Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE RORAIMA – UERR CAMPUS DE BOA VISTA – RR CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA LUIZ MAITO JÚNIOR AS MASCULINIDADES E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UM DIÁLOGO ENTRE A IMPRENSA E A ACADEMIA BOA VISTA – RR 2017 LUIZ MAITO JÚNIOR AS MASCULINIDADES E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UM DIÁLOGO ENTRE A IMPRENSA E A ACADEMIA Trabalho de Conclusão de Curso - TCC apresentado à banca examinadora da Universidade Estadual de Roraima- UERR, como requisito para obtenção do título de Licenciada em História – Sob Orientação da Professora. Dra. Raimunda Silva Gomes BOA VISTA – RR 2017 LUIZ MAITO JÚNIOR AS MASCULINIDADES E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UM DIÁLOGO ENTRE A IMPRENSA E A ACADEMIA Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado à Universidade Estadual de Roraima-UERR como requisito para a obtenção de título em Licenciada em História, defendido em __/__/____ e avaliado pela seguinte banca examinadora. Banca Examinadora: _________________________________________________ Prof.ª. Dra. Raimunda Gomes da Silva Presidente _________________________________________________ Elisangela Martins _________________________________________________ Andréa Freitas Vasconcelos Conceito______________________ BOA VISTA – RR 2017 Agradecimentos Aos meus pais: Luiz Maito e Sônia de Paula Melo Maito, aos amigos a minha Orientadora Raimunda Silva Gomes e a banca aqui presente. Dedicatória A todos e todas que neste momento ou no passado lutam e lutaram por um mundo melhor e mais igual. Como um D. Quixote sigo nesta luta com todos vocês. Epigrafe Dez Igualdades O meu peito nu O seu, não. Tua dor atrapalha, a minha estagna. Meu filho está em casa, o nosso contigo. Teu choro lava a alma, o meu envergonha. Minha liberdade é a rua, a tua não se encontra. Meu prazer é do mundo O seu não me diz respeito Meu lugar é onde estou O teu, onde eu estiver. Teu estudo não é necessário O meu o nosso futuro Meu salário é maior Teu trabalho só te cansa Meu amor é de carne e osso O seu alma e poesia Luiz Maito Júnior Resumo O presente trabalho aborda a questão das masculinidades como uma nova perspectiva para os homens nos estudos de gênero, entender o masculino como produto hegemônico do patriarcado. Um homem que se depara com movimentos na sociedade. Que o coloca frente a frente com seus sentimentos e expectativas, bem como analisar a violência contra a mulher, uma violência como modo de defesa frente aos avanços das conquistas feministas. Partindo num segundo momento para uma análise de casos apresentados por veículos de comunicação, estabelecendo um diálogo com a academia, com os avanços estabelecidos pela construção de um novo paradigma da masculinidade. Palavras chave: Masculinidade, Violência contra a mulher, Imprensa, Academia. Abstract This paper addresses the issue of masculinities as a new perspective for men in gender studies; understand the masculine as hegemonic product of the Patriarchate. A man who is faced with movements in society. That puts you face-to-face with your feelings and expectations, as well as analyze the violence against women, violence as a means of defense against the advances of the feminist achievements. Leaving a second time for an analysis of cases presented by the media, establishing a dialogue with the Academy, with the advances established by the construction of a new paradigm of masculinity. Keywords: Masculinity, Violence against women, Press, Academy 11 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12 1. PRIMEIRO CAPÍTULO - MASCULINIDADE E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER .......................................................................................................... 14 1.1 UM BREVE HISTÓRICO ............................................................................ 14 1.2 A SUBJETIVIDADE MASCULINA .............................................................. 16 1.3 A VIOLÊNCIA COMO FORMA DE EXPRESSÃO MASCULINA ................ 20 1.4 A CRISE DA MASCULINIDADE ................................................................. 21 1.5 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ......................................................... 25 2. CAPÍTULO 2 - UM DIÁLOGO ENTRE A IMPRENSA E A ACADEMIA ...... 30 2.1 O RELATÓRIO DA HUMAN RIGHTS WATCH – UM DIA VOU TE MATAR. ......................................................................................................................... 31 2.2 CASO I; É como se fosse eu que estivesse na prisão ............................... 37 2.3 CASO II; Homem incendeia carro de ex-namorada por não aceitar o fim do relacionamento. ................................................................................................ 40 2.4 CASO III; Policial militar mata três e deixa um ferido. ................................ 41 2.5 Caso IV; Adolescente de 16 anos é morta a facadas na zona Oeste de Boa Vista ................................................................................................................. 43 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 46 REFERÊNCIAS: .............................................................................................. 48 12 INTRODUÇÃO Este trabalho tem por intenção compreender a discussão sobre um novo objeto de estudo das Ciências Humanas, a Masculinidade ou como se referem alguns autores Masculinidades no plural. Assim como sua implicação no estudo da violência contra a mulher. O primeiro capítulo tratará do embasamento científico acadêmico sobre os assuntos, trará especialistas das diversas áreas que produzem conhecimento. Um breve histórico será o ponto de partida para a discussão. Buscando na História concepções que mostram a evolução da discussão de gênero sobre a figura do masculino, perceberemos que num primeiro momento o modelo biológico se impôs referendando a superioridade do masculino sobre o feminino, mas este modelo biológico influiu de maneira decisiva para que a construção da subjetividade masculina fosse hegemônica. Ao entender que algumas características são consideradas exclusivamente masculinas tal como a violência, o feminino é relegado a um segundo plano, é este modelo o patriarcalismo, que será também estudado durante o primeiro capítulo. A violência contra a mulher entra no trabalho para mostrar que mesmo que haja um novo homem sendo gestado, o velho ainda é o predominante, e este ainda se utiliza de práticas patriarcais. O mal estar que este novo homem ressente é sim filho de lutas feministas, mas não só, alterações de relações familiares, jurídicas, sociais e de relações de trabalho colocam este homem numa posição de estar frente a frente consigo mesmo, com angústias e dúvidas do que virá, mas principalmente do que se é. Quando este homem se depara com este novo mundo, percebe que já é outro homem. O segundo capítulo começa com o relatório da Human RightsWatch, uma organização internacional não governamental que elaborou um relatório sobre a violência contra a mulher em Roraima, com dados alarmantes quanto aos números de casos, mas também por evidenciar outros fatos. O relatório nos trás 31 casos de violências narradas pelas próprias mulheres, assim como entrevistas com autoridades policiais que tratam do assunto, o que deriva dessas conversas além de impactante é também decepcionante, falta de estrutura material e humana no combate e prevenção 13 da violência contra a mulher são as primeiras conclusões a que o relatório chega. O capítulo segue com alguns casos retirados de veículos de imprensa e com eles vamos fazendo a compreensão do que já foi visto no capítulo anterior, todos os casos escolhidos são da cidade de Boa Vista acontecidos nos últimos dois anos, casos que tratam dos vários tipos de violência contra a mulher, e principalmente ocorridos em relações que se tornam abusivas e em alguns casos levando até mesmo a morte da mulher, nestes casos, o feminicídio é o nome dado a este crime, embora de difícil tipificação, feminicídio é o homicídio praticado contra a mulher em razão da condição de gênero. 14 1. PRIMEIRO CAPÍTULO - MASCULINIDADE E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Este capítulo buscará trazer os conceitos e as pesquisas feitas por nós em livros e artigos publicados por especialistas em cada área, a intenção é embasar teoricamente o objeto estudado para que no Segundo capítulo possamos fazer uma discussão sobre o papel da imprensa e da academia nas reportagens escolhidas em Roraima. 1.1 UM BREVE HISTÓRICO “O que é ser homem em nossa atual sociedade? O que são as representações de homem trabalhador? Homem pai? Homem sexo? Homem violência e homem emoção? Há um processo de socialização construído pela família e escola que define o que é esperado para um menino: virilidade, agressividade e determinação” (NOLASCO, 1995) 1. Precisaremos retornar algum tempo na história para tentar entender a questão do que vem sendo chamado de a crise masculina. Foucault (1986) 2 afirmou: “Até o século XVIII, não era possível encontrar um modelo de sexualidade humana conforme entendemos hoje. Ressaltando que o próprio termo sexualidade é um termo surgido no século XIX, portanto pertencente às sociedades modernas e pós-modernas”. O modelo anterior até então era a do one-sex-model ou monismo sexual. Que durante dois milênios dominou o entendimento anatômico, sendo a mulher o homem invertido. O útero era o escroto feminino, os ovários eram os testículos, a vulva um prepúcio, a vagina era um pênis (COSTA, 1995) 3, as mulheres eram inferiores, porque não se desenvolveram o suficiente para tornarem-se homens. Esse modelo estabeleceu uma supremacia masculina estabeleceu uma supremacia masculina não só no campo da perspectiva anatômica, mas também influiu nas metafísicas. Somente na virada do século XVIII para o XIX é que esse modelo começa a se alterar, o two-sex-model “o sexo político-ideológico vai ordenar a 1 NOLASCO, Sócrates (org.). A desconstrução do masculino. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1995. 2 FOUCAULT, M. A História da Sexualidade II – O Uso dos Prazeres. Rio de Janeiro: Graal. 1986. 3 COSTA, J.F. A Face e o Verso: estudos sobre o homoerotismo II. São Paulo: Escuta. 1995 15 oposição e a descontinuidade sexuais do corpo” (...) justificando e impondo diferenças morais aos comportamentos femininos e masculinos, de acordo com as exigências da sociedade burguesa, capitalista, individualista, nacionalista, imperialista e colonialista implantada nos países europeus (COSTA, 1995) 4. A mulher deixa de ser o invertido do homem para ser seu inverso, sua forma complementar. Mas mesmo aqui com esta mudança da concepção biológica para a política, econômica e social a mulher ainda estava relegada a um plano inferior ao homem. O século XIX nos trás essa definição a diferença de sexo passou a fundar a diferença entre masculino e feminino. “Revolucionários, burgueses, filósofos, moralistas, socialistas, sufragistas e feministas, todos estavam de acordo em especificar as qualidades morais, intelectuais e sociais dos humanos, partindo-se da diferença sexual entre homens e mulheres” (COSTA, 1995, p. 128) 5. O determinismo biológico se faz presente, são as características específicas do gênero masculino o referencial de superioridade. Essa concepção biológica do masculino sobrepondo-se ao feminino no campo social ganha ainda mais força quando lemos: A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o corpo feminino, e, especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista, como uma justificativa natural da diferença socialmente constituída entre os gêneros principalmente da divisão social do trabalho. (BORDIEU, 2003) 6 . As distinções sociais norteiam o indivíduo, a reproduzir a ordem social sexuada, sendo a família a principal delas, os modos comportamentais, designam o que é próprio de seres masculinos e femininos. “A esses modelos de como ser sujeito masculino e feminino, a esses padrões, códigos, regras que internalizados devem diferenciar as formas de ser homem e de ser mulher, chamamos de modelos, padrões ou códigos de gênero” 7. 4 COSTA, J.F. A Face e o Verso: estudos sobre o homoerotismo II. São Paulo: Escuta. 1995 5 COSTA, J.F. A Face e o Verso: estudos sobre o homoerotismo II. São Paulo: Escuta. 1995 6 BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand. Brasil, 2003 7 ALBUQUERQUE. D.M. Definição de Masculinidade in Dicionário Crítico de Gênero. Dourados: Ed. UFGD, 2015 16 1.2 A SUBJETIVIDADE MASCULINA O sistema político social do patriarcado também é um dos pilares dessa construção da subjetividade masculina. Para a maioria das culturas e das sociedades, é extremamente problemático se tornar adulto, pois o homem é uma construção de gênero difícil e árdua: enquanto a menstruação - uma espécie de iniciação natural - propicia à moça adolescente a possibilidade de gerar filhos, fundamentando sua condição feminina, no rapaz adolescente, diferentemente, ocorre um processo educativo que deve substituir a natureza para romper a identificação primeira e encantadora com a mãe (CORNEAU, 1993) 8. Diversos pensadores sociais consideram o patriarcado como um sistema universal de poder. O poder patriarcal ainda impera, sem dúvida. Um pequeno exemplo esta em meu próprio nome e de vários outros homens que recebem o mesmo nome e sobrenome do pai ou do avô, sendo seguidos de Júnior, Filho ou Neto, uma forma de perpetuação do masculino, já que o mesmo não ocorre com as garotas. Entretanto, Badinter (1993) 9 argumenta que a teoria do patriarcado estaria superada, pois o poder dos homens sobre as mulheres dá, cada vez mais, mostras de sérios abalos. Trataremos mais tarde destes abalos, que apontam para a constituição de um novo modelo de masculinidade ou como usam alguns autores, masculinidades no plural. A masculinidade hegemônica se distinguiu de outras masculinidades, especialmente das masculinidades subordinadas. A masculinidade hegemônica não se assumiu normal num sentido estatístico; apenas uma minoria dos homens talvez a adote. Mas certamente ela é normativa. Ela incorpora a forma mais honrada de ser um homem. Ela exige que todos os outros homens se posicionem em relação a ela e legitima ideologicamente a subordinação global das mulheres aos homens10. Homens que receberam os benefícios do patriarcado sem adotar 8 CORNEAU, Guy. Pai ausente, filho carente: o que aconteceu com os homens? 2. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1993. 9BADINTER, Elisabeth. XY: sobre a identidade masculina. 2. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. 10 CONNELL. R.W; MESSERSCHMITT, J.W. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito in Rev. Estud. Fem. vol.21 n°.1 Florianópolis Jan./Apr. 2013 17 uma versão forte da dominação masculina podem ser vistos como aqueles que adotaram uma cumplicidade masculina. Foi em relação a esse grupo, e com a complacência dentre as mulheres heterossexuais, que o conceito de hegemonia foi mais eficaz. A hegemonia não significava violência, apesar de poder ser sustentada pela força; significava ascendência alcançada através da cultura, das instituições e da persuasão (CONNELL, 2013) 11. Esta mesma ideologia patriarcal desde o Brasil Colônia, delegou aos homens um grande poder sobre as mulheres, mesmo que nascida de uma minoria dominante se propagou por todas as classes sociais. “O sentimento de posse sobre o corpo feminino e atrelando a honra masculina ao comportamento das mulheres sob sua tutela” 12. (NADER, 2012). Acreditamos que uma boa forma de iniciar este tópico é entender o texto de Maria Luiza Heilborn. Professora do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: “Há machos e fêmeas na espécie humana, mas a maneira de ser homem e de ser mulher é realizada pela cultura. Homens e mulheres são produtos da realidade social e não apenas da natureza. É a cultura que humaniza a espécie. E a dimensão biológica da espécie humana é transformada pela necessidade de capacitação cultural, essencial à sobrevivência. Mas, sabemos que existem masculinidades e feminilidades hegemônicas, que aparecem como se fossem produto da natureza, mas não são. No Brasil, por exemplo, entre jovens, o acesso à masculinidade plena se dá através da iniciação sexual com uma mulher, para que ele seja reconhecido como um homem heterossexual e, portanto, participe dessa masculinidade hegemônica. Aqueles que agem de forma diferente, não têm o comportamento esperado pelos outros, é feminilizado e diminuído. Há também um desenvolvimento da estrutura psíquica masculina — do ponto de vista cultural, não de indivíduos em particular — que está pouco preparada para receber a rejeição feminina. As meninas, por outro lado, são incitadas a se 11 CONNELL. R.W; MESSERSCHMITT, J.W. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito in Rev. Estud. Fem. vol.21 n°.1 Florianópolis Jan./Apr. 2013. 12 LAGE. L; NADER. M.B. Violência contra a mulher in: Nova História das mulheres no Brasil/organizadoras Pinsky. C.B; Pedro. J.M. São Paulo: Contexto, 2012. 18 hipersexualizarem para chegarem a uma feminilidade hegemônica” 13. Este é um processo construído também, a indústria cultural, da moda e do consumo forma uma engrenagem que hipersexualizam essas meninas. A construção da subjetividade masculina tem um componente extremamente complicado já que grande parte desta é feita em contato com o feminino, é a sua mãe que nos primeiros anos de vida estará ao seu lado muito mais que a figura paterna. Durval Muniz diz em seu texto Nostalgia da infância, saudades do feminino in Feminismos e Masculinidades de Eva Blay “O processo que leva alguém a tornar-se homem, deixar de ser criança e tornar-se um adulto viril e masculino parece implicar na ocorrência de perdas afetivas e emocionais” 14. Badinter (1993) destacou, como uma das principais razões da maior vulnerabilidade física masculina, o fato de que ela, provavelmente, advém da também maior fragilidade psíquica dos homens. O menino nascido e gestado num ventre de uma fêmea deve se voltar em direção à diferenciação da mulher durante a maior parte de sua vida (ao contrário da menina), pois apenas pode garantir sua existência de macho se opondo à sua mãe, à sua própria feminilidade original e à sua condição de bebê dependente e passivo. Assim, “por três vezes, para afirmar uma identidade masculina, deve convencer-se e convencer os outros de que não é uma mulher, não é um bebê e não é um homossexual”, reafirmando sempre que é homem, que é adulto e que é heterossexual. Portanto, a masculinidade é social e culturalmente construída, sendo secundária, frágil e desenvolvida a partir de uma feminilidade original 15. Sim porque há uma construção social que definirá o que é o sexo masculino, códigos que indicarão o confronto com o universo feminino que lhe norteou durante os primeiros anos de vida. Uma violência não compreendida como tal se estabelece, o modelo social imputa ao menino características que fazem ruir toda a possibilidade do feminino em seu trajeto como homem feito, 13 Disponível em: <http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/violencias/cultura-e-raizes- da-violencia/> 14 NOLASCO, Sócrates (org.). A desconstrução do masculino. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1995. 15 BADINTER, Elisabeth. XY: sobre a identidade masculina. 2. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. 19 nem que para isso se utilize da violência física. Quantas surras ou espancamentos de pais ou de estranhos não são precisos para se fabricar num “Homem de verdade” (ALBUQUERQUE, 2014) 16. E uma das mais importantes práticas de construção deste novo adulto masculino é a violência, sendo desde muito jovem o menino preparado para o exercício da masculinidade. “Assim neste cotidiano os homens aprendem a exercer a competição, discriminação e violência, sendo a prática da violência, exercida ou sofrida, um dos componentes da complexa formação da subjetividade masculina” (URRA. 2014) 17. Outra característica é o machismo vindouro dos grupos a que se associa este jovem. Esta violência vinda do público, ou seja, de fora se soma a violência do apartar-se do feminino como forma de assegurar sua masculinidade, sendo esta uma violência privada, o encarar o feminino como a negação de sua masculinidade. Lang18. Tratou em Casa dos Homens sobre a sociabilidade das várias idades do masculino. Neste caso a criança em seu primeiro contato com uma homossociabilidade. Em nossas sociedades, quando as crianças do sexo masculino deixam, de certo modo, o mundo das mulheres, quando começam a se reagrupar com outros meninos de sua idade, elas atravessam uma fase de homossociabilidade na qual emergem fortes tendências e/ou grandes pressões para viver momentos de homossexualidade. Competições de pintos, maratonas de punhetas (masturbação), brincar de quem mija (urina) o mais longe, excitações sexuais coletivas a partir de pornografia olhada em grupo, ou mesmo atualmente em frente às strip-poker eletrônicas, em que o jogo consiste em tirar a roupa das mulheres... Escondidos do olhar das mulheres e dos homens de outras gerações, os pequenos homens se iniciam mutuamente nos jogos do erotismo. Eles utilizam para isso estratégias e perguntas (o tamanho do pênis, as capacidades sexuais) legadas pelas gerações precedentes. Eles aprendem e reproduzem os mesmos modelos sexuais, tanto pela forma de aproximação quanto pela forma de expressão do desejo. 16 ALBUQUERQUE, D.M. in BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 17 URRA. F. in. BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 18 LANG, D. W. A construção do masculino: a dominação das mulheres e homofobia. Estudos Feministas, ano 9, 460, 2001. 20 A criança ou pré-adolescente tem o contato com os meninos de sua idade conhecendo e reconhecendo sua sexualidade, o termo homossociabilidade aqui é aplicado não na questão afetiva, mas sim da convivência com os indivíduos do mesmo gênero,o primeiro passo na construção de suas formações como futuros homens. 1.3 A VIOLÊNCIA COMO FORMA DE EXPRESSÃO MASCULINA A violência masculina é uma construção social e com uma tentativa até pouco tempo atrás de naturalização, o biológico se impôs durante séculos e a observação da natureza sempre nos trazia a imposição da violência através do macho, o mundo animal demonstrava isso através da observação, mas até isso vem sendo desmentido pela ciência. Mas nem tudo é naturalização e a sociedade lembra ao homem que sua virilidade é seu poder, o seu mais forte modelo de masculinidade. “A virilidade, como se vê, é uma noção eminentemente relacional, construída diante dos outros homens, para os outros homens e contra a feminilidade, por uma espécie de medo do feminino, e primeiramente dentro de si mesmo” (BORDIEU, 2002).19 O medo é de não mostrar a sua masculinidade, não parecer homem aos olhos do outro homem, distanciar-se dos sentimentos de afeto ou compreensão tão caracteristicamente femininos. Firmar-se como um eleito pelo grupo e a violência é a chave mestra nesse processo. Em uma análise sobre a construção da imagem do nordestino, Durval Muniz chega a uma conclusão interessante que nos remete a esta questão da virilidade masculina, o homem macho diante de uma feminização do mundo, “O homem nordestino é um homem, ou seja, é macho, é pensado no masculino, não há lugar para o feminino nesta figura.” (ALBUQUERQUE, 2003). E ainda “No Nordeste até as mulheres seriam masculinas, macho, sim senhor!” (ALBUQUERQUE, 2003). 20 19 BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand. Brasil, 2003 20 ALBUQUERQUE JÚNIOR, D.M. Nordestino uma invenção do falo – Uma história do gênero masculino (Nordeste – 1920/1940). Maceió: Ed. Catavento, 2003 21 Existe aqui portanto, uma heteronormatividade regendo toda esta questão da dominação masculina, esta pressupõe que somente é normal às relações homem/mulher e ainda assim com uma clara intenção de valorizar a virilidade masculina, o ato da penetração é tido como uma questão de poder, o ser penetrado aceita a dominação, seja ele mulher ou um homossexual, estes são dominados, a virilidade é a forma de eternização deste modelo, não cabe aos dominados nenhuma margem de poder. A violência pode-se dizer é uma forma de libertação, libertação do feminino, daquilo que não cabe ao homem, sentimento, proximidade, ternura, é o modo de apartar-se de um universo que não lhe combina, mas ao mesmo tempo a violência é sua prisão, no sentido de controle, de se vigiar a cada momento para não parecer feminino ou até pior, não parecer homossexual. Daniel Welzer Lang 21 diz: “O paradigma naturalista da dominação masculina divide homens e mulheres em grupos hierárquicos, dá privilégios aos homens à custa das mulheres. E em relação aos homens tentados, por diferentes razões, de não reproduzir esta divisão (ou, o que é pior, recusá-la para si próprios), a dominação masculina produz homofobia para que, com ameaças, os homens se calquem sobre os esquemas ditos normais da virilidade”. São os homens neste contexto os detentores da força e, por conseguinte, tem eles a primazia do poder sobre as mulheres, suas características físicas e mentais lhe dão esta superioridade, aqueles que se recusam a esta primazia terão sua virilidade posta em dúvida, o que lhes tornam homens fracos ou até mesmo afeminados. 1.4 A CRISE DA MASCULINIDADE Em meio a tantos processos de formação de sua identidade e em contraponto com os avanços conseguidos pelos movimentos feministas, negros e negras e LGBTs, o homem destes tempos se encontra em crise, primeiro por não mais encontrar no modelo hegemônico embora ainda vigente, uma forma de se colocar frente aos acontecimentos e avanços já citados. “A fragmentação 21 LANG, D. W. A construção do masculino: a dominação das mulheres e homofobia. Estudos Feministas, ano 9, 460, 2001. 22 se acentua cada vez mais e como uma decorrência da radicalização do individualismo nos apresenta agora esse abandono do homem que se vê remetido a si mesmo, buscando sua própria singularidade e capacidade de diferenciação” (NOLASCO. 1995) 22. O mal estar masculino encontra ressonância nas novas possibilidades que se impõe cada vez mais nas sociedades contemporâneas, novas configurações de famílias. “Devido à progressiva multifacetação assumida pela família – desde o tradicional modelo conjugal de pai, mãe e filhos (ainda dominante), mas, também, de configurações com mães ou pais solteiros, pais homossexuais, agrupamentos diversos etc. – já não podemos reconhecer um modelo sócio familiar único” 23. Hoje temos novos modelos de famílias, tais como homoafetivas, monoparentais, adotivas, acolhedoras. Preconceitos de ordem moral ou de natureza religiosa não podem levar à omissão do Estado. Nem a ausência de leis nem o medo do Judiciário servem de justificativa para negar direitos aos vínculos afetivos que não tenham a diferença de sexo como pressuposto24. É absolutamente discriminatório afastar a possibilidade de reconhecimento de uniões estáveis homossexuais. São relacionamentos que surgem de um vínculo afetivo, gerando o enlaçamento de vidas com desdobramentos de caráter pessoal e patrimonial, estando a reclamar um regramento legal. A família monoparental é uma das que mais cresceu, nos últimos tempos. Seja como produto de um divórcio ou como uma escolha de vida, diante da decisão de ter filhos sem formar um casal as famílias monoparentais, são uma realidade, que apresenta sua problemática particular. Pode ser formada a partir de divórcios onde apenas um dos chefes de família, sendo muito mais frequente a mãe ficarem sós no cuidado com os filhos. Mas há também os casos de homens ou mulheres que decidem não sacrificar a 22 NOLASCO, Sócrates (org.). A desconstrução do masculino. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1995. 23 LINS, Daniel Soares & BEZERRA DE MENEZES, Maria Isolda Castelo Branco (coords.) paternidade: algo a ser reinventado. In: Curso Família, Famílias. Universidade Aberta do Nordeste. Fascículo 4. Fortaleza: Jornal O Povo/Fundação Demócrito Rocha/Governo do Estado do Ceará, 1995. 24 COSTA, Igor Sporch. Igualdade na diferença e tolerância. Viçosa: UFV, 2007. p. 56. 23 possibilidade da paternidade ou da maternidade sem ter formado um casal parra tal, recorrendo a adoção ou técnicas de fertilização assistida. As famílias adotivas são aquelas que por várias possibilidades se formam sem que haja ou não uma consanguinidade. Formadas a partir das adoções de crianças, atualmente, a adoção já não é vista como uma filiação de segunda categoria ou apenas como o último recurso de que casais estéreis lançam mão quando não podem ter filhos pelas vias biológicas. A adoção hoje é definida como outra possibilidade de se constituir família, a qual pode trazer resultados tão satisfatórios quanto à filiação biológica. Na verdade, como define Levinzon (2004) 25 “toda filiação é, antes de tudo, uma adoção”. A adoção é a única possibilidade de se constituir uma verdadeira parentalidade e a única maneira de genitores tornarem-se pais. Família acolhedora é uma política pública que garante o direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes separados de suas famílias. Nessa modalidade de acolhimento, crianças e adolescentes são encaminhados para famílias devidamente cadastradas, selecionadas e formadas para esta função. As famílias acolhedoras recebem em suas casas as crianças que precisam de acolhimento temporário e provisório, até que possam retornar para suas famílias de origem ou, quando isso não é possível, sejam encaminhadas para adoção 26.Um olhar sobre este novo homem pode ter como foco a família que aos poucos vai deixando de ter o modelo patriarcal ainda vigente para assumir uma nova formação, tornando-se “conjugal”. A possibilidade de formações heterogêneas dessas famílias tem como pano de fundo a igualdade das funções. Sobre isso Mary Del Priore (1984) 27 diz: E ainda nos perguntamos: O que é um pai? Questão ainda em aberto, que vem sendo respondida pela sociedade pela evolução do direito. Para se desenvolver, a paternidade necessita de toda uma elaboração psíquica. Ora, existe em vários momentos históricos e em diferentes sociedades uma pluralidade de pais e também de genitores. Em nenhuma delas, o papel do pai é natural. Cada sistema 25 LEVINZON, G. K. Adoção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. 26 Disponível em: http://www.fazendohistoria.org.br/familias-acolhedoras 27 PRIORE, Mary Del; AMANTINO, Marcia (Orgs.). História dos homens no Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2013. 24 social marca por um nome e um rito o espaço dos seus. Esse lugar significa a culturalidade da função paterna. Culturalidade que se vai construindo ao longo do tempo, feita de rupturas e permanências, de valores novos e outros tradicionais. A “crise” masculina pode ser entendida, então, como a ruptura de padrões comportamentais preestabelecidos como pertencentes ao “modelo masculino”. O fato de questionarmos esses valores demonstra que ainda hoje vivemos um processo de mudança, ainda que, como afirma Ramos (2000) 28: Seria ingênuo pensar que as mentalidades mudaram radicalmente, pois isso leva tempo e, como se pode atestar, apesar das profundas transformações ocorridas nas últimas décadas no que diz respeito à relação entre os sexos, os simbolismos ou representações de gênero (em especial do masculino) ainda não sofreram grandes mudanças. Como todo processo histórico as mudanças são imperceptíveis e ocorrem de maneira lenta, apenas com o desenrolar de um determinado período é que se pode observar e trabalhar o objeto com os olhos do presente, muito embora esse processo possa estar colocado dentro de uma História do Tempo Presente, é preciso olhar seus princípios e neste caso podemos buscar um começo de diferenciação do masculino na formação do capitalismo no limiar do Séc. XVII e início do Séc. XVIII. “A problematização dos papéis femininos e masculinos remonta aos séculos XVII e XVIII as Preciosas Francesas29. As preciosas francesas, no século o XVII, foram à origem do primeiro questionamento da identidade masculina. Alguns homens, os preciosos, aceitaram esse questionamento e adotaram uma moda feminina e refinada — perucas longas, plumas extravagantes, roupas com abas, pintas no rosto, perfumes, ruge. Recusavam-se a manifestar ciúme e a se comportar como tiranos domésticos. Sorrateiramente os valores femininos progrediam na sociedade e, no século seguinte, eram dominantes. São consideradas por 28 RAMOS, M. S. Um olhar sobre o masculino: reflexões sobre os papéis e representações sociais do homem na atualidade. In: GOLDENBERG, Mirian. (Org.). Os novos desejos: das academias de musculação às agências de encontros. Rio de Janeiro: Record, 2000. 29 Mulheres pertencentes a aristocracia ou burguesia da época (séc. XVII e XVIII), independentes financeiramente dos homens, solteiras em sua maioria e livres para jogos amorosos 25 Badinter (1992) as precursoras tanto das feministas quanto da discussão sobre masculinidade.” BLAY. (2014) 30. É este novo homem alguém que parece sufocar com o peso de suas responsabilidades exigidas pelo modelo vigente. “A necessidade de nos mostrarmos sempre fortes e capazes de limitarmos a expressão de nossos sentimentos, de vivermos quase sempre em campos competitivos (...) de sermos eternamente provedores...” (NOLASCO. 1995) 31. O novo deste homem é sua contemporaneidade, seu estar presente em um mundo que trouxe as mulheres não mais para seu deleite ou submissão, mas sim para seu lado. Nolasco (1995) afirma: É esta contemporaneidade em que o modelo de conquistador entra em crise. Mudanças profundas no terreno trabalhista e o avanço das lutas feministas completam o estranhamento masculino. Armados cavaleiros, descobrimos em meio a nossa Cruzada que o Santo Graal é uma taça do Mac Donald’s. Embora ainda de forma pouco prática os modelos anteriores começam a fazer água, os avanços sociais e políticos principalmente na área jurídica começam a tornar iguais àqueles que sempre estiveram em patamares diferentes na estrutura patriarcal, e, este homem contemporâneo está dividido, entendendo melhor as perspectivas, mas ainda exposto ao tradicionalismo de nossa sociedade, os homens agora carregam consigo o mal estar de se perceberem também sensíveis em contraponto com sua imagem de macho e viril. 1.5 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Joan Scott32, cuja principal teoria de estudo foi conceituar gênero enquanto uma categoria útil para analise histórica e não apenas à história das mulheres. Ele pode lançar luz sobre a história das mulheres, mas também a dos homens, das relações entre homens e mulheres, dos homens entre si e igualmente das mulheres entre si, além de propiciar um campo fértil de análise 30 BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 31 NOLASCO, Sócrates (org.). A desconstrução do masculino. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1995. 32 SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, vol. 16, n° 2, Porto Alegre, jul./dez. 1990, p.5. 26 das desigualdades e das hierarquias sociais. Scott argumenta que o conceito de gênero foi criado para opor-se a um determinismo biológico nas relações entre os sexos, dando-lhes um caráter fundamentalmente social. “O gênero enfatizava igualmente o aspecto relacional das definições normativas da feminidade”. A criação do conceito de gênero teve a clara intenção de enfrentar a ideia de determinismo biológico, ao olhar as relações com um olhar cultural, mostra que a sociedade patriarcal é um produto social e como tal pode ser alterado desde que o olhar dessas relações seja desnaturalizado. A construção de um novo olhar desnaturalizado é a base fundamental do conceito de gênero. A violência contra a mulher sempre aconteceu durante a história, mas por vários motivos ela só realmente ganha foça a partir dos anos sessenta. “A denúncia da violência contra a mulher voltou às manchetes através de novos papéis sociopolíticos desempenhados por elas durante a ditadura militar, a partir de 1964, ao expor as inaceitáveis condições de vida e de insegurança pública em que viviam” (BLAY, 2014) 33. E completa ainda “O desvendamento da violência de gênero culminou quando se desnudou a violência contra a população negra e contra segmentos da diversidade sexual: a extraordinária taxa de assassinatos de mulheres, de jovens negros e de pessoas com orientações sexuais diversas”. A violência contra a mulher é uma construção cultural baseada na ideia de supremacia de um sobre o outro uma excelente contribuição é dada por Luiza Bairros 34. “Não é a violência que cria a cultura, mas é a cultura que define o que é violência. Ela é que vai aceitar violências em maior ou menor grau a depender do ponto em que nós estejamos enquanto sociedade humana, do ponto de compreensão do que seja a prática violenta ou não” 35. A lei 11.340 33 BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 34 Doutora em Sociologia pelaUniversidade de Michigan e ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir). 35 Disponível em: < http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/violencias/cultura-e-raizes- da-violencia/> 27 de sete de agosto de 2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha em seu artigo 5° diz: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher: Qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” 36. A cultura sul-americana, e, por conseguinte a brasileira carrega em seu bojo a suposição que a condição de gênero decorre de uma natureza biológica que estabelece diferentes direitos e deveres a homens e mulheres. Mas BLAY (2014) 37 chama a atenção para “Se a condição de gênero tem base nas tradições históricas, os valores e comportamentos são construídos e, portanto, podem ser modificados”. A violência contra a mulher tem uma complexa fundamentação em valores patriarcais. Percebemos aqui novamente o patriarcalismo formando e deformando as relações: masculino e feminino. Existem formas de violência contra a mulher tanto no âmbito público como privado, ambos ainda regidos por uma masculinidade hegemônica. Herdeira de um patriarcalismo milenar. “O Poder público interfere no âmago da intimidade da mulher. Ele controla seu destino. Contraditoriamente o poder público abandona os segmentos da vida das mulheres que deveriam ser protegidos. O privado também é responsabilidade pública” (BLAY, 2014) 38. “Assim como os papéis de gênero, a violência é aprendida. Aprende-se a ser agressor/agressora e aprende-se também a ser vítima. É fato antigo, fruto de relações hierárquicas e desiguais, historicamente construídas e que se consolidam no processo de socialização, tanto na família como na escola, na mídia e demais instituições. Este aprendizado se articula com a desigualdade econômica e a privação política, que hierarquizam corpos, forjando grupos de pessoas ‘merecedoras de direitos’ e outras cujas vidas são tidas como 36 Disponível em: < https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/95552/lei-maria-da-penha- lei-11340-06> 37 BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 38 BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 28 desimportantes e até mesmo dispensáveis e, portanto, mais suscetíveis a explorações e violências” (Butler, 2015) 39. Ainda de acordo com BLAY (2014) 40 seguem-se durante os anos oitenta do século XX, vários avanços na criação de mecanismos e instituições frutos da interação pública privada, houve um período de lutas entre 1964 e 1979 em plena ditadura civil militar. Inscritas na Constituição de 1988. Criação de Conselhos de Condição Feminina (1993 em São Paulo e 1994 em Minas Gerais), criação da Delegacia da Mulher (1985), em São Paulo, posteriormente difundidas por todo o Brasil, seguidos da criação do Conselho Nacional da Mulher e a Secretaria dos Direitos da Mulher (Ministério 2004). Culminando com a aprovação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) 41. O momento nos parece ser de olhar para o âmago da questão, é claro que os dispositivos conquistados são um grande avanço no combate a violência contra a mulher, quando olhamos para quarenta anos atrás essa era uma causa invisível, sem nenhum apelo popular, mas muito mais que atacar os efeitos desta violência é preciso coibir ela antes que aconteça. Assim Jacira Melo, 42 resumiu. Para erradicar a violência contra as mulheres que acontece no espaço público e privado, e que tem se perpetuado de geração em geração, é preciso se debruçar sobre as causas, sobre as raízes culturais dessa violência. Em várias partes do mundo, nos últimos 30, 40 anos, o que se tem focalizado especialmente são os efeitos e consequências: o abuso sexual de meninas, o estupro, a violência doméstica, o assassinato de mulheres pelos seus parceiros íntimos etc. Algo que tem sido fundamental, diante da gravidade da violência contra as mulheres no Brasil e no mundo. Agora, associada a essas ações de exigência para acesso à justiça por parte das mulheres, é também preciso maior ênfase no debate sobre as culturas da violência para se conseguir exigir mudanças de comportamento e mentalidade nos padrões de socialização.” 43 . 39 BUTLER, Judith. “Vida precária, vida passível de luto” (Introdução). In Quadros de Guerra - Quando A Vida É Passível de Luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. 40 BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 41 BRASIL. Constituição Federal de 1988. LEI MARIA DA PENHA. Lei N.°11.340, de 7 de Agosto de 2006. 42 Mestre em Ciências da Comunicação e diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão 43 Disponível em: < http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/violencias/cultura-e-raizes- da-violencia/> 29 Jacira Melo, nos trás uma questão muito importante, muito além dos números da violência contra a mulher, números que muito provavelmente estejam aquém da realidade por diversos motivos está a clara questão de como resolve-los, este é um processo complexo mas de características educacionais, a desconstrução do patriarcalismo e por consequência do horror da violência, merece uma política nacional de médio e longo prazo, escolas, Ongs, legislação. Boa Vista é a capital do Estado de Roraima, cidade com uma estimativa de 332.020 habitantes em 2017. Tem uma população bastante heterogênea, composta por muito migrantes em sua maioria nordestina, índios e ultimamente também recebido imigrantes venezuelanos em grande número. Apesar de ser conhecida como uma cidade pacata tem índices altos de violência em vários setores. Mas o dado mais impactante sem sombras de dúvidas foi o relatório da Human Rights Watch 44 sobre a violência contra a mulher. Apenas um quarto das mulheres que sofrem violência no Brasil reporta a agressão à polícia, segundo um levantamento de fevereiro de 2017, o qual não discrimina os dados por estado. Em nossa pesquisa, descobrimos que mesmo quando mulheres em Roraima contatam a polícia, elas enfrentam obstáculos consideráveis para terem os seus relatos ouvidos. Em alguns casos, policiais sequer atendem aos chamados: o coordenador estadual de polícia comunitária e direitos humanos da polícia militar do estado de Roraima, contou à Human Rights Watch que, devido à falta de efetivos, a polícia militar não consegue deslocar agentes para responder a todas as ligações de emergência de mulheres que relatam estar sofrendo violência doméstica. 44 Organização internacional de direitos humanos não governamental, sem fins lucrativos, contando com aproximadamente 400 membros que trabalham em diversas localidades ao redor do mundo. 30 2. CAPÍTULO 2 - UM DIÁLOGO ENTRE A IMPRENSA E A ACADEMIA Neste capítulo temos o objetivo de mostrar os casos escolhidos dentro das reportagens apresentadas no jornal “Folha de Boa Vista” sob a perspectiva da academia, embasados na teoria produzida nos estudos sobre gênero, masculinidades e a luta contra a violência contra a mulher, analisa algumas de suas reportagens e textos com as posições aventadas no primeiro capítulo. Rachel Moreno Coordenadora do Observatório da Mulher inclui a postura da mídia em sua crítica sobre a banalização da violência contra a mulher. “Namaior parte da grande mídia você tem um discurso bonito que reproduz e naturaliza a violência, que nos habitua a um nível maior de violência e que repete os estereótipos o tempo todo. 45”. O espaço da mídia é majoritariamente um afirmador do estado de dominação, um discurso que parece defender a mulher, mas traz em seu bojo uma descaracterização do fato em si, não oferecendo informações suficientes e de certa forma naturalizando a violência. “É importante ainda ter em mente que uma cobertura acrítica também é cúmplice da violência contra as mulheres. Com um olhar atento sobre as notícias de assassinatos de mulheres publicadas em veículos de imprensa nacionais, observa-se que a maioria absoluta das notícias apresenta uma abordagem policial, que se atém a reproduzir as informações das autoridades policiais que estão cuidando do caso e que muitas vezes também reforçam estereótipos e discriminações contra as mulheres (Sanematsu, 2011).” 46. É preciso entender melhor a questão da diferença entre sexo e gênero e também as apropriações biológicas e culturais dos termos em questão, sobre isso Maria C. Sardenberg nos diz: De um lado, teríamos ‘sexo’, um fenômeno natural resultante da evolução da espécie, fenômeno este que se manifesta, de uma forma ou de outra, entre todos os organismos do planeta que se propagam através da reprodução sexuada. De outro lado, estaria o fenômeno cultural do gênero, manifesto nas diferentes maneiras em que as 45 Disponível em: < http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2017/01/especialistas- apontam-a-influencia-da-midia-no-discurso-de-odio-contra-as-mulheres-5052.html> 46 SANEMATSU, Marisa. “Análise da Cobertura da Imprensa sobre Violência Contra as Mulheres”. In VIVARTA, Veet (coord.). Imprensa e Agenda de Direitos das Mulheres: Uma análise das tendências da cobertura jornalística. Brasília: ANDI; Instituto Patrícia Galvão, 2011. 31 sociedades humanas têm elaborado em torno dessas diferenças e delas se apropriado, historicamente, distinguindo, definindo e delimitando o masculino e o feminino. 47 O determinismo biológico define o sexo, o que define o gênero é a cultura, uma construção social entre os sexos, que cada cultura constrói segundo suas características. Mas é preciso ter em mente que o conceito de gênero não muda a categoria social mulher. Como categoria analítica, gênero possibilita pensarmos como os recortes de classe, raça/etnia e idade/geração permeiam as vivências de ‘gênero’, de sorte a construírem experiências femininas e masculinas bastante distintas. 48 É preciso entender que essas relações são complexas portanto criar a noção de que todos os homens são violentos e que todas as mulheres são vítimas é no mínimo precipitado, é preciso lembrar que nossa sociedade tem profundas raízes patriarcais, a eficiência do Estado é precária e que durante muito tempos a violência de gênero esteve encoberta por uma invisibilidade social. Um enfoque de gênero implica em reconhecer, desvendar e levar em consideração esses fatos, procurando-se desenvolver estratégias que contribuam para o desmonte dessas relações desiguais entre os seres humanos. No particular, é preciso ter claro que os condicionamentos e desigualdades de gênero resultam em condições de vida e trabalho bastante distintas para homens e mulheres, que se estabelecem e se cristalizam a partir das assimetrias que colocam as mulheres em uma posição social subordinada. 49 2.1 O RELATÓRIO DA HUMAN RIGHTS WATCH – UM DIA VOU TE MATAR. Roraima é o Estado mais letal para a mulher, segundo o relatório da Human Rights Watch. A taxa de homicídios de mulheres cresceu 139 por cento entre 2010 e 2015, atingindo 11,4 mortes para cada 100.000 mulheres nesse ano, o último para o qual se tem dados disponíveis. A média nacional é de 4,4 homicídios para cada 100.000 mulheres – o que já é uma das taxas mais elevadas do mundo. Roraima não coleta dados para determinar a 47 SARDENBERG, C. M. B. De sangrias, tabus e poderes: A menstruação numa perspectiva sócio antropológica. Revista Estudos Feministas, Rio de Janeiro, v.2, n.2, p. 314-344, 1994. 48 SARDENBERG, C. M. B. O gênero em questão: apontamentos. Salvador: EIM/UFBA, 1992. 49 SARDENBERG, C. M. B; MACEDO, M. S. Relações de gênero: uma breve introdução ao tema. In: COSTA, A. A; RODRIGUES, A; VANIN, L. M. Ensino e Gênero. “Salvador: UFBA – NEIM, 2011.” 32 quantidade de homicídios de mulheres que estão relacionados com a violência doméstica. Hoje reconhecidos como feminicídios. No entanto, estudos no Brasil e em outros países estimam que uma grande porcentagem das mulheres seja assassinada por parceiros ou por ex-parceiros. Este relatório é baseado em 31 casos de violência doméstica em Roraima, que foram documentados pela Human Rights Watch, e em entrevistas com policiais e autoridades do sistema de justiça do estado. Foram conduzidas entrevistas em Roraima em fevereiro de 2017 e outras por telefone em março e maio de 2017 com dezenas de pessoas, incluindo mulheres que sofreram abusos e seus familiares; policiais; membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e do Juizado especializado; e membros do Centro Humanitário de Apoio à Mulher (CHAME), um centro financiado pela Assembleia Legislativa que fornece apoio jurídico, psicológico e social a vítimas de violência doméstica. Também foram analisados documentos oficiais na maioria dos 31 casos, incluindo inquéritos e relatos policiais e peças processuais. Por fim, foram consultadas publicações e estabelecidas conversas com juízes, promotores de justiça, defensores públicos e advogados de defesa especializados em violência doméstica nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Ceará, e com diversos outros especialistas nacionais. O relatório diz que não foram divulgados os nomes das mulheres e adolescentes que sofreram violência doméstica por motivos de segurança, salvo no caso de Taíse Campos, que consentiu com o uso de seu nome verdadeiro. O uso de pseudônimos foi devidamente indicado nas citações relevantes. Removemos também as datas exatas das entrevistas em alguns casos para melhor resguardar a identidade das vítimas e de seus familiares. Todos os entrevistados foram informados sobre o propósito das entrevistas e que estas seriam usadas em publicações da Human Rights Watch. Nenhum incentivo foi oferecido ou fornecido às pessoas entrevistadas. As entrevistas foram feitas em português. Este é o primeiro fato alarmante do relatório da HWR, um estado que é governado por uma mulher e tem como prefeita de sua capital outra mulher cai numa contradição no mínimo inquietante. Mas isso pode ser respondido pelo fato da mulher não ser uma essência mas sim uma construção histórica, e que 33 se olharmos os motivos de suas presenças a frente destes cargos ter também uma característica patriarcal já que suas bases políticas estão consolidadas em grandes nomes masculinos que ascendem desde sempre no poder local. Foucault (1994) 50, responde esta questão quando diz “As relações de poder/gênero são jogos e não estado de dominação”, um estado de dominação é o total bloqueio de um campo de relações de poder. Portanto os bloqueios das relações de poder neste caso feminino estão aprisionados a um estado de dominação anterior, é preciso entender que a possibilidade da mudança virá numa construção com a sociedade e ao mesmo tempo com uma desconstrução paulatina deste estado de dominação masculino e patriarcal, bem como políticas de igualdade de gênero. Ainda no relatório da HRW e aqui encontraremos o segundo fato alarmante, não há privacidade como se pode verificar no depoimento da professora que sofreu violência, Taíse diz: “se ir à delegacia da mulher jánão é bom, ir a outra delegacia é a coisa mais horrível que existe, porque geralmente você é atendida na frente de um monte de gente… Você está tão exposta que você se sente nua”. O artigo 11 da lei 11.340/06 conhecida como lei Maria da Penha diz: No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências: I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; A falta de confidencialidade também pode colocar mulheres em risco caso o agressor descubra por meio de outras pessoas na delegacia que a vítima procurou a polícia e, inclusive, pode até descobrir os detalhes de seu relato. Conforme a Lei Maria da Penha, mulheres têm o direito de denunciar a violência doméstica em qualquer delegacia de polícia, mas, em Roraima, isso não é garantido. Por exemplo, uma vítima de violência doméstica que 50 FOUCAULT, M. Hermenéutica Del Sujeto. Madrid: La Piqueta, 1994. 34 chamaremos de “Priscila” tentou fazer uma denúncia durante um fim de semana, mas um policial pediu que ela esperasse a delegacia da mulher abrir na segunda-feira para registrar a ocorrência. Aqui mais uma falha do aparato estatal está presente quantas se sentem envergonhadas pelos motivos apresentados e não utilizam do seu direito. O silêncio é um fator determinante na perpetuação do estado de dominação. Aqui temos o 3° fato alarmante, a denúncia só é registrada na Delegacia de Atendimento a Mulher (DEAM). Lori Heise51 (Professora titular da London School of Hygiene & Tropical Medicine, onde dirige o Centro de Gênero, Violência e Saúde) diz: “No Brasil, as agressões contra mulheres têm sido punidas com o suporte da Lei Maria da Penha, sancionada em 2006”. A professora acredita que a lei representa uma profunda mudança cultural no país, mesmo que ela ainda não tenha sido completamente implementada já que equipamentos especializados na aplicação da lei ainda não estão completamente acessíveis no extenso território nacional, “e, muitas vezes, mesmo quando estão, são operados por operadores do direito que ainda reproduzem a cultura da violência, apesar da lei”. O que nos remete aos dois últimos casos citados no relatório da HRW. [ conforme os relatos se observa a ausência do estado Fica claro aqui o completo fracasso do estado em garantir assistência `mulher que sofre de violência conforme a lei maria da Penha e promover o acesso a justiça, em todas as etapas as falhas estão presentes. Fracasso do estado em promover o acesso adequado à justiça “Os motivos para não denunciarem os abusos eram variados: pressões da família para manter o relacionamento receiam de estigma ao denunciarem à polícia, medo de perder o apoio financeiro do parceiro para os filhos, ou uma crença justificável de que o registro da ocorrência na polícia faria com que o abusador tornasse realidade suas ameaças. Quando as mulheres em Roraima conseguem reunir coragem suficiente para contatar as autoridades – seja ligando para a polícia militar ou indo à delegacia de polícia civil, a resposta com 51 Disponível em: <http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/40447/prevenir+violencia+contra+as+mulheres +exige+desconstrucao+cultural+defendem+especialistas.shtml> 35 frequência é insuficiente” 52. A pressão social financeira para que o caso não seja denunciado é quase sempre muito maior que a esperança de solução por parte da justiça. O relatório segue: “O major Miguel Arcanjo Lopes, coordenador estadual de polícia comunitária e direitos humanos da Polícia Militar de Roraima, disse à Human Rights Watch que, em alguns casos, a polícia militar deixa de alocar policiais para responder a uma ligação de emergência de uma mulher pedindo ajuda19. A corporação não tem policiais em número suficiente para responder a todas essas chamadas, então escolhe aquelas que parecem ser mais graves, ele afirmou. A polícia militar não fornece dados sobre a quantidade de ligações que são recebidas e ignoradas. Ainda segundo o major, quando policiais respondem a pedidos por ajuda e identificam que a mulher sofreu violência, eles levam a vítima e o suposto agressor à delegacia da polícia civil para registrar a ocorrência. Se os policiais militares concluem que o problema é apenas uma “desinteligência”, tentam reconciliar o homem e a mulher, disse Lopes. Mas os policiais que tomam essas decisões que podem ser de vida ou morte recebem pouco ou nenhum treinamento.”. A capitã Cyntya Loureto, coordenadora da Ronda Maria da Penha, uma unidade especializada da polícia militar que atende a 20 por cento das ligações sobre violência doméstica em Boa Vista, nos contou que os policiais membros da unidade recebem apenas um dia de treinamento sobre como responder à violência doméstica. Policiais de outras unidades não recebem tal treinamento. A ineficiência do Estado se faz presente mais uma vez, não há treinamento e quando o há é apenas para um grupo pequeno que não supre nem metade das ligações. Nenhuma delegacia em Roraima oferece salas privativas para mulheres prestarem seus depoimentos, disse à Human Rights Watch a delegada geral da polícia civil, Edinéia Chagas. Mesmo na delegacia da mulher, as mulheres precisam contar suas histórias de violência, incluindo as de abuso sexual, em áreas abertas na recepção. Muitas vítimas de violência doméstica enfrentam uma combinação tão cruel de estigma social e de trauma profundo que não 52 Disponível em: < https://www.hrw.org/sites/default/files/report_pdf/brazil0617port_web_0.pdf> 36 oferecer um local privativo onde possam falar. Situação que pode desestimulá- las a realizar a denúncia. A falta de confidencialidade também pode colocar mulheres em risco caso o agressor descubra por meio de outras pessoas na delegacia que a vítima procurou a polícia e, inclusive, pode até descobrir os detalhes de seu relato. Lembramos mais uma vez que o artigo 11 da Lei 11.340/06 garantem medidas protetivas como já citado anteriormente. A violência doméstica é tão complexa e perigosa, tanto para as vítimas quanto para os policiais que intervêm. A capacitação é essencial para todos os policiais. Segundo o relatório da Human Rights Watch a maioria dos policiais militares, os policiais civis que registram e investigam denúncias de mulheres em Roraima não recebem qualquer tipo de treinamento sobre como responder à violência doméstica contou à Human Rights Watch a delegada geral da polícia civil. Surpreendentemente, até mesmo aqueles que trabalham na delegacia da mulher não recebem treinamento. A falta de preparo traz sérias consequências, de acordo com especialistas como Lucimara Campaner, a promotora de justiça para violência doméstica, e Sara Farias, uma advogada do Centro Humanitário de Apoio à Mulher (CHAME). Alguns policiais apenas registram a violência doméstica em casos de agressões físicas, elas disseram, e não identificam outros tipos de violência, como a psicológica. O que é ainda pior, uma vítima e vários policiais mencionaram casos em que policiais culparam a vítima até mesmo no momento em que registravam as denúncias, insinuando que as mulheres que pediam ajuda teriam provocado o abusador. Cerca de 8.400 boletins de ocorrência de violência doméstica acumulados na delegacia da mulher em Boa Vista não viraram inquéritos devido à falta de funcionários para fazer as “diligências iniciais”, tais como a oitiva da vítima, que permitiriamà polícia instaurar formalmente uma investigação. Em vez de obter todos os fatos sobre a ocorrência quando a vítima procura a delegacia, a polícia civil registra apenas um breve relato no boletim de ocorrência. Os policiais dizem à vítima que ligarão mais tarde para que ela compareça à delegacia para fazer o termo de declaração mais completo. Mas a delegacia da mulher não consegue contatar todas essas mulheres devido à falta de funcionários, disse a delegada. Não há mais do que 10 policiais e escrivães por turno, concentrados apenas nos casos que julgam 37 ser mais urgentes. Como resultado, algumas vítimas nunca chegam a dar os relatos completos e suas denúncias não resultam em nada. Mesmo quando a polícia instaura um inquérito, ela não necessariamente chega a fazer a investigação. De acordo com a lei, a polícia precisa encaminhar o inquérito concluído a um promotor de justiça dentro de 30 dias caso o suspeito esteja em liberdade, ou em até 10 dias caso este esteja detido, mas a polícia pode solicitar a dilação do prazo. Na realidade, em milhares de casos sob investigação, a polícia pede dilação de prazo por anos, e muitos casos são simplesmente arquivados assim que os crimes prescrevem. 2.2 CASO I; É como se fosse eu que estivesse na prisão Analisaremos as notícias vinculadas na imprensa com casos relativos a Roraima. Este primeiro caso foi retirado de uma publicação feita no site da UOL no dia 12 de julho de 2017 53, e também é encontrado no relatório da HRW. “Foi o medo de morrer que a levou até uma delegacia em Boa Vista, onde mora, para registrar uma queixa contra o ex-marido. Ela já estava divorciada do homem com quem havia sido casada por 15 anos quando recebeu dele uma mensagem dele uma mensagem de celular. “Você não é blindada”. “Pode levar 5, 10 ou 15 anos, mas um dia eu vou te matar”, ela diz sobre o conteúdo da ameaça. "Ele era muito violento, eu temia pela minha vida." Foram muitos anos de ataques verbais e, às vezes, físicos. “Ele nunca me deu um soco, mas me chutava e empurrava, na frente dos dois filhos com 15 e 11 anos hoje”. Eu tive coragem de denunciar quando pessoas fora da minha casa começaram a ter medo também”. O silêncio só foi rompido com a possibilidade crescente da morte, mulheres como no caso acima estão sempre tentando evitar a denúncia ou o confronto. Talvez por mais que motivos próprios estejam em jogo a segurança de mais pessoas, principalmente de seus filhos. O texto da reportagem segue a regra da informação pura e simples, apenas narrando os fatos e ouvindo a mulher, um fato que ocorre aos milhares todos os dias, o texto poderia buscar informações sobre os números dessa violência, tipificar o que é um feminicídio. 53 Disponível em: < https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/07/12/e-como-se- fosse-eu-que-estivesse-na-prisao-diz-mulher-que-registrou-15-bos-contra-o-ex.htm> 38 “O conceito de feminicídio é utilizado para designar os homicídios de mulheres em razão da condição de gênero.”. O feminicídio pode ser considerado o ápice da trajetória de perseguição a mulher, com diferentes formas de abuso verbal e físico: como estupro, tortura, incesto e abuso sexual infantil, maltrato físico e emocional, perseguição sexual, escravidão sexual, heterossexualidade forçada, esterilização forçada, maternidade forçada, psicocirurgia entre outros” 54.(ZARBATTO, 2012). “O assassinato de mulheres em contextos marcados pela desigualdade de gênero recebeu uma designação própria: feminicídio. No Brasil, é também um crime hediondo desde 2015, no Brasil lei 13.104/2015 de 09/03/2015. Nomear e definir o problema são um passo importante, mas para coibir os assassinatos femininos é fundamental conhecer suas características e, assim, implementar ações efetivas de prevenção” 55. A reportagem segue: “A partir de então e até o fim de 2016, a professora foi perseguida e ameaçada muitas outras vezes, segundo relata. O ex dizia que ela tinha outros homens, "ficou obcecado por mim". São ao menos 15 boletins de ocorrência registrados contra seu agressor”. A cultura da virilidade, está caracterizada nesta passagem. O homem viril, que sempre em seus jogos repletos de competitividade e violência não pode aceitar a derrota, seu poder diminuído, o corpo de sua mulher é uma posse, o que lhe confere o direito de reagir, e, reagir aqui é demonstrar a todos que não aceitará a sua a fragilização já que isso é coisa de mulher, do feminino. Os outros homens são seus iguais e ao mesmo tempo seus inimigos, não lhes permitirá que o que é seu, seja conquistado pelos outros. “Até hoje, a professora não conseguiu que seu ex-marido, um oficial de Justiça agora aposentado, fosse punido pelos crimes que cometeu”. Chegou a ouvir de uma delegada de polícia, em uma das muitas vezes que procurou ajuda em uma delegacia, a seguinte pergunta: O que você fez para esse homem te perseguir desse jeito? E de um promotor de Justiça que ela deveria 54 Jaqueline Zarbatto no artigo Feminicídio in Pinsky. C.B; Pedro. J.M. Nova História das mulheres no Brasil: São Paulo: Contexto, 2012. 55 PRADO. D; SANEMATSU. M. Feminicídio: #invisibilidademata. Fundação Rosa Luxemburgo. São Paulo, Instituto Patrícia Galvão, 2017. 39 orar, porque só Deus para resolver. Firmiane Venâncio em seu artigo “Violência de Gênero na Lei Maria da Penha: que mulheres estão protegidas?” diz: O judiciário brasileiro tem tentado reduzir o âmbito de proteção da lei às mulheres e ampliar a sua incidência para incluir os homens como sujeitos de proteção. Portanto, é preciso monitorar cada interpretação ou aplicação que implique na fragilização desse instrumento de poder feminino. Não estamos diante de uma lei que objetiva enfrentar a violência doméstica e familiar prima facie, é imprescindível que esta violência viole a integridade de uma mulher, ou no máximo, quem assim se identifica ou apresenta socialmente. E isso não é purismo interpretativo, mas uma posição política a ser defendida. Aqui fica clara a criminalização da mulher que sofre a violência. Como pode alguém sofrer tamanha agressão? Mais um exemplo de uma sociedade machista e patriarcal. O que nos remete a um caso citado por Corneau56: Antes do Natal, eu estava numa escola e falava com pais. Uma mulher me disse: - Tenho dois filhos, um de 15 e outro de sete anos. Estou angustiada porque meu filho de 15 anos gosta de cuidar do menorzinho. Ele ajuda o outro a colocar o cachecol, as luvas. Você acha que estou criando uma mãe em miniatura? Respondi: - Sua questão é interessante, mas porque não diz que está criando um pequeno pai? O olhar feminino em nossa sociedade também carrega estes conceitos já tão arraigados em nossas vivências, os papéis que cada um personifica os estereótipos de feminino e masculino, porque um menino de 15 anos não pode ser afetuoso com seu irmãozinho sem diminuir sua masculinidade? Ou porque uma mulher tem de ser culpada pela violência de um ex-marido ensandecido e frustrado na sua masculinidade? A reportagem termina com um desabafo: "É como se fosse eu que estivesse na prisão. Eu me sinto muito exposta, como se minha vida estivesse passando na TV para todo mundo ver. Todo mundo tem que saber o que está acontecendo comigo, se eu cheguei na hora marcada, onde exatamente estou. Não é possível que ele esteja sempre em surto quando me ameaça". Essa é a resposta que o Estado retorna a mulher que sofre com a violência, um aparato policial despreparado para os avanços que a Justiça vem conseguindo. Delegacias mal aparelhadas, policiais despreparados e um corpo de funcionários ainda dominado por um modelo de masculinidade hegemônico, 56 CORNEAU. G. inNOLASCO, Sócrates (org.). A desconstrução do masculino. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1995. 40 que ainda pensa os acontecimentos sob uma ótica de valorização do masculino e criminalização do feminino. 2.3 CASO II; Homem incendeia carro de ex-namorada por não aceitar o fim do relacionamento. Uma servidora pública procurou a Folha para denunciar que seu ex- namorado incendiou seu veículo, no dia 20 de novembro. Disse que ele foi preso no dia 21 e posto em liberdade no dia seguinte, depois de pagar fiança no valor de R$ 5 mil em audiência de custódia. O caso aconteceu na Rua Estrelinha, bairro Professora Araceli Souto Maior, na zona Oeste. A vítima disse que decidiu denunciar o fato para encorajar outras mulheres a não se amedrontarem diante das ameaças dos companheiros. O Voyage, de cor prata, ficou parcialmente destruído 57. A violência contra o patrimônio da mulher é também uma das variantes da violência contra a mulher. Senão vejamos: “Nas palavras da Ministra do Superior Tribunal de Justiça Laurita Vaz: “A Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, tem o intuito de proteger a mulher da violência doméstica e familiar que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, sendo que o crime deve ser cometido no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto” (STJ – 5ª Turma, HC nº 172634/DF, DJ 19/03/2012)” 58. Ainda no mesmo portal eletrônico, “Bem pontuado pela eminente Ministra Laurita Vaz, a Lei objetiva, também, a proteção dos direitos patrimoniais da mulher e criminaliza “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer as suas necessidades” (art. 7º, IV, da Lei nº 11.340/2006)”. “Fez ameaças para mim na frente da minha mãe, da minha filha e da menina que mora comigo, que é filha da minha cunhada”. Ele fez ameaças 57 Disponível em: < http://www.folhabv.com.br/noticia/Homem-incendeia-carro-de-ex-namorada- por-nao-aceitar-o-fim-do-relacionamento/34514> 58 Disponível em: < https://victormarinsadvs.jusbrasil.com.br/artigos/189326556/a-lei-maria-da- penha-e-a-violencia-patrimonial-contra-a-mulher> 41 para mim na casa da minha tia, dizendo que não iria ficar por isso, que eu estava enganada, que eu teria uma surpresa. Estava extremamente perturbado, desorientado, chorando, desequilibrado. Minha tia pediu para minha prima deixá-lo na casa dele, explicou a vítima. O descontrole emocional é parte integrante do processo de violência contra a mulher, o desorientar-se frente a uma mulher que se nega a continuidade de um relacionamento abusivo que deixa o homem sem a sua “permissão” lembra muito que Durval Muniz nos conta em seu artigo (2014) 59. “Estar apaixonado, amando um ser feminino, ter que a ele se entregar é uma experiência muito intensa e desafiadora para quem foi ensinado a evitar o feminino, a dele se distanciar, para quem fez um doloroso aprendizado de que com ele não deveria se misturar. Os homens sabem mais de separação do que de fusão ou de ajuntamento, sabem mais sobre manter distância do que sobre construir proximidade”. Por isso, para muitos, o feminino que por si dele se separa é insuportável, porque aprendeu que ele é que deve estar à frente desse processo. 2.4 CASO III; Policial militar mata três e deixa um ferido. Este é um caso famoso no Estado acontecido há dois anos, e embora nenhuma das vítimas seja sua ex-namorada, também se configura logicamente como um caso de violência contra a mulher. Os fatos acontecidos derivam de seu antigo relacionamento, sendo que os dois primeiros homicídios se deram com amigos que em certos momentos do relacionamento protegeram a mulher. Esta notícia se encontra na página eletrônica do Jornal Folha de Boa Vista de 10 de Novembro de 2015. 60 Ateremos-nos aos dois primeiros crimes que tem origem passional, sendo que os outros tinham outros motivos. Começa assim a reportagem. “O caso, quando pai e filha foram mortos, teve motivação passional, pois a ex-mulher do policial era amiga da família e recebeu apoio durante os conflitos conjugais”. A ação foi registrada por uma câmera de segurança da residência da família, na Rua dos Hibiscos, bairro Pricumã. Às 06h50, a fisioterapeuta Jannyele Filgueira, 28 anos, saía de casa 59 BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 60 Disponível em: < http://www.folhabv.com.br/noticia/Policial-militar-mata-tres-e-deixa-um- ferido/11402> 42 em direção ao trabalho, no seu veículo Fiat Pálio, cor cinza. Assim que saiu de ré no portão, foi surpreendida com uma colisão lateral do lado do motorista pelo carro do policial que atirou a queima roupa. O policial estava parado na esquina esperando a mulher sair, demonstrando que tudo foi premeditado. O pai da fisioterapeuta, Eliézio Oliveira, 50 anos, ao ouvir o barulho da forte colisão, foi em direção ao carro do policial, um Gol preto. Antes que ele tentasse abrir a porta, o policial saiu atirando e deu um tiro na barriga da vítima, enquanto ainda estava dentro do automóvel. Ele saiu e se aproximou do homem já no chão e acertou mais três tiros na cabeça. “Testemunhas contam que o PM matou pai e filha motivada pelo apoio que os dois davam a ex-namorada dele, que está em outro Estado. Pelo fato de os dois não terem dito onde ela estava e protegerem a ex-namorada, por serem amigos, dando abrigo, por isso o policial decidira matar os dois. Os vizinhos relataram que há aproximadamente 30 dias o policial havia efetuado disparos no portão da casa da família”. Embora este seja um crime contra a mulher ele é bem mais raro e se configura de maneira tão odiável quanto, ao ferir ou matar algum parente ou amigo da companheira o homem tem por intenção torna-la culpada daquele crime, a ideia é violentar sua consciência, intimidar e mostrar que ela poderá ser a próxima. Sérgio Barbosa em seu artigo: Movimento social, militância, e trabalho com homens no livro organizado por Eva Blay relata 61: Então há um novo cenário sendo construído por essa masculinidade: não se trata mais da força física, da ameaça, da violência psicológica, há outro componente sendo criado que está tornando essa violência mais sutil, e essa violência infelizmente está sendo mostrada nos dados de feminicídio. O homem está “pulando” uma etapa, passando da mulher violentada para o feminicídio. Então se é para ser preso que seja preso agora de verdade. O discurso de muitos homens na cadeia ou na periferia está trazendo à tona uma nova masculinidade que vai sendo mascarada, protegida. A sequência da reportagem mostra às ameaças a ex-namorada, através de um áudio gravado. Em um áudio divulgado ontem à tarde, Felipe faz ameaças a ex-namorada, que ele denomina como “Carol”, inclusive, sem 61 BLAY, Eva (org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência contra a mulher – 1ª edição – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. 43 demonstrar respeito às patentes de seus superiores. - Outra coisa, Carol, não adianta, tu achar que, Ah! Eu tô com meu primo, eu tô com o major, ou estou não sei com quem’., não adianta achar que, 'agora estou segura, vou entrar com uma medida protetiva, vou denunciar ele, vou mostrar isso aqui para o major, o Felipe vai ser preso'. Carol bota uma coisa nessa sua cabeça: crime de ameaça só é de três meses ou multa. Vou pagar uma multa, não vou perder o emprego, vou responder outro processo. Mas
Compartilhar