre a participação e a autoria direta ou imediata. De acordo com Nilo Batista, a autoria mediata pode ser caracteriza pela situação de fato em que uma pessoa se utiliza de outra como instrumento do seu próprio crime. Trata-se de clara referência à proposta de análise do domínio final do fato. Vale acrescentar, que para Nilo Batista é necessário que a pessoa que utilizada como instrumento não tenha representação do que o autor pretende, intenciona, ou seja, não deve ter conhecimento do plano do autor. No Código Penal encontramos algumas hipóteses não exaustivas de autoria mediata, para além do exemplo já mencionado do artigo 122 do Código Penal, a saber: a) o erro provocado por terceiro, previsto no artigo 20, §2º, do Código Penal; b) a coação moral irresistível e obediência hierárquica, de que trata o artigo 22 do Código Penal; c) o uso de instrumento impunível, na forma do artigo 62, III, do Código Penal. Por fim, observe-se que, de acordo com Nilo Batista, não há qualquer impedimento ou impossibilidade que a instrumento da conduta do autor mediato seja ao mesmo tempo a vítima (como ocorre no caso do artigo 122, §§6º e 7º, do Código Penal).
OBS.: De acordo com a doutrina, é possível autoria mediata em crime próprio, desde que o autor mediato ostente a condição que o tipo penal exige. Por outro lado, os crimes de mão própria, como exigem execução pessoal do delito, para além de uma condição especial, são incompatíveis com a autoria mediata.
OBS2.: Com relação à autoria mediata em crime culposo, para Fernando Galvão, embora seja admissível, na hipótese em que um indivíduo estimula um terceiro inimputável a realizar uma conduta culposa, parece prevalecer o entendimento de Nilo Batista, segundo o qual a Teoria do Domínio Final do Fato não pode ser aplicada a crime culposo, pois nesse caso não se haveria controle final da ação, e sim nexo de causalidade com o resultado indesejado.
OBS3.: Discute-se se é possível autoria mediata em crime omissivo impróprio (crime comissivo por omissão). Para a doutrina de Nilo Batista, sendo hipótese de descumprimento do dever por parte do agente garantidor, seria caso de autoria direta e não autoria mediata. Diferentemente, para Fernando Galvão, nas hipóteses em que o agente garantidor deixa de cumprir seu dever legal e, com isso, viabiliza a ocorrência do fato criminoso, temos caso de autoria mediata, como ocorre no exemplo controlador de vôo que permite que dois aviões sigam em rota de colisão.
OBS4.: Há, ainda, controvérsia sobre a autoria mediata e tentativa, de modo que para alguns autores, a exemplo das lições de Luiz Flávio Gomes, a tentativa somente seria possível quanto o agente se utiliza do instrumento, ou seja, quando o instrumento atua gerando perigo para o bem jurídico tutelado. Já para outros autores, a exemplo de Nilo Batista, deve-se considerar a análise a partir do instrumento, se é de boa-fé ou de má-fé, de modo que nos casos de instrumento de boa-fé que não realiza fato típico, a tentativa teria início quando o instrumento é colocado em marcha. Já, por outro lado, para o instrumento de má-fé, que sabe que está realizando um fato típico, a tentativa teria início quando próprio instrumento inicia a execução do delito.
 
Autoria imediata: é aquela que se verifica quando o agente exerce o ato núcleo do tipo, ou seja, pratica ato executório previsto no tipo penal.
Autoria colateral: é aquela que ocorre quando dois ou mais agentes praticam o fato criminoso uns sem saberem dos outros, ou seja, não havendo liame subjetivo a configurar concurso de agentes. A autoria colateral por ser certa ou incerta.
4.1) Autoria colateral certa: é a modalidade de autoria colateral na qual se pode determinar quem foi o responsável pela produção do resultado (nexo de causalidade, lembrar do art. 13 do Código Penal). Nesse caso, sabendo-se quem foi o responsável pelo resultado, somente este responderá pelo crime consumado, enquanto os demais agentes (autores colaterais) responderão pelo crime na modalidade tentada (se couber).
4.2) Autoria colateral incerta: é a modalidade de autoria colateral na qual NÃO se pode determinar quem produziu o resultado, havendo certeza somente de quais agentes praticaram condutas capazes de gerar o resultado. Nessa hipótese, entende-se que todos os agentes devem responder pelo crime na modalidade tentada.
Autoria desconhecida: é a hipótese na qual se desconhece o autor do fato criminoso.
Autoria intelectual: é a hipótese que se verifica quando o agente é responsável pela idealização do plano da empreitada criminosa. (Ex.: O Professor em La Casa de Papel). 
Autoria por convicção: é aquela determinada por motivações ou convicções específicas, por exemplo, ideológicas, religiosas etc. (Ex.: terrorismo praticado por grupos radicais religiosos).
Autoria de escritório (autoria mediata especial): é aquela que se verifica nos casos das grandes organizações criminosas, que são dotadas de estrutura hierárquica, caracterizada por divisão de tarefas, tal qual define a Lei 12850/13.
Coautoria
A partir das orientações da Teoria do Domínio Funcional do Fato, a coautoria seria caracterizada pela resolução comum e pela execução comum do delito, podendo se apresentar mediante três modalidades:
1) coautoria intelectual, daquele que elabora o plano criminoso; 2) coautoria por execução, daquele que realiza a conduta que constitui verbo núcleo do tipo penal; 3) coautoria funcional, daquele que faz contribuição que gira em torno do verbo núcleo do tipo.
 
Classicamente e de forma ordinária, agentes como aquele que fica de vigia e o motorista de fuga em um roubo, por exemplo, se inserem no papel de partícipes. Contudo, é necessário sempre verificar no caso concreto, considerando as peculiaridades do tipo penal praticado, para saber se serão coautores funcionais (que contribueme giram em torno do verbo núcleo do tipo) ou se serão partícipes (com conduta claramente acessória).
Comunicabilidade das circunstâncias (art. 30 do CP)
 Elementar do tipo, basicamente, pode ser compreendida como sendo o núcleo central que compõe o tipo penal, ou seja, o fato principal descrito em um tipo penal. Diferentemente, as circunstâncias não são o fato principal, mas sim, são fato que circunda o fato principal e que não são essenciais para o tipo penal existir. As circunstâncias podem ou não ter relevância penal, o que pode ser verificado pelas previsões do legislador.
 No crime de homicídio, por exemplo, previsto no artigo 121 do Código Penal, são elementares do tipo "matar alguém", conforme previsto no caput do dispositivo, sendo este o fato principal. Por outro lado, a motivação torpe constitui circunstância penal relevante (fato que circunda o fato principal), prevista no artigo 121, §2º, do Código Penal. 
 As circunstâncias podem ser objetivas ou subjetivas. Entende-se por circunstância objetiva aquela relacionada ao fato criminoso objetivamente considerado, dizendo respeito, por exemplo, aos meios de execução da conduta. No caso do homicídio, a título de exemplo, a qualificadora do emprego de veneno é circunstância objetiva e, logo se comunica aos demais coautores da conduta, na forma do artigo 30 do Código Penal.
 Diferentemente, as circunstâncias subjetivas (pessoais) são aquelas que demandam uma análise do agente, de suas qualidades, de seu estado, da sua motivação, por exemplo. Assim sendo, o motivo torpe no crime de homicídio é circunstância qualificadora de natureza subjetiva, de modo que não se comunica aos demais coautores, na forma do artigo 30 do Código Penal.
 Vale lembrar que, de acordo com o artigo 30 do Código Penal, as circunstâncias subjetivas (de caráter pessoal) não se comunicam, enquanto as circunstâncias objetivas SEMPRE se comunicam aos demais coautores, desde que tais circunstâncias objetivas estejam na esfera de conhecimento dos coautores ou partícipes.

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