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- -1 ÉTICA E PROFISSIONALISMO EM FISIOTERAPIA UNIDADE 1 – ÉTICA E SEUS CONCEITOS Autoria: Naylla Morais de Souza - Revisão técnica: Paulo Heraldo Da Costa Do Valle - -2 Introdução Vamos começar esta unidade abordando os conceitos básicos da ética, a ciência que estuda os valores morais; da bioética, o estudo complexo sobre as dimensões morais, decisões e condutas; e da deontologia, o estudo dos deveres e das obrigações profissionais, que devem cumprir regras estabelecidas por meio de códigos. E qual a importância desses conceitos para a atuação do profissional de saúde? Pois saiba que esses códigos são como um compilado de princípios orientadores em sua interação com os pacientes, com os outros profissionais e com as instituições onde prestam serviços. No exercício da nossa cidadania, nos deparamos todos os dias com situações diferentes em que nosso posicionamento exige escolhas éticas e morais, o que contribui com a nossa formação e a de terceiros, gerando uma boa convivência em sociedade. Nosso foco aqui é explorar os conceitos fundamentais da ética e estimular a reflexão por meio de situações cotidianas que envolvem ato moral e responsabilidades. Os profissionais fazem escolhas éticas e morais a todo tempo. E aqui cabe uma questão interessante: será que ética e moral são sinônimos? Ao longo da leitura, você verá o significado desses dois conceitos, além de conhecer os comportamentos relacionados com o ato moral. A área da saúde envolve um ritmo acelerado de informações, acontecimentos e transformações, o que exige do profissional aprofundamento e revisão constantes de questões bioéticas, relacionadas a direitos e deveres, práticas e costumes sociais. Essas reflexões ajudarão você, estudante e futuro profissional, na tomada de decisões éticas e coerentes nas práticas de cuidado à saúde. Bons estudos! 1.1 História da ética Para debatermos sobre ética como ciência filosófica, é importante você entender que a história da ética (do grego ), está intimamente ligada à história da filosofia, que floresceu na Grécia Antiga. Aproximadamenteethos no final do século V e todo o século IV a.C., conhecido como Período Socrático ou Antropológico (do grego , quando a filosofia investigava as questões humanas, ou seja, a ética, a política e as técnicas, homem)ântropos (CHAUÍ, 2002). O filósofo Sócrates afirmava que a primeira e fundamental verdade filosófica era “só sei que nada sei”. De acordo com Chauí (2007), cada filósofo tinha sua própria visão, apesar de pensadores antigos, como Platão e Aristóteles, os estoicos ou os epicuristas, discordarem quanto à definição das virtudes, da razão, da vontade, das paixões e da natureza. Eles concordavam sobre o comportamento virtuoso, pelo qual a ética é realizada, e compreendido como a ação em conformidade com a natureza do agente e dos fins buscados por ele (CHAUI, 2007). - -3 No Período Socrático, sob o governo de Péricles, a cidade de Atenas se desenvolveu bastante, tornando-se o centro da vida social, política e cultural da Grécia. Foi quando a democracia se desenvolveu, tendo como símbolo a construção do Partenon, um dos maiores monumentos culturais da história e palco de discurso dos sofistas, os “mestres da sabedoria” que treinavam, ensinavam oratória e técnicas de persuasão (CHAUÍ, 2002). Inicialmente, a democracia era direta e afirmava a igualdade de todos os homens adultos perante as leis e o direito de participarem diretamente do governo da cidade, a pólis. Dessa forma, a opinião desses homens seria aceita nas assembleias, no entanto, como cidadão, precisaria de boa comunicação e persuasão para exercer a cidadania (CHAUÍ, 2002). VOCÊ O CONHECE? Sócrates (470-399 a.C.) nasceu em Atenas e foi um grande filósofo da Grécia antiga, conhecido como o patrono da Filosofia, e estabeleceu os fundamentos filosóficos da cultura ocidental. Sua maior ambição era ser um benfeitor da humanidade, lutava pela justiça social estabelecida em todo o mundo. - -4 Figura 1 - Partenon, símbolo da democracia e local de exercício da política na Grécia Antiga Fonte: Kra_ssy, Mediapool, 2020. #PraCegoVer: fotografia de uma parte da construção do Partenon traz céu azul e o sol entre duas, das 13 colunas mostradas. A construção tem a base em degraus, altas colunas, com espaço entre elas, e no topo um bloco, retangular e irregular. A educação antiga dos poetas foi modificada com o tempo, quando surgiram os sofistas, que dominavam as técnicas de persuasão e ensinavam os jovens a defender uma posição. Conforme Chauí (2002), Sócrates discordava dos sofistas, pois eles defendiam qualquer ideia se fosse vantajosa. Para os sofistas, a verdade poderia ser moldada conforme o momento e por isso era transitória. Perceba que cada fase da história tem seu próprio discernimento sobre ética e moral, assim as dúvidas sobre qual conduta adotar são consideradas um questionamento moral relevante e presente em todas as culturas. Se analisarmos a ética da antiguidade clássica, como ciência filosófica, assim como Chauí (2002), percebemos os três aspectos fundamentais desse período. Racionalismo, com valor ao pensamento lógico. Naturalismo, com foco no agir conforme a natureza e os hábitos. E inseparabilidade entre ética e política, ou seja, entre a conduta da pessoa e os valores da sociedade. A ética e a moral são imprescindíveis na tomada de decisão, elas conduzem os homens à reflexão sobre os valores adotados, atos praticados e responsabilidades na vida. Esses termos são usados como sinônimos, mas têm significados diferentes. Vamos conhecê-los? A moral, cuja expressão latina , , significa costume, émos moris um fenômeno social de caráter normativo, que orienta a nossa conduta diariamente (SANTOS , 2011). São et al. regras estabelecidas e aceitas pelas pessoas em determinado momento histórico. Já a ética é voltada para a ciência, para o comportamento moral, e busca compreender e criticar os valores morais, as virtudes de uma sociedade. Assim, os atos éticos envolvem padrões além das preferências pessoais. Dessa forma, uma pessoa moral é aquela que segue as regras vigentes no grupo ao qual pertence (PEDRO, 2014). Um exemplo é o uso do véu islâmico. Em alguns países, mulheres muçulmanas u como parte de suatilizam o véu islâmico, em público, cultura local. - -5 Figura 2 - Uso do véu islâmico é parte das regras de um grupo cultural Fonte: ZouZou, Mediapool, 2020. #PraCegoVer: fotografia, em fundo branco, traz uma menina usando um véu que cobre seu cabelo e pescoço, um vestido florido de manga comprida e um cinto amarelo. Não são mostradas suas pernas e pés. Ela segura um caderno azul e carrega nas costas uma mochila da cor roxa. Vázquez (2002) ao falar sobre ato moral presume que a pessoa que o pratica tenha consciência moral, e o problema da essência do ato moral leva a outra questão: a da responsabilidade, seja ela por ter tomado uma decisão de agir em um sentido e não no outro. Sobre comportamentos, é importante conhecer alguns relacionados com a moral. Imoral Tudo aquilo que contraria a moral, quando falta moralidade. Amoral Pessoa sem senso do que seja moral porque não a conhece. Moralismo Pessoa que costuma falar sobre moral e segui-la, tentando com que as pessoas ao redor a cumpram também. - -6 Falso moralismo Pessoa que fala sobre moral e bons costumes, mas não os pratica. Após a leitura até aqui, olhe ao seu redor e reflita sobre as condutas das pessoas, seja nas famílias, no local onde mora ou trabalha. Perceba que é possível notar que as escolhas são baseadas em histórias pessoais, costumes familiares e crenças. 1.1.1 Profissionalismo e valores na área da saúde No Brasil, a relação entre profissionalismo e idoneidade é um esforço vigoroso. De acordo com Santos et al. (2011), a complexidade de conviver com morais contraditórias gera um certo mal-estar normal. Enquanto todos se indignam com a situação de imoralidade no país, em contraposição, segundo a moral do oportunismo, as convicções sociais formam um discurso lógico que usa a “Lei de Gerson”, aquelaem que a pessoa obtém vantagens indiscriminadas sem se importar com questões éticas ou morais (SANTOS ., 2011).et al Para Alves . (2008) e Purtilo (2000), a complexidade que envolve a decisão ética revela-se quandoet al abordamos dois pontos distintos e ações opostas: a veracidade e a compaixão, a honra da confidencialidade e a revelação de informação que envolve riscos. Os autores afirmam que os valores, a veracidade e a confiança são importantes no relacionamento dos profissionais de saúde com seus pacientes. Vamos tomar como situação da pandemia gerada pelo surto do vírus SARS-CoV-2, também chamado de novo coronavírus ou Covid-19, em 2020, considerada uma emergência de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que gera escassez de recursos materiais e até recursos humanos. Profissionais da saúde de todas as partes do mundo realizam campanha, com divulgação de fotos de suas equipes com o pedido para a população ficar em casa, respeitar o isolamento social e seguir as orientações dos órgãos de saúde responsáveis. VOCÊ QUER VER? Sobre o conceito “Lei de Gerson”, assista à entrevista concedida ao UOL Esporte (2018) pelo meio-campista Gerson, que dizia "gosto de levar vantagem em tudo" na polêmica propaganda de cigarros na década de 1970. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FMGG- .EQuGw4 https://www.youtube.com/watch?v=FMGG-EQuGw4 https://www.youtube.com/watch?v=FMGG-EQuGw4 - -7 Figura 3 - Profissionalismo e valores norteiam situações de emergência de saúde pública, como a do Covid-19 Fonte: Drazen Zigic, iStock, 2020. #PraCegoVer: fotografia de uma mulher em um ambiente claro com janelas de vidro. Ela usa touca branca cobrindo cabelo, óculos de proteção transparentes, máscara verde cobrindo nariz, boca e queixo, e luvas azuis. Não é mostrado mais detalhes de seu uniforme. Ela segura um cartaz, de fundo branco, com os dizeres “Fique em casa”. Alves (2008) aborda outro ponto sensível, a confiança e a confidencialidade. Há casos em que o profissionalet al. pode aceitar a quebra de sigilo quando houver um imperativo categórico de consciência moral para fazê-lo. Na fisioterapia, manter a confidencialidade é um problema complexo, pois o ambiente e o sistema de trabalho, em hospitais ou ambulatórios, não favorecem o sigilo das informações, e também é escasso o auxílio do código de condutas (ALVES ., 2008; PURTILO, 2000). Voltemos à situação da pandemia de coronavírus. Oset al profissionais de saúde envolvidos nos cuidados dos pacientes contaminados apresentam alta taxa de contaminação, estima-se de 15% (ALBUQUERQUE; PACHECO, 2020). Esse cenário da pandemia nos leva a uma reflexão crítica sobre os valores desses profissionais, frente ao desconhecido e à capacidade de ser um profissional humanizado que serve à sociedade durante uma calamidade pública. Figura 4 - Uso de equipamentos de proteção por profissionais da saúde no cenário de pandemia Fonte: tuachanwatthana, iStock, 2020. - -8 #PraCegoVer: fotografia traz duas pessoas usando: óculos de proteção transparentes, máscara cobrindo nariz, boca e queixo, luvas azuis e traje branco que cobre cabeça, orelhas, pescoço, braços e tronco. Não são mostrados as pernas e os pés. A pessoa da direita está com uma prancheta e faz anotações com uma caneta. A da esquerda segura um tubo com sangue. No canto superior direito, em uma porta de vidro, um pequeno cartaz com fundo amarelo e texto em preto indica riscos de contaminação do local. A seguir, vamos explorar situações de ética com foco na área da saúde. Acompanhe. 1.2 Ética em saúde e sociedade Sabe-se que os indivíduos mais conscientes de condutas éticas adequadas têm maior probabilidade de tomar decisões corretas, sendo que, ao tomá-las, crescerão na virtude almejada. Por isso, as medidas a serem tomadas pelas lideranças da área da saúde devem ser pautadas em valores éticos e bioéticos. Apesar da escassez de recursos humanos em saúde, os profissionais de saúde têm o “dever de cuidar”. A responsabilidade do “dever de cuidar” faz parte da decisão em ser profissional de saúde, mas será que há limites nesse imperativo ético? Há uma interpretação jurídica em que a recusa à assistência não configura crime de omissão de socorro quando dessa recusa decorrer risco pessoal para aquele que presta o cuidado. É uma das unanimidades da responsabilidade do “cuidar” pelos profissionais da saúde e se aplica aos casos de falta de equipamentos de proteção individual, em acordo com o que preconiza os órgãos reguladores competentes (SOUZA, 2009). A falta de humanização recorrente na assistência à saúde mantém esse tema em inúmeras polêmicas e instiga a iniciativa de divulgá-lo frequentemente entre aqueles que são ou que pretendem ser responsáveis pelas ações de saúde (GOULART; CHIARI, 2010; GARCIA ., 2010). A saúde é um direito constitucional previsto em lei, porémet al as políticas econômicas e sociais brasileiras não suprem as necessidades mais urgentes. As precárias condições de assistência, de materiais e os baixos salários explicam parcialmente o cenário atual da saúde e ainda assim não justificam os maus tratos e a falta de humanização (GOULART; CHIARI, 2010). VOCÊ SABIA? A atuação do fisioterapeuta surgiu em um contexto de guerras mundiais e grande industrialização. Foi regulamentada no Brasil em 1969, através do decreto-lei nº 939 (COFFITO, 1969), que você pode consultar no link: https://www.coffito.gov.br/nsite/? . Suas raízes históricas estão vinculadas ao modelo biomédico e inseridas em umpage_id=2357 contexto de formação focada na doença, por isso é vista como “a profissão da reabilitação”. https://www.coffito.gov.br/nsite/?page_id=2357 https://www.coffito.gov.br/nsite/?page_id=2357 - -9 Figura 5 - O atendimento hospitalar humanizado diminui o peso da internação e a distância da família Fonte: Monkey Business Images, Mediapool, 2020. #PraCegoVer: fotografia traz, à esquerda, uma mulher negra, usando uniforme de enfermeira azul, sentada em uma cadeira. À direita, um homem branco, de cabelo grisalhos, deitado em uma cama de hospital. Ela está com a mão no ombro dele, ambos olham um para o outro e sorriem. De acordo com Fortes (2011), o respeito à pessoa autônoma pressupõe a aceitação do pluralismo ético-social e o reconhecimento de que cada pessoa possui pontos de vista e toma decisões conforme suas crenças, aspirações e valores próprios. É natural os desencontros com os valores dos profissionais de saúde. 1.2.1 Evolução e princípios da bioética Vamos estudar a evolução da bioética, relembrando pontos importantes sobre decisões e condutas. Nesse cenário, Alves . (2008) afirma que a bioética nos oferece suporte para decisões referentes à saúde, vida,et al morte, dignidade, solidariedade, confidencialidade, privacidade, vulnerabilidade, responsabilidade, qualidade de vida e defende a humanização do atendimento na saúde, estimulando o desenvolvimento ético na formação profissional. O primeiro relato de código de experimentação em homens foi realizado em 1833, pelo cirurgião William Beaumont, o pai da fisiologia gástrica, por meio de sua obra Experiments and Observations on the Gastric Juice and the Physiology of Digestion (BEAUMONT; MARTIN, 1834) . Já em 1900, Jacob Gallinger propôs uma lei masregulamentadora de experimentos científicos em seres humanos, não foi aceita. Um ano depois foi criada a (LEDERER; ROTHMAN, 1997).instrução sobre intervenção médica O termo bioética foi utilizado pela primeira vez em 1927, no artigo Bio-Ethics: a review of the ethical , pelo teólogo alemão Fritz Jahr (JAHR, 1927; PESSINI, 2013). Elerelationships of humans to animals and plants abordava o reconhecimento de obrigações éticas direcionadas a todos os seres vivos (PESSINI, 2013; GOLDIM, 2006). Em 1931, foram criadas as diretrizes para novas terapêuticas e pesquisa em seres humanos, com abordagens sobre risco, benefício e consentimentos formais em pesquisas, visando o respeito à dignidade dos pacientes (SASS, 1983). De 1939 a 1945, na Segunda Guerra Mundial, assistimos a um quadrode atrocidades com total desrespeito à dignidade humana, com experimentos desumanos, culminando em milhões de mortes. Em 1947, foi estabelecido o Código de Nuremberg, a primeira recomendação internacional sobre os aspectos éticos envolvidos na pesquisa em seres humanos (LOPES, 2014). http://www.potifos.com/tpg/bio/gads-gall.html#R9M0IXLXT - -10 Figura 6 - Diretrizes da bioética fundamentam a pesquisa e os experimentos com seres humanos Fonte: Matej Kastelic, Mediapool, 2020. fotografia traz uma mulher, branca, em primeiro plano, e um homem, branco, em segundo plano.#PraCegoVer: Ambos estão em um laboratório, sentados diante de objetos de vidro, como tubos e funis. Usam óculos de proteção transparente, jaleco e luvas brancas. Ele trabalha em um microscópio e ela manipula um objeto semelhante a um conta-gotas. Segundo Goldim (2006), em 1968, o filósofo Hans Jonas acrescentou outro imperativocom objetivo de conscientização sobre o modo de agir humano, defendendo a ética da responsabilidade por meio da integridade do ser humano nas suas atitudes. Em 1970, no artigo (POTTER, 1970), e, em 1971,Bioethics, science of survival no primeiro capítulo de seu livro (POTTER, 1971), Bioethics: bridge to the future Van Rensselaer Potter descreveu uma nova filosofia, uma nova ética científica que combina humildade, responsabilidade e competência em uma perspectiva interdisciplinar e intercultural (PESSINI, 2013). Ele se referia à bioética como uma “ponte para o futuro” (JAHR, 1927; PESSINI, 2013; PESSINI, 2001) com relações entre o ser humano e o meio ambiente em uma ética global (PESSINI, 2001). Em 1971, André Hellegers aplicou o termo em estudos na área de reprodução humana e criou o Instituto Kennedy de Ética (HOSSNE, 2010). Em 1974, foi criada a Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos em Pesquisas Biomédica e Comportamental (MOREIRA, 2005; COELHO; COSTA; LIMA, 2013).Atualmente, a teoria de maior aceitação na ética biomédica é a ética principialista, de Tom Beauchamp e James Childress (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002), apresentada no Relatório de Belmont, em 1978. Em 1979, Beauchamp e Childress utilizaram os princípios fundamentais da bioética, propostos no Relatório de Belmont, para guiar as pesquisas científicas envolvendo seres humanos na prática médica (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Essa proposta teórica serviu de base para o que se denominou de Principialismo. De acordo com Moreira (2005), a partir dos anos 1990, havia muitas críticas sobre o caráter universal desses princípios e prováveis limitações na resolução dos problemas éticos, principalmente socioeconômicos, sanitários e ambientais. Em 1994, é alterada a denominação do Principialismo para Moralidade Comum (GOLDIM, 1999). No Brasil, o marco inicial da bioética aconteceu em 1982, com a criação da Sociedade Brasileira de Bioética, em São Paulo, oficialmente constituída em 1995, pelo professor William Saad - -11 Hossne. Nesse período, foi criado o primeiro periódico na área de bioética e ética médica, a Revista Bioética do Conselho Federal de Medicina (PESSINI, 1997). Em 1996, foi instituída a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, uma agência com normas, direitos e deveres para revisão ética, criada pelo Conselho Nacional de Saúde, com várias discussões abordando sobre a ética dos profissionais envolvidos com a saúde. 1.2.2 Princípios fundamentais da bioética A teoria de maior aceitação na ética biomédica, a ética principialista, de Tom Beauchamp e James Childress (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002), é fundamentada nos seguintes princípios éticos, com caráter .prima facie Clique nos ícones para saber mais. Respeito pela autonomia (“a pessoa escolhe”) A palavra autonomia vem do grego autos, “eu mesmo”, “si mesmo”, e nomos, lei, norma, regra. Seu conceito é complexo, uma vez que o conflito vivenciado é intrínseco e a escolha individual. A pessoa age de acordo com seus valores, suas necessidades e prioridades, demarcando qual a sua vontade frente à realidade que vivencia. Esses interesses individuais não podem ser pensados desarticulados dos interesses coletivos (FORTES, 2011). Beneficência (“fazer o bem”) A beneficência determina que se faça o bem evitando ao máximo o que causa mal ou prejuízos. Não maleficência (“evitar danos”) O princípio determina acima de tudo não causar danos (primum non nocere), e que se aja promovendo o bem, sendo a regra básica na relação com o paciente, pois orienta o profissional a atendê-lo procurando fazer o bem e evitando que sua intervenção ocasione prejuízos. Justiça (“priorizar com equidade”) O princípio tem o propósito de orientar o debate em torno da distribuição equitativa dos recursos do sistema de saúde. CASO Em um hospital universitário, os alunos finalistas do curso de fisioterapia realizam estágios supervisionados e extracurriculares. Em uma situação atípica, esse hospital que habitualmente atua com metade de seus leitos disponíveis, chega na lotação máxima. A demanda por funcionários aumenta e os preceptores de estágio convidam os finalistas para atuarem como voluntários no setor de fisioterapia pediátrica. No primeiro dia, eles sentiram os impactos na atuação com crianças em tratamento oncológico. Para tentar amenizar a tensão, alguns tiraram fotos com as crianças e postaram em redes sociais, sem autorização. No dia seguinte, eles foram chamados pelos preceptores pela conduta inadequada. A prática clínica é soberana e sugere-se que o estudo sobre bioética durante a graduação oferece melhores condições para desenvolver os valores e as virtudes requeridas na profissão, além de estabelecer bases mais adequadas para o relacionamento interprofissional (ALVES et ., 2008).al - -12 A seguir, vamos estudar a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos com uma abordagem mais ampla desses princípios e com aplicações diversas. 1.2.3 Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, aprovada em 2005 pela 33ª sessão da Conferência Geral da UNESCO), assinada por 191Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura ( países. De acordo com Cruz, Oliveira e Portillo (2010), ela expande a abrangência da bioética para além das questões biomédicas, com ênfase na vulnerabilidade e justiça social, se fundamentando na observância da dignidade humana, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Os artigos da declaração afirmam que a bioética trata das questões de ética suscitadas pela medicina, pelas ciências da vida e pelas tecnologias que lhes estão associadas, aplicadas aos seres humanos, levando em consideração as dimensões sociais, jurídica e ambiental (UNESCO, 2005). Com isso, as questões enfrentadas na área da saúde ganharam abordagens multidisciplinar e interdisciplinar nos dilemas éticos, possibilitando compreensões além dos pressupostos principialistas. Após essa retrospectiva, podemos notar uma a evolução dos princípios éticos. Como profissional de saúde, deve- se utilizar do melhor conhecimento científico e da metodologia disponíveis no tratamento dos pacientes, com constante reflexão crítica e revisão das questões bioéticas, mantendo um bom diálogo e transparência nas relações. Conclusão Chegamos ao final desta unidade, que abordou a ética e seus principais conceitos, bem como a relação e importância para a construção de princípios orientadores do trabalho de profissionais de saúde. Nesta unidade, você teve a oportunidade de: • conhecer a história da ética e seus principais conceitos; • compreender o significado de moral e seus comportamentos relacionados; • refletir sobre a deontologia, correlacionando ética, moral e bioética em suas condutas e decisões; • compreender o que é um ato moral e as responsabilidades como profissional de saúde; • compreender o objetivo da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos e suas aplicações. VOCÊ QUER LER? A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (UNESCO, 2005) é um marco na história da bioética, com foco na vulnerabilidadee responsabilidade social. É uma leitura obrigatória para profissionais da saúde. Você pode conferir o texto completo em: http://bvsms. .saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_univ_bioetica_dir_hum.pdf • • • • • http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_univ_bioetica_dir_hum.pdf http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_univ_bioetica_dir_hum.pdf - -13 Bibliografia ALBUQUERQUE, A.; PACHECO, A. . Indaiatuba: Editora Foco, 2020.Bioética e COVID-19 ALVES, F. D. . O preparo bioético na graduação de Fisioterapia. , São Paulo, v. 15, n.et al Fisioterapia e Pesquisa 2, p. 149-156, 2008. Disponível em: . Acesso em: 22 mai. 2020.https://www.scielo.br/pdf/fp/v15n2/07.pdf BEAUCHAMP, T. L.; CHILDRESS, J. F. São Paulo: Edições Loyola; 2002.Princípios de ética biomédica. BEAUMONT, W.; MARTIN, A. S. 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