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AS MASCULINIDADES E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER UM DIÁLOGO ENTRE A IMPRENSA E A ACADEMIA

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Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE RORAIMA – UERR 
CAMPUS DE BOA VISTA – RR 
CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA 
 
 
 
 
 
LUIZ MAITO JÚNIOR 
 
 
 
AS MASCULINIDADES E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UM 
DIÁLOGO ENTRE A IMPRENSA E A ACADEMIA 
 
 
 
 
 
 
 
BOA VISTA – RR 
2017 
 
 
 
LUIZ MAITO JÚNIOR 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AS MASCULINIDADES E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UM 
DIÁLOGO ENTRE A IMPRENSA E A ACADEMIA 
 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso - TCC 
apresentado à banca examinadora da 
Universidade Estadual de Roraima-
UERR, como requisito para obtenção do 
título de Licenciada em História – Sob 
Orientação da Professora. Dra. 
Raimunda Silva Gomes 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BOA VISTA – RR 
2017 
 
 
LUIZ MAITO JÚNIOR 
 
AS MASCULINIDADES E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UM 
DIÁLOGO ENTRE A IMPRENSA E A ACADEMIA 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado à Universidade Estadual 
de Roraima-UERR como requisito para a obtenção de título em Licenciada em 
História, defendido em __/__/____ e avaliado pela seguinte banca 
examinadora. 
Banca Examinadora: 
 
_________________________________________________ 
Prof.ª. Dra. Raimunda Gomes da Silva 
Presidente 
 
_________________________________________________ 
Elisangela Martins 
 
_________________________________________________ 
Andréa Freitas Vasconcelos 
 
Conceito______________________ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BOA VISTA – RR 
2017 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Agradecimentos 
 
 Aos meus pais: Luiz 
Maito e Sônia de Paula Melo 
Maito, aos amigos a minha 
Orientadora Raimunda Silva 
Gomes e a banca aqui presente. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedicatória 
 
 
A todos e todas que neste momento ou no 
passado lutam e lutaram por um mundo 
melhor e mais igual. Como um D. Quixote 
sigo nesta luta com todos vocês. 
 
 
 
 
Epigrafe 
 
 
 
Dez Igualdades 
 
O meu peito nu 
O seu, não. 
Tua dor atrapalha, a minha estagna. 
Meu filho está em casa, o nosso contigo. 
Teu choro lava a alma, o meu envergonha. 
Minha liberdade é a rua, a tua não se encontra. 
Meu prazer é do mundo 
O seu não me diz respeito 
Meu lugar é onde estou 
O teu, onde eu estiver. 
Teu estudo não é necessário 
O meu o nosso futuro 
Meu salário é maior 
Teu trabalho só te cansa 
Meu amor é de carne e osso 
O seu alma e poesia 
 
Luiz Maito Júnior 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Resumo 
 
 
O presente trabalho aborda a questão das masculinidades como uma nova 
perspectiva para os homens nos estudos de gênero, entender o masculino 
como produto hegemônico do patriarcado. Um homem que se depara com 
movimentos na sociedade. Que o coloca frente a frente com seus sentimentos 
e expectativas, bem como analisar a violência contra a mulher, uma violência 
como modo de defesa frente aos avanços das conquistas feministas. Partindo 
num segundo momento para uma análise de casos apresentados por veículos 
de comunicação, estabelecendo um diálogo com a academia, com os avanços 
estabelecidos pela construção de um novo paradigma da masculinidade. 
 
Palavras chave: Masculinidade, Violência contra a mulher, Imprensa, 
Academia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Abstract 
 
This paper addresses the issue of masculinities as a new perspective for men in 
gender studies; understand the masculine as hegemonic product of the 
Patriarchate. A man who is faced with movements in society. That puts you 
face-to-face with your feelings and expectations, as well as analyze the violence 
against women, violence as a means of defense against the advances of the 
feminist achievements. Leaving a second time for an analysis of cases 
presented by the media, establishing a dialogue with the Academy, with the 
advances established by the construction of a new paradigm of masculinity. 
 
 
Keywords: Masculinity, Violence against women, Press, Academy 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12 
1. PRIMEIRO CAPÍTULO - MASCULINIDADE E VIOLÊNCIA CONTRA A 
MULHER .......................................................................................................... 14 
1.1 UM BREVE HISTÓRICO ............................................................................ 14 
1.2 A SUBJETIVIDADE MASCULINA .............................................................. 16 
1.3 A VIOLÊNCIA COMO FORMA DE EXPRESSÃO MASCULINA ................ 20 
1.4 A CRISE DA MASCULINIDADE ................................................................. 21 
1.5 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ......................................................... 25 
2. CAPÍTULO 2 - UM DIÁLOGO ENTRE A IMPRENSA E A ACADEMIA ...... 30 
2.1 O RELATÓRIO DA HUMAN RIGHTS WATCH – UM DIA VOU TE MATAR.
 ......................................................................................................................... 31 
2.2 CASO I; É como se fosse eu que estivesse na prisão ............................... 37 
2.3 CASO II; Homem incendeia carro de ex-namorada por não aceitar o fim do 
relacionamento. ................................................................................................ 40 
2.4 CASO III; Policial militar mata três e deixa um ferido. ................................ 41 
2.5 Caso IV; Adolescente de 16 anos é morta a facadas na zona Oeste de Boa 
Vista ................................................................................................................. 43 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 46 
REFERÊNCIAS: .............................................................................................. 48 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 
 
INTRODUÇÃO 
Este trabalho tem por intenção compreender a discussão sobre um novo 
objeto de estudo das Ciências Humanas, a Masculinidade ou como se referem 
alguns autores Masculinidades no plural. Assim como sua implicação no estudo 
da violência contra a mulher. O primeiro capítulo tratará do embasamento 
científico acadêmico sobre os assuntos, trará especialistas das diversas áreas 
que produzem conhecimento. 
Um breve histórico será o ponto de partida para a discussão. Buscando 
na História concepções que mostram a evolução da discussão de gênero sobre 
a figura do masculino, perceberemos que num primeiro momento o modelo 
biológico se impôs referendando a superioridade do masculino sobre o 
feminino, mas este modelo biológico influiu de maneira decisiva para que a 
construção da subjetividade masculina fosse hegemônica. 
Ao entender que algumas características são consideradas 
exclusivamente masculinas tal como a violência, o feminino é relegado a um 
segundo plano, é este modelo o patriarcalismo, que será também estudado 
durante o primeiro capítulo. A violência contra a mulher entra no trabalho para 
mostrar que mesmo que haja um novo homem sendo gestado, o velho ainda é 
o predominante, e este ainda se utiliza de práticas patriarcais. 
O mal estar que este novo homem ressente é sim filho de lutas 
feministas, mas não só, alterações de relações familiares, jurídicas, sociais e 
de relações de trabalho colocam este homem numa posição de estar frente a 
frente consigo mesmo, com angústias e dúvidas do que virá, mas 
principalmente do que se é. Quando este homem se depara com este novo 
mundo, percebe que já é outro homem. 
O segundo capítulo começa com o relatório da Human RightsWatch, 
uma organização internacional não governamental que elaborou um relatório 
sobre a violência contra a mulher em Roraima, com dados alarmantes quanto 
aos números de casos, mas também por evidenciar outros fatos. 
O relatório nos trás 31 casos de violências narradas pelas próprias 
mulheres, assim como entrevistas com autoridades policiais que tratam do 
assunto, o que deriva dessas conversas além de impactante é também 
decepcionante, falta de estrutura material e humana no combate e prevenção 
13 
 
da violência contra a mulher são as primeiras conclusões a que o relatório 
chega. 
O capítulo segue com alguns casos retirados de veículos de imprensa e 
com eles vamos fazendo a compreensão do que já foi visto no capítulo anterior, 
todos os casos escolhidos são da cidade de Boa Vista acontecidos nos últimos 
dois anos, casos que tratam dos vários tipos de violência contra a mulher, e 
principalmente ocorridos em relações que se tornam abusivas e em alguns 
casos levando até mesmo a morte da mulher, nestes casos, o feminicídio é o 
nome dado a este crime, embora de difícil tipificação, feminicídio é o homicídio 
praticado contra a mulher em razão da condição de gênero. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14 
 
1. PRIMEIRO CAPÍTULO - MASCULINIDADE E VIOLÊNCIA CONTRA A 
MULHER 
Este capítulo buscará trazer os conceitos e as pesquisas feitas por nós 
em livros e artigos publicados por especialistas em cada área, a intenção é 
embasar teoricamente o objeto estudado para que no Segundo capítulo 
possamos fazer uma discussão sobre o papel da imprensa e da academia nas 
reportagens escolhidas em Roraima. 
1.1 UM BREVE HISTÓRICO 
“O que é ser homem em nossa atual sociedade? O que são as 
representações de homem trabalhador? Homem pai? Homem sexo? Homem 
violência e homem emoção? Há um processo de socialização construído pela 
família e escola que define o que é esperado para um menino: virilidade, 
agressividade e determinação” (NOLASCO, 1995) 1. 
Precisaremos retornar algum tempo na história para tentar entender a 
questão do que vem sendo chamado de a crise masculina. Foucault (1986) 2 
afirmou: “Até o século XVIII, não era possível encontrar um modelo de 
sexualidade humana conforme entendemos hoje. Ressaltando que o próprio 
termo sexualidade é um termo surgido no século XIX, portanto pertencente às 
sociedades modernas e pós-modernas”. 
O modelo anterior até então era a do one-sex-model ou monismo sexual. 
Que durante dois milênios dominou o entendimento anatômico, sendo a mulher 
o homem invertido. O útero era o escroto feminino, os ovários eram os 
testículos, a vulva um prepúcio, a vagina era um pênis (COSTA, 1995) 3, as 
mulheres eram inferiores, porque não se desenvolveram o suficiente para 
tornarem-se homens. Esse modelo estabeleceu uma supremacia masculina 
estabeleceu uma supremacia masculina não só no campo da perspectiva 
anatômica, mas também influiu nas metafísicas. 
Somente na virada do século XVIII para o XIX é que esse modelo 
começa a se alterar, o two-sex-model “o sexo político-ideológico vai ordenar a 
 
1
 NOLASCO, Sócrates (org.). A desconstrução do masculino. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1995. 
 
2
 FOUCAULT, M. A História da Sexualidade II – O Uso dos Prazeres. Rio de Janeiro: Graal. 
1986. 
 
3
 COSTA, J.F. A Face e o Verso: estudos sobre o homoerotismo II. São Paulo: Escuta. 1995 
15 
 
oposição e a descontinuidade sexuais do corpo” (...) justificando e impondo 
diferenças morais aos comportamentos femininos e masculinos, de acordo com 
as exigências da sociedade burguesa, capitalista, individualista, nacionalista, 
imperialista e colonialista implantada nos países europeus (COSTA, 1995) 4. A 
mulher deixa de ser o invertido do homem para ser seu inverso, sua forma 
complementar. 
Mas mesmo aqui com esta mudança da concepção biológica para a 
política, econômica e social a mulher ainda estava relegada a um plano inferior 
ao homem. O século XIX nos trás essa definição a diferença de sexo passou a 
fundar a diferença entre masculino e feminino. “Revolucionários, burgueses, 
filósofos, moralistas, socialistas, sufragistas e feministas, todos estavam de 
acordo em especificar as qualidades morais, intelectuais e sociais dos 
humanos, partindo-se da diferença sexual entre homens e mulheres” (COSTA, 
1995, p. 128) 5. O determinismo biológico se faz presente, são as 
características específicas do gênero masculino o referencial de superioridade. 
Essa concepção biológica do masculino sobrepondo-se ao feminino no 
campo social ganha ainda mais força quando lemos: 
A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e 
o corpo feminino, e, especificamente, a diferença anatômica entre os 
órgãos sexuais, pode assim ser vista, como uma justificativa natural 
da diferença socialmente constituída entre os gêneros principalmente 
da divisão social do trabalho. (BORDIEU, 2003) 
6
. 
As distinções sociais norteiam o indivíduo, a reproduzir a ordem social 
sexuada, sendo a família a principal delas, os modos comportamentais, 
designam o que é próprio de seres masculinos e femininos. “A esses modelos 
de como ser sujeito masculino e feminino, a esses padrões, códigos, regras 
que internalizados devem diferenciar as formas de ser homem e de ser mulher, 
chamamos de modelos, padrões ou códigos de gênero” 7. 
 
4
 COSTA, J.F. A Face e o Verso: estudos sobre o homoerotismo II. São Paulo: Escuta. 1995 
5
 COSTA, J.F. A Face e o Verso: estudos sobre o homoerotismo II. São Paulo: Escuta. 1995 
 
6
 BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand. Brasil, 2003 
7
 ALBUQUERQUE. D.M. Definição de Masculinidade in Dicionário Crítico de Gênero. 
Dourados: Ed. UFGD, 2015 
16 
 
 1.2 A SUBJETIVIDADE MASCULINA 
O sistema político social do patriarcado também é um dos pilares dessa 
construção da subjetividade masculina. Para a maioria das culturas e das 
sociedades, é extremamente problemático se tornar adulto, pois o homem é 
uma construção de gênero difícil e árdua: enquanto a menstruação - uma 
espécie de iniciação natural - propicia à moça adolescente a possibilidade de 
gerar filhos, fundamentando sua condição feminina, no rapaz adolescente, 
diferentemente, ocorre um processo educativo que deve substituir a natureza 
para romper a identificação primeira e encantadora com a mãe (CORNEAU, 
1993) 8. Diversos pensadores sociais consideram o patriarcado como um 
sistema universal de poder. O poder patriarcal ainda impera, sem dúvida. Um 
pequeno exemplo esta em meu próprio nome e de vários outros homens que 
recebem o mesmo nome e sobrenome do pai ou do avô, sendo seguidos de 
Júnior, Filho ou Neto, uma forma de perpetuação do masculino, já que o 
mesmo não ocorre com as garotas. 
Entretanto, Badinter (1993) 9 argumenta que a teoria do patriarcado 
estaria superada, pois o poder dos homens sobre as mulheres dá, cada vez 
mais, mostras de sérios abalos. Trataremos mais tarde destes abalos, que 
apontam para a constituição de um novo modelo de masculinidade ou como 
usam alguns autores, masculinidades no plural. A masculinidade hegemônica 
se distinguiu de outras masculinidades, especialmente das masculinidades 
subordinadas. A masculinidade hegemônica não se assumiu normal num 
sentido estatístico; apenas uma minoria dos homens talvez a adote. Mas 
certamente ela é normativa. Ela incorpora a forma mais honrada de ser um 
homem. Ela exige que todos os outros homens se posicionem em relação a 
ela e legitima ideologicamente a subordinação global das mulheres aos 
homens10. Homens que receberam os benefícios do patriarcado sem adotar 
 
8
 CORNEAU, Guy. Pai ausente, filho carente: o que aconteceu com os homens? 2. Ed. São 
Paulo: Brasiliense, 1993. 
9BADINTER, Elisabeth. XY: sobre a identidade masculina. 2. Ed. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 1993. 
10
 CONNELL. R.W; MESSERSCHMITT, J.W. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito in Rev. 
Estud. Fem. vol.21 n°.1 Florianópolis Jan./Apr. 2013 
17 
 
uma versão forte da dominação masculina podem ser vistos como aqueles que 
adotaram uma cumplicidade masculina. Foi em relação a esse grupo, e com a 
complacência dentre as mulheres heterossexuais, que o conceito de 
hegemonia foi mais eficaz. A hegemonia não significava violência, apesar de 
poder ser sustentada pela força; significava ascendência alcançada através da 
cultura, das instituições e da persuasão (CONNELL, 2013) 11. 
Esta mesma ideologia patriarcal desde o Brasil Colônia, delegou aos 
homens um grande poder sobre as mulheres, mesmo que nascida de uma 
minoria dominante se propagou por todas as classes sociais. “O sentimento de 
posse sobre o corpo feminino e atrelando a honra masculina ao 
comportamento das mulheres sob sua tutela” 12. (NADER, 2012). 
Acreditamos que uma boa forma de iniciar este tópico é entender o texto 
de Maria Luiza Heilborn. Professora do Instituto de Medicina Social da 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro: “Há machos e fêmeas na espécie 
humana, mas a maneira de ser homem e de ser mulher é realizada pela 
cultura. Homens e mulheres são produtos da realidade social e não apenas da 
natureza. É a cultura que humaniza a espécie. E a dimensão biológica da 
espécie humana é transformada pela necessidade de capacitação cultural, 
essencial à sobrevivência. Mas, sabemos que existem masculinidades e 
feminilidades hegemônicas, que aparecem como se fossem produto da 
natureza, mas não são. No Brasil, por exemplo, entre jovens, o acesso à 
masculinidade plena se dá através da iniciação sexual com uma mulher, para 
que ele seja reconhecido como um homem heterossexual e, portanto, participe 
dessa masculinidade hegemônica. Aqueles que agem de forma diferente, não 
têm o comportamento esperado pelos outros, é feminilizado e diminuído. Há 
também um desenvolvimento da estrutura psíquica masculina — do ponto de 
vista cultural, não de indivíduos em particular — que está pouco preparada 
para receber a rejeição feminina. As meninas, por outro lado, são incitadas a se 
 
11
 CONNELL. R.W; MESSERSCHMITT, J.W. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito in Rev. 
Estud. Fem. vol.21 n°.1 Florianópolis Jan./Apr. 2013. 
12
 LAGE. L; NADER. M.B. Violência contra a mulher in: Nova História das mulheres no 
Brasil/organizadoras Pinsky. C.B; Pedro. J.M. São Paulo: Contexto, 2012. 
 
18 
 
hipersexualizarem para chegarem a uma feminilidade hegemônica” 13. Este é 
um processo construído também, a indústria cultural, da moda e do consumo 
forma uma engrenagem que hipersexualizam essas meninas. 
A construção da subjetividade masculina tem um componente 
extremamente complicado já que grande parte desta é feita em contato com o 
feminino, é a sua mãe que nos primeiros anos de vida estará ao seu lado muito 
mais que a figura paterna. Durval Muniz diz em seu texto Nostalgia da infância, 
saudades do feminino in Feminismos e Masculinidades de Eva Blay “O 
processo que leva alguém a tornar-se homem, deixar de ser criança e tornar-se 
um adulto viril e masculino parece implicar na ocorrência de perdas afetivas e 
emocionais” 14. 
Badinter (1993) destacou, como uma das principais razões da maior 
vulnerabilidade física masculina, o fato de que ela, provavelmente, advém da 
também maior fragilidade psíquica dos homens. O menino nascido e gestado 
num ventre de uma fêmea deve se voltar em direção à diferenciação da mulher 
durante a maior parte de sua vida (ao contrário da menina), pois apenas pode 
garantir sua existência de macho se opondo à sua mãe, à sua própria 
feminilidade original e à sua condição de bebê dependente e passivo. Assim, 
“por três vezes, para afirmar uma identidade masculina, deve convencer-se e 
convencer os outros de que não é uma mulher, não é um bebê e não é um 
homossexual”, reafirmando sempre que é homem, que é adulto e que é 
heterossexual. Portanto, a masculinidade é social e culturalmente construída, 
sendo secundária, frágil e desenvolvida a partir de uma feminilidade original 15. 
Sim porque há uma construção social que definirá o que é o sexo 
masculino, códigos que indicarão o confronto com o universo feminino que lhe 
norteou durante os primeiros anos de vida. Uma violência não compreendida 
como tal se estabelece, o modelo social imputa ao menino características que 
fazem ruir toda a possibilidade do feminino em seu trajeto como homem feito, 
 
13
 Disponível em: <http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/violencias/cultura-e-raizes-
da-violencia/> 
 
14
 NOLASCO, Sócrates (org.). A desconstrução do masculino. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1995. 
 
15
 BADINTER, Elisabeth. XY: sobre a identidade masculina. 2. Ed. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 1993. 
19 
 
nem que para isso se utilize da violência física. Quantas surras ou 
espancamentos de pais ou de estranhos não são precisos para se fabricar num 
“Homem de verdade” (ALBUQUERQUE, 2014) 16. 
E uma das mais importantes práticas de construção deste novo adulto 
masculino é a violência, sendo desde muito jovem o menino preparado para o 
exercício da masculinidade. “Assim neste cotidiano os homens aprendem a 
exercer a competição, discriminação e violência, sendo a prática da violência, 
exercida ou sofrida, um dos componentes da complexa formação da 
subjetividade masculina” (URRA. 2014) 17. Outra característica é o machismo 
vindouro dos grupos a que se associa este jovem. Esta violência vinda do 
público, ou seja, de fora se soma a violência do apartar-se do feminino como 
forma de assegurar sua masculinidade, sendo esta uma violência privada, o 
encarar o feminino como a negação de sua masculinidade. 
Lang18. Tratou em Casa dos Homens sobre a sociabilidade das várias 
idades do masculino. Neste caso a criança em seu primeiro contato com uma 
homossociabilidade. 
Em nossas sociedades, quando as crianças do sexo masculino 
deixam, de certo modo, o mundo das mulheres, quando começam a 
se reagrupar com outros meninos de sua idade, elas atravessam uma 
fase de homossociabilidade na qual emergem fortes tendências e/ou 
grandes pressões para viver momentos de homossexualidade. 
Competições de pintos, maratonas de punhetas (masturbação), 
brincar de quem mija (urina) o mais longe, excitações sexuais 
coletivas a partir de pornografia olhada em grupo, ou mesmo 
atualmente em frente às strip-poker eletrônicas, em que o jogo 
consiste em tirar a roupa das mulheres... Escondidos do olhar das 
mulheres e dos homens de outras gerações, os pequenos homens se 
iniciam mutuamente nos jogos do erotismo. Eles utilizam para isso 
estratégias e perguntas (o tamanho do pênis, as capacidades 
sexuais) legadas pelas gerações precedentes. Eles aprendem e 
reproduzem os mesmos modelos sexuais, tanto pela forma de 
aproximação quanto pela forma de expressão do desejo. 
 
 
16
 ALBUQUERQUE, D.M. in BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos 
para enfrentar a violência contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 
17
 URRA. F. in. BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar 
a violência contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 
18
 LANG, D. W. A construção do masculino: a dominação das mulheres e homofobia. Estudos 
Feministas, ano 9, 460, 2001. 
 
20 
 
A criança ou pré-adolescente tem o contato com os meninos de sua 
idade conhecendo e reconhecendo sua sexualidade, o termo 
homossociabilidade aqui é aplicado não na questão afetiva, mas sim da 
convivência com os indivíduos do mesmo gênero,o primeiro passo na 
construção de suas formações como futuros homens. 
 
1.3 A VIOLÊNCIA COMO FORMA DE EXPRESSÃO MASCULINA 
A violência masculina é uma construção social e com uma tentativa até 
pouco tempo atrás de naturalização, o biológico se impôs durante séculos e a 
observação da natureza sempre nos trazia a imposição da violência através do 
macho, o mundo animal demonstrava isso através da observação, mas até isso 
vem sendo desmentido pela ciência. 
Mas nem tudo é naturalização e a sociedade lembra ao homem que sua 
virilidade é seu poder, o seu mais forte modelo de masculinidade. “A virilidade, 
como se vê, é uma noção eminentemente relacional, construída diante dos 
outros homens, para os outros homens e contra a feminilidade, por uma 
espécie de medo do feminino, e primeiramente dentro de si mesmo” 
(BORDIEU, 2002).19 O medo é de não mostrar a sua masculinidade, não 
parecer homem aos olhos do outro homem, distanciar-se dos sentimentos de 
afeto ou compreensão tão caracteristicamente femininos. Firmar-se como um 
eleito pelo grupo e a violência é a chave mestra nesse processo. 
Em uma análise sobre a construção da imagem do nordestino, Durval 
Muniz chega a uma conclusão interessante que nos remete a esta questão da 
virilidade masculina, o homem macho diante de uma feminização do mundo, “O 
homem nordestino é um homem, ou seja, é macho, é pensado no masculino, 
não há lugar para o feminino nesta figura.” (ALBUQUERQUE, 2003). E ainda 
“No Nordeste até as mulheres seriam masculinas, macho, sim senhor!” 
(ALBUQUERQUE, 2003). 20 
 
19
 BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand. Brasil, 2003 
 
20
 ALBUQUERQUE JÚNIOR, D.M. Nordestino uma invenção do falo – Uma história do gênero 
masculino (Nordeste – 1920/1940). Maceió: Ed. Catavento, 2003 
 
21 
 
Existe aqui portanto, uma heteronormatividade regendo toda esta 
questão da dominação masculina, esta pressupõe que somente é normal às 
relações homem/mulher e ainda assim com uma clara intenção de valorizar a 
virilidade masculina, o ato da penetração é tido como uma questão de poder, o 
ser penetrado aceita a dominação, seja ele mulher ou um homossexual, estes 
são dominados, a virilidade é a forma de eternização deste modelo, não cabe 
aos dominados nenhuma margem de poder. 
A violência pode-se dizer é uma forma de libertação, libertação do 
feminino, daquilo que não cabe ao homem, sentimento, proximidade, ternura, é 
o modo de apartar-se de um universo que não lhe combina, mas ao mesmo 
tempo a violência é sua prisão, no sentido de controle, de se vigiar a cada 
momento para não parecer feminino ou até pior, não parecer homossexual. 
Daniel Welzer Lang 21 diz: “O paradigma naturalista da dominação 
masculina divide homens e mulheres em grupos hierárquicos, dá privilégios 
aos homens à custa das mulheres. E em relação aos homens tentados, por 
diferentes razões, de não reproduzir esta divisão (ou, o que é pior, recusá-la 
para si próprios), a dominação masculina produz homofobia para que, com 
ameaças, os homens se calquem sobre os esquemas ditos normais da 
virilidade”. 
São os homens neste contexto os detentores da força e, por 
conseguinte, tem eles a primazia do poder sobre as mulheres, suas 
características físicas e mentais lhe dão esta superioridade, aqueles que se 
recusam a esta primazia terão sua virilidade posta em dúvida, o que lhes 
tornam homens fracos ou até mesmo afeminados. 
1.4 A CRISE DA MASCULINIDADE 
Em meio a tantos processos de formação de sua identidade e em 
contraponto com os avanços conseguidos pelos movimentos feministas, negros 
e negras e LGBTs, o homem destes tempos se encontra em crise, primeiro por 
não mais encontrar no modelo hegemônico embora ainda vigente, uma forma 
de se colocar frente aos acontecimentos e avanços já citados. “A fragmentação 
 
21
 LANG, D. W. A construção do masculino: a dominação das mulheres e homofobia. Estudos 
Feministas, ano 9, 460, 2001. 
 
22 
 
se acentua cada vez mais e como uma decorrência da radicalização do 
individualismo nos apresenta agora esse abandono do homem que se vê 
remetido a si mesmo, buscando sua própria singularidade e capacidade de 
diferenciação” (NOLASCO. 1995) 22. 
O mal estar masculino encontra ressonância nas novas possibilidades 
que se impõe cada vez mais nas sociedades contemporâneas, novas 
configurações de famílias. “Devido à progressiva multifacetação assumida pela 
família – desde o tradicional modelo conjugal de pai, mãe e filhos (ainda 
dominante), mas, também, de configurações com mães ou pais solteiros, pais 
homossexuais, agrupamentos diversos etc. – já não podemos reconhecer um 
modelo sócio familiar único” 23. 
Hoje temos novos modelos de famílias, tais como homoafetivas, 
monoparentais, adotivas, acolhedoras. Preconceitos de ordem moral ou de 
natureza religiosa não podem levar à omissão do Estado. Nem a ausência de 
leis nem o medo do Judiciário servem de justificativa para negar direitos aos 
vínculos afetivos que não tenham a diferença de sexo como pressuposto24. É 
absolutamente discriminatório afastar a possibilidade de reconhecimento de 
uniões estáveis homossexuais. São relacionamentos que surgem de um 
vínculo afetivo, gerando o enlaçamento de vidas com desdobramentos de 
caráter pessoal e patrimonial, estando a reclamar um regramento legal. 
A família monoparental é uma das que mais cresceu, nos últimos 
tempos. Seja como produto de um divórcio ou como uma escolha de vida, 
diante da decisão de ter filhos sem formar um casal as famílias monoparentais, 
são uma realidade, que apresenta sua problemática particular. Pode ser 
formada a partir de divórcios onde apenas um dos chefes de família, sendo 
muito mais frequente a mãe ficarem sós no cuidado com os filhos. Mas há 
também os casos de homens ou mulheres que decidem não sacrificar a 
 
22
 NOLASCO, Sócrates (org.). A desconstrução do masculino. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1995. 
 
23
 LINS, Daniel Soares & BEZERRA DE MENEZES, Maria Isolda Castelo Branco (coords.) 
paternidade: algo a ser reinventado. In: Curso Família, Famílias. Universidade Aberta do 
Nordeste. Fascículo 4. Fortaleza: Jornal O Povo/Fundação Demócrito Rocha/Governo do 
Estado do Ceará, 1995. 
 
24
 COSTA, Igor Sporch. Igualdade na diferença e tolerância. Viçosa: UFV, 2007. p. 56. 
 
23 
 
possibilidade da paternidade ou da maternidade sem ter formado um casal 
parra tal, recorrendo a adoção ou técnicas de fertilização assistida. 
As famílias adotivas são aquelas que por várias possibilidades se 
formam sem que haja ou não uma consanguinidade. Formadas a partir das 
adoções de crianças, atualmente, a adoção já não é vista como uma filiação de 
segunda categoria ou apenas como o último recurso de que casais estéreis 
lançam mão quando não podem ter filhos pelas vias biológicas. A adoção hoje 
é definida como outra possibilidade de se constituir família, a qual pode trazer 
resultados tão satisfatórios quanto à filiação biológica. Na verdade, como define 
Levinzon (2004) 25 “toda filiação é, antes de tudo, uma adoção”. A adoção é a 
única possibilidade de se constituir uma verdadeira parentalidade e a única 
maneira de genitores tornarem-se pais. 
Família acolhedora é uma política pública que garante o direito à 
convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes separados de 
suas famílias. Nessa modalidade de acolhimento, crianças e adolescentes são 
encaminhados para famílias devidamente cadastradas, selecionadas e 
formadas para esta função. As famílias acolhedoras recebem em suas casas 
as crianças que precisam de acolhimento temporário e provisório, até que 
possam retornar para suas famílias de origem ou, quando isso não é possível, 
sejam encaminhadas para adoção 26.Um olhar sobre este novo homem pode ter como foco a família que aos 
poucos vai deixando de ter o modelo patriarcal ainda vigente para assumir uma 
nova formação, tornando-se “conjugal”. A possibilidade de formações 
heterogêneas dessas famílias tem como pano de fundo a igualdade das 
funções. Sobre isso Mary Del Priore (1984) 27 diz: 
E ainda nos perguntamos: O que é um pai? Questão ainda em 
aberto, que vem sendo respondida pela sociedade pela evolução do 
direito. Para se desenvolver, a paternidade necessita de toda uma 
elaboração psíquica. Ora, existe em vários momentos históricos e em 
diferentes sociedades uma pluralidade de pais e também de 
genitores. Em nenhuma delas, o papel do pai é natural. Cada sistema 
 
25
 LEVINZON, G. K. Adoção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. 
26
 Disponível em: http://www.fazendohistoria.org.br/familias-acolhedoras 
 
27
 PRIORE, Mary Del; AMANTINO, Marcia (Orgs.). História dos homens no Brasil. São Paulo: 
Editora UNESP, 2013. 
 
24 
 
social marca por um nome e um rito o espaço dos seus. Esse lugar 
significa a culturalidade da função paterna. Culturalidade que se vai 
construindo ao longo do tempo, feita de rupturas e permanências, de 
valores novos e outros tradicionais. 
 
 A “crise” masculina pode ser entendida, então, como a ruptura de 
padrões comportamentais preestabelecidos como pertencentes ao “modelo 
masculino”. O fato de questionarmos esses valores demonstra que ainda hoje 
vivemos um processo de mudança, ainda que, como afirma Ramos (2000) 28: 
Seria ingênuo pensar que as mentalidades mudaram radicalmente, 
pois isso leva tempo e, como se pode atestar, apesar das profundas 
transformações ocorridas nas últimas décadas no que diz respeito à 
relação entre os sexos, os simbolismos ou representações de gênero 
(em especial do masculino) ainda não sofreram grandes mudanças. 
 
Como todo processo histórico as mudanças são imperceptíveis e 
ocorrem de maneira lenta, apenas com o desenrolar de um determinado 
período é que se pode observar e trabalhar o objeto com os olhos do presente, 
muito embora esse processo possa estar colocado dentro de uma História do 
Tempo Presente, é preciso olhar seus princípios e neste caso podemos buscar 
um começo de diferenciação do masculino na formação do capitalismo no 
limiar do Séc. XVII e início do Séc. XVIII. “A problematização dos papéis 
femininos e masculinos remonta aos séculos XVII e XVIII as Preciosas 
Francesas29. As preciosas francesas, no século o XVII, foram à origem do 
primeiro questionamento da identidade masculina. Alguns homens, os 
preciosos, aceitaram esse questionamento e adotaram uma moda feminina e 
refinada — perucas longas, plumas extravagantes, roupas com abas, pintas no 
rosto, perfumes, ruge. Recusavam-se a manifestar ciúme e a se comportar 
como tiranos domésticos. Sorrateiramente os valores femininos progrediam na 
sociedade e, no século seguinte, eram dominantes. São consideradas por 
 
28
 RAMOS, M. S. Um olhar sobre o masculino: reflexões sobre os papéis e representações 
sociais do homem na atualidade. In: GOLDENBERG, Mirian. (Org.). Os novos desejos: das 
academias de musculação às agências de encontros. Rio de Janeiro: Record, 2000. 
 
29
 Mulheres pertencentes a aristocracia ou burguesia da época (séc. XVII e XVIII), 
independentes financeiramente dos homens, solteiras em sua maioria e livres para jogos 
amorosos 
25 
 
Badinter (1992) as precursoras tanto das feministas quanto da discussão sobre 
masculinidade.” BLAY. (2014) 30. 
É este novo homem alguém que parece sufocar com o peso de suas 
responsabilidades exigidas pelo modelo vigente. “A necessidade de nos 
mostrarmos sempre fortes e capazes de limitarmos a expressão de nossos 
sentimentos, de vivermos quase sempre em campos competitivos (...) de 
sermos eternamente provedores...” (NOLASCO. 1995) 31. O novo deste homem 
é sua contemporaneidade, seu estar presente em um mundo que trouxe as 
mulheres não mais para seu deleite ou submissão, mas sim para seu lado. 
Nolasco (1995) afirma: 
É esta contemporaneidade em que o modelo de conquistador entra 
em crise. Mudanças profundas no terreno trabalhista e o avanço das 
lutas feministas completam o estranhamento masculino. Armados 
cavaleiros, descobrimos em meio a nossa Cruzada que o Santo Graal 
é uma taça do Mac Donald’s. 
 
 Embora ainda de forma pouco prática os modelos anteriores começam a 
fazer água, os avanços sociais e políticos principalmente na área jurídica 
começam a tornar iguais àqueles que sempre estiveram em patamares 
diferentes na estrutura patriarcal, e, este homem contemporâneo está dividido, 
entendendo melhor as perspectivas, mas ainda exposto ao tradicionalismo de 
nossa sociedade, os homens agora carregam consigo o mal estar de se 
perceberem também sensíveis em contraponto com sua imagem de macho e 
viril. 
1.5 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 
Joan Scott32, cuja principal teoria de estudo foi conceituar gênero 
enquanto uma categoria útil para analise histórica e não apenas à história das 
mulheres. Ele pode lançar luz sobre a história das mulheres, mas também a 
dos homens, das relações entre homens e mulheres, dos homens entre si e 
igualmente das mulheres entre si, além de propiciar um campo fértil de análise 
 
30
 BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência 
contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 
31
 NOLASCO, Sócrates (org.). A desconstrução do masculino. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1995. 
32
 SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, vol. 
16, n° 2, Porto Alegre, jul./dez. 1990, p.5. 
26 
 
das desigualdades e das hierarquias sociais. Scott argumenta que o conceito 
de gênero foi criado para opor-se a um determinismo biológico nas relações 
entre os sexos, dando-lhes um caráter fundamentalmente social. “O gênero 
enfatizava igualmente o aspecto relacional das definições normativas da 
feminidade”. 
A criação do conceito de gênero teve a clara intenção de enfrentar a 
ideia de determinismo biológico, ao olhar as relações com um olhar cultural, 
mostra que a sociedade patriarcal é um produto social e como tal pode ser 
alterado desde que o olhar dessas relações seja desnaturalizado. A construção 
de um novo olhar desnaturalizado é a base fundamental do conceito de gênero. 
A violência contra a mulher sempre aconteceu durante a história, mas 
por vários motivos ela só realmente ganha foça a partir dos anos sessenta. “A 
denúncia da violência contra a mulher voltou às manchetes através de novos 
papéis sociopolíticos desempenhados por elas durante a ditadura militar, a 
partir de 1964, ao expor as inaceitáveis condições de vida e de insegurança 
pública em que viviam” (BLAY, 2014) 33. E completa ainda “O desvendamento 
da violência de gênero culminou quando se desnudou a violência contra a 
população negra e contra segmentos da diversidade sexual: a extraordinária 
taxa de assassinatos de mulheres, de jovens negros e de pessoas com 
orientações sexuais diversas”. 
A violência contra a mulher é uma construção cultural baseada na ideia 
de supremacia de um sobre o outro uma excelente contribuição é dada por 
Luiza Bairros 34. “Não é a violência que cria a cultura, mas é a cultura que 
define o que é violência. Ela é que vai aceitar violências em maior ou menor 
grau a depender do ponto em que nós estejamos enquanto sociedade humana, 
do ponto de compreensão do que seja a prática violenta ou não” 35. A lei 11.340 
 
33
 BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência 
contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 
34
 Doutora em Sociologia pelaUniversidade de Michigan e ex-ministra da Secretaria de 
Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir). 
 
35
 Disponível em: < http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/violencias/cultura-e-raizes-
da-violencia/> 
 
27 
 
de sete de agosto de 2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha 
em seu artigo 5° diz: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e 
familiar contra a mulher: Qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe 
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou 
patrimonial” 36. 
A cultura sul-americana, e, por conseguinte a brasileira carrega em seu 
bojo a suposição que a condição de gênero decorre de uma natureza biológica 
que estabelece diferentes direitos e deveres a homens e mulheres. Mas BLAY 
(2014) 37 chama a atenção para “Se a condição de gênero tem base nas 
tradições históricas, os valores e comportamentos são construídos e, portanto, 
podem ser modificados”. A violência contra a mulher tem uma complexa 
fundamentação em valores patriarcais. Percebemos aqui novamente o 
patriarcalismo formando e deformando as relações: masculino e feminino. 
Existem formas de violência contra a mulher tanto no âmbito público 
como privado, ambos ainda regidos por uma masculinidade hegemônica. 
Herdeira de um patriarcalismo milenar. “O Poder público interfere no âmago da 
intimidade da mulher. Ele controla seu destino. Contraditoriamente o poder 
público abandona os segmentos da vida das mulheres que deveriam ser 
protegidos. O privado também é responsabilidade pública” (BLAY, 2014) 38. 
“Assim como os papéis de gênero, a violência é aprendida. Aprende-se 
a ser agressor/agressora e aprende-se também a ser vítima. É fato antigo, fruto 
de relações hierárquicas e desiguais, historicamente construídas e que se 
consolidam no processo de socialização, tanto na família como na escola, na 
mídia e demais instituições. Este aprendizado se articula com a desigualdade 
econômica e a privação política, que hierarquizam corpos, forjando grupos de 
pessoas ‘merecedoras de direitos’ e outras cujas vidas são tidas como 
 
36
 Disponível em: < https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/95552/lei-maria-da-penha-
lei-11340-06> 
37
 BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência 
contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 
38
 BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência 
contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 
28 
 
desimportantes e até mesmo dispensáveis e, portanto, mais suscetíveis a 
explorações e violências” (Butler, 2015) 39. 
Ainda de acordo com BLAY (2014) 40 seguem-se durante os anos oitenta 
do século XX, vários avanços na criação de mecanismos e instituições frutos 
da interação pública privada, houve um período de lutas entre 1964 e 1979 em 
plena ditadura civil militar. Inscritas na Constituição de 1988. Criação de 
Conselhos de Condição Feminina (1993 em São Paulo e 1994 em Minas 
Gerais), criação da Delegacia da Mulher (1985), em São Paulo, posteriormente 
difundidas por todo o Brasil, seguidos da criação do Conselho Nacional da 
Mulher e a Secretaria dos Direitos da Mulher (Ministério 2004). Culminando 
com a aprovação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) 41. 
 O momento nos parece ser de olhar para o âmago da questão, é 
claro que os dispositivos conquistados são um grande avanço no combate a 
violência contra a mulher, quando olhamos para quarenta anos atrás essa era 
uma causa invisível, sem nenhum apelo popular, mas muito mais que atacar os 
efeitos desta violência é preciso coibir ela antes que aconteça. Assim Jacira 
Melo, 42 resumiu. 
Para erradicar a violência contra as mulheres que acontece no 
espaço público e privado, e que tem se perpetuado de geração em 
geração, é preciso se debruçar sobre as causas, sobre as raízes 
culturais dessa violência. Em várias partes do mundo, nos últimos 30, 
40 anos, o que se tem focalizado especialmente são os efeitos e 
consequências: o abuso sexual de meninas, o estupro, a violência 
doméstica, o assassinato de mulheres pelos seus parceiros íntimos 
etc. Algo que tem sido fundamental, diante da gravidade da violência 
contra as mulheres no Brasil e no mundo. Agora, associada a essas 
ações de exigência para acesso à justiça por parte das mulheres, é 
também preciso maior ênfase no debate sobre as culturas da 
violência para se conseguir exigir mudanças de comportamento e 
mentalidade nos padrões de socialização.” 
43
. 
 
39
 BUTLER, Judith. “Vida precária, vida passível de luto” (Introdução). In Quadros de Guerra - 
Quando A Vida É Passível de Luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. 
40
 BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência 
contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 
41
 BRASIL. Constituição Federal de 1988. LEI MARIA DA PENHA. Lei N.°11.340, de 7 de 
Agosto de 2006. 
42
 Mestre em Ciências da Comunicação e diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão 
 
43
 Disponível em: < http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/violencias/cultura-e-raizes-
da-violencia/> 
 
29 
 
 Jacira Melo, nos trás uma questão muito importante, muito além dos 
números da violência contra a mulher, números que muito provavelmente 
estejam aquém da realidade por diversos motivos está a clara questão de 
como resolve-los, este é um processo complexo mas de características 
educacionais, a desconstrução do patriarcalismo e por consequência do horror 
da violência, merece uma política nacional de médio e longo prazo, escolas, 
Ongs, legislação. 
Boa Vista é a capital do Estado de Roraima, cidade com uma estimativa 
de 332.020 habitantes em 2017. Tem uma população bastante heterogênea, 
composta por muito migrantes em sua maioria nordestina, índios e ultimamente 
também recebido imigrantes venezuelanos em grande número. Apesar de ser 
conhecida como uma cidade pacata tem índices altos de violência em vários 
setores. Mas o dado mais impactante sem sombras de dúvidas foi o relatório 
da Human Rights Watch 44 sobre a violência contra a mulher. Apenas um 
quarto das mulheres que sofrem violência no Brasil reporta a agressão à 
polícia, segundo um levantamento de fevereiro de 2017, o qual não discrimina 
os dados por estado. Em nossa pesquisa, descobrimos que mesmo quando 
mulheres em Roraima contatam a polícia, elas enfrentam obstáculos 
consideráveis para terem os seus relatos ouvidos. Em alguns casos, policiais 
sequer atendem aos chamados: o coordenador estadual de polícia comunitária 
e direitos humanos da polícia militar do estado de Roraima, contou à Human 
Rights Watch que, devido à falta de efetivos, a polícia militar não consegue 
deslocar agentes para responder a todas as ligações de emergência de 
mulheres que relatam estar sofrendo violência doméstica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
44
 Organização internacional de direitos humanos não governamental, sem fins lucrativos, 
contando com aproximadamente 400 membros que trabalham em diversas localidades ao 
redor do mundo. 
30 
 
2. CAPÍTULO 2 - UM DIÁLOGO ENTRE A IMPRENSA E A ACADEMIA 
 
Neste capítulo temos o objetivo de mostrar os casos escolhidos dentro 
das reportagens apresentadas no jornal “Folha de Boa Vista” sob a perspectiva 
da academia, embasados na teoria produzida nos estudos sobre gênero, 
masculinidades e a luta contra a violência contra a mulher, analisa algumas de 
suas reportagens e textos com as posições aventadas no primeiro capítulo. 
Rachel Moreno Coordenadora do Observatório da Mulher inclui a 
postura da mídia em sua crítica sobre a banalização da violência contra a 
mulher. “Namaior parte da grande mídia você tem um discurso bonito que 
reproduz e naturaliza a violência, que nos habitua a um nível maior de violência 
e que repete os estereótipos o tempo todo. 45”. 
 O espaço da mídia é majoritariamente um afirmador do estado de 
dominação, um discurso que parece defender a mulher, mas traz em seu bojo 
uma descaracterização do fato em si, não oferecendo informações suficientes e 
de certa forma naturalizando a violência. “É importante ainda ter em mente que 
uma cobertura acrítica também é cúmplice da violência contra as mulheres. 
Com um olhar atento sobre as notícias de assassinatos de mulheres 
publicadas em veículos de imprensa nacionais, observa-se que a maioria 
absoluta das notícias apresenta uma abordagem policial, que se atém a 
reproduzir as informações das autoridades policiais que estão cuidando do 
caso e que muitas vezes também reforçam estereótipos e discriminações 
contra as mulheres (Sanematsu, 2011).” 46. 
É preciso entender melhor a questão da diferença entre sexo e gênero e 
também as apropriações biológicas e culturais dos termos em questão, sobre 
isso Maria C. Sardenberg nos diz: 
De um lado, teríamos ‘sexo’, um fenômeno natural resultante da 
evolução da espécie, fenômeno este que se manifesta, de uma forma 
ou de outra, entre todos os organismos do planeta que se propagam 
através da reprodução sexuada. De outro lado, estaria o fenômeno 
cultural do gênero, manifesto nas diferentes maneiras em que as 
 
45
 Disponível em: < http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2017/01/especialistas-
apontam-a-influencia-da-midia-no-discurso-de-odio-contra-as-mulheres-5052.html> 
 
46
 SANEMATSU, Marisa. “Análise da Cobertura da Imprensa sobre Violência Contra as 
Mulheres”. In VIVARTA, Veet (coord.). Imprensa e Agenda de Direitos das Mulheres: Uma 
análise das tendências da cobertura jornalística. Brasília: ANDI; Instituto Patrícia Galvão, 2011. 
31 
 
sociedades humanas têm elaborado em torno dessas diferenças e 
delas se apropriado, historicamente, distinguindo, definindo e 
delimitando o masculino e o feminino. 
47
 
 
 O determinismo biológico define o sexo, o que define o gênero é a 
cultura, uma construção social entre os sexos, que cada cultura constrói 
segundo suas características. Mas é preciso ter em mente que o conceito de 
gênero não muda a categoria social mulher. 
Como categoria analítica, gênero possibilita pensarmos como os 
recortes de classe, raça/etnia e idade/geração permeiam as vivências 
de ‘gênero’, de sorte a construírem experiências femininas e 
masculinas bastante distintas. 
48
 
 
 É preciso entender que essas relações são complexas portanto criar a 
noção de que todos os homens são violentos e que todas as mulheres são 
vítimas é no mínimo precipitado, é preciso lembrar que nossa sociedade tem 
profundas raízes patriarcais, a eficiência do Estado é precária e que durante 
muito tempos a violência de gênero esteve encoberta por uma invisibilidade 
social. 
Um enfoque de gênero implica em reconhecer, desvendar e levar em 
consideração esses fatos, procurando-se desenvolver estratégias que 
contribuam para o desmonte dessas relações desiguais entre os 
seres humanos. No particular, é preciso ter claro que os 
condicionamentos e desigualdades de gênero resultam em condições 
de vida e trabalho bastante distintas para homens e mulheres, que se 
estabelecem e se cristalizam a partir das assimetrias que colocam as 
mulheres em uma posição social subordinada. 
49
 
 
 
2.1 O RELATÓRIO DA HUMAN RIGHTS WATCH – UM DIA VOU TE MATAR. 
Roraima é o Estado mais letal para a mulher, segundo o relatório da 
Human Rights Watch. A taxa de homicídios de mulheres cresceu 139 por 
cento entre 2010 e 2015, atingindo 11,4 mortes para cada 100.000 mulheres 
nesse ano, o último para o qual se tem dados disponíveis. A média nacional é 
de 4,4 homicídios para cada 100.000 mulheres – o que já é uma das taxas 
mais elevadas do mundo. Roraima não coleta dados para determinar a 
 
47
SARDENBERG, C. M. B. De sangrias, tabus e poderes: A menstruação numa perspectiva 
sócio antropológica. Revista Estudos Feministas, Rio de Janeiro, v.2, n.2, p. 314-344, 1994. 
 
48
 SARDENBERG, C. M. B. O gênero em questão: apontamentos. Salvador: EIM/UFBA, 1992. 
 
49
 SARDENBERG, C. M. B; MACEDO, M. S. Relações de gênero: uma breve introdução ao 
tema. In: COSTA, A. A; RODRIGUES, A; VANIN, L. M. Ensino e Gênero. “Salvador: UFBA – 
NEIM, 2011.” 
32 
 
quantidade de homicídios de mulheres que estão relacionados com a violência 
doméstica. Hoje reconhecidos como feminicídios. No entanto, estudos no Brasil 
e em outros países estimam que uma grande porcentagem das mulheres seja 
assassinada por parceiros ou por ex-parceiros. 
Este relatório é baseado em 31 casos de violência doméstica em 
Roraima, que foram documentados pela Human Rights Watch, e em 
entrevistas com policiais e autoridades do sistema de justiça do estado. Foram 
conduzidas entrevistas em Roraima em fevereiro de 2017 e outras por telefone 
em março e maio de 2017 com dezenas de pessoas, incluindo mulheres que 
sofreram abusos e seus familiares; policiais; membros do Ministério Público, da 
Defensoria Pública e do Juizado especializado; e membros do Centro 
Humanitário de Apoio à Mulher (CHAME), um centro financiado pela 
Assembleia Legislativa que fornece apoio jurídico, psicológico e social a vítimas 
de violência doméstica. Também foram analisados documentos oficiais na 
maioria dos 31 casos, incluindo inquéritos e relatos policiais e peças 
processuais. Por fim, foram consultadas publicações e estabelecidas conversas 
com juízes, promotores de justiça, defensores públicos e advogados de defesa 
especializados em violência doméstica nos estados de São Paulo, Rio de 
Janeiro, Pernambuco e Ceará, e com diversos outros especialistas nacionais. 
O relatório diz que não foram divulgados os nomes das mulheres e 
adolescentes que sofreram violência doméstica por motivos de segurança, 
salvo no caso de Taíse Campos, que consentiu com o uso de seu nome 
verdadeiro. O uso de pseudônimos foi devidamente indicado nas citações 
relevantes. Removemos também as datas exatas das entrevistas em alguns 
casos para melhor resguardar a identidade das vítimas e de seus familiares. 
Todos os entrevistados foram informados sobre o propósito das entrevistas e 
que estas seriam usadas em publicações da Human Rights Watch. Nenhum 
incentivo foi oferecido ou fornecido às pessoas entrevistadas. As entrevistas 
foram feitas em português. 
Este é o primeiro fato alarmante do relatório da HWR, um estado que é 
governado por uma mulher e tem como prefeita de sua capital outra mulher cai 
numa contradição no mínimo inquietante. Mas isso pode ser respondido pelo 
fato da mulher não ser uma essência mas sim uma construção histórica, e que 
33 
 
se olharmos os motivos de suas presenças a frente destes cargos ter também 
uma característica patriarcal já que suas bases políticas estão consolidadas em 
grandes nomes masculinos que ascendem desde sempre no poder local. 
 Foucault (1994) 50, responde esta questão quando diz “As relações de 
poder/gênero são jogos e não estado de dominação”, um estado de dominação 
é o total bloqueio de um campo de relações de poder. Portanto os bloqueios 
das relações de poder neste caso feminino estão aprisionados a um estado de 
dominação anterior, é preciso entender que a possibilidade da mudança virá 
numa construção com a sociedade e ao mesmo tempo com uma 
desconstrução paulatina deste estado de dominação masculino e patriarcal, 
bem como políticas de igualdade de gênero. 
Ainda no relatório da HRW e aqui encontraremos o segundo fato 
alarmante, não há privacidade como se pode verificar no depoimento da 
professora que sofreu violência, Taíse diz: “se ir à delegacia da mulher jánão é 
bom, ir a outra delegacia é a coisa mais horrível que existe, porque geralmente 
você é atendida na frente de um monte de gente… Você está tão exposta que 
você se sente nua”. O artigo 11 da lei 11.340/06 conhecida como lei Maria da 
Penha diz: No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e 
familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências: 
I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de 
imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; 
II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto 
Médico Legal; 
III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo 
ou local seguro, quando houver risco de vida; 
A falta de confidencialidade também pode colocar mulheres em risco 
caso o agressor descubra por meio de outras pessoas na delegacia que a 
vítima procurou a polícia e, inclusive, pode até descobrir os detalhes de seu 
relato. Conforme a Lei Maria da Penha, mulheres têm o direito de denunciar a 
violência doméstica em qualquer delegacia de polícia, mas, em Roraima, isso 
não é garantido. Por exemplo, uma vítima de violência doméstica que 
 
50
 FOUCAULT, M. Hermenéutica Del Sujeto. Madrid: La Piqueta, 1994. 
 
34 
 
chamaremos de “Priscila” tentou fazer uma denúncia durante um fim de 
semana, mas um policial pediu que ela esperasse a delegacia da mulher abrir 
na segunda-feira para registrar a ocorrência. Aqui mais uma falha do aparato 
estatal está presente quantas se sentem envergonhadas pelos motivos 
apresentados e não utilizam do seu direito. O silêncio é um fator determinante 
na perpetuação do estado de dominação. Aqui temos o 3° fato alarmante, a 
denúncia só é registrada na Delegacia de Atendimento a Mulher (DEAM). 
Lori Heise51 (Professora titular da London School of Hygiene & Tropical 
Medicine, onde dirige o Centro de Gênero, Violência e Saúde) diz: “No Brasil, 
as agressões contra mulheres têm sido punidas com o suporte da Lei Maria da 
Penha, sancionada em 2006”. A professora acredita que a lei representa uma 
profunda mudança cultural no país, mesmo que ela ainda não tenha sido 
completamente implementada já que equipamentos especializados na 
aplicação da lei ainda não estão completamente acessíveis no extenso 
território nacional, “e, muitas vezes, mesmo quando estão, são operados por 
operadores do direito que ainda reproduzem a cultura da violência, apesar da 
lei”. O que nos remete aos dois últimos casos citados no relatório da HRW. [ 
conforme os relatos se observa a ausência do estado Fica claro aqui o 
completo fracasso do estado em garantir assistência `mulher que sofre de 
violência conforme a lei maria da Penha e promover o acesso a justiça, em 
todas as etapas as falhas estão presentes. 
Fracasso do estado em promover o acesso adequado à justiça 
“Os motivos para não denunciarem os abusos eram variados: pressões 
da família para manter o relacionamento receiam de estigma ao denunciarem à 
polícia, medo de perder o apoio financeiro do parceiro para os filhos, ou uma 
crença justificável de que o registro da ocorrência na polícia faria com que o 
abusador tornasse realidade suas ameaças. Quando as mulheres em Roraima 
conseguem reunir coragem suficiente para contatar as autoridades – seja 
ligando para a polícia militar ou indo à delegacia de polícia civil, a resposta com 
 
51
 Disponível em: 
<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/40447/prevenir+violencia+contra+as+mulheres
+exige+desconstrucao+cultural+defendem+especialistas.shtml> 
 
35 
 
frequência é insuficiente” 52. A pressão social financeira para que o caso não 
seja denunciado é quase sempre muito maior que a esperança de solução por 
parte da justiça. 
 O relatório segue: “O major Miguel Arcanjo Lopes, coordenador estadual 
de polícia comunitária e direitos humanos da Polícia Militar de Roraima, disse à 
Human Rights Watch que, em alguns casos, a polícia militar deixa de alocar 
policiais para responder a uma ligação de emergência de uma mulher pedindo 
ajuda19. A corporação não tem policiais em número suficiente para responder 
a todas essas chamadas, então escolhe aquelas que parecem ser mais graves, 
ele afirmou. A polícia militar não fornece dados sobre a quantidade de ligações 
que são recebidas e ignoradas. Ainda segundo o major, quando policiais 
respondem a pedidos por ajuda e identificam que a mulher sofreu violência, 
eles levam a vítima e o suposto agressor à delegacia da polícia civil para 
registrar a ocorrência. Se os policiais militares concluem que o problema é 
apenas uma “desinteligência”, tentam reconciliar o homem e a mulher, disse 
Lopes. Mas os policiais que tomam essas decisões que podem ser de vida ou 
morte recebem pouco ou nenhum treinamento.”. 
 A capitã Cyntya Loureto, coordenadora da Ronda Maria da Penha, uma 
unidade especializada da polícia militar que atende a 20 por cento das ligações 
sobre violência doméstica em Boa Vista, nos contou que os policiais membros 
da unidade recebem apenas um dia de treinamento sobre como responder à 
violência doméstica. Policiais de outras unidades não recebem tal treinamento. 
A ineficiência do Estado se faz presente mais uma vez, não há treinamento e 
quando o há é apenas para um grupo pequeno que não supre nem metade das 
ligações. 
 Nenhuma delegacia em Roraima oferece salas privativas para mulheres 
prestarem seus depoimentos, disse à Human Rights Watch a delegada geral 
da polícia civil, Edinéia Chagas. Mesmo na delegacia da mulher, as mulheres 
precisam contar suas histórias de violência, incluindo as de abuso sexual, em 
áreas abertas na recepção. Muitas vítimas de violência doméstica enfrentam 
uma combinação tão cruel de estigma social e de trauma profundo que não 
 
52
 Disponível em: < https://www.hrw.org/sites/default/files/report_pdf/brazil0617port_web_0.pdf> 
 
36 
 
oferecer um local privativo onde possam falar. Situação que pode desestimulá-
las a realizar a denúncia. A falta de confidencialidade também pode colocar 
mulheres em risco caso o agressor descubra por meio de outras pessoas na 
delegacia que a vítima procurou a polícia e, inclusive, pode até descobrir os 
detalhes de seu relato. Lembramos mais uma vez que o artigo 11 da Lei 
11.340/06 garantem medidas protetivas como já citado anteriormente. 
 A violência doméstica é tão complexa e perigosa, tanto para as vítimas 
quanto para os policiais que intervêm. A capacitação é essencial para todos os 
policiais. Segundo o relatório da Human Rights Watch a maioria dos policiais 
militares, os policiais civis que registram e investigam denúncias de mulheres 
em Roraima não recebem qualquer tipo de treinamento sobre como responder 
à violência doméstica contou à Human Rights Watch a delegada geral da 
polícia civil. Surpreendentemente, até mesmo aqueles que trabalham na 
delegacia da mulher não recebem treinamento. A falta de preparo traz sérias 
consequências, de acordo com especialistas como Lucimara Campaner, a 
promotora de justiça para violência doméstica, e Sara Farias, uma advogada 
do Centro Humanitário de Apoio à Mulher (CHAME). Alguns policiais apenas 
registram a violência doméstica em casos de agressões físicas, elas disseram, 
e não identificam outros tipos de violência, como a psicológica. O que é ainda 
pior, uma vítima e vários policiais mencionaram casos em que policiais 
culparam a vítima até mesmo no momento em que registravam as denúncias, 
insinuando que as mulheres que pediam ajuda teriam provocado o abusador. 
 Cerca de 8.400 boletins de ocorrência de violência doméstica 
acumulados na delegacia da mulher em Boa Vista não viraram inquéritos 
devido à falta de funcionários para fazer as “diligências iniciais”, tais como a 
oitiva da vítima, que permitiriamà polícia instaurar formalmente uma 
investigação. Em vez de obter todos os fatos sobre a ocorrência quando a 
vítima procura a delegacia, a polícia civil registra apenas um breve relato no 
boletim de ocorrência. Os policiais dizem à vítima que ligarão mais tarde para 
que ela compareça à delegacia para fazer o termo de declaração mais 
completo. Mas a delegacia da mulher não consegue contatar todas essas 
mulheres devido à falta de funcionários, disse a delegada. Não há mais do que 
10 policiais e escrivães por turno, concentrados apenas nos casos que julgam 
37 
 
ser mais urgentes. Como resultado, algumas vítimas nunca chegam a dar os 
relatos completos e suas denúncias não resultam em nada. 
Mesmo quando a polícia instaura um inquérito, ela não necessariamente 
chega a fazer a investigação. De acordo com a lei, a polícia precisa 
encaminhar o inquérito concluído a um promotor de justiça dentro de 30 dias 
caso o suspeito esteja em liberdade, ou em até 10 dias caso este esteja detido, 
mas a polícia pode solicitar a dilação do prazo. Na realidade, em milhares de 
casos sob investigação, a polícia pede dilação de prazo por anos, e muitos 
casos são simplesmente arquivados assim que os crimes prescrevem. 
2.2 CASO I; É como se fosse eu que estivesse na prisão 
 Analisaremos as notícias vinculadas na imprensa com casos relativos a 
Roraima. Este primeiro caso foi retirado de uma publicação feita no site da UOL 
no dia 12 de julho de 2017 53, e também é encontrado no relatório da HRW. 
“Foi o medo de morrer que a levou até uma delegacia em Boa Vista, onde 
mora, para registrar uma queixa contra o ex-marido. Ela já estava divorciada do 
homem com quem havia sido casada por 15 anos quando recebeu dele uma 
mensagem dele uma mensagem de celular. “Você não é blindada”. “Pode levar 
5, 10 ou 15 anos, mas um dia eu vou te matar”, ela diz sobre o conteúdo da 
ameaça. "Ele era muito violento, eu temia pela minha vida." Foram muitos anos 
de ataques verbais e, às vezes, físicos. “Ele nunca me deu um soco, mas me 
chutava e empurrava, na frente dos dois filhos com 15 e 11 anos hoje”. Eu tive 
coragem de denunciar quando pessoas fora da minha casa começaram a ter 
medo também”. 
 O silêncio só foi rompido com a possibilidade crescente da morte, 
mulheres como no caso acima estão sempre tentando evitar a denúncia ou o 
confronto. Talvez por mais que motivos próprios estejam em jogo a segurança 
de mais pessoas, principalmente de seus filhos. O texto da reportagem segue a 
regra da informação pura e simples, apenas narrando os fatos e ouvindo a 
mulher, um fato que ocorre aos milhares todos os dias, o texto poderia buscar 
informações sobre os números dessa violência, tipificar o que é um feminicídio. 
 
53
 Disponível em: < https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/07/12/e-como-se-
fosse-eu-que-estivesse-na-prisao-diz-mulher-que-registrou-15-bos-contra-o-ex.htm> 
38 
 
 “O conceito de feminicídio é utilizado para designar os homicídios de 
mulheres em razão da condição de gênero.”. O feminicídio pode ser 
considerado o ápice da trajetória de perseguição a mulher, com diferentes 
formas de abuso verbal e físico: como estupro, tortura, incesto e abuso sexual 
infantil, maltrato físico e emocional, perseguição sexual, escravidão sexual, 
heterossexualidade forçada, esterilização forçada, maternidade forçada, 
psicocirurgia entre outros” 54.(ZARBATTO, 2012). 
 “O assassinato de mulheres em contextos marcados pela desigualdade 
de gênero recebeu uma designação própria: feminicídio. No Brasil, é também 
um crime hediondo desde 2015, no Brasil lei 13.104/2015 de 09/03/2015. 
Nomear e definir o problema são um passo importante, mas para coibir os 
assassinatos femininos é fundamental conhecer suas características e, assim, 
implementar ações efetivas de prevenção” 55. A reportagem segue: “A partir de 
então e até o fim de 2016, a professora foi perseguida e ameaçada muitas 
outras vezes, segundo relata. O ex dizia que ela tinha outros homens, "ficou 
obcecado por mim". São ao menos 15 boletins de ocorrência registrados contra 
seu agressor”. 
 A cultura da virilidade, está caracterizada nesta passagem. O homem 
viril, que sempre em seus jogos repletos de competitividade e violência não 
pode aceitar a derrota, seu poder diminuído, o corpo de sua mulher é uma 
posse, o que lhe confere o direito de reagir, e, reagir aqui é demonstrar a todos 
que não aceitará a sua a fragilização já que isso é coisa de mulher, do 
feminino. Os outros homens são seus iguais e ao mesmo tempo seus inimigos, 
não lhes permitirá que o que é seu, seja conquistado pelos outros. 
 “Até hoje, a professora não conseguiu que seu ex-marido, um oficial de 
Justiça agora aposentado, fosse punido pelos crimes que cometeu”. Chegou a 
ouvir de uma delegada de polícia, em uma das muitas vezes que procurou 
ajuda em uma delegacia, a seguinte pergunta: O que você fez para esse 
homem te perseguir desse jeito? E de um promotor de Justiça que ela deveria 
 
54
 Jaqueline Zarbatto no artigo Feminicídio in Pinsky. C.B; Pedro. J.M. Nova História das 
mulheres no Brasil: São Paulo: Contexto, 2012. 
 
55
 PRADO. D; SANEMATSU. M. Feminicídio: #invisibilidademata. Fundação Rosa Luxemburgo. 
São Paulo, Instituto Patrícia Galvão, 2017. 
 
39 
 
orar, porque só Deus para resolver. Firmiane Venâncio em seu artigo “Violência 
de Gênero na Lei Maria da Penha: que mulheres estão protegidas?” diz: 
O judiciário brasileiro tem tentado reduzir o âmbito de proteção da lei 
às mulheres e ampliar a sua incidência para incluir os homens como 
sujeitos de proteção. Portanto, é preciso monitorar cada interpretação 
ou aplicação que implique na fragilização desse instrumento de poder 
feminino. Não estamos diante de uma lei que objetiva enfrentar a 
violência doméstica e familiar prima facie, é imprescindível que esta 
violência viole a integridade de uma mulher, ou no máximo, quem 
assim se identifica ou apresenta socialmente. E isso não é purismo 
interpretativo, mas uma posição política a ser defendida. 
 
Aqui fica clara a criminalização da mulher que sofre a violência. Como 
pode alguém sofrer tamanha agressão? Mais um exemplo de uma sociedade 
machista e patriarcal. O que nos remete a um caso citado por Corneau56: 
Antes do Natal, eu estava numa escola e falava com pais. Uma 
mulher me disse: - Tenho dois filhos, um de 15 e outro de sete anos. 
Estou angustiada porque meu filho de 15 anos gosta de cuidar do 
menorzinho. Ele ajuda o outro a colocar o cachecol, as luvas. Você 
acha que estou criando uma mãe em miniatura? Respondi: - Sua 
questão é interessante, mas porque não diz que está criando um 
pequeno pai? 
 
 O olhar feminino em nossa sociedade também carrega estes conceitos 
já tão arraigados em nossas vivências, os papéis que cada um personifica os 
estereótipos de feminino e masculino, porque um menino de 15 anos não pode 
ser afetuoso com seu irmãozinho sem diminuir sua masculinidade? Ou porque 
uma mulher tem de ser culpada pela violência de um ex-marido ensandecido e 
frustrado na sua masculinidade? 
 A reportagem termina com um desabafo: "É como se fosse eu que 
estivesse na prisão. Eu me sinto muito exposta, como se minha vida estivesse 
passando na TV para todo mundo ver. Todo mundo tem que saber o que está 
acontecendo comigo, se eu cheguei na hora marcada, onde exatamente estou. 
Não é possível que ele esteja sempre em surto quando me ameaça". Essa é a 
resposta que o Estado retorna a mulher que sofre com a violência, um aparato 
policial despreparado para os avanços que a Justiça vem conseguindo. 
Delegacias mal aparelhadas, policiais despreparados e um corpo de 
funcionários ainda dominado por um modelo de masculinidade hegemônico, 
 
56
CORNEAU. G. inNOLASCO, Sócrates (org.). A desconstrução do masculino. Rio de Janeiro: 
Ed. Rocco, 1995. 
40 
 
que ainda pensa os acontecimentos sob uma ótica de valorização do masculino 
e criminalização do feminino. 
2.3 CASO II; Homem incendeia carro de ex-namorada por não aceitar o fim do 
relacionamento. 
 Uma servidora pública procurou a Folha para denunciar que seu ex-
namorado incendiou seu veículo, no dia 20 de novembro. Disse que ele foi 
preso no dia 21 e posto em liberdade no dia seguinte, depois de pagar fiança 
no valor de R$ 5 mil em audiência de custódia. O caso aconteceu na Rua 
Estrelinha, bairro Professora Araceli Souto Maior, na zona Oeste. A vítima 
disse que decidiu denunciar o fato para encorajar outras mulheres a não se 
amedrontarem diante das ameaças dos companheiros. O Voyage, de cor prata, 
ficou parcialmente destruído 57. 
 A violência contra o patrimônio da mulher é também uma das variantes 
da violência contra a mulher. Senão vejamos: “Nas palavras da Ministra do 
Superior Tribunal de Justiça Laurita Vaz: “A Lei nº 11.340/2006, denominada 
Lei Maria da Penha, tem o intuito de proteger a mulher da violência doméstica 
e familiar que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e 
dano moral ou patrimonial, sendo que o crime deve ser cometido no âmbito da 
unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto” (STJ – 
5ª Turma, HC nº 172634/DF, DJ 19/03/2012)” 58. Ainda no mesmo portal 
eletrônico, “Bem pontuado pela eminente Ministra Laurita Vaz, a Lei objetiva, 
também, a proteção dos direitos patrimoniais da mulher e criminaliza “qualquer 
conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus 
objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e 
direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer as suas 
necessidades” (art. 7º, IV, da Lei nº 11.340/2006)”. 
 “Fez ameaças para mim na frente da minha mãe, da minha filha e da 
menina que mora comigo, que é filha da minha cunhada”. Ele fez ameaças 
 
57
 Disponível em: < http://www.folhabv.com.br/noticia/Homem-incendeia-carro-de-ex-namorada-
por-nao-aceitar-o-fim-do-relacionamento/34514> 
 
58
 Disponível em: < https://victormarinsadvs.jusbrasil.com.br/artigos/189326556/a-lei-maria-da-
penha-e-a-violencia-patrimonial-contra-a-mulher> 
 
41 
 
para mim na casa da minha tia, dizendo que não iria ficar por isso, que eu 
estava enganada, que eu teria uma surpresa. Estava extremamente 
perturbado, desorientado, chorando, desequilibrado. Minha tia pediu para 
minha prima deixá-lo na casa dele, explicou a vítima. O descontrole emocional 
é parte integrante do processo de violência contra a mulher, o desorientar-se 
frente a uma mulher que se nega a continuidade de um relacionamento abusivo 
que deixa o homem sem a sua “permissão” lembra muito que Durval Muniz nos 
conta em seu artigo (2014) 59. “Estar apaixonado, amando um ser feminino, ter 
que a ele se entregar é uma experiência muito intensa e desafiadora para 
quem foi ensinado a evitar o feminino, a dele se distanciar, para quem fez um 
doloroso aprendizado de que com ele não deveria se misturar. Os homens 
sabem mais de separação do que de fusão ou de ajuntamento, sabem mais 
sobre manter distância do que sobre construir proximidade”. Por isso, para 
muitos, o feminino que por si dele se separa é insuportável, porque aprendeu 
que ele é que deve estar à frente desse processo. 
2.4 CASO III; Policial militar mata três e deixa um ferido. 
 Este é um caso famoso no Estado acontecido há dois anos, e embora 
nenhuma das vítimas seja sua ex-namorada, também se configura logicamente 
como um caso de violência contra a mulher. Os fatos acontecidos derivam de 
seu antigo relacionamento, sendo que os dois primeiros homicídios se deram 
com amigos que em certos momentos do relacionamento protegeram a mulher. 
Esta notícia se encontra na página eletrônica do Jornal Folha de Boa Vista de 
10 de Novembro de 2015. 60 Ateremos-nos aos dois primeiros crimes que tem 
origem passional, sendo que os outros tinham outros motivos. 
 Começa assim a reportagem. “O caso, quando pai e filha foram mortos, 
teve motivação passional, pois a ex-mulher do policial era amiga da família e 
recebeu apoio durante os conflitos conjugais”. A ação foi registrada por uma 
câmera de segurança da residência da família, na Rua dos Hibiscos, bairro 
Pricumã. Às 06h50, a fisioterapeuta Jannyele Filgueira, 28 anos, saía de casa 
 
59
 BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência 
contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 
 
60
 Disponível em: < http://www.folhabv.com.br/noticia/Policial-militar-mata-tres-e-deixa-um-
ferido/11402> 
42 
 
em direção ao trabalho, no seu veículo Fiat Pálio, cor cinza. Assim que saiu de 
ré no portão, foi surpreendida com uma colisão lateral do lado do motorista pelo 
carro do policial que atirou a queima roupa. O policial estava parado na esquina 
esperando a mulher sair, demonstrando que tudo foi premeditado. O pai da 
fisioterapeuta, Eliézio Oliveira, 50 anos, ao ouvir o barulho da forte colisão, foi 
em direção ao carro do policial, um Gol preto. Antes que ele tentasse abrir a 
porta, o policial saiu atirando e deu um tiro na barriga da vítima, enquanto ainda 
estava dentro do automóvel. Ele saiu e se aproximou do homem já no chão e 
acertou mais três tiros na cabeça. 
 “Testemunhas contam que o PM matou pai e filha motivada pelo apoio 
que os dois davam a ex-namorada dele, que está em outro Estado. Pelo fato 
de os dois não terem dito onde ela estava e protegerem a ex-namorada, por 
serem amigos, dando abrigo, por isso o policial decidira matar os dois. Os 
vizinhos relataram que há aproximadamente 30 dias o policial havia efetuado 
disparos no portão da casa da família”. Embora este seja um crime contra a 
mulher ele é bem mais raro e se configura de maneira tão odiável quanto, ao 
ferir ou matar algum parente ou amigo da companheira o homem tem por 
intenção torna-la culpada daquele crime, a ideia é violentar sua consciência, 
intimidar e mostrar que ela poderá ser a próxima. Sérgio Barbosa em seu 
artigo: Movimento social, militância, e trabalho com homens no livro organizado 
por Eva Blay relata 61: 
Então há um novo cenário sendo construído por essa masculinidade: 
não se trata mais da força física, da ameaça, da violência psicológica, 
há outro componente sendo criado que está tornando essa violência 
mais sutil, e essa violência infelizmente está sendo mostrada nos 
dados de feminicídio. O homem está “pulando” uma etapa, passando 
da mulher violentada para o feminicídio. Então se é para ser preso 
que seja preso agora de verdade. O discurso de muitos homens na 
cadeia ou na periferia está trazendo à tona uma nova masculinidade 
que vai sendo mascarada, protegida. 
 
 A sequência da reportagem mostra às ameaças a ex-namorada, através 
de um áudio gravado. Em um áudio divulgado ontem à tarde, Felipe faz 
ameaças a ex-namorada, que ele denomina como “Carol”, inclusive, sem 
 
61
 BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência 
contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 
 
43 
 
demonstrar respeito às patentes de seus superiores. - Outra coisa, Carol, não 
adianta, tu achar que, Ah! Eu tô com meu primo, eu tô com o major, ou estou 
não sei com quem’., não adianta achar que, 'agora estou segura, vou entrar 
com uma medida protetiva, vou denunciar ele, vou mostrar isso aqui para o 
major, o Felipe vai ser preso'. Carol bota uma coisa nessa sua cabeça: crime 
de ameaça só é de três meses ou multa. Vou pagar uma multa, não vou perder 
o emprego, vou responder outro processo. Mas

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