Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Realização: Apoio:Execução: ` j v `j jv `v `jv h NMR|pçÅáåÉ=Å~êí~òKéÇÑ===N===NNLMVLOMNV===NQWPU Porto Alegre ANAIS DE TEXTOS COMPLETOS outubro 2019 8 a 11 UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos CAPA Gelson Pereira a partir de arte gráfica de Agexcom - Acrides Júnior PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Gelson Pereira a partir do tema criado por Agexcom - Acrides Júnior SÃO PAULO 1 a edição digital março de 2020 ANAIS DE TEXTOS COMPLETOS DO XXIII ENCONTRO SOCINE Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual – SOCINE © Socine - Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual S678a Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual - SOCINE (13., 2019: Porto Alegre, RS) Anais de Textos Completos do XXIII Encontro SOCINE [recurso eletrônico] / Organização edito- rial Angela Freire Prysthon... [et al.]. São Paulo: SOCINE, 2020. 1.250 p. Formato: E-book Tema: Preservação e memória de hoje. Evento realizado no período de 8 a 11 de outubro de 2019 na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS ISBN: 978-65-86495-00-3 1. Cinema. 2. Cinema brasileiro. 3. Cinema latino-americano. 4. Preservação da memória. I Título. CDD 791.43 Ficha Catalográfica elaborada por Morena Porto CRB 14/1516 Organização editorial Angela Freire Prysthon Ramayana Lira de Sousa Cristian da Silva Borges Fernando Morais da Costa Milton do Prado Franco Neto Diretoria Presidente • Angela Freire Prysthon (UFPE) Vice - presidente • Ramayana Lira de Sousa (UNISUL) Secretário acadêmico • Fernando Morais da Costa (UFF) Tesoureiro • Cristian da Silva Borges (USP) Secretário Executivo • Sancler Ebert Comitê Científico Alessandra Brandão (UFSC) Bernadette Lyra (UFES) Cezar Migliorin (UFF) Denize Araújo (UTP) Luciana Correa de Araujo (UFSCar) Maria Helena Costa (UFRN) Conselho Deliberativo Adriana Mabel Fresquet (UFRJ) Denise Tavares da Silva (UFF) Eduardo Tulio Baggio (Unespar) Erick Felinto (UERJ) Jamer Guterres de Mello (UAM) Karla Holanda (UFF) Lisandro Nogueira (UFG) Luíza Beatriz Amorim Melo Alvim (UFRJ) Marcel Vieira Barreto Silva (UFPB)Mariana Baltar (UFF) Milena Szafir (UFC) Osmar Gonçalves dos Reis Filho (UFC) Patrícia Moran Fernandes (USP) Pedro Maciel Guimarães Junior (Unicamp) Sheila Schvarzman (UAM) Representantes discentes Marcela D. de Oliveira Soalheiro Cruz (PUC-RJ) Wendell Marcel Alves da Costa (UFRN) Conselho fiscal Hadija Chalupe da Silva (UFF) Luiz Augusto Coimbra de Rezende Filho (UFRJ) Suzana Reck Miranda (UFSCar) ENCONTROS DA SOCINE XXIII 2019 Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Porto Alegre – UNISINOS) XXII 2018 Universidade Federal de Goiás (Goiânia – UFG) XXI 2017 Universidade Federal da Paraíba (João Pessoa – UFPB) XX 2016 Universidade Tuiuti do Paraná (Curitiba – PR) XIX 2015 Universidade Estadual de Campinas (Campinas – SP) XVIII 2014 Universidade de Fortaleza (Fortaleza – CE) XVII 2013 Universidade do Sul de Santa Catarina (Palhoça – SC) XVI 2012 Centro Universitário Senac (São Paulo - SP) XV 2011 Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro - RJ) XIV 2010 Universidade Federal de Pernambuco (Recife - PE) XIII 2009 Universidade de São Paulo (São Paulo – SP) XII 2008 Universidade de Brasília (Brasília – DF) XI 2007 Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (RJ – RJ) X 2006 Estalagem de Minas Gerais (Ouro Preto – MG) IX 2005 Universidade do Vale do Rio Dos Sinos (São Leopoldo – RS) VIII 2004 Universidade Católica de Pernambuco (Recife – PE) VII 2003 Universidade Federal da Bahia (Salvador – BA) VI 2002 Universidade Federal Fluminense (Niterói – RJ) V 2001 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Porto Alegre – RS) IV 2000 Universidade Federal de Santa Catarina (Florianópolis – SC) III 1999 Universidade de Brasília (Brasília – DF) II 1998 Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro – RJ) I 1997 Universidade de São Paulo (São Paulo-SP) COMISSÃO ORGANIZADORA - UNISINOS Prof. Ms. Milton do Prado Franco Neto Prof. Dra. Flavia Seligman Prof. Ms. Vicente Nunes Moreno Prof. Dr. Gustavo Daudt Fischer CONSELHO LOCAL Prof. Dr. Josmar Reyes Prof. Dra. Fatimarlei Lunardelli Prof. Ms. Giba Assis Brasil REALIZAÇÃO Socine Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos EXECUÇÃO Curso de Realização Audiovisual da Unisinos PPG em Ciências da Comunicação da Unisinos Escola da Indústria Criativa - Unisinos APOIO Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do RS (Fapergs) APOIO CULTURAL Cinemateca Capitólio Livraria Baleia EQUIPE Coordenador de produção: Patrick Arozi Assistente de Produção: Gabriela Burck Comunicação: Prof. Dr. Daniel Pedroso Produção exibição: Prof. Andre Sittoni e Prof. Maurício Borges de Medeiros Identidade Visual: Agexcom - Acrides Júnior Layout do site: Agexcom - Matheus Antunes Programação do site: Arthur Freitas Social Media: Thais Leidens Fotógrafa: Ana Schuster Técnico audiovisual e iluminação: Claiton Duarte e Rodrigo Barp Eventos Unisinos Porto Alegre: Andressa Duarte, Ana Alice Mei- reles e Vinícius Vargas Apoio: Setor de Apoio Unisinos Porto Alegre O tema do XXIII Encontro SOCINE, sediado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) de 08 a 11 de outubro de 2019 foi Preservação e memória hoje. O Brasil tem em sua história uma grande dificuldade de preservação da memória. O incêndio do Museu Nacional, mais antiga instituição científica do país, em setembro de 2018, aparece como um trágico símbolo de décadas de descaso institucional. O que falar então, da memória audiovisual, importantíssima como registro de imagens e sons há mais de um século? Algumas fontes indicam que cerca de 80% da produção do cinema não-sonoro foi totalmente perdida. Acervos pri- vados, arquivos de redes de televisão e até mesmo material sob guarda do Estado foram destruídos por incêndios, degradações derivadas do clima tropical, falta de percepção da importância de determinados ma- teriais e um longo etc. Os desafios da preservação passam por um grande esforço por parte de pesquisadores, técnicos e instituições, muitas vezes correndo para compensar o tempo perdido. No Brasil, a Cinemateca Brasileira, a Ci- nemateca do Museu de Arte Moderna e o Arquivo Nacional aparecem como as instituições principais de preservação e recuperação do acervo de cinema e televisão. Se o trabalho destas pessoas e instituições são pautados pela conservação do que foi criado no passado, urge, no en- tanto, o entendimento do que significa a Preservação e a Memória HOJE. Trata-se de uma discussão plural e transdisciplinar, que levanta ques- tões técnicas (como preservar a película e estar preparado para todas as demandas da preservação digital?), éticas (como definir prioridades de conservação em um imenso conjunto de obras deterioradas?), estéticas (como usar, recriar e ressignificar imagens de arquivo?), sociais (como promover e aumentar a difusão do acervo já preservado?), educacionais (como desenvolver e promover pesquisas que envolvam recuperação e preservação?) e políticas (como criar e fortalecer políticas públicas que implementem, permitam e mantenham o aperfeiçoamento nos mecanis- mos institucionais que trabalhem com preservação?). Em suma, as questões são muito diversas e o tempo não dá trégua. É certo que há iniciativas extremamente animadoras nos últimos anos, como do CineOP (Mostra de Cinema de Ouro Preto) que surgiu em 2006 com o propósito de tratar o cinema como patrimônio, da criação da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA), em 2008, e a inauguração da Cinemateca Capitólio, de Porto Alegre, em 2015. Porém, o certo é que preservar a memória audiovisual de um país é de suma im- portância para entendermos não somente como o Brasil se tornou o que é hoje, mas também para onde queremos ir. Hoje, mais do que nunca.18 Câmera e corpo no audiovisual político nos sites de redes sociais Adil Giovanni Lepri 26 A [Cinemateca], a escola e a universidade como espaços de preservação do cinema - diferentes experiências entre Brasil e México Adriana Fresquet 32 O espaço alegórico em filmes brasileiros do momento tropicalista Adriano Del Duca 38 A Fome, a guerra, a peste e a morte: cinema em Manaus durante a Grande Guerra Alan Gomes Freitas 45 Entre olhares: o fílmico, o teatral e o performático em Jean Genet Alex Beigui 52 Bomba de som e música: o discurso distópico de Branco sai, preto fica Alexandre Camargo Scarpelli 58 Preservação e memória na atuação do crítico-cineasta Fernando Spencer Alexandre Figueirôa 64 Cinema noir italiano: a (in) dependência de uma femme fatale clássica Alexandre Rossato Augusti 71 Cinema e direitos humanos como perspectiva educacional Alexandre Silva Guerreiro 77 Inferno de repetições: Glauber e Sganzerla em comparação Alexandre Wahrhaftig 83 Da pintura ao vídeo: a composição da imagem a partir de Kandinsky Aline de Caldas Costa dos Santos 92 Suzuki e a Trilogia Taisho - Fantasmas na pós-modernidade Aloísio Corrêa de Araújo sumário ANAIS DE TEXTOS COMPLETOS 98 Telenovela: do espelho ao retrato, do reflexo à memória Álvaro André Zeini Cruz 104 Subterrâneos do horror enquanto experiência em Amizade Desfeita 2 – Dark Web Ana Maria Acker Juliana Monteiro 111 Velo-Cine: uma fábrica de projetores no nordeste brasileiro André Huchi DIB 115 O afeto fantasma André Piazera Zacchi 120 O humano e o técnico em um só corpo: diálogos entre Simondon e Béla Tarr Andréa C. Scansani 126 Padrões de linguagem e identidade no filme Muleque té doido! (2014) Andréia de Lima Silva 132 “Let’s keep going”: O silêncio em Thelma & Louise (Ridley Scott, 1991) Andressa Gordya Lopes dos Santos 139 O registro e a invenção em A festa e os cães e Monstro Annádia Leite Brito 145 O espaço fora do lugar no filme Inferninho Arthur Lins 151 Sons do passado: relatos nostálgicos em paisagens sonoras fílmicas Breno Mota Alvarenga 157 30 anos de Línguas Desatadas: autobiografias de bixas pretas no cinema Bruno F. Duarte 164 O olhar fantasmagórico: aproximações entre a imagem do rosto em Robert Bresson e o pensamento da alteridade em Emmanuel Levinas Bruno Carboni Gödecke 171 O não lugar reconquistado nos espaços mínimos de Jia Zhangke Camilo Soares 176 Protagonismo Feminino No Cinema De Ficção Científica Carina Schröder 182 Nem fetiche, nem escatologia: crítica das imagens de squirting Carla Miguelote 188 THE CHALKROOM: sobre tecnologias imersivas de interação audiovisual Carlos Federico Buonfiglio Dowling 196 A narração em segunda pessoa e “Você” Carolina Amaral 202 O corpo como um lugar de memória em Teatro de Guerra, de Lola Arias Carolina Gonçalves Pinto 207 Luiza Maranhão: A mulher negra no prelúdio cinemanovista. Catarina de Almeida 213 Cinemas pós-coloniais e decoloniais em contextos de crise Catarina Andrade 219 Mulheres negras e imaginários sobre gênero e raça na recepção fílmica Ceiça Ferreira [Conceição de Maria Ferreira Silva] 225 Exibir cinema brasileiro na universidade: uma devolução? Cíntia Langie 231 Mulheres e found footage: aproximações Clara Bastos Marcondes Machado 237 À escuta de telefone sem fio, videoarte brasileira de 1976 Clotilde Borges Guimarães 244 Por um cinema líquido Cristiana Miranda 251 Circulação audiovisual e formação de público no interior da Bahia: a experiência do programa de extensão Imagina! Cristiane da Silveira Lima 257 A arte de narrar e o ato de fingir em Cópia Fiel Cristiane Moreira Ventura sumário ANAIS DE TEXTOS COMPLETOS 263 O impacto de procedimentos fotográficos na experiência cinematográfica Cyntia Gomes Calhado 268 Hiato fílmico e liberação narrativa em Lições de História Dalila Camargo Martins 273 Mitocrítica fílmica: uma proposta teórico-metodológica para a pesquisa em cinema Danilo Fantinel 280 Educação e Cinema: Tópicos sobre a produção presente no Catálogo da CAPES (1987-2016) Diogo José Bezerra dos Santos 287 Do ver juntos ao montar juntos Douglas Resende 293 Uma longa jornada: a caminhada, do literal ao expressivo Edson Pereira da Costa Júnior 299 Documentários de moradias estudantis: memória militante e retomada de imagens Eduardo de Souza de Oliveira 305 Tensões entre amadorismo e profissionalismo em instaséries Emilly Belarmino 312 O ressentimento da mulher caipira em Amélia (2000), de Ana Carolina Erika Amaral 319 Juliana Rojas e Marco Dutra: um lobisomem brasileiro no cinema Esmejoano Lincol França 327 Um gênero em (re)configuração: “melodrama de macho” em Praia do Futuro Everaldo Asevedo 333 O outro lado do vento: Orson Welles e a montagem da Nova Hollywood Fabiano Pereira 339 A chegada: tempo e história nas telas do contemporâneo Fabio Camarneiro 346 O espectador no cinema indígena: entre a mediação e o antagonismo Fábio Costa Menezes 352 Os race films e a resistência afro- americana no período silencioso Fabio Luciano Francener Pinheiro 358 A direita vai ao cinema: uma análise do filme 1964: entre armas e livros Fabio Silvestre Cardoso 365 Estratégias de Produção e Pós- produção de som em Baby Driver Fabrizio Di Sarno 371 O Pós-Dramático no Novíssimo Cinema Brasileiro Felipe Maciel Xavier Diniz 378 Três narrativas mínimas de Brígida Baltar Fernanda Bastos 384 Cinema, Educação e Psicologia: reflexões a partir de Jonas e o circo sem lona Fernanda Omelczuk 390 O Parque Exibidor no Interior da Bahia Contemporânea Filipe Brito Gama 396 O Fenômeno dos Filoni: Os Ciclos do Cinema de Gênero na Itália Gabriel Bueno Lisboa 402 Temporalidades narrativas: o presente autobiográfico Gabriel Kitofi Tonelo 408 A casa que Jack construiu em decomposição: entre agressão e crueldade Gabriel Perrone 414 O ônus da parcialidade em Santiago, Italia (Nanni Moretti, 2018) Gabriela Kvacek Betella 423 Trilhas “na nuvem”: música disponível para licenciamento audiovisual Geórgia Cynara Coelho de Souza 429 Edgard Navarro e o escracho da história Geraldo Blay Roizman 435 Bixa Travesty e o queerlombismo: a negritude trans no documentário Gilberto Alexandre Sobrinho 441 O Gestual do Malandro de Hugo Carvana na Pornochanchada Giovanna Durski Dal Pozzo 449 Cinema Experimental, Cinema Expandido, Documentário: entre o Arquivo e o Foundfootage Guiomar Ramos 455 A herança teatral na atuação no cinema: Toshiro Mifune em Rashomon Guryva Cordeiro Portela 461 Inovação na cadeia produtiva de filmes e séries ficcionais brasileiras contemporâneas Gustavo Padovani 467 Ex-pajé e as modulações no documentário Gustavo Soranz 471 Mulheres na direção: documentários de média- metragem no Brasil (1980-1989) Hanna Henck Dias Esperança 476 Coexistências plurais no cinema de Sissako Hannah Serrat de S. Santos 483 Em busca da amizade no cinema queer brasileiro contemporâneo: um encontro com Lembro Mais dos Corvos Haroldo Ferreira Lima 490 Cisgeneridade e Transgeneridade no Espaço físico do Cinemão Helder Thiago Maia 496 Enunciação personalizada e ramificações históricas Henri Pierre Arraes de Alencar Gervaiseau 502 Os limites documentais: ética e montagem em Santiago e Um Lugar ao Sol Houldine Nascimento e Silva 509 A Fotografia em Tempos de Alta Resolução - Os Contrausos da Nitidez Ian de Vasconcellos Schuler 515 Do grotesco ao antropofágico: corpos e rostos sganzerlianos Isabel Paz Sales Ximenes Carmo 521 Alain Resnais em defesa do realismo mental Isadora Meneses Rodrigues sumário ANAIS DE TEXTOS COMPLETOS 527 Os estratos do tempo em Sudoeste, de Eduardo Nunes (2011) Ismail Xavier 534 O movimento gráfico por camadas: animetismos de Hayao Miyazaki e Wesley Rodrigues James Zortéa Gomes 541 Horror cotidiano: O social e o político nos filmes brasileiros de horror Jéssica Patrícia Soares 547 Nuances poéticas na ficção televisiva infantojuvenil João PauloHergesel 554 Filiações monstruosas: corpo e comunidade em As Boas Maneiras João Victor Cavalcante 561 Temporalidade drag em Alegria de Viver (1958) de Watson Macedo Jocimar Dias Jr. 567 Doce Amianto e a não- normatividade sonora Joice Scavone Costa 574 Glauber // Welles Josafá Veloso 580 Remix 5.0: a interface em Echolocation José Wilker Carneiro Paiva 588 Acontecimento-fronteiriço: a linguagem no cinema de Trinh T. Minh-ha Julia Fernandes Marques 594 Hitler IIIº Mundo (1968) e pinturas de H. Bosch: o imaginário grotesco e da loucura. Juliana Froehlich 603 Denis, Conrad e Camus: o pessimismo do empreendimento colonial Juliana Soares lima 609 Como mensurar a ‘escrita de si’ no documentário? Laécio Ricardo de Aquino Rodrigues 615 Interseções entre Cinema e Pintura em Maria Antonieta de Sofia Coppola Laís Bravo Serra 632 Deslocamentos e errâncias: Chantal Akerman sob o olhar comparatista Larissa Veloso Assunção 639 O céu e a areia de Copacabana: onde residem a luz e a escuridão Leonardo Amaral 645 A atuação de Jean-Pierre Léaud em A morte de Luís XIV Leonardo Couto da Silva 651 Clémenti autor: sobreimpressão psicodélica, militância e… teoria? Leonardo Gomes Esteves 656 Cinema de som, faixas de frequência e arranjos audiovisuais nos filmes de sound system Leonardo Vidigal 663 Cinema de Heroínas: Olhares Críticos sobre Mulher Maravilha e Capitã Marvel Letícia Moreira Regina Gomes 669 Cinema e “Performance Art” Lisandro Nogueira Wertem Nunes Faleiro 672 O casal e as ruínas em Rossellini e Saraceni Livia Azevedo Lima 679 O circuito exibidor de Inconfidência Mineira (1948) no Rio de Janeiro Lívia Maria Gonçalves Cabrera 685 Imersão, games e experiência do espaço sonoro nos fones de Baby Driver Lucas Correia Meneguette 691 Vereda da salvação: estética e política no Brasil da década de 1960 Lucas dos Reis Tiago Pereira 697 Melodrama e sensibilidade gay em Praia do Futuro Lucas Hossoe 704 Jaulas pequenas, monstros gigantes: modos do horror cinematográfico Lucas Procópio Caetano 709 Charlie Chan e o whitewashing de detetives asiáticos em Hollywood Lucas Ravazzano 715 Trânsitos inquietos entre a dança e a tela: do cinema ao fenômeno Passinho Luciana Ponso 721 Cinema paranaense em revisão: relações históricas na Cinemateca do Museu Guido Viaro (Curitiba, 1975-1985) Luciane Carvalho 726 Como enganar um míssil teleguiado: Pedagogia farockiana Luís Flores 732 Localizando o western contemporâneo Luiz Felipe Baute 736 Os silêncios em Ossos (1997) Luiz Fernando Coutinho 742 Da alteridade à alterofobia: o outro no cinema latino-americano Luiz Todeschini 748 Relações entre o audível e o visível no cinema: o caso de Arábia Luíza Beatriz A. M. Alvim 754 Coutinho ator em “Últimas Conversas” Luíza Zaidan 760 A montagem para (re)construir, (re) encenar e (re)escrever a memória Luzileide Silva 767 Imagem, percepção e sensação: o cinema de Peter Mettler Lyana Guimarães Martins 772 Realidade Virtual e Audiovisual - Configurações da Imagem no Vídeo 360 Lyara Oliveira 778 Estratégias de desenvolvimento de roteiro, narrativa e personagens e o Realismo de Confronto em Boyhood e Entre os muros da escola Marcela Amaral 784 Entre versões de O Mysterio do Dominó Preto (1931) Marcella Grecco de Araujo 792 Filmar sem saber, filmar sem compreender, filmar para ver: a epifania dos arquivos abandonados e inacabados da Shoah Marcia Antabi 799 Visão em colapso: corpo e finitude entre Jarman e Saramago Marcia de N S Ferran sumário ANAIS DE TEXTOS COMPLETOS 804 O Encontro entre a Educação e o Cinema Novo na produção de O Parque Marcio Blanco Chavez 810 A contribuição dos elementos visuais no espaço fílmico de Seguindo em frente Mari Sugai 818 O narrador acousmêtre em Woody Allen Maria Castanho Caú 824 Historiografia da Dança no Cinema: análise fílmica no século XXI Maria de Lurdes Barros da Paixão 830 Superoutro ou memória de um cinema Maria do Socorro Carvalho 835 Cartografia cinematográfica e a identidade em Rio Doce/CDU Maria Helena Braga e Vaz da Costa 841 El documental autobiográfico y la preservación de la memoria histórica María Marcela Parada 848 Identidade de resistência no cinema de Nelson Pereira dos Santos: O caso de “Tenda dos Milagres” Maria Neli Costa Neves 853 O que pode o cinema? O que pode a educação? Rastros de um CineDebate Maria Paula P. S. Belcavello Wescley Dinali 860 Polarização e performance política no interior de Pernambuco Mariana Lucas Setúbal 865 Curadoria como exercício de cinema comparado Mariana Souto 871 A imagem como arma no trabalho de Rabih Mroué Mariana Teixeira Elias 877 Cruzamentos entre práticas sonoras em tempo real e em tempo diferido Marina Mapurunga de Miranda Ferreira 883 Mulheres em Narcos México e El Chapo (3ª temporada) Marina Soler Jorge 888 Super-8 e Cinemateca do MAM: a imagem como condensação de tempos Marta Cardoso Guedes 894 Manoel Clemente: memórias da direção de fotografia na Paraíba Matheus Andrade Fernando Trevas Falcone 900 Créditos falados: dos talkies ao cinema moderno Matheus Strelow 906 O Cine UFPel e a promoção da cinefilia a partir do cinema brasileiro Maurício Vassali 911 Memória e identidade na filmografia de Joaquim Pedro de Andrade Meire Oliveira Silva 917 Videodança: o sonho do cinema pulsante Michel Schettert 924 Os rostos, os olhos. O trecho Milena Travassos 930 Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, uma construção da memória Mili Bursztyn de Oliveira Santos Arthur Ribeiro Frazão 935 Cinema de baixo orçamento no Rio Grande do Sul e a economia da dádiva Miriam de Souza Rossini 941 Ladrões de cinema (1977) e a carnavalização do filme histórico. Míriam Silvestre Limeira 952 Expandindo as estratégias de convocação dos personagens no documentário argentino contemporâneo Natacha Muriel López Gallucci 958 A Margem: a poiésis da obra aberta de Candeias Natália Conte 966 A casa claustrofóbica de Chantal Akerman: Estilo e feminismo Natália Marchiori da Silva 972 Que “negro” é esse no Cinema Negro brasileiro? Natasha Roberta dos Santos Rodrigues 978 História e Nova História do Cinema Brasileiro: O Cinema Silencioso em Minas Gerais Nezi Heverton Campos de Oliveira 984 Corpos marginalizados em Branco sai, preto fica e Era uma vez Brasília Paloma Palacio 990 As potencialidades dos paratextos para a Teoria dos Cineastas Patricia de Oliveira Iuva 995 O trabalho coletivo e reconhecimento mútuo nos filmes de Helena Solberg Patricia Sequeira Brás 1001 Joan Jonas, do espelho ao vídeo Paula Nogueira Ramos 1007 Câmeras de vigilância e um novo regime de visualidades Paulo Souza 1014 “Bravo, Sr. Baez!”: O Brasil em The United Artists Around the World Pedro Butcher 1020 Sonhar não é reviver algo que é seu: traumatipo documentário Pedro Drumond 1026 Aparelho relacional Pedro Urano 1031 Leon Hirszman, 1969: popular e marginal Pedro Vaz Perez 1037 Vozes na cabeça: possibilidades da narração em voz-over no realismo imersivo Rafael Leal 1044 Sensório motor como coextensão do corpo personagem-espectador. Régis Orlando Rasia 1050 Fantasmas, rastros e memórias. 10 anos do filme de André Novais Richard dos Anjos Tavares 1054 Invenções e (re)existências em Cuauhtémoc e Mundo Incrível REMIX Roberto Ribeiro Miranda Cotta sumário ANAIS DE TEXTOS COMPLETOS 1060 CINE-PERFORMANCE: Montagens espaciais e temporais entre a PERFORMANCE CORPORAL & PERFORMANCE AUDIOVISUAL Roderick Steel 1073 O som em Game of Thones Rodrigo Carreiro 1079 H.O. o estado documental no cinema de invenção de Ivan Cardoso Rodrigo Corrêa Gontijo 1084 O Mal do Mal de Arquivo: entropia e neguentropia no found footage Rodrigo Faustini dos Santos 1090 La Parole Vivant – A declamação no cinema de Eugène Green Rogério Eduardo Moreira Pereira 1096 A direção de fotografia e a poética do espaço Rogério Luiz Silva de Oliveira 1103 Descolonizar do pensar e dasinfraestruturas Na Maré Profunda Ruy Cézar Campos Figueiredo 1109 Darwin na programação: Entre heroínas, cômicos, atualidades e seriados Sancler Ebert 1115 Timecodes e frame rates: uma trajetória do pulso cinematográfico Silvia Hayashi 1119 Construção audiovisual do espaço de criação de Deborah Colker em Starte Sofia Franco Guilherme 1126 “sentir, pensar e agir”: O fazer artístico-cinematográfico de mulheres indígenas no Brasil e na América Latina Sophia Ferreira Pinheiro 1131 O vestígio no cinema brasileiro contemporâneo: O caso Árido Movie (Lírio Ferreira, 2004) Tainá Xavier 1137 Pausa, espaço, encenação e performatividade na construção da imagem de dança Teresa Bastos 1146 O Mês do Filme Documentário: uma economia para documentários de acervos Teresa Noll Trindade 1152 Conversas ao pé do ouvido: vamos falar do museu de cinema? Thaís Lara 1158 Hiroshima Mon Amour: alegoria do esquecimento Thaís Itaboraí Vasconcelos - 1165 Mangue Bangue, filme-limite de Neville D’Almeida Theo Costa Duarte 1171 Exploração de exportação: o díptico de horror satânico de Fauzi Mansur Tiago José Lemos Monteiro 1177 2019 | 2049: a dialética cromática em Blade Runner Tiago Mendes Alvarez 1185 Expressão fílmica e estilo no cinema de Wigna Ribeiro Veruza de Morais Ferreira Sebastião Guilherme Albano da Costa 1192 Hiato 71: transições (in) visíveis na montagem elíptica de “Lawrence da Arábia” Vinicius Augusto Carvalho 1198 Relações dialéticas entre mães e filhas em Grey’s Anatomy Virgínia Jangrossi 1206 A produtora Sonofilms em comparação às suas contemporâneas argentinas Vitor Ferreira Pedrassi 1212 Audiovisualidades críticas: Discursos sobre o cinema no YouTube Brasil Wanderley de Mattos Teixeira Neto 1218 Descobrir a cena: a imagem subterrânea em Profondo Rosso Wellington Sari 1223 Narrativas audiovisuais e disputas culturais em busca do povo Wilq Vicente 1231 Atrações do cinema (de rua): multiusos, variedades e inovações Wilson Oliveira Filho Márcia Bessa [Márcia C. S. Sousa] 1236 Diversidade Videoclipe em Paraíso Perdido:anotações e memórias Wilton Garcia 1243 K. M. Eckstein: Uma biografia cinéfila entre a televisão alemã e o Cinema Novo Wolfgang Fuhrmann A di l G io va nn i L ep ri 18 Câmera e corpo no audiovisual político nos sites de redes sociais1 Camera and body in political videos on social networking sites Adil Giovanni Lepri2 (Doutorando – PPGCine/UFF) Resumo: O trabalho pretende realizar uma reflexão sobre o audiovisual de cunho político nos Sites de Redes Sociais. Os objetos giram em torno de vídeos realizados por movimentos políticos tanto à esquerda quanto à direita no espectro ideológico e são marcados por uma dimensão excessiva e sensacional, articulada a partir do próprio tecido fílmico. Através da noção de “câmera-corpo”, esses aspectos sensacionais do visível parecem se manifestar por meio da afetação de corpo e câmera de maneira conjunta. Palavras-chave: Excesso, Política, Sites de Redes Sociais, Sensacionalismo, Câmera-corpo. Abstract: This work intends to reflect on political videos on social netorking sites. The objects are videos made by political movements both on the left and on the right and are marked by a excessive and sensational dimension, articulated from the filmic tissue itself. Through the notion of “camera-body”, these sensational aspects of the visible seem to manifest by means of the body and camera afecting in a joint manner. Keywords: Excess, Politics, Social Networking Sites, Sensationalism, camera-body Introdução Este artigo parte da noção de que o discurso e o fazer político no contexto dos Sites de Redes Sociais (SRS) se colocam em um processo em que excesso, sensacionalismo e o espetáculo do visível são elementos centrais. A partir das reflexões de diversos autores pretende-se investigar a manifestação deste fenômeno mais especificamente no audiovisual que circula nestas plataformas. O registro em imagens de manifestações políticas não é exclusivo aos sites de com- partilhamento de vídeos. A tradição da filmagem e montagem de protestos e multidões já aparece de forma central no pensamento de Eisenstein (1983). A tensão máxima dos reflexos agressivos do protesto social em “Greve’ deriva do acú- mulo ininterrupto (sem satisfação) de reflexos, ou seja, da concentração dos reflexos da luta (elevação do tônus potencial de classe) (p. 200). 1 - Trabalho apresentado no XXIII Encontro SOCINE no ST Corpo, gesto e atuação. 2 - Doutorando e professor substituto da ECO/UFRJ. C âm er a e co rp o no a ud io vi su al p ol íti co n os s ite s de re de s so ci ai s 19 Essas imagens – em Eisenstein e nos SRS – trazem um aspecto que é essencialmente espetacular, e, neste trabalho, pretendemos dialogar de também com a questão de espetá- culo como inserida no pensamento de Debord (1967). Para o autor, o espetáculo é indivisível da sociedade a qual pertence e ao mesmo tempo engendra, está ligado ao modo de produ- ção de forma intrínseca e por isso é inescapável enquanto forma de reprodução sistêmica. O espetáculo então “(...) não é outra coisa senão o sentido da prática total de uma formação socioeconômica, o seu emprego do tempo. É o momento histórico que nos contém” (p. 27). Nesse sentido, no pensamento original de Debord está presente a noção de que “O espetáculo é o capital a um tal grau de acumulação que se toma imagem” (1967, p. 32). Essa articulação das imagens pode produzir autenticidade, que pode ser mais real que o próprio real, ou seja, “(...) podemos propor esta hipótese de que a imagem arde em seu contato com o real. Inflama-se, e nos consome por sua vez” (DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 208), em um jogo de ausência e presença através do que Mondzain (2009) chama de “encarnação”. Para a autora: A imagem é fundamentalmente irreal; sua força reside na sua rebe- lião contra se transformar em substância com seu conteúdo. Encar- nar é dar carne e não dar corpo. É agir na ausência das coisas3 (p. 29). Essa necessidade de se mostrar, se ver e dar a ver algo está presente no contexto dos SRS de diversas maneiras, em geral a partir de uma certa retórica do cotidiano, do usuário comum que possui uma marca de autenticidade no seu modo de agir perante à câmera. Si- bilia (2015) vai chamar isso de performance, e, sem entrar em minúcias sobre a palavra e o conceito, pretendemos aqui dialogar com o que este modo expressivo tem em comum com o audiovisual enquanto ferramenta política na contemporaneidade. Para a autora: Algo é evidente, porém: se esses cobiçados olhos que (me) olham jamais comparecerem, não haveria performance alguma. Tudo isso leva a formular uma conclusão inquietante, embora óbvia: somente se performa para o olhar alheio (p. 359). O que parece relevante para a discussão em questão é este convite, este endereça- mento ao espectador, essa chamada ao vislumbre através de uma espetacularização da própria vida. O lugar do corpo na equação que produz as imagens em questão é fundamental en- quanto elemento de enunciação. Embora a noção de “câmera-corpo” já tenha sido trabalha- da por Vieira Jr. (2014) e Silva (2013) a partir de um certo tipo de cinema contemporâneo, aqui deseja-se pensar este fenômeno por outro viés. Os autores propõem a “câmera-corpo” como uma entidade em si, ligada à apreensão das sensações em quadro: “Daí pensarmos numa ‘câmera-corpo’, em estado de ‘semiembriaguez’, a apreender sensorialmente a inten- sidade da experiência que captura, possibilitando uma mediação pulsante junto ao especta- dor contemporâneo” (p. 1223). O olhar da objetiva para os corpos e objetos em tela está em 3 - The image is fundamentally unreal; its force resides in its rebellion against becoming substance with its con- tent. To incarnate is to give flesh and not to give body. It is to act in the absence of things.” A di l G io va nn i L ep ri 20 um lugar privilegiado na reflexão, buscandoa ativação das sensações e do sentir a partir dos “[...] transbordamentos de um mundo que é pura mobilidade e fluidez, um “aqui-e-agora” no qual cineasta, espectador, câmera e atores estão imersos e também em movimento” (Ibi- dem). Para Vieira Jr. a centralidade está na visualidade, na textura dos objetos e corpos em cena e na proximidade desta câmera a eles. Silva (2013), por sua vez, defende uma câmera que se coloca como uma entidade com agência, que transita pelo espaço fílmico de forma ativa. Embora estas importantes reflexões sejam fundamentais para uma compreensão da relação entre dispositivo cinemático e sensações, aqui deseja-se seguir por outro caminho e analisar objetos de outra natureza. A discussão de câmera-corpo neste trabalho está mais próxima da noção conforma apresentada por Lima (2017), em relação à tradição de Dziga Vertov (1985) e do cine-olho. A articulação da câmera-corpo em vídeos de manifestações das chamadas Jornadas de Junho de 2013 no Brasil se apresenta no trabalho do autor como um resgate da tradição de Vertov. Nessa reflexão a câmera e o corpo se confundiriam, se mesclariam e se afetariam em conjunto, no contexto das manifestações. Para o autor então a neutralidade do registro se torna impossível, já que o próprio ato de filmar é também um ato político, um ato de se afirmar enquanto sujeito e de produzir um discurso político, mesmo que apenas através de imagens. Resgatar a tradição do cine-olho de Vertov então parece importante e apropriado para construir essa noção de câmera-corpo. O cine-olho se apresenta, a partir do pensamento de Vertov, como um dispositivo que revela, descobre e mostra o mundo: “Eu sou o cine-olho, eu sou o olho mecânico. Eu, uma máquina, mostro a você o mundo como só em posso ver.”4 (VERTOV, 1985, p. 17), a visão da máquina cine-olho então desnudaria a fraqueza do olho humano frente ao dispositivo cinemático, “1. Cine-olho, desafiando a representação visual do olho humano do mundo e oferecendo a seu próprio ‘eu vejo’ (...)”5 (Idem, p. 5). Revelando então a potência deste dispositivo. A fraqueza do olho humano é manifesta. Nós afirmamos que o ci- ne-olho, descobrindo dentro do caos do movimento o resultado do seu próprio movimento; nós afirmamos o cine-olho com suas pró- prias dimensões de espaço e tempo, crescendo em força e potencial ao ponto de autoafirmação6 (Ibidem, p. 16). O propósito do cine-olho então é revelar o escondido, a verdadeira natureza das coi- sas, dar autenticidade ao dissimulado: “Cine-olho como a possibilidade de fazer o invisível visível, o não claro claro, o escondido manifesto, o disfarçado revelado, o atuado não-atua- do; transformando falsidade em verdade.”7 (Ibidem, p. 33). 4 - “I am kino-eye, I am a mechanical eye. I, a machine, show you the world as only I can see it.” 5 - “1. Kino-eye, challenging the human eye’s visual representation of the world and offering its own ‘i see’” 6 - “The weakness of the human eye is manifest. We affirm the kino-eye, discovering within the chaos of move- ment the result of the kino-eye’s own movement; we affirm the kino-eye with its own dimensions of time and space, growing in strength and potential to the point of self-affirmation. “ 7 - “Kino-eye as the possibility of making the invisible visible, the unclear clear, the hidden manifest, the disguised overt, the acted nonacted; making falsehood into truth.” C âm er a e co rp o no a ud io vi su al p ol íti co n os s ite s de re de s so ci ai s 21 O que se deseja construir aqui é que esta câmera seria então uma extensão do corpo de quem filma, não necessariamente se confundir com este corpo, mas sobretudo fazer parte dele, se afetando junto principalmente no interior das manifestações. A questão da técnica parece importante na equação, já que o avanço dos dispositivos de filmagem pos- sibilita, e talvez condiciona, a existência desta “câmera-corpo” nos objetos aqui analisados. Para além da articulação da câmera a partir de um corpo em protesto que a opera, parece central a capacidade de usar o dispositivo – exaltado enquanto atração cinemática – para filmar a si neste mundo das imagens e no contexto de manifestação. O uso do dispositivo como ferramenta de produção de testemunho nesse sentido então coloca em destaque não só a afetação da câmera junto com o corpo através do movimento e dos tremores que vem junto com esta operação voltada para si. Mas também através da captação de um som di- reto que vai conferir autenticidade às imagens na medida em que traz os ruídos típicos dos momentos de protesto e sobretudo a partir de uma afetação própria em conjunto com o corpo, quando, nos momentos de confusão e violência o dispositivo se arrasta e choca com os corpos em movimento, produzindo ruídos especificamente corpóreos e sensoriais. A noção de “câmera-corpo” que se propõe aqui carrega uma dimensão pervasiva, con- vidativa, de ligação direta entre espectador e obra/autor. Pretende-se analisar em seguida a partir de exemplos concretos essa particularidade, que, embora esteja inscrita em uma série de tradições e matrizes excessivas que privilegiam o mostrar e o sentir, emerge de forma diferente no contexto estudado. Análise fílmica O primeiro exemplo é do canal “Mamãe, Falei”, ligado ao Movimento Brasil Livre (MBL e carrega o título de “Manifestação Depoimento Lula – Curitiba”.8 O vídeo traz Arthur Do Val, o youtuber, que vai até Curitiba acompanhar uma manifestação a favor do ex-presi- dente Lula ocorrida quando da realização de seu depoimento para o então juiz Sérgio Moro em 2017. O usual expediente de Do Val da busca da contradição é realizado aqui de forma reiterada, com ele buscando militantes que parecem menos esclarecidos a fim de revelar desconhecimento da causa e das bandeiras da manifestação. Em 4’36’’ o youtuber se encontra em uma situação de hostilidade por parte dos mani- festantes, que entoam o grito “fora MBL”, observados por Do Val em primeiro plano e pelo espectador em conjunto, encarado repetidamente pelo youtuber que olha várias vezes di- retamente para a câmera. Nesse momento a câmera é atingida, sem aviso, por um militante que está fora de quadro. 8 - <Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Sls_T-bb3Gc> Acesso em 20/07/2018. https://www.youtube.com/watch?v=Sls_T-bb3Gc A di l G io va nn i L ep ri 22 Figuras I e II: Frames do vídeo “Manifestação Depoimento Lula – Curitiba” (Arthur do Val) Num primeiro momento há um choque com o golpe na objetiva e em seguida, como já padronizado na maioria dos vídeos da série “Manifestações”, o acontecimento é mostrado por outro ângulo, onde se vê o manifestante que atinge a câmera. Do Val então começa a correr dos militantes que o hostilizam e sobretudo daquele que bateu em sua câmera. O iní- cio da corrida é repetido, pelo mesmo ângulo, mas da segunda vez em câmera lenta, o som é afetado junto com a imagem e para além da lentidão dos quadros há a diminuição na ve- locidade das ondas sonoras que deixa a pista de som mais grave, exacerbando aquela vista sensacional. Do Val continua a correr se afastando da câmera e perseguido pelo militante, este acontecimento é então mostrado novamente pelo ângulo da câmera vestimenta que o youtuber carrega, balançando conforme o ritmo da corrida e produzindo sons que destacam o arrastar da câmera nas roupas de Do Val e em seu corpo e o ruído do vento incidindo so- bre o microfone do dispositivo. C âm er a e co rp o no a ud io vi su al p ol íti co n os s ite s de re de s so ci ai s 23 Figura III: Frame do vídeo “Manifestação Depoimento Lula – Curitiba” (Arthur do Val) Parece então haver, no contexto dos exemplos analisados, a articulação do que se propõe aqui como câmera-corpo, que faz extrapolar o caráter espetacular e sensorial destes momentos. Estas vistas sensacionais inseridas no interior do tecido fílmico marcado por um caráter detestemunho e intervenção amplificam os acontecimentos registrados e fazem do corpo e da câmera instrumentos de identificação a partir de um constante endereçamento ao espectador. As transmissões ao vivo de manifestações são vídeos ocorrem de forma reiterada nas páginas dos movimentos políticos, em particular o movimento Mídia Ninja. Um exemplo que se destaca é uma transmissão feita em julho de 2018 retratando uma manifestação pela li- berdade do ex-presidente Lula na frente da carceragem onde ele se encontra preso em Curi- tiba.9 Esta transmissão é feita pela página do Facebook da Mídia Ninja e começa com uma pequena multidão entoando um canto de apoio ao ex-presidente, a câmera segue durante mais de 40 minutos a transitar por dentro e pelas imediações desta manifestação, criando uma série de momentos de vistas sensacionais e ligados esteticamente a manifestação do regime de atrações discutido aqui em outros exemplos. Estes corpos em cena se afetam e a câmera por vezes se afeta junto, em uma articulação particular da noção de câmera-corpo aqui trabalhada. 9 - <Disponível em: https://www.facebook.com/MidiaNINJA/videos/1201042456720564/> Acesso em 15/07/2018. https://www.facebook.com/MidiaNINJA/videos/1201042456720564/ A di l G io va nn i L ep ri 24 Figura IV: Frame do vídeo sobre a manifestação pela liberdade de Lula em julho de 2018. (Mídia Ninja) É como se a sensação contagiasse o dispositivo e este não fosse apenas um objeto técnico alheio. Embora pretenda-se afirmar a presença destas características neste audio- visual o que parece claro neste tipo de formato é que, a partir da longa duração do fluxo de imagens e de um caráter testemunhal importante, há a articulação de outras formas de narrar que não só essas relatadas há pouco. Por entre estes momentos de caminhada e de afetação da câmera há a contínua narração do “ninja” que a opera, dando informações im- portantes e reiterando fatos periodicamente a fim dar conta do fluxo de saída e entrada de espectadores da transmissão. É presente de forma periódica na maior parte destes audiovi- suais também alguns momentos de depoimentos de militantes presentes na manifestação, oferecendo eles o seu testemunho e destacando a sua presença corpórea naquele espaço. A partir dessa observação postula-se a hipótese da presença do que chamo de câme- ra-corpo, que se diferencia de outras proposições no mesmo sentido ao mesmo tempo que dialoga com uma série de apontamentos conceituais feitos por outros autores investigando outros tipos de objetos. Essa câmera-corpo então aparece na pesquisa como uma forma própria de realizar o registro audiovisual que entende a máquina “câmera” como uma exten- são do corpo de quem filma, se afetando em conjunto. Referências DA SILVA, C. V. “Como organizar bons encontros? Sobre os afetos e os corpos em Shara, de Naomi Kawase.” Passagens, v. 4, n. 1, 2013. DEBORD, G. A sociedade do espectáculo. 1967. DIDI-HUBERMAN, G. “Quando as imagens tocam o real.” PÓS: Revista do Programa de Pós- -graduação em Artes da EBA/UFMG, v. 2, n. 4, p. 206-219, 2012. EISENSTEIN, S. A Montagem de Atrações. In XAVIER, Ismail. A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983. GAINES, J. “Political mimesis”. In Collecting visible evidence, 1999, 6: 84-102. C âm er a e co rp o no a ud io vi su al p ol íti co n os s ite s de re de s so ci ai s 25 LIMA, R. Robalinho.Cartografia das imagens ardentes: imagens, política eprodução subjetiva nos protestos de junho de 2013.Tese (Doutorado) - Universidade Federal Fluminense. Ni- terói, 2017. MONDZAIN, M. “Can images kill?”. Critical Inquiry, v. 36, n. 1, p. 20-51, 2009. SIBILIA, P. “Autenticidade e performance: a construção de si como personagem visível.” Fronteiras-estudos midiáticos, v. 17, n. 3, p. 353-364, 2015. VERTOV, D. Kino-eye: the writings of Dziga Vertov. Berkeley: University of California Press, 1984. VIEIRA JR, E. “Por uma exploração sensorial e afetiva do real: esboços sobre a dimensão háp- tica do cinema contemporâneo.” Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, 2014, 21.3. A dr ia na F re sq ue t 26 A [Cinemateca], a escola e a universidade como espaços de preservação do cinema - diferentes experiências entre Brasil e México1 The Cinematheque, the school and the university as spaces for the preservation of cinema - different experiences between Brazil and Mexico. Adriana Fresquet2 Faculdade de Educação - Universidade Federal do Rio de Janeiro/ DIE-CINVESTAV (Mexico/DF) Resumo: Imagine uma cinemateca que atualiza a preservação do seu acervo fazendo 5 có- pias em 4k de cada fotograma dos seus filmes. Imagine agora um governo receber de mãos de cineastas e preservadores um Plano Nacional de Preservação Audiovisual e não dar ne- nhum tipo de retorno durante quatro anos. Que países são esses? Que políticas públicas fazem isso possível? Como fazer para que o património audiovisual nacional preservado circule pelas escolas públicas do pais? Palavras-chave: cinema, cinemateca, escola, preservação. Abstract: Imagine a cinematheque which updates its collection with five 4k copies of every movie photogram. Now, imagine a government that received a national audiovisual preser- vation plan, idealized and made by filmmakers and preservers. During four years the same government stayed silence and didn’t respond to the plan’s proposal. Which country is this? Which public policies made that possible? How to make national audiovisual patrimony cir- cle through public schools over the country? Keywords: cinema, cinematheque, school, preservation. A seguir, apresento parte do percurso da pesquisa de pós-doutorado cartografando políticas e pedagogias do cinema e da educação na escola, mas focando na relação referida no título. Em 1927, se estabelece o Instituto Internacional de Cinema em Educação de Roma (IICE) e México concebe o cinema como uma ferramenta educacional. O relacionamento do México e do Brasil com o Instituto de Roma, faz parte de um projeto de cooperação in- ternacional sem precedentes. O México colaboraria de maneira muito irregular com o IICE, 1 - Trabalho apresentado no XXIII Encontro SOCINE na primeira sessão do SEMINÁRIO CINEMA E EDUCAÇÃO. 2 - Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordena o grupo CINEAD/ LECAV. É membro fundador da REDE KINO: Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual. A [ C in em at ec a] , a e sc ol a e a un iv er si da de c om o es pa ço s de p re se rv aç ão d o ci ne m a - di fe re nt es e xp er iê nc ia s en tr e B ra si l e M éx ic o 27 apesar dos benefícios que o projeto de cinema italiano poderia oferecer. A construção de uma nova ordem internacional não descartou os problemas intelectuais presentes no final da Primeira Guerra Mundial. O processo evolutivo do sistema internacional imediato ao conflito também envolveu a criação de organizações com objetivos científicos e culturais ambiciosos de estatura internacional. A instituição romana, juntamente com o Instituto Internacional de Cooperação Intelectual de Paris, criado em 1924, constituiu o pilar da cooperação científica e intelectual da principal organização do período entre guerras: a Sociedade das Nações. Anos depois, a UNESCO se beneficiaria dessa primeira experiência de cooperação internacional e se baseariam nos fundamentos feitos por ambas as instituições. O IICE respondeu a uma preocupação internacional compartilhada pelos 32 países e pelas 12 associações internacionais que em 1926 compareceram ao Congresso Internacio- nal de Cinema de Paris, convocado pela comissão internacional de cooperação intelectual. As recomendações finais do Congresso, que interessam a este estudo, foram: melhorar a produção de filmes do ponto de vista intelectual, artístico e moral; fazer filmes de ensino e educação social; relacionar o cinema com outrasmanifestações artísticas; e, finalmente, estabelecer um escritório internacional de cinema. A Itália, como a França havia feito em 1924 diante da preocupação intelectual e científica internacional, ofereceu seu patrocínio para estabelecer uma instituição em Roma de acordo com as necessidades do Congresso Internacional de Cinema. Na empresa do Instituto de Paris, a nova instituição italiana forta- leceria a surpreendente rede de organizações multilaterais ligadas à Sociedade das Nações em quantidade e qualidade. Existe um documento intitulado “O cinema da educação e do ensino no Brasil” e pode ser lido na revista correspondente ao mês de junho de 1933. Um decreto de 21 de abril reagrupa em um único texto sob o nome do código edu- cacional, as disposições em vigor no estado de São Paulo em relação à educação, do qual reproduzimos dois artigos: 121. O Serviço de Rádio em Cinematografia Educacional visa a beneficiar a escola dos avanços na técnica de rádio e cinematografia. 122. Corresponde ao chefe deste serviço: organizar uma biblioteca de filmes e con- figure uma coleção de filmes e visualizações fixas; fornecer instalações de dispositivos de projeção de luz e dispositivos de rádio; formar os programas de projeção; dar uma orienta- ção educacional e instrucional para projeções fixas e animadas; dirigir e incentivar o ensino no rádio; monitorar e verificar os efeitos da censura, filmes espetaculares, discursos, confe- rências, palestras e transmissões de rádio (HERRERA LEÓN, 2008). Porém, a presença do cinema na escola começou a se sistematizar fundamentalmente em 1936, quando foi criado o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), por Roquete Pinto, que levou o cineasta mineiro Humberto Mauro a produzir filmes pedagógicos fortemente orientados pelo currícu- lo escolar e entrando com toda força nas políticas escolanovistas da época. Dando um salto no tempo, destaca-se a importância que teve nessa história de cinema e educação o Secretariado para América Latina da Organização Católica Internacional do Cinema (SAL-Ocic) que se fixou em Lima, Peru. Seu primeiro informativo noticia a existência A dr ia na F re sq ue t 28 das atividades do apostolado cinematográfico católico no Brasil, México, Argentina, Repú- blica Dominicana, Chile, Venezuela e Panamá, alguns países já com suas oficinas nacionais em funcionamento e outros em implantação. Entre suas atividades estão a classificação moral de filmes, a criação, organização e manutenção de cineclubes, cinefóruns, festivais, premiações, exposições, conferências em colégios católicos e estatais, a realização de filmes etc. O SAL-Ocic manteve importante relação com o apostolado oficial brasileiro, o que foi fundamental para a implantação no Brasil, em 1970, do Plano de Educação Cinematográfica de Crianças, o Plan Deni, que nasceu dentro da Central Católica de Cinema (SAEZ, 1986). A relevância desses dados se referem ao surgimento do CINEDUC, quem e 2020 completa 50 anos e ainda desenvolve projetos educativos com cinema. Dessa mesma época data também o nascimento das cinematecas no México e no Bra- sil. A Cineteca Nacional, é inaugurada em 1974 e suas missões foram preservar a memória cinematográfica nacional e mundial e promover a cultura cinematográfica. Em 2011, o Con- selho Nacional de Cultura e Artes (Conaculta) promoveu a modernização e expansão das instalações e espaços públicos da Cineteca Nacional. A partir de 2014, a Cineteca Nacional, com o objetivo de enriquecer a cultura cinematográfica e contribuir para a formação de pú- blicos e espectadores, foi criado o Departamento de Extensão Acadêmica, responsável pela organização de graduados, cursos, seminários, cadeiras e oficinas ministradas. por especia- listas na sétima arte. Voltando ao Brasil, poderíamos falar de várias cinematecas, mas vou me referir apenas à Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro foi fundada oficialmente em 1955, com o nome de Departamento do Filme do MAM e cumprindo a determinação original do museu de incorporar o cinema ao arco de exposição/exibição das expressões artísticas modernas. Ao longo de seis décadas de existência o setor estruturou-se em arquivo de fil- mes, centro de documentação correlata e sala de exibição audiovisual dos diferentes supor- tes, formatos, bitolas e padrões que o cinema e as demais formas de imagens em movimento assumiram ao longo do tempo, cobrindo película, magnético e digital. A história da Cinema- teca compreende um vasto número de iniciativas em termos de mostras, festivais, progra- mas itinerantes, programação de salas comerciais, apoio à produção e finalização de filmes, coleta, conservação, recuperação e restauração de títulos brasileiros e estrangeiros, cursos, atendimento a pesquisas, principalmente de graduação e pós-graduação, realização de ex- posições documentais, colóquios, encontros, seminários e debates, formação de plateias e desenvolvimento de projetos pedagógicos, sem falar em pré-estreias de filmes, lançamento de livros, exibição de filmes silenciosos acompanhados de música ao vivo e performances interativas (HEFFNER, 2012). Do ponto de vista dos vínculos pedagógicos, a Cinemateca do México cede seu es- paço para aulas do curso de cinema da Universidade de Guadalajara e uma programação conjunta com a Coordinación Nacional de Literatura sobre cinema e adaptação literária, mas carece de projetos institucionais de formação docente e de exibição de filmes para escolas, exceto por iniciativas particulares tais como a Linterna Mágica ou La Matatena. Nos finais A [ C in em at ec a] , a e sc ol a e a un iv er si da de c om o es pa ço s de p re se rv aç ão d o ci ne m a - di fe re nt es e xp er iê nc ia s en tr e B ra si l e M éx ic o 29 de semana oferece uma sessão matine para crianças. A dimensão radicalmente pedagógica está no objetivo institucional: “que a população en general conheça com oportunidade a ampla oferta de qualidade, tanto nacional como internacional que programa la Cineteca”. No Brasil, longe de investimentos significativos para preservar e divulgar seu cinema, existem programas e parecerias pedagógicas em diferentes cinematecas, São frequentes as aulas de universidades públicas nas suas salas. Porém, isso não torna acessíveis os recursos audiovisuais nacionais para qualquer pessoa. A maioria dos municípios brasileiros não tem sequer acesso a salas de cinema. Uma bela iniciativa para agilizar a circulação da produção audiovisual nacional foi a Programadora Brasil (PB). Programa estratégico da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, entre 2006 e 2013, juntamente com a Cinemateca Brasileira e o Centro Técnico Audiovisual (CTAv) construiu um catálogo com 970 filmes e vídeos de todas as regiões do país, organizados em 295 programas (DVDs), apresentando a diversidade e a possibilidade de conhecimento sobre o cinema brasileiro. À promessa do conjunto de filmes em formato DVD virar o início de uma plataforma on line se somava a esperança do Ministério de Comunicações garantir uma banda larga que abraçasse todo o pais. Promessas diluídas, kits esquecidos, apagados ou destruídos com o impeachment e a dissolução do Ministério de Cultura nos fazem sentir uma forte regressão. Ainda em 2015 a Associação Brasileira de Preservação Audiovisual entregou em mãos dos responsáveis pela Secretaria do Audiovisual um Plano Nacional de Preservação Audiovisual que completará 4 anos de estrondoso silêncio. No Rio, o MAM tem vários convênios com universidades, fun- damentalmente com o curso de cinema na UFF e de educação na UFRJ para a realização de atividades de pesquisa, ensino e extensão. Como política pública merece destaque o projeto de lei que obriga as escolas a exibir duas horas de cinema nacional por mês como carga curricular complementar e que veio ser sancionado como a lei 13006 em 2014. Em 2015,foi criado um Grupo de Trabalho “Cinema na escola” com o propósito de elaborar uma proposta para regulamentação e encaminhá-la para o Conselho Nacional de Educação. Este GT foi de caracter inter-ministerial, no âmbito do Ministério da Cultura e do Ministério da Educação e cinco membros da sociedade civil com o objetivo de elencar os principais tópicos a serem estudados para que a Lei conseguisse chegar a todas as escolas do Brasil de maneira orgâ- nica e com sucesso. O GT ficou composto pelos subgrupos de “formação docente”, “acesso” e “fomento”. Desse processo surgiu um denso texto constituído por reflexões, princípios e propostas a curto, médio e longo prazo, que foi apresentado e entregue ao Conselho Nacio- nal de Educação em 04/05/16, mas até hoje não entrou em pauta. Já em relação ás escolas mexicanas, não existem políticas públicas relativas ao cine- ma e seu currículo não contempla atividades para nenhum dos seus níveis. Porém, existe um movimento importante que vem capilarizando e contaminando a vida escolar nas suas mais diversas manifestações. O cinema está efetivamente chegando às escolas graças aos movimentos de cinema comunitário, como por exemplo com o Coletivo Spora, que hoje já derivou em uma produtora, formada por estudantes de antropologia, sociologia, comunica- ção e arquitectura. O coletivo surge quando assume a presidência de México Enrique Peña Nieto, em dezembro de 2012 e anuncia as 5 grandes reformas estruturais. Num marco de A dr ia na F re sq ue t 30 descontentamento social causado pela corrupção do estado, o narcotráfico, a privatização e usurpação de recursos de recursos naturais e a criminalização da protesta social; profes- sores, estudantes, pais e mães de família e a sociedade em geral realizam ações em apoio ao movimento magisterial nacional se opondo à Reforma Educativa e demais reformas estrutu- rais, políticas neoliberais ditadas por organismos e empresas multinacionais aprovadas pelo governo mexicano durante a administração de Peña Nieto. As implicações dessa reforma para a vida universitária y para a educação em geral eram nefastas. Alguns dos estudan- tes do coletivo também faziam parte do Sindicato Nacional de Trabalhadores da Educação (SNTE) e a Coordenadora, - parte crítica de la SNTE-, começaram se reunir por razões de afi- nidade política. Assim, começaram trabalhar em um documentário. Da associação nacional de universidades se gestava certo alinhamento com as políticas de segurança que surgiam a partir desse contexto de violência generalizada, com o narcotráfico entrando mais nas cidades e nas universidades e então já se visualizava a possibilidade de ritualizar o pan-óp- tico nas instituições acadêmicas incorporando câmaras de controle, exigir dos estudantes o ingresso com credenciais, entre outras medidas para vigiar e punir educadores e estudantes. O cinema e o documental surgem para este coletivo como uma vertente de transformação social direta e como uma forma de pesquisa-ação. A produção do documentário traz no seu título uma primeira ironia contra a Reforma Educativa, pois se chamou A deforma educativa. Desde las perspectiva del movimento ministerial em Veracruz3. Desde las perspectiva del movimento ministerial em Veracruz. O filme coloca em evidência efeitos nefastos ocultos nas reformas estruturais de 2013, que prometem um “melhor desenvolvimento” para o Méxi- co. Essas reformas respondem aos interesses de organizações internacionais como a OCDE e o Banco Mundial, incorporados em empresas privadas e partidos políticos corruptos. A re- forma educacional gerou grande descontentamento no ensino em todo o país. Nas escolas, ruas e praças públicas, vários setores sociais mostraram sua indignação. O documentário foi o pavio que viralizou rapidamente através do sindicato conseguiu mobilizar pessoas de to- dos os estados da república. Assim, hoje o cinema entra nas escolas mexicanas através dos registros dos projetos de hortas escolares, movimentos de ocupação, redes de colaboração e produção de alimentos a partir da recoleção de restos que ainda podem ser consumidos pelos produtores freegan, entre outras iniciativas que não vêm do poder político institucio- nalizado, e sim das organizações sociais e políticas populares que emergem como agrupa- ções de pessoas que se reunem para resolver as necessidades básicas. Este fenômeno se multiplica e se torna mais complexo a cada dia. Para finalizar, enquanto lutamos por políticas públicas que reconheçam a importância da sobrevivência do cinema nacional e sua presença nos espaços educacionais como sonha- ra Humberto Mauro, cada vez que exibimos um filme e como Os óculos do vovô (Pelotas, Francisco Santos, 1913), Limite (Mario Peixoto, 1931) ou A velha a fiar (Humberto Mauro, 1964) em uma escola de educação infantil (sim, infantil!), fundamental, médio ou para estudantes universitários acredito que estamos, também de alguma maneira, fazendo uma experiencia de preservação de cinema em contextos educativos. 3 - Assista o filme La deforma educativa. Perspectivas del movimiento ministerial en Veracruz em https://vimeo. com/94207696 A [ C in em at ec a] , a e sc ol a e a un iv er si da de c om o es pa ço s de p re se rv aç ão d o ci ne m a - di fe re nt es e xp er iê nc ia s en tr e B ra si l e M éx ic o 31 Referências HEFFNER, H. A preservação audiovisual na atualidade. Filme Cultura, v. 24, p. 93-95, 2012. HERRERA LEÓN, Fabián. México y el Instituto Nacional de Cinematografía Educativa, 1927;1937; Estud. hist. mod. contemp. Mex no.36; México jul./dic. 2008. SCHMELZ, It. Cineteca Nacional 40 anos de história. 1974/2014. México: Conaculta - Cineteca Nacional, 2015. SAEZ, J. L. Cine sin secretos. Santiago de Chile, CENCOSEP, 1986. SOBERÓN TORCHIA, É. Los cines de América Latina y el Caribe. La Habana: Ediciones EICTV, volume I, 2012. A dr ia no D el D uc a 32 O espaço alegórico em filmes brasileiros do momento tropicalista1 The allegorical space in Brazilian films of the tropicalist moment. Adriano Del Duca2 (Mestrando – PPGCINE/UFF) Resumo: A partir da comparação dos “espaços alegóricos” em quatro filmes brasileiros rea- lizados no ‘momento tropicalista’ (1967-1972) - Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967), Brasil Ano 2000 (Walter Lima Jr. 1969), Pindorama (Arnaldo Jabor, 1970) e Prata Palomares (An- dré Faria, 1971) – refletimos sobre a construção de “contra-narrativas” (STAN, 2006) que representam ‘Brasis’ alegóricos como elaboração de formas de ruptura com o regime de representação do cinema eurocêntrico. Palavras-chave: Tropicalismo, Cinema Brasileiro Moderno, Cinema Novo, Alegoria,Geopéti- ca. Abstract: This work aimed to discuss the construction of “counter-narratives” (STAN, 2006) that represent allegorical versions of Brazil as an elaboration of forms to break apart from the representation regimen of the Eurocentric cinema, by comparing “allegorical spaces” in four Brazilian movies made in the ‘tropicalist period’ (1967-1972): Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967), Brasil Ano 2000 (Walter Lima Jr. 1969), Pindorama (Arnaldo Jabor, 1970) e Prata Palomares (André Faria, 1971). Keywords: Tropicalismo, Modern Brazilian Cinema, New Cinema, Allegory, Geopetics. No final dos anos 1960 e início dos 1970 diversos filmes brasileiros lançaram mão de recursos alegóricos para construção do seu campo narrativo. Personagens, locais, épocas construídos livremente na mas ancorados em representações da realidade social e política do páis. De forma exploratória e e algo provisória, nos interessa refletir sobre a construção das espacialidades destas alegorias, pensando a representação desses ‘Brasis’ alegóricos do cinema brasileiro impactado por ecos da experiência tropicalista. Há aqui um diálogo com o livro Alegoria dos subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo e cinema marginal, de Is- mail Xavier, mais especificamenteaos capítulos “Terra em Transe: alegoria e agonia” e “Brasil Ano 2000: o mal congênito da província”, a fim de pensar os filmes Pindorama (Arnaldo Jabor, 1970) e Prata Palomares (André Faria, 1971) em balizas teóricas ‘tomadas de emprés- 1 - Trabalho apresentado no XXIII Encontro SOCINE na sessão: Cinema Comparado – Sessão 3 (Constelações II). 2 - Licenciado em Ciências Sociais - UNESP/FCLAr (2007). Bacharel em Cinema e Vídeo - UNESPAR/Campus II (2019). Mestrando em Cinema pelo PPGCINE/UFF. O e sp aç o al eg ór ic o em fi lm es b ra si le iro s do m om en to t ro pi ca lis ta 33 timo’ dos textos de Ismail. Assim, apontamos o ‘espaço alegórico’ como uma construção coincidente que nos permita traçar uma rota comparativa entre obras que lançam mão da alegoria no período compreendido como ‘momento tropicalista’3 (1967-1972). Assim como a Eldorado de Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967), e a Me Esqueci de Brasil Ano 2000 (Walter Lima Jr, 1979), Pindorama e Porto Seguro sustentam as metáforas que deslocam ou suspendem o referente da nação para refletir o Brasil e a colonialidade la- tino americana. Estes procedimentos de sedimentação geográfica nas alegorias, nos parece uma chave interpretativa para os filmes do período, já que a construção destes territórios imaginários se alimentam de elementos contextuais. Ainda que composições imaginárias, o esforço da estética tropicalista em articular contra-narrativas, compreendeu uma rearticu- lação de signos da cultura colonial brasileira e afro-latina para confrontar o discurso hege- mônico através da inversão e reinvenção dos signos da opressão e da colonialidade. Nesse sentido, a “nação” e o “povo” são reconfigurados através da incorporação antropofágica de elementos de nacionalidades diversas e dos produtos da cultura pop midiatizada internacio- nalmente no contexto dos mercados globais transnacionalizados. Essas construções de lugares indefinidos na geopolítica dos Estados Nacionais, com referentes políticos e culturais incertos mas que articulam-se em torno de uma elabora- ção crítica e ideologicamente posicionada, e, a sintomática narrativa trágica ou catastrófica do lugar representado, parecem indicar que a reincidência dessa metáfora nacional é um procedimento do cinema produzido no período tropicalista, não apenas como intenção de ocultamento para burlar a censura, mas produção de sentidos estéticos que confrontam os padrões do uso da linguagem no cinema hegemônico. Terra em Transe Os personagens tem referentes concretos na realidade sócio-histórica: o intelectual de esquerda, o político conservador, o político populista, o povo amorfo, as lideranças popu- lares; a trama e as viradas narrativas são referentes a processos reais da disputa do poder no mundo colonial latino-americano: populismo, clientelismo, revoltas populares, golpes de estado. No entanto a representação destes elementos distancia-se do realismo e desenvol- ve-se em um lugar fictício, através da trama de personagens que estão histórica e territorial- mente descontextualizados. Vieira surge como o político burguês progressista disposto a representar os interesses nacionalistas, Sara e Paulo representam a intelectualidade de esquerda. As cenas da campa- nha política de Vieira junto à população pobre de Alecrim, e a representação jocosa do líder populista, cruzam-se a imagens de massas populares o apoiando, cenas típicas do populis- mo brasileiro, mas que não buscam repressentar nenhum fato histórico específico. 3 - Utilizamos o termo ‘momento tropicalista’, baseando-nos na visão de Charles A. Perrone (1999) para “se re- ferir a soma de fenômenos multidisciplinares em espaço de tempo mais amplo, já que a expressão Tropicália será empregada com respeito à ‘fase heróica’ (final de 1967 – início de 1969) da música popular. A dr ia no D el D uc a 34 Terra em Transe, primeiro filme urbano de Glauber Rocha, organiza inúmeros elemen- tos para conformar a realidade de uma república urbana moderna. A composição das clas- ses sociais, a complexidade das relações políticas e econômicas, a existência de imprensa, emissoras de televisão, intelectuais, localizam a fictícia Eldorado em um contexto muito pró- ximo ao latino-americano na segunda metade do século XX. O procedimento alegórico experimentado por Glauber Rocha é eficiente em relocali- zar o contexto político nacional num ambiente fictício, ampliando a margem da conotação de seu discurso político. O deslocamento que o discurso opera através da enunciação de um lugar outro, onde tudo se parece e se relaciona com o Brasil, mas que não o é, constrói uma camada literariamente rica que amplia o alcance da crítica a contradições fundantes da sociedade brasileira, fugindo da análise datada deste ou daquele período histórico. Brasil ano 2000 Me Esqueci surge como representação de um lugar no futuro, um Brasil em que os aspectos de uma nacionalidade sugerem o esquecimento como escamoteamento, ou falsi- ficação da memória. A cidade de Me esqueci, contempla uma lugar que sobreviveu a partir da destruição cataclísmica das nações numa apocalíptica terceira guerra mundial: um triunfo através da destruição. Os protagonistas, retirantes de um lugar avassalado pela crise, serão, em Me esqueci, a falsifcação das populações nativas destruídas pelo genocídio, mas que precisam ser atualizadas na costrução da enviesada memória oficial pautada pelo esqueci- mento. A biblioteca de Me esqueci onde estão arquivadas a história material e imaterial do lugar, é um subsolo onde isola-se um intelectual, especie de guardião do passado, ressentido e escondido, junto daquilo que a realidade busca ocultar. O grande projeto futurista dos go- vernantes dessa nação militarizada é um foguete que não decola, coroando a vocação para o fracasso, uma inépcia inata de uma nação forjada a fórceps. Entre um humor jocoso e um pessimismo sórdido quanto à representação da nação, a “alegoria do esquecimento” (XAVIER, 1992) de Brasil Ano 2000 sustenta-se na relação com o lugar Me Esqueci. O “País do Futuro”, lugar utópico e inalcançável reservado ao Brasil, é reelaborado como distopia diante da realidade lancinante de uma ditadura militar que expu- nha sua face violenta e autocrática no Brasil de 1969. Pindorama A trama se passa na fictícia Pindorama, colônia portuguesa fundada por D. Sebastião de Sousa, personagem também ficcional, mas claramente referido aos colonizadores portu- gueses do século XVI. D. Sebastião, é solicitado pelo Rei de Portugal para retornar ao local atualmente governado por D. Henrique, e que se encontra em desordem e desobediente à Coroa. No efervescente vilarejo, constrói-se uma revolta popular e o corrupto governador D. Henrique conspira pela manutenção de seus privilégios. Encurralado entre a violência po- O e sp aç o al eg ór ic o em fi lm es b ra si le iro s do m om en to t ro pi ca lis ta 35 pular contra a monarquia e pela virulência do poder entre os nobres, D. Sebastião massacra Pindorama, impedindo a revolta popular mas também a continuidade da exploração imoral dos poderosos locais. Sequências abstratas, monólogos, colagens que operam a “subjetiva indireta livre”, emprestando aqui a terminologia de Pasolini, recurso narratio em que o autor, identificado ideologicamente com o personagem, utiliza-o como mediação para realizar uma interven- ção na narração, como forma de expressar, na alegoria, o discurso crítico do autor sobre o momento político de seu país. Para que esse procedimento de colagens, paródias, encena- ções metafóricas, possa viabilizar um sentido político, a representação do local encenado busca um referencial real, que articule o sentido da abstração metafórica ao sentido crítico proposto. Pindorama é um lugar irreal habitado por personagens irreais, figura no campo do imaginário, do sonho ou utopia, mas representa um momento remoto de um Brasilreal, lugar concreto, com o qual a contra-narrativa do filme busca compor. A ‘alegoria de fundação’ de uma nação que talvez possa ser lida em Pindorama, não aponta a resolução dos conflitos a estruturação de um meio social coeso em torno da figura da lei e da autoridade, mas sim um universo catastrófico e impotente onde a autoridade não vigora senão pela força, e a formação social do território é resultado do conflito e da vio- lência como expressão legítima do Poder. A alegoria se molda entre a impotência do povo em assumir a construção político-cultural de seu território e a catástrofe do choque entre os interesses no mundo colonial. Prata Palomares Prata Palomares (André Faria, 1971) é um filme interditado pela censura brasileira. No filme, dois guerrilheiros em fuga de uma revolução derrotada escondem-se em uma igreja abandonada em um lugar chamado Porto Seguro. Um deles decide se passar pelo vigário que a comunidade esperava enquanto o outro prepara meios para prosseguirem a fuga. Envolvidos por uma figura mística, misto de santa e prostituta, acabam absorvidos pelas disputas políticas locais. Em meio ao conflito o falso padre enlouquece e assume uma perso- nalidade messiânica. Diante de torturas, assassinatos, e de seu conflito psicológico, o guer- rilheiro trai seus objetivos e instaura o “Paraíso Agora”, a alegoria de uma república caótica que remete ao subdesenvolvimento dos países periféricos. Porto Seguro é contraposto sempre a Maracangalha, um sujeito oculto na narrativa. Esse outro local, um duplo utópico onde há autonomia política, aponta para os processos de liberação anti-colonial mas como uma perspectiva utópica não alcançada. O território de Porto Seguro está desde o início dividido, mas as posições políticas serão delimitadas no corpo da representação metafórica. Neste sentido a alegoria expõe um ‘lugar’ – Porto Seguro – tomado por uma aristocracia imperialista, e uma outra ‘nação-distópica’ – o Paraíso Agora – vislumbrada messianicamente por um guerrilheiro que se converte em um padre alucinado. A dr ia no D el D uc a 36 Na tensão entre a fragmentação e a totalização do discurso em relação ao lugar, Pra- ta Palomares tende à fragmentação. Sua metáfora para a ‘nação’ é irônica e negativa. Os personagens que poderiam ser os portadores do futuro – a Santa que deseja um filho, os revolucionários que querem voltar a Maracangalha, e Tonho e sua revolta liberadora – são avassalados pelos acontecimentos. O sentido negativo da alegoria, relaciona-se claramente com o conceito de “alegorias catastróficas” forjado por Ismail Xavier quando analisa Eldora- do, e assume aqui um sentido estético ainda mais drástico, influenciado pela ‘estética do lixo’ e pelo tropicalismo, busca uma representação que choca pelo abjeto, pelo encadeamento de agressões ao bom gosto ou à uma recepção aplainada do filme. O recurso à alegoria de uma revolução derrotada, de guerrilheiros em fuga, de uma elite parasitária e entreguista, bem como à tresloucada atuação da esquerda, aliando-se à tradição messiânica e religiosa, só podem sustentar-se narrativamente na medida em que se relacionam com um espaço que embora fictício, oferece pontos de contato com a alguma realidade sócio-histórica, onde através do referencial linguístico, controem-se sentidos polí- ticos que evidenciam uma consciência da crise que se vivia naquele momento. A postura do cineasta na organização da narrativa, desarticulando as estruturas temporais, espaciais, e a clareza dos personagens, indica a tentativa de estilhaçar a legibilidade do filme e estabelecer um olhar sociológico crítico à construção do território, da formação do Estado e a forma da dominação política no Brasil. Conclusão A representação de um lugar, tanto para a construção de identidades tradicionais e oficiais, como para a formulação de representações alternativas ou críticas, requer referen- ciais comuns, ainda que fictícios, para validar a metáfora proposta e estabelecer um status consensual sobre o que seja o território em questão. O poder colonial forjou historicamen- te discursos legitimadores de sua prática expansionista e invasora, construiu ideológica e materialmente um ‘novo mundo’. Poderíamos dizer que o hemisfério sul do planeta é uma realidade geográfica, mas a América Latina, uma construção sócio-histórica, forjada por pro- cessos políticos e econômicos mas também por concepções que partem de premissas abs- tratas da representação deste lugar. Ao longo dos séculos de colonialismo a criação artística e literária tem sido uma ponte entre a percepção concreta do lugar (espaço) e as noções subjetivas do lugar (nação, país, pátria). Esta breve ‘cartografia’ dos lugares da ficção tropicalista que se propõe a realizar uma contra-narrativa do lugar latino-americano nos parece um veio para compreender a representação que une a metáfora alegórica ao seu objeto real, as percepções hegemônicas de nação e povo, e a sua crítica. Assim, refletir os sentidos das representações alegóricas do lugar Brasil enquanto pro- posição pertinente como critica a história oficial, é uma caminho possível para leituras das construções de discursos contra-hegemônicos realizados pelas vanguardas artísticas no O e sp aç o al eg ór ic o em fi lm es b ra si le iro s do m om en to t ro pi ca lis ta 37 contexto do final dos anos 1960. Apesar de não realista, a alegoria dialoga com o contexto histórico e enuncia aos sujeitos desta sociedade uma visão particular e articulada sobre de- terminados eventos de sua época histórica. Referências AINSA, Fernando. Del topos al logos. Propuestas de geopoética. Vervuet: Iberoamericana, 2006 BRASIL ANO 2000. Direção: Walter Lima Jr. Mapa Produções Cinematográficas Ltda.;|2000 Film. Brasil, 1969. (95 min) 35mm/Tropicolor. OITICICA, Hélio. A trama da Terra que treme. O sentido de vanguarda do grupo baiano. Cor- reio da Manhã, setembro de 1968. Disponível em: http://tropicalia.com.br/v1/site/internas/ verbo_trama.php _____________. Esquema geral da nova objetividade. Originalmente publicado no catálogo da mostra “Nova Objetividade Brasileira” (Rio de janeiro, MAM, 1967); republicado em Aspiro ao grande labirinto, Rio de janeiro, Rocco, 1986. PERRONE, Charles A. Topos e Tropicalidades: os tropos da Tropicália e do Tropicalismo. IN: Studies in Latin American Popular Culture, 1999. Disponível em: http://tropicalia.com.br/v1/ site/internas/visestr_2.php PINDORAMA. Direção: Arnaldo Jabor. Columbia Pictures do Brasil | Screen Gems | Cia Cine- matográfica Veracruz | Kamera Filmes, Brasil, 1970 (80 min), NTSC, color. PRATA Palomares. Direção: André Faria. VEGA-I Filmes, Brasil,1971. (100 min), NTSC, color. RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV. São Paulo: Editora Record, 2000. ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização brasileira. 1963. SCHWARZ, Roberto. Cultura e Política, 1964-1969. IN: O Pai de Família e outros estudos, São Paulo: Paz e Terra, 1992. SHOHAT, E. & STAN, R. Crítica da Imagem Eurocêntrica. São Paulo: Cosac&Naif, 2006. SÜSSEKIND, Flora. Coro, Contrários, massa: a experiência tropicalista e o Brasil de fins dos anos 60. IN: BASUALDO, C. (Org.) Tropicália: uma revolução na cultura brasileira [1967- 1972]. São Paulo: Cosac&Naif, 2007. TERRA em Transe. Direção: Glauber Rocha. MAPA Filmes, Brasil, 1967 (108 min), NTSC, p&b. XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema margi- nal. São Paulo: Brasiliense, 1992. _________. Cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2001. A la n G om es F re ita s 38 A Fome, a guerra, a peste e a morte: cinema em Manaus durante a Grande Guerra1 Hunger, war, plague and death: cinema in Manaus during the Great War Alan Gomes Freitas2 (Mestrando – PPGCINE-UFF) Resumo: A cidade de Manaus, no início do século
Compartilhar