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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS BACHARELADO EM PSICOLOGIA TÓPICOS ESPECIAIS EM PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL SÍNDROME DE DOWN EDUARDO MELLO TOLOMELLI VALLE FILLIPE ROQUE DE CARVALHO THIAGO HELBERTH URIEL DE MENDONÇA BATALHA SILVEIRA Juiz de Fora Junho, 2018 INTRODUÇÃO A síndrome de Down é uma condição genética, reconhecida há mais de um século por John Langdon Down, que constitui uma das causas mais frequentes de deficiência mental (DM), compreendendo cerca de 18% do total de deficientes mentais em instituições especializadas. Anualmente, nascem mais de 6 mil bebês com síndrome de Down nos Estados Unidos, e alguns milhares mais em outros países (de Down, 2009). Essa síndrome ocorre igualmente em ambos os sexos. É um dos defeitos congênitos mais comuns, apresentando-se em todas as raças, grupos étnicos, classes socioeconômicas e nacionalidades Na trissomia do 21, a divisão cromossômica errônea durante a meiose resulta em um zigoto que tem três cromossomos 21, em vez de dois. Quando o embrião recém-iniciado começa a crescer, por divisão e duplicação, o cromossomo extra também é copiado e transmitido a cada nova célula. A consequência é que todas as células contêm esse cromossomo 21 extra. Esse tipo de síndrome de Down é chamado trissomia do 21 por não-disjunção, significando que resulta de falha na disjunção dos cromossomos do par 21 ou na divisão adequada no óvulo ou no espermatozóide. Além do atraso no desenvolvimento, segundo Moreira, El-Hani, & Gusmão (2000), outros problemas de saúde podem ocorrer no portador da síndrome de Down: cardiopatia congênita (40%); hipotonia (100%); problemas de audição (50 a 70%); de visão (15 a 50%); alterações na coluna cervical (1 a 10%); distúrbios da tireóide (15%); problemas neurológicos (5 a 10%); obesidade e envelhecimento precoce. Embora muitos fatores tenham sido considerados como possíveis causas, a idade da mãe (idade materna) é o único fator relacionado à probabilidade de ter um bebê com síndrome de Down que foi comprovado. É possível que, à medida que os óvulos envelhecem e permanecem suspensos em sua meiose durante muitos anos ou décadas, aconteça algo que leve os cromossomos a se manterem unidos ou não se separarem apropriadamente. Tratamentos e terapias, em especial a estimulação precoce com fisioterapia e fonoterapia, mostram uma inequívoca contribuição para melhor desenvolvimento e desempenho social do portador da síndrome de Down. A psicopedagogia tem avançado no sentido de estimular na pessoa com deficiência mental o desenvolvimento da consciência metacognitiva, isto é, o conhecimento pela pessoa do funcionamento de seu pensamento e a utilização desse conhecimento para controlar seus processos mentais. Estudos sobre o efeito da estimulação psicomotora sobre o QI de crianças com síndrome de Down, comparadas a grupos controle com condição inicial semelhante, demonstraram resultados significativos. Os pesquisadores verificaram QI médio de 82,7 no grupo estimulado e 66,4 nos controles. Além disso, as crianças estimuladas foram mais facilmente integradas na pré–escola, e a continuidade dos estudos após 5 anos se deu em 33% mais sujeitos no grupo estímulo. Comitê da Organização Mundial da Saúde enfatiza a importância dos procedimentos de intervenção precoce no desenvolvimento da criança com síndrome de Down e outras deficiências. Esse direcionamento abre novos caminhos para o sujeito com deficiência mental, tendo em vista as implicações do déficit da consciência metacognitiva na adaptação e na autonomia. SAÚDE Os cuidados aos às pessoas com SD são especialmente delicados quando se trata de enfermagem. O bom cuidado aos pacientes é trabalhado durante a formação das(os) médicas(os) e enfermeiras(os) e durante a prática da profissão com algumas diretrizes básicas. A seguir, mostraremos uma média dos materiais encontrados em uma cartilha da Semana de Conscientização sobre a Síndrome de Down do Rio Grande do Sul e as Diretrizes de Atenção à Pessoa com Síndrome de Down do Ministério da Saúde. A equipe de de saúde deve ter (é dedicado todo um capítulo para isso): Postura neutra e amigável(1); esclarecer dúvidas e não demonstrar sentimentos ou feições negativas(2); o diagnóstico deve ser dado pelo médico responsável(3); a mãe deverá estar sempre acompanhada(4); entre outras. A pessoa com SD deve ter uma vida saudável no que se refere à alimentação; higiene e prática de exercícios; no desenvolvimento da autonomia para as atividades diárias; autocuidado, autonomia e independência; socialização e ter a oportunidade para tal; aquisição de habilidades sociais (contato com pessoas diversas); e por fim, acesso à escola e ao mercado de trabalho. Nesse aspecto, deve aproximar-se o máximo de uma vida sem essa condição de saúde. Já nos cuidados preventivos, os exames de triagem de primeiro trimestre são responsáveis por medir níveis de proteínas, além da evolução do desenvolvimento do bebê, a partir de ultrassons morfológicos ou de Translucência Nucal. A combinação desses testes não-invasivos permite a detecção de 79 a 90% dos casos de Síndrome, entre a 11ª a 13ª semana de gestação. Os pacientes com síndrome de Down, geralmente, apresentam cardiopatias congênitas acianogênicas de hiperfluxo pulmonar (shunt esquerdo-direito). Isso significa que o defeito cardíaco que começou ainda na barriga da mãe não produz cianose central (arroxeamento da pele) e promove um aumento de fluxo do sangue para o pulmão (hiperfluxo pulmonar). Os principais exemplos deste tipo de cardiopatia são: comunicação interventricular (CIV), comunicação interatrial (CIA), defeito do septo atrioventricular (DSAV) ou coxim endocárdico e persistência do canal arterial (PCA). Durante a infância, o cuidado deve ser atento ao desenvolvimento de distúrbios emocionais/psiquiátricos como o espectro autístico. Acredita-se que entre 18% e 39% de indivíduos com síndrome de Down estejam dentro do espectro autista. Tanto a síndrome de Down como o transtorno do espectro autista (TEA) podem ser deficiências complexas separadamente, no entanto, quando acontecem juntas, os desafios são multiplicados, o que pode ser bastante difícil. Já durante a vida adulta, os estudos demonstram que por volta dos 40 anos, quase 100% das pessoas com Síndrome de Down que morrem têm as alterações cerebrais características da Doença de Alzheimer. A proteína precursora amilóide, que dá origem ao fragmento - proteína amilóide tóxica (que forma as placas senis no cérebro e que danifica provavelmente as células cerebrais e as conexões existentes entre elas), está codificada no cromossoma 21. Uma vez que as pessoas com Síndrome de Down têm uma cópia extra do cromossoma 21, produzem 1.5 vezes mais proteína precursora amilóide do que as outras pessoas e isto parece resultar na tendência para a formação excessiva da proteína amilóide. Esta situação parece causar o aparecimento mais precoce das alterações cerebrais típicas da Doença de Alzheimer. Muitas crianças com SD nascem com anomalias congênitas e algumas podem representar risco e ameaça à vida. Cataratas congênitas ocorrem em cerca de 3% das crianças com SD. E se não for detectada e removida do olho, a criança pode ficar cega. No trato gastrointestinal ocorre o bloqueio do tubo alimentar (atresia do esôfago), uma ligação do tubo alimentar (esôfago) com o tubo de ar (traquéia); estreitamento da saída do estômago (estenose pilórica); bloqueio do intestino adjacente ao estômago (atresia duodenal); ausência de certos nervos em algumas partes dos intestinos (doença de Hirschsprung); ausência de abertura anal (imperfuração anal), e outras anomalias. Isso ocorre em cerca de 12% de crianças com síndrome de Down. As anomalias cardíacas congênitas ocorrem em cerca de 40% das crianças com SD. O problema que mais ocorre é na parte central do coração entre os orifícios nas paredes e entre as câmaras, e funcionamento anormal das válvulas cardíacasonde é denominado defeito do endocárdio ou canal atrioventricular. As crianças com SD apresentam frequentemente infecções respiratórias na infância e principalmente as que têm doenças cardíacas congênitas; infecções de ouvidos, e alguns adolescentes têm infecções de pele principalmente nas coxas e nádegas. Há relatos que descrevem o aumento de doença gengival em crianças com Síndrome de Down. Em 8% das pessoas com SD tem algum tipo de desordem convulsiva. Crianças entre 5 e 10 meses de idade tem espasmos infantis; e pessoas mais velhas podem desenvolver convulsões que pode associar-se a doença de Alzheimer. Também foi relatado em crianças com SD vários registros de apnéia do sono é devido a alguma obstrução no fundo da garganta, por amígdalas e adenóides grandes. 50% das crianças com SD têm dificuldades de visões, para ver de longe e 20% para ver de perto. Algumas crianças têm apresentado canais lacrimais obstruídos; algumas são vesgas (estrabismo); tem inflamação das pálpebras (blefarite); e às vezes movimentos rápidos de olho (nistagmo), algumas pessoas com SD podem desenvolver cataratas durante a vida adulta. 60% a 80% das crianças com SD apresentam déficits auditivos de leves e moderados ocasionando o aumento de cera (cerume) do canal auditivo, frequentes infecções de ouvido e às vezes tem problemas de drenagem da secreção do ouvido médio até a garganta, devido à infecções respiratórias superiores, congestão, adenoides grandes ou disfunção do tubo de Eustáquio (a ligação entre o ouvido médio e a garganta). Na maioria das pessoas com SD tem problemas de tireoide. A disfunção ocorre quando há o aumento do hormônio da tireóide (hipertireoidismo) ou quando está abaixo do hormônio da tireoide (hipotireoidismo). As anomalias esqueléticas são comuns, mas o que mais preocupa são os ligamentos que são facilmente estirados. A maioria das crianças com SD apresentam hiperextensão das articulações (junta frouxa ou dupla) e pode levar ao aumento de subluxações (deslocamento incompleto ou parcial) e deslocamento de joelho e quadril. EDUCAÇÃO Com base na teoria Bioecológica de Bronfenbrenner, temos que o desenvolvimento humano ocorre de forma contextual e com base em quatro núcleos dinâmicos e interconectados: a pessoa, o processo, o contexto e o tempo (Portes, Vieira, Crepaldi, More & Motta, 2013). Assim sendo, podemos afirmar a existência de uma relação sujeito-ambiente onde ambos se influenciam. Voltando para o contexto educacional, temos a escola como promotora de desenvolvimento dos alunos. Nesse sentido, foram desenvolvidas diversas estratégias visando atender às demandas dos alunos portadores de deficiência e/ou superdotação, de forma que hoje tem-se adotado uma perspectiva inclusiva, inserindo estes alunos no sistema de ensino regular com o objetivo de reduzir os estigmas voltados à essa população. A “inclusão escolar” é uma proposta fundamentada no conhecimento sobre ganhos em desenvolvimento pessoal e social provenientes da convivência na diversidade, aceitando que diferenças humanas existem e devem ser respeitadas. Trata-se de um processo de garantia de acesso imediato e contínuo da pessoa com necessidades especiais ao espaço comum da vida em sociedade, independentemente do tipo de deficiência do grau de comprometimento apresentado. Nesse sentido, busca-se uma intervenção junto às pessoas com deficiência e ações visando ajustar a sociedade para a convivência na diversidade. O modelo inclusivo busca não só inserir os alunos com necessidades especiais nas salas regulares, mas também uma adaptação das escolas às necessidades do mesmo de forma a dar subsídios para propiciar o acesso ao aprendizado e ao desenvolvimento nesse contexto (Rabelo, 2013). Assim sendo, temos que a responsabilidade pelo sucesso escolar de pessoas com necessidades especiais pertence a todo o contexto escolar. No Brasil, o Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014 aponta como sua quarta meta a universalização do acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Entretanto, o plano estabelece que a educação para os alunos com deficiência deve ser oferecida “preferencialmente” na rede regular de ensino, tornando o processo de adequação do ambiente acadêmico optativo para cada escola. Tal fato vai de encontro à Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, a Constituição federal e o texto que havia sido votado nas preparatórias, que estabelecem a universalização da educação básica para todas as pessoas entre 4 e 17 anos em escolas comuns – sem o atenuante do termo “preferencialmente”. Neste contexto, a criança portadora de Síndrome de Down (SD) ainda encontra barreiras ao acesso à educação na rede de ensino regular. Isso se deve ao fato de, no Brasil, ter ocorrido um processo inicial de integração não planejada seguido de uma inclusão incipiente, apontando para uma falta de planejamento e de apoio especializado. Além disso, o fato de nem todas as escolas estarem preparadas para atender às demandas dessa população pode transformar o ambiente acadêmico em um fator de risco, afetando diretamente no desenvolvimento desses alunos. Numa rápida pesquisa realizada no dia 20 de Junho de 2018 na base de dados SciELO utilizando as palavras chave (síndrome de down) AND (educação), foram encontrados apenas 20 artigos produzidos nos últimos 5 anos no país, sendo que apenas 1 apresentou foco nas possibilidades e desafios na inclusão escolar. Tal quadro aponta para uma necessidade urgente de se estudar o processo de inclusão escolar das pessoas portadoras de necessidades especiais. As limitações características da SD afetam o desenvolvimento do portador de forma que este processo ocorra de forma mais lenta, uma vez que “existe uma limitação na transmissão e comunicação em muitos dos sistemas neuronais” (Silva & Kleinhans, 2006). Essa limitação marca uma possível dificuldade no desenvolvimento da cognição, tornando ainda mais importante as relações do indivíduo com o meio. A falta de estímulos, tanto ambientais como dos pais e professores, influencia diretamente na capacidade do portador da SD em se desenvolver, de forma que a proteção em excesso voltada para o indivíduo pode limitar o alcance do desenvolvimento deste, além de aumentar o nível de dependência do sujeito. A dependência apresenta um risco para o desenvolvimento de toda e qualquer pessoa, uma vez que esta tende a gerar uma resistência no indivíduo a sair de sua zona de conforto e explorar novas interações. Assim sendo, quanto mais estimulada, de forma adequada, maiores as chances de a criança portadora dessa necessidade especial conseguir se adaptar às demandas do mundo externo. Nesse sentido, escolas especiais buscam trabalhar o aluno visando uma adequação do ambiente acadêmico de acordo com as necessidades apresentadas pelos alunos. Entretanto, o contexto acadêmico proporcionado não corresponde ao mundo real, afetando diretamente na relação entre o sujeito e o ambiente externo. Nesse sentido, estudos acerca da educação inclusiva vem mostrando que, com a presença de um profissional capacitado e com apoio tanto da escola quanto da família, estar inserido num meio mais próximo da realidade proporciona um desenvolvimento mais adaptado deste sujeito (Luiz, Bortoli, Floria-Santos & Nascimento, 2008). Com base nessas informações surge o questionamento: como adaptar o currículo acadêmico de forma a atender às necessidades dos alunos que apresentam necessidades especiais (como a SD) de forma que este possa avançar na escola junto aos outros alunos de sua mesma faixa etária? Atualmente, pesquisas vêm ressaltando a eficácia do trabalho interdisciplinar entre as áreas da educação e saúde, onde o desempenho do aluno portador de necessidades especiais é acompanhado também por profissionais das áreas médicas como a fonoaudiologia e fisioterapia.Outra forma relatada em artigos é a presença de um professor auxiliar capacitado em sala de aula, visando oferecer assistência à criança somente quando ela tiver necessidade (Luiz et al., 2008). Ainda existem poucos estudos sobre como tornar as escolas regulares em escolas inclusivas, de forma que ainda hoje temos percebido um processo mais voltado para a integração do que efetivamente uma inclusão dos alunos com necessidades especiais. Apesar de haverem demandas específicas, acredita-se que que uma educação de qualidade tem que ser adequada para todos, não apenas para a maioria. Nesse sentido, o desenvolvimento da consciência fonológica, por exemplo, vem sendo apontado como uma poderosa ferramenta para o desenvolvimento não só de alunos portadores de SD, como também de alunos que apresentam dificuldades na leitura (Azevedo, Pinto & Guerra, 2012). Um exemplo da eficácia do trabalho com a consciência fonológica se encontra no trabalho de Barby & Guimarães (2016). No artigo, as autoras apresentam uma pesquisa com intervenção com aporte teórico da psicologia cognitiva, onde foi organizado e aplicado um programa misto o qual foi composto por atividades voltadas para o desenvolvimento da consciência silábica e fonêmica, ensino dos nomes e sons das letras, e a leitura e escrita de palavras. Participaram da pesquisa cinco alunos com diagnóstico de SD, com idades entre 9 e 15 anos, sendo dois do sexo feminino e três do masculino. Tendo um delineamento intra sujeito, foram aplicados um pré-teste, um pós-teste depois de 40 sessões de intervenção e um segundo pós-teste no final das 75 sessões planejadas para a intervenção. Os resultados mostraram que, no pré-teste, os participantes apresentaram escores ligeiramente abaixo do referencial médio adotado (nível de desempenho correspondente a seis anos de idade para as crianças com desenvolvimento típico), mas que, no final da intervenção, apresentaram “maior média de pontuação nas designações por vocábulos usuais (DVU) e empregou menos processos de substituição (PS) que o grupo de referência” (Barby &Guimarães, 2016). Por fim, faz-se necessário ressaltar aqui que nas pesquisas de levantamento de dados para a produção do presente seminário não foram encontrados artigos sobre como é a entrada do aluno portador da SD no ensino médio e nem no ensino superior. É importante que pesquisas continuem sendo realizadas de forma a dar melhores condições para essa população se desenvolver, buscando gerar não só uma igualdade de direitos, mas de oportunidades para todos. Acredita-se que com o avanço das pesquisas pode haver um aumento no número de alunos com NE (não só SD) ingressando no ensino médio e até nos níveis superiores, mas cabe primeiro à sociedade se abrir para a vivência na diversidade. FAMÍLIA, LAZER E AUTONOMIA A formação da identidade de um indivíduo qualquer, tanto o dito normal quanto portador de alguma deficiência, seja essa intelectual ou física, é um processo complexo que se inicia no nascimento e se desenvolve através do somatório de todas as experiências vividas ao longo do tempo. A nossa autoimagem, ou seja, a concepção que temos de nós mesmos, é diretamente influenciada pela imagem que percebemos que os outros fazem de nós. Dessa forma, a relação com a família é o fator precursor desse fenômeno identitário, uma vez que o núcleo familiar é promotor e mediador das primeiras experiências do bebê com o mundo e também constitui as primeiras relações interpessoais estabelecidas, assim tornando-se, comumente, o vínculo mais duradouro ao decorrer da vida. Haja vista a relevância da estrutura familiar na formação pessoal, é válido inferir que a maneira como a família se organiza e atua na criação dos infantes é determinante para que haja um desenvolvimento satisfatório e saudável. Para tal, se faz fundamental o reconhecimento das dificuldades e limitações do sujeito, concomitantemente à descoberta e exploração das potencialidades individuais. Esses fundamentos criarão condições favoráveis por si só, de maneira universal e independente, para que desenvolvam qualquer aptidão, característica ou atributo. A família é a primeira instituição que deve se atentar para a formação do indivíduo, almejando sempre promover a preparação dele para a vida, possibilitando sua autonomia. Esse cenário não é diferente nos casos de crianças que nascem com necessidades especiais, como nos quadros de síndrome de Down. A superproteção, o zelo em excesso, podem propiciar uma educação com medo, o que muitas das vezes acaba infantilizando o indivíduo, tendo um efeito iatrogênico, distanciando essas pessoas da tão almejada autonomia e os tornando mais dependentes. Ao se falar em pessoas com síndrome de Down, as concebemos diretamente pelo rótulo “síndrome” que, no vocabulário médico, consiste em conjunto de sintomas e sinais que identifica uma condição patológica. Tal estereótipo deve ser quebrado, uma vez que esse estigma as impede de descobrir suas capacidades e ver o que é próprio, ou seja, característico delas mesmas. Logo, a identidade vai muito além de uma condição médica; ela diz respeito a toda uma história única, repleta de afinidades, medos, desejos e afetos, isto é, toda a subjetividade de um ser que não sucumbe mediante a um quadro clínico. O papel social que cada um desempenha em uma sociedade plural deve ser definido por características individuais, e não pelo grupo ou categoria em que são enquadrados. Sem negligenciar as limitações de cada um, a busca por autonomia – sendo entendida aqui como a capacidade de executar, sem a ajuda ou supervisão de outro, ações cotidianas básicas - deve ser o objetivo dos pais, considerando que a condição existencial de cada um é singular, e nem todos alcançarão os mesmos objetivos. Diferentes conquistas dependem de diferentes circunstâncias. Aspectos como autoconhecimento, habilidades pessoais, habilidades sociais, personalidade, e saúde tanto física quanto mental variam, porém, uma educação realista, responsiva e emancipadora, em todos os casos, terá um resultado sadio. Para que as famílias consigam oferecer essa autonomia, múltiplas medidas podem ser aplicadas em diferentes esferas da vida. Dentro desse escopo, se destacam como alternativas pertinentes o desenvolvimento de projetos na área do lazer e da prática de esportes. O lazer - ultrapassando aqui a dimensão lúdica - é essencial na vida de todos, funcionando como uma válvula de escape no cotidiano, e proporcionando bem-estar físico e mental. A prática de esportes pode ser um ingrediente diferenciador do desenvolvimento, facilitando a apreensão de conceitos básicos de socialização, como esperar a vez, trabalhar em equipe, respeitar os demais, aprender a ganhar respeitando o adversário e a perder. No que tange a psicomotricidade, o esporte pode ser elemento crucial para o desenvolvimento motor adequado, lembrando que habilidades motoras básicas servirão para a progressão de habilidades específicas futuras. Para a saúde de forma integral o hábito da prática esportiva promove o fortalecimento físico e o bom funcionamento do metabolismo. Em suma, é necessário sempre ter em mente que as limitações das pessoas com Síndrome de Down muitas vezes não são consequência do genótipo e sim do fenótipo, ou seja, da forma como o indivíduo é percebido em diferentes contextos, tanto familiar como nos sociais. CONCLUSÃO Através dos pontos destacados neste texto, abrangendo questões históricas, biológicas, de saúde, educacionais, sociais e lúdicas, é possível traçar um cenário mais realista a respeito da síndrome de Down, de sua vivência e suas vicissitudes. Ainda que as informações abordadas não sejam, por si só, suficientes, já ensejam a revisão do conceito comum de limitação extrema e incapacidade que assombram os indivíduos com síndrome de Down e também familiares. Na saúde, já contamos com uma grande evolução nos cuidados e no tratamento da síndrome de Down, visto que, mais do que uma questãode aparência, traz consigo diversas comorbidades que reduzem a expectativa de vida do sujeito. Muitos serviços de atendimento e cuidado tem se debruçado nesta causa, que exige atenção especial desde o pré-natal até a fase adulta e a velhice, tendo em consideração o agravamento acentuado no desenvolvimento das patologias comorbitantes. Além disso, vale o destaque para a evolução de políticas de apoio que vem sendo implementadas e que tem evoluído ao longo dos anos. Na educação inclusiva, o indivíduo pode sim ter seu lugar no ambiente escolar comum, tendo suas particularidades respeitadas e ainda ser um membro efetivamente integrado no contexto social e educacional. Inclusive, como já supracitado, há comprovações de que o treino cognitivo pode trazer benefícios no desenvolvimento do aprendizado e retenção escolar dos portadores de SD, alcançando um QI acima da média mínima. Todavia, mais estudos devem ser realizados, especialmente nos níveis médio e superior de educação, contemplando as pessoas com SD que permaneceram no sistema regular de ensino. Sobre a relação entre familiares e a autonomia, incluindo o lazer, é importante destacar a necessidade de se respeitar a individualidade de cada sujeito, pois, independente de quaisquer limitações em relação à curva normal da população, ainda é uma pessoa com seus direitos e subjetividades. É imprescindível que haja o fomento à autonomia, lazer e desenvolvimento de atividades que permitam com que o portador de SD experimente suas capacidades, descubra o mundo e tenha prazer em sua experiência, pois são necessidades humanas comuns à qualquer indivíduo. Por fim, todas as áreas que tangenciam a síndrome de Down carecem de mais pesquisas, especialmente de intervenções que tragam perspectivas de melhorias para a qualidade de vida geral do sujeito e das pessoas que o apoiam. Todavia, é possível perceber como a realidade de uma pessoa com SD é diferente do estigma comum, ainda que tenha sim suas particularidades e fatores limitantes. O mais importante é destacar que a SD não faz com que a pessoa seja menos humana, muito pelo contrário, exige de nós, mais respeito e solicitude no auxílio à superação de suas dificuldades para viva com dignidade e satisfação. REFERÊNCIAS Azevedo, Cinthia Coimbra de, Pinto, Cacilda Silveira, & Guerra, Leonor Bezerra. (2012). O desenvolvimento da consciência fonológica em crianças com Síndrome de Down pode facilitar a alfabetização e contribuir para a inclusão no ensino regular?. Revista CEFAC, 14(6), 1057-1060. Epub August 21, 2012.https://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462012005000069 Barby, Ana Aparecida de Oliveira Machado, & Guimarães, Sandra Regina Kirchner. (2016). Desenvolvimento de Habilidades Metafonológicas e Aprendizagem da Leitura e da Escrita em Alunos com Síndrome de Down. Revista Brasileira de Educação Especial, 22(3), 381-398. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-65382216000300006 de Down, Fundació Catalana Síndrome. (2009). Síndrome de Down. Hacia la tercera edad: retos y esperanzas. Recopilación de las ponencias de las IX Jornadas Internacionales sobre el Síndrome de Down. Barcelona: Fundació Catalana Síndrome de Down. Luiz, Flávia Mendonça Rosa e, Bortoli, Paula Saud De, Floria-Santos, Milena, & Nascimento, Lucila Castanheira. (2008). A inclusão da criança com Síndrome de Down na rede regular de ensino: desafios e possibilidades. Revista Brasileira de Educação Especial, 14(3), 497-508. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-65382008000300011 Moreira, L. M. D. A., El-Hani, C. N., & Gusmão, F. A. F. (2000). A síndrome de Down e sua patogênese: considerações sobre o determinismo genético. Revista Brasileira de Psiquiatria, 22, 96-99. Portes, João Rodrigo Maciel, Vieira, Mauro Luís, Crepaldi, Maria Aparecida, More, Carmen Leontina Ojeda Ocampo, & Motta, Cibele Cunha Lima da. (2013). A criança com síndrome de Down: na perspectiva da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, com destaque aos fatores de risco e de proteção. Boletim - Academia Paulista de Psicologia, 33(85), 446-464. Recuperado em 25 de junho de 2018, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-711X2013000200015&ln g=pt&tlng=pt. Silva, Maria de Fátima Minetto Caldeira, & Kleinhans, Andréia Cristina dos Santos. (2006). 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