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Endocardite infecciosa É definida como infecção do endotélio cardíaco, classicamente provocada por um processo que provoque bacteremia, associada a uma lesão cardíaca prévia. Acomete mais frequentemente as valvas cardíacas, sendo a principal lesão cardíaca o prolapso da valva mitral, mas pode comprometer áreas de defeitos septais, cordas tendíneas ou endocárdio mural previamente lesado. A lesão característica é a vegetação, composta por plaquetas e fibrina e uma quantidade variável de microrganismos e células inflamatórias. Classificação Pode ser classificada em aguda ou subaguda, baseada no tempo, na severidade da apresentação clínica e na progressão da doença. A endocardite aguda é uma condição associada à febre alta, sinais de toxemia, disfunção cardíaca e múltiplos focos de infecção metastática à distância, podendo evoluir para óbito em curto espaço de tempo. O principal agente etiológico nesses casos é o Staphylococcus aureus. A endocardite subaguda apresenta manifestações clínicas mais arrastadas, incluindo febre baixa, sudorese noturna e perda ponderal. Evolui para óbito num período mais longo e geralmente tem como agente etiológico o Streptococcus viridans. Epidemiologia A faixa etária da EI se elevou nos últimos anos, tendo esse aumento justificado por maior expectativa de vida e menor incidência de doenças reumáticas em jovens. Atualmente, há um aumento dos casos de bacteremia por uso de drogas intravenosas, muito relacionada a infecção por S. aureus, que não precisa de lesão cardíaca prévia. Esses pacientes são representam uma parcela significativa de adultos jovens que desenvolvem EI. Outro grupo específico relevante é o que desenvolve endocardite associada aos cuidados de saúde, que inclui indivíduos submetidos a procedimentos invasivos, como hemodiálise e cateterismo venoso profundo. Nesses casos, a microbiologia é diferente dos demais grupos, visto que patógenos nosocomiais com resistência a antimicrobianos podem estar envolvidos, provocando uma doença que pode se manifestar de forma tardia, até 90 dias após o contato com o sistema de saúde. Além disso, deve-se considerar as endocardites infecciosas em valvas protéticas, divididas em precoce (primeiros 2 meses), intermediária (entre 2-12 meses) e tardia (> 12 meses). O risco para infecção é aumentado para pacientes com próteses valvares e EI prévia (valva danificada e condições favoráveis possivelmente ainda estão presentes). Nas crianças, a EI é mais comum quando há cardiopatia congênita. Etiologia e localização As principais válvulas nativas acometidas são à esquerda, seguindo a ordem mitral, aórtica e mitro- aórtica, para depois ocorrer o acometimento das válvulas à direita. Essa ordem é invertida em pacientes usuários de droga intravenosas, sendo que a principal válvula acometida nesses casos é a tricúspide, podendo evoluir com pneumonia necrosante e embolia pulmonar, ou até mesmo o acometimento de mais de uma válvula. Para válvulas artificiais, deve-se pesquisar se a endocardite é tardia, imediata ou precoce. Nas endocardites tardias, são os mesmos microrganismos envolvidos na EI de válvula nativa. Nas imediatas e nas precoces, os microrganismos principais são S. aureus, S. epidermidis e bactérias gram-negativas. Essas válvulas têm um maior risco de desenvolvimento de EI durante os primeiros meses após a cirurgia, mas as taxas de infecção são semelhantes às de válvula nativa após 5 anos. A endocardite fúngica é de difícil diagnóstico e tratamento, sendo mais encontrada em pacientes com história de uso de drogas intravenosas, cirurgia cardíaca recente ou uso prolongado de cateteres vasculares. Os agentes mais envolvidos são Aspergillus e Candida spp. • Agudas A endocardite comunitária em válvulas nativas é causada por agentes colonizadores naturais da pele, da orofaringe e do trato urogenital, sendo que a principal etiologia é o S. aureus. A infecção por esse agente é favorecida pelo abuso de drogas intravenosas, pois ela faz parte da microbiota da pele, podendo também estar associada a alguma infecção da pele ou do tecido subcutâneo, que funciona como porta de entrada. O quadro é agudo e as vegetações provocadas nesses quadros são grandes, que tendem a embolizar. O Streptococcus pneumoniae é responsável por alguns casos de EI aguda, acometendo principalmente alcoólatras em vigência de pneumonia e meningite (a tríade pneumonia, meningite e endocardite é chamada de síndrome de Austrian). • Subagudas Os Streptococcus viridans, bactérias que fazem parte da microbiota da cavidade oral, são os principais responsáveis por endocardite infecciosa subaguda em válvulas nativas de não usuários de drogas IV. Também se destacam os Enterococcus (manipulação genitourinária), Streptococcus gallolyticus e o grupo HACEK (Haemophylus parainfluenzae, Haemophilus aphrophilus, Actinobacillus, Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens e Kingella kingii), que fazem parte da microbiota do trato respiratório superior. Uma cultura positiva para S. gallolyticus indica a realização de colonoscopia, pois o principal fator de risco para bacteremia por esse agente é um tumor de cólon. Fisiopatologia Um endotélio saudável geralmente é resistente à colonização bacteriana. Na presença de fluxos sanguíneos de alta velocidade, estresse mecânico pelo turbilhonamento de sangue e de corpos estranhos que produzam lesão por trauma direto pode ocorrer a superfície endotelial, favorecendo a formação de uma vegetação, que inicialmente é estéril, composta por plaquetas e fibrina, denominada endocardite trombótica não bacteriana (ETNB), que pode ocorrer espontaneamente em condições como LES e SAAF (Libman-Sacks). Durante episódios de bacteremia ou fungemia, os microrganismos podem se aderir e colonizar essas vegetações, iniciando o processo de EI. Microrganismos mais virulentos, como S. aureus, podem se aderir ao endotélio mesmo quando ele está intacto. Após a infecção, a proliferação de microrganismos facilita a deposição de plaqueta e fibrina, fazendo com que a vegetação aumente de tamanho. Vegetações grandes podem se fragmentar, levando à embolia. As manifestações clínicas da EI são decorrentes dos efeitos destrutivos do processo infeccioso no coração, da embolização de fragmentos da vegetação, da infecção de outros locais, da resposta imune humoral levando à formação de imunocomplexos e da produção de citocinas. A ocorrência de abscessos miocárdicos pode provocar persistência da febre e bloqueios de condução. A insuficiência cardíaca congestiva é a principal causa de óbito na EI, geralmente relacionada com lesão valvar direta. IAM causado por êmbolos da vegetação também pode ocorrer. A presença de EI em câmara cardíaca esquerda pode acometer rins, fígado, baço, vasos sanguíneos e SNC, enquanto que EI na câmara direita está mais associada a eventos embólicos pulmonares. O acometimento do SNC por êmbolos ocorre em 1/3 dos casos, tendo como consequência a formação de aneurismas micóticos e infartos cerebrais (a principal artéria acometida pelos êmbolos é a a. cerebral média). Os aneurismas micóticos não são provocados por fungos, tendo como principal etiologia a EI provocada por S. viridans, e podem ser resultado de três mecanismos diferentes: embolização séptica para os vasa vasorum, invasão da parede arterial pelos microrganismos ou lesão vascular por imunocomplexos, que resultam em inflamação e necrose, enfraquecendo a parede arterial. O rim pode ser acometido por abscessos, infarto (muito comum) e glomerulonefrite. Quadro clínico O início dos sintomas geralmente é rápido, mas na EI subaguda o intervalo até o diagnóstico é longo, pois os sintomas geralmente são atribuídos a outras doenças. A febre é o achado mais comum, com uma temperatura mais alta na EI aguda e mais baixa na subaguda, sendo que esta apresenta um padrão intermitente. Os pacientespodem apresentar sudorese noturna, perda ponderal, calafrios, fraqueza, náuseas e vômitos, principalmente na forma subaguda, levando à investigação para colagenoses. Grande parte dos pacientes também se queixa de sintomas muscoloesqueléticos. Os sopros cardíacos ocorrem em ate 85% dos pacientes. Hemorragias subungueais são frequentes e são mais observadas em idosos. Petéquias subconjuntivais, no palato, na mucosa bucal e em extremidades também podem ser encontradas, mais comumente na forma subaguda, sendo provocadas por vasculite ou por embolização. Nódulos de Osler (lesões dolorosas de +- 6mm) são encontradas nas mãos e nos pés, decorrente da deposição de imunocomplexos, da vasculite ou da embolização séptica. As manchas de Janeway (lesões maculares hemorrágicas e indolores) podem ser localizadas em palmas das mãos e plantas dos pés. Anemia de doença crônica é comumente observada e VHS se encontra aumentada. O fator reumatoide pode ser positivo. A resposta imune desencadeada pela infecção pode provocar esplenomegalia. Exames complementares e diagnóstico Os exames laboratoriais iniciais devem incluir um hemograma completo, dosagem de eletrólitos, função renal, VHS, EAS e eletrocardiograma. Todos devem ter pelo menos três hemoculturas coletadas e um ecocardiograma. Na EI subaguda é comum os pacientes apresentarem anemia de doença crônica, enquanto na doença aguda a alteração mais frequente é a leucocitose. Hematúria macroscópica e proteinúria podem ocorrer pela lesão renal mediada por fenômenos imunológicos ou por isquemia. A radiografia de tórax é anormal em grande parte dos casos de EI a direita, podendo apresentar consolidações, atelectasias, derrames pleurais e êmbolos. Também auxilia na avaliação de congestão pulmonar e aumento da área cardíaca, quando há evolução para ICC. O ECG evidencia possíveis bloqueios de condução. O ecocardiogram transesofágico (ETE) apresenta maior sensibilidade do que o transtorácico, mas é mais caro e mais invasivo. Ele é pedido primeiro se o paciente tem alta probabilidade de endocardite, história de endocardite infecciosa, a endocardite está ocorrendo em prótese ou pacientes que apresentem uma “janela” ruim para o transtorácico, como obesos ou com deformidade torácica. O ETE é pedido mesmo após a realização do eco transtorácico (ETT) quando o ETT inicial é negativo ou inadequado, mas a suspeita está alta, como quando há bacteremia por S. aureus e muitos critérios menores, ou quando o ETT inicial é positivo e o paciente tem risco de complicações, como abscesso paravalvar e regurgitação valvar importante. O padrão-ouro é o diagnóstico patológico, mas o mais usado são os critérios da universidade Duke, que deve ser interpretado como EI definitiva, possível ou descartada. O diagnóstico definitivo é feito na presença de 2 critérios maiores (associados à bacteremia e evidência de lesão endocárdica), 1 maior e 3 menores ou 5 menores. Um paciente em suspeita clínica em que um diagnóstico alternativo pode ser estabelecido e apresenta melhora dos sinais e sintomas após 4 dias ou menos de tratamento tem o diagnóstico descartado. Critérios maiores Hemocultura positiva com microrganismos típicos em 2 amostras Hemocultura positiva para qualquer microrganismo (3 coletas ou maioria de 4) Hemocultura/sorologia positiva para Coxiella burnetti Presença de vegetação, abscesso ou deiscência de prótese no ecocardiograma Nova regurgitação valvar Critérios menores Febre ≥ 38ºC Predisposição ou usuário de drogas IV Fenômenos vasculares (embolia arterial, infartos pulmonares sépticos, aneurismas micóticos, hemorragias conjuntivais e manchas de Janeway) Fenômenos imunológicos (glomerulonefrite, nódulos de Osler, manchas de Roth, fator reumatoide) Evidências microbiológicas diferentes do critério maior Tratamento No interior da vegetação os microrganismos são protegidos do sistema imunológico. Por isso, a a antibioticoterapia deve ser bactericida, preferencialmente por via intravenosa, com níveis séricos mais altos do que a MIC (concentração inibitória mínima). O tratamento clínico para endocardite infecciosa em válvula nativa é realizado com antibioticoterapia por 4- 6 semanas. É um tratamento empírico e varia de acordo com a classificação do quadro e se o paciente é ou não usuário de droga IV. O tratamento subagudo não exige o início imediato da antibioticoterapia, permitindo aguardar as culturas. Nos quadros agudos, podem ser feitos vancomicina associada a cefazolina ou oxacilina associada a gentamicina e ampicilina. Evita-se a associação de vancomicina e gentamicina (aminoglicosídeo) por risco de lesão renal. Para quadros agudos em usuários de drogas IV, é preferível a utilização de vancomicina associada a tazosim. Na endocardite de válvula artificial, a antibioticoterapia deve ser realizada por mais de 6 semanas, sendo inicialmente endovenosa. Quando a endocardite é tardia, o tratamento é igual àquele realizado nas de válvula nativa, mas para endocardites precoces e imediatas é utilizada vancomicina associada a aminoglicosídeo (como gentamicina, por 2 semanas) e rifampicina VO após 3º dia. A literatura mais recente não recomenda a utilização de vancomicina e aminoglicosídeos em endocardites à direita. O tratamento cirúrgico é recomendado quando a endocardite infecciosa está evoluindo para IC por disfunção valvular, a principal causa de morte desses pacientes, na extensão paravalvar com abscesso, com vegetações móveis ≥ 10 mm (algumas literaturas recomendam acima de 20 mm), na presença de agente resistente ou por fungo, sem melhora depois de 5/7-10 dias ou com prótese valvular instável. A troca de válvula deve ser bem avaliada, pois a colocação de nova prótese e a ocorrência de IE prévias são os principais fatores de risco para o desenvolvimento de uma nova IE. Patógeno Fármacos S. viridans sensíveis à penicilina, S. gallolyticus e outros estreptococos 1. Penicilina G 2-3 milhões de unidades IV 4/4h por 4 semanas 2. Ceftriaxone 2g IV/dia por 4 semanas 3. Vancomicina 15 mg/kg IV 12/12h por 4 semanas 4. Penicilina G ou ceftriaxone + gentamicina 3 mg/kg/dia ou 1 mg/kg 8/8h IV ou IM por 2 semanas Enterococos Penicilina G dose alta OU Ampicilina 2g IV 4/4h OU vancomicina + gentamicina por 4-6 semanas Estafilococos Oxacilina 2g IV 4/4h por 4-6 semanas OU cefazolina 2g IV 8/8h OU vancomicina Na maioria dos pacientes, a antibioticoterapia eficaz resulta em melhora subjetiva e resolução da febre em cinco a sete dias. As hemoculturas devem ser repetidas diariamente até que sejam estéreis, verificadas mais uma vez caso haja retorno da febre e realizadas novamente após 4-6 semanas do tratamento, para documentar a cura. Profilaxia A profilaxia é recomendada para pacientes de alto risco, ou seja, que apresentem válvulas artificiais, EI prévia e algumas doenças cardíacas congênitas, como cianóticas não reparadas, DCC reparadas com material protético ou dispositivos 6 meses após a cirurgia ou DCC com defeitos residuais no local ou próximo do local ou do material protético (se o coração não foi “futucado” por alguém, só a DCC cianótica precisa de profilaxia. Se o reparo foi completo, independente da DCC, a profilaxia só está recomendada após 6 meses. Se houve reparo parcial, a profilaxia é recomendada para todas as DCC), que irão realizar procedimento de alto risco, como procedimentos dentários (manipulação gengival ou da região periapical dos dentes ou perfuração da mucosa). É realizada com amoxicilina 2g entre 30 e 60 minutos antes do procedimento. Na impossibilidade de ingestão oral ou quando o paciente é alérgico à amoxicilina, é recomendada a clindamicina 600 por VO, IM ou IV, 1h antes do procedimento, azitromicina/claritromicina 500mg ou cefalexina 2g.
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