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A MULHER, FLORBELA ESPANCA

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#39
A Mulher, Florbela Espanca
Olá, ouvinte! Bem-vindo ao Literatura Oral, podcast de leitura comentada e de sugestões literárias. Espero que você esteja bem, se cuidando, usando máscara e saindo de casa só quando necessário, pra gente conseguir reverter esse quadro triste da pandemia. Eu sou Sabrina Siqueira, jornalista com doutorado em literatura. 
No último episódio, li a crônica “Se há fatalismo nos nomes”, publicada no Portal Paralelo 29. Hoje, como este episódio está sendo postado no Dia Internacional da Mulher, 8 de março, vou homenagear uma poetisa que cantou o ser mulher. Vou ler os poemas “A mulher” I e II, de Florbela Espanca. São dois poemas com o mesmo título, então eles estão marcados como I e II. Aliás, de certa forma, a poetisa ou a poeta de hoje está inserida nisso que eu falei no episódio passado sobre a fatalidade que os nomes carregariam, porque, pelo menos pra mim, o nome dela só podia ser de uma poeta super sentimental, como é Florbela Espanca. Me dá a ideia de uma flor sendo espancada, batida contra alguma coisa. Uma flor frágil sendo perturbada por uma violência, e isso é muito representativo da poeta portuguesa. Claro que o Espanca do sobrenome não tem nada a ver com o verbo espancar. É só uma viagem que eu sempre faço quando vejo o nome dessa escritora.
E eu sei que dia da mulher é todo dia, mas já que existe a data, bora comemorar! 
A poetisa portuguesa é batizada Flor Bela Lobo, mas escolhe adotar o nome Florbela d’Alma da Conceição Espanca. Ela nasceu em Vila Viçosa, no Alentejo, em 1894, e morreu em Matosinhos, em 1930, aos 36 anos. Sua obra só ganhou maior notabilidade após sua morte.
Como é que tava o contexto sócio-histórico de Portugal na segunda metade do século XIX e início do século XX, que é quando Florbela nasce e cresce? A independência do Brasil, que aconteceu lá em 1822, tinha deixado Portugal sem os lucros dos produtos brasileiros, então eles estavam se recuperando desse baque. A invasão francesa, de Napoleão Bonaparte, também havia deixado o país empobrecido. Nesse período, aconteceu uma guerra civil entre os irmãos D. Pedro e D. Miguel, que deixou Portugal polarizado. O conflito ficou conhecido como “O cerco do Porto”. Por outro lado, esse momento histórico é a era das máquinas. Surgem novidades no setor dos transportes e das comunicações. O trem e o telefone são dessa época. A descoberta da máquina a vapor faz nascer a indústria que, por sua vez, provoca êxodo rural. O que significa que as cidades estão inchadas de trabalhadores do campo se adaptando a um novo estilo de vida. Por outro lado, está acontecendo aumento da produção agrícola em função de novos instrumentos de trabalho, mas isso provoca desemprego no campo e mais êxodo rural. 
Florbela Espanca inicia oficialmente sua trajetória como poeta aos 22 anos. Ela não se liga oficialmente a nenhum movimento literário. Na época, vigorava o Modernismo em Portugal. As principais características da poesia de Florbela são sentimentalismo, erotização e feminilidade. 
Suas primeiras tentativas de promover as suas poesias falharam. Foi jornalista e estudou Direito em Lisboa. Em 1919, publica o livro de Sonetos chamado Livro de Mágoas. Em 1922, tem publicado o soneto Prince Charmant.... Em 1923, é publicada sua segunda coletânea de sonetos, Livro de Sóror Saudade, edição que foi paga pelo pai dela. 
A história da família de Florbela é peculiar. O seu pai, João Maria Espanca, era antiquário, fotógrafo e empregado na projeção de filmes. E era casado com Mariana do Carmo Inglesa Toscano, que era estéril. Como não podia ter filhos, Mariana teria autorizado o marido a se relacionar com a camponesa Antónia da Conceição Lobo, que trabalhava na casa deles. Com Antónia, João Espanca teve dois filhos: primeiro Florbela e, três anos depois, Apeles. As crianças foram registradas somente com o nome da mãe e pai incógnito. Mariana, esposa de João Espanca, se torna madrinha de batismo das duas crianças e João os leva pra casa, para serem criados pelo casal, apesar de só terem na certidão o nome da mãe biológica. João Maria Espanca só reconhece Florbela como filha, em cartório, 18 anos depois da morte dela. Então Florbela cresce nessa casa, do pai biológico que não a registrou, tendo a madrinha como mãe adotiva e a mãe biológica como empregada da casa. Tudo isso numa sociedade patriarcal e conservadora. Essa combinação familiar meio confusa pode ter influenciado na sensibilidade da poetisa. 
Florbela vivia as emoções de forma superlativa. Era muito ligada ao irmão, Apeles. Ele morreu em um acidente de avião e em sua homenagem, ela escreve As máscaras do destino, que é publicado postumamente. Casou 3 vezes, sendo a primeira aos 19 anos. Sofreu alguns abortos e não chegou a ter filhos. Florbela morre de overdose em barbitúricos na sua terceira tentativa de suicídio, no dia do aniversário de 36 anos. A família divulga sua morte como em função de um edema pulmonar, doença que ela realmente tinha. Mas a morte acontece pela ingestão excessiva de medicamentos. Florbela havia deixado uma carta pedindo para ser enterrada com os destroços do avião que Apeles pilotava no acidente que o matou. Mórbido, né? E também representativo do quanto o irmão era importante pra ela. 
Vamos aos poemas:
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A Mulher I
A Mulher II
No episódio de hoje li dois poemas de Florbela Espanca, “A Mulher I e II”. Trabalhando o tema da feminilidade, esses poemas enunciam que as mulheres são capazes de tudo. Que por vezes disfarçam suas dores e carregam sobre os ombros um peso enorme, ao mesmo tempo que sorriem para o mundo. 
Nos poemas “A mulher I” e “A mulher II”, o eu lírico exalta uma mulher apaixonada e forte, apesar do domínio masculino da época. Esses dois poemas apresentam como tema a definição de mulher e integram a obra Florbela: Antologia poética, uma compilação de poemas produzidos por volta de 1920.
Na primeira estrofe do soneto “A mulher I”, o eu lírico define a mulher como “um ente de paixão e sacrifício”. Então o eu lírico está dizendo que paixão e sofrimento são da essência feminina, e de certa forma estão interligados. Na obra de Florbela, a paixão é um drama íntimo relacionado à dor. Ela coloca a paixão como um sentimento que é inerente à mulher e que causa dor. Ou seja, a mulher não teria como fugir de um estado de paixão e, consequentemente, de sofrimento.
Na 2ª estrofe, quando diz “sê em Vênus sempre Marte”, o eu lírico se refere à mitologia grega. Vênus é a deusa do amor, ligada ao feminino, e Marte o deus da guerra, ligado ao universo masculino. O eu lírico está dizendo que, durante a paixão, o coração deve se manter forte como para enfrentar uma guerra. E mostra a possibilidade de a mulher, ainda que no estado de paixão, se mostrar tão forte quanto um homem em guerra. Esse poema encerra a ideia de que a mulher está fadada a viver paixões e, por isso, sofrer. Mas que não deve demonstrar sofrimento para não ser colocada em posição ainda mais inferior em relação ao homem.
De certa forma, o poema “A mulher II” complementa o 1º. Só que dessa vez colocando em evidência a mulher como força. Há admiração do eu lírico diante desse ser que, mesmo sendo fraca, é forte. Mesmo sendo desgraçada, é doce. No 2º quarteto de “A mulher II” há influência da literatura medieval no que se refere às mulheres saudosas à espera de seus amantes, que era característica das cantigas produzidas na lírica trovadoresca. 
Nos dois poemas lidos, a mulher está afogada na opressão de um mundo que é dos homens, seus opressores. A construção poética se dá a partir de imagens binárias: Vênus/Marte, beleza/força. O eu lírico é angustiado pela condição feminina reprimida, mas se mostra orgulhoso da força e capacidades feminina. 
Florbela Espanca é uma autora polifacetada: escreveu poesia, contos, diário e epístolas, que são textos em formato de carta. Traduziu vários romances e colaborou em diversos jornais e revistas. 
Sua poesia é quase sempre na forma de sonetos. A temática abordada é principalmente amorosa. Interessam a ela o amor e seusingredientes inerentes: solidão, tristeza, saudade, sedução, desejo e morte. Costuma repetir vocábulos que se referem à paixão, como alma, amor, saudade, beijos, versos... A sua obra abrange também poemas de sentido patriótico, como o soneto “No meu Alentejo”, sendo que Alentejo é uma região do centro-sul de Portugal, onde Florbela nasceu.
Soneto é uma estrutura literária de forma fixa, criada provavelmente pelo poeta e humanista italiano Francesco Petrarca, que viveu entre 1304 e 1374, e fez parte da literatura italiana medieval. 
Florbela teve duas antologias poéticas publicadas em vida: Livro de mágoas e Livro de Sóror Saudade. Toda sua obra poética foi reunida por Guido Battelli num volume chamado Sonetos Completos, publicados pela primeira vez em 1934. Chegou a ser criticada por trabalhar com uma escrita muito voltada para o “eu”. Escreveu cerca de 150 poemas, sendo que o primeiro deles escreveu aos 8 anos, quando, em palavras da autora, já as coisas da vida davam vontade de chorar. Na prosa, Florbela se destaca nos contos, em que predomina a figura do irmão, Apeles. 
A obra de Florbela Espanca estimula o movimento de emancipação literária da mulher. A poetisa exprime a frustração feminina com a opressão do patriarcalismo tradicional em Portugal no seu tempo. A lírica de Florbela está perpassada pelas dores e sofrimentos de sua vida pessoal. 
Houve quem pensasse que Florbela, de alguma maneira, tenha representado uma “voz atrasada” em relação a outras vozes de seu tempo, o início do século XX. Porque ela é contemporânea de um movimento vanguardista, que é o Primeiro Modernismo, e ainda assim mantém o uso da forma de sonetos. Sonetos estão mais associados a uma estética literária anterior ao tempo de Florbela, que é o Neoclassicismo. Mas apesar de escrever sonetos, ela não se preocupa com a rigidez da uma métrica formal, ela usa versos mais livres. Outra questão que faz com que se diga que a obra de Florbela não se relaciona ao seu tempo é que ela não traz assuntos humanísticos e sociais, como acontecia no Modernismo. No entanto, pela temática, pode-se dizer que a poetisa estava à frente do seu tempo, por abordar a ascensão do corpo feminino e dos sentidos em sua poesia. O erotismo emotivo que ela escolhe como um de seus temas não tinha precedentes na literatura portuguesa. 
Florbela escreve na esfera do sentimento. O amor assume 3 facetas: narcisista, erótico e saudosista. 
Ela incentivou outras escritoras em Portugal e é uma das responsáveis pelo surgimento do feminismo em Portugal. Conseguiu alguma atenção internacional, especialmente na Itália. Florbela dizia que escrever era uma forma de se conhecer, e Fernando Pessoa, seu contemporâneo, escreve um poema em sua homenagem, intitulado “À alma de Florbela Espanca”. 
Por hoje, fico por aqui. Quero deixar um abraço para meus ouvintes de Braga, Porto, Lisboa, Faro e Setúbal, as cidades que mais escutam o Literatura Oral, em Portugal! Fiquem bem até o próximo episódio.

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