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CLÍNICA MÉDICA IV - NEUROLOGIA Talita B. Valente ATM 2023A 1 MENINGITES • Meningite = Doença inflamatória das meninges (pia-máter, aracnoide e dura-máter), que é definida por um número anormal de glóbulos brancos (leucócitos) no líquido cefalorraquidiano (LCR). o A meningite bacteriana se refere a infecção da aracnoide e do líquido cefalorraquidiano que circula no espaço subaracnóideo e nos ventrículos cerebrais. • A meningite é uma doença de importante impacto pois tem uma morbimortalidade bastante considerável, por isso a importância do reconhecimento e tratamento precoce. • As imunizações tiverem efeito sobre o perfil epidemiológico das meningites. AGENTES ETIOLÓGICOS: MENINGITES BACTERIANAS: o Meningococo o Pneumococo (Streptococo pneumone está associado a infecções de ouvido e garganta) o Haemophilus influenzae o Listeria (Principalmente em extremos de idade e imunossupressos, não é rara, mas é de difícil tratamento) o Existem particularidades em populações especiais. § Para pacientes hospitalares, fraturas de crânio, população neonatal, pacientes submetidos a neurocirurgia e pacientes com derivações ventriculares devemos pensar em agentes diferentes. § É importante saber se o paciente é imunocomprometido ou não: HIV, pacientes oncológicos, pacientes usuários crônicos de corticoide, pacientes transplantados, diabéticos e idosos. MENINGITES VIRAIS: o Enterovirus o Herpesvirus o Em pacientes imunossupressos: CMV. VZV. FISIOPATOGENIA • Comumente pode ocorrer a colonização da orofaringe por um microrganismo que faz uma disseminação hematogênica. • O sistema imunológico pode estar comprometido ou a virulência do microrganismo é alta. • Para definir qual patógeno é suspeito, é importante avaliar a porta de entrada do microrganismo (precedido por uma infecção respiratória, cirurgia ou trauma). A hemocultura é solicitada para identificar a presença de patógeno porque a disseminação é hematogênica. CLÍNICA MÉDICA IV - NEUROLOGIA Talita B. Valente ATM 2023A 2 DIAGNÓSTICO MANIFESTAÇOES CLÍNICAS • Síndrome de irritação meníngea: Rigidez de nuca, sinal de Kernig (incapacidade do paciente em estender o joelho além de 135° graus enquanto mantém o quadril flexionado), sinal de Brudzinski (o examinador coloca uma das mãos abaixo da cabeça do paciente e flexiona o pescoço, uma flexão espontânea dos quadris e joelhos bilateralmente indica sinal positivo) e desconforto lombar. • Síndrome toxêmica: Queda importante do estado geral, febre alta, e eventualmente quadro confusional. • Síndrome de hipertensão intracraniana: Cefaleia, náuseas, vômitos e letargia. • Manifestações clínicas em crianças: Muitas vezes são sinais inespecíficos como irritação, choro, inquietação (principalmente em bebês), pode ocorrer abaulamento da fontanela. • Manifestações clínicas em idosos: O idoso nem sempre irá apresentar picos febris, pode ficar mais confuso. Devemos ter cuidado na interpretação de rigidez de nuca, pois osteoartrose também pode causar. EXAMES COMPLEMENTARES • Devemos solicitar: Hemograma, hemocultura, PCR e exame de LCR. • Neuroimagem é útil para seguimento e diagnóstico de complicações. Solicitar se: sinais focais, papiledema e pacientes imunossuprimidos. Exame do líquor: • O resultado do exame do líquor não deve atrasar a decisão de iniciar antibioticoterapia. Apesar de ter perda da sensibilidade do líquor, o risco de não iniciar o ATB é maior. • Devem ser analisados: o Aspectos físicos do LCR: pode ficar turvo, principalmente nas meningites bacterianas. o Citologia. o Aspectos bioquímicos: glicose, proteína, lactato. • Realizar bacterioscopia (coloração de gram), cultura e testes antigênicos. • O exame de PCR (reações em cadeia da polimerase) já está disponível em grandes hospitais. • Quando não realizar punção lombar: o Infecções ou lesões no local da punção (considerar realização de punção suboccipital). o Distúrbios de coagulação (RNI > 2 ou Plaquetas < 30.000). o Suspeita de hipertensão intracraniana. Meningite X Meningoencefalite • A meningite apresenta os três sinais: síndrome de irritação meníngea, síndrome toxemica, síndrome de hipertensão intracraniana. • Caso o paciente apresente sintomas corticais como por exemplo alterações comportamentais e alucinações, já consideramos acometimento do encéfalo, se tornando então uma meningoencefalite. • Romboencefalite ocorre quando a fossa posterior é atingida (cerebelo e tronco). CLÍNICA MÉDICA IV - NEUROLOGIA Talita B. Valente ATM 2023A 3 o Sinais focais ao exame neurológico. o Rebaixamento do sensório sem causa definida. o Lesões com efeito de massa intracraniana. MANEJO INICIAL: • Meningites bacterianas: o É uma emergência médica. o Hidratação. o Hemocultura. o Quimioprofilaxia dos contactantes (alunos, família, colegas de trabalho): § Contato suficiente para ser considerado como exposto: Contato prolongado, contato doméstico (em geral, pessoa que compartilha em média 20h. com o paciente doente) e equipe de saúde que atendeu o paciente (contato com via aérea). § Ciprofloxaxino 500 mg. - 1 cp. VO dose única. § Rifampicina 600 mg. - 1 cp. VO de 12/12h. por 2 dias. § Ceftriaxona 250 mg. IM em dose única. o Azitromicina 500 mg. - 1 cp. VO em dose única. o Corticoterapia: § Imediatamente antes da primeira dose de antibiótico. § Dexametasona. o Isolamento do paciente: Conduta essencial a realização do atendimento. o Notificação o Antibioticoterapia: § O antibiótico deve ser escolhido de acordo com o contexto epidemiológico. § Lembrar principalmente de Ceftriaxona e Ampicilina. § Vancomicina deve ser ajustada conforme os níveis séricos (para perda de função renal deve ter ajuste). CLÍNICA MÉDICA IV - NEUROLOGIA Talita B. Valente ATM 2023A 4 • Meningites virais: o Tratamento de suporte/sintoamas. o Hidratação. o Analgesia. SEGUIMENTO: • Ao início do tratamento das meningites bacteriana o paciente já apresenta melhor significativa. o 4-6 h.: Melhora do quadro de confusão mental. o 6-12 h.: Redução da febre. o Mais tardio: Diminuição dos sinais meníngeos. o Após 24h. de ATB o paciente já não é mais contaminante. • Meningites virais costumam ter curso autolimitado. • Repetir exame do líquor: o A reavaliação do LCR não é rotineiramente recomendada, existem algumas situações em que a punção deve ser feita novamente: § Após 24 h. de dúvida diagnóstica. § Sem evidência de melhora após 48h. do início da terapia apropriada. § 2-3 dias (controle) após o início do tratamento de meningite causada por microrganismos resistentes a agentes antibióticos. § Ao término do tratamento para meningite por pneumococos (agente mais agressivo). § Febre persistente por mais de 8 dias sem outra explicação. • Tempo de tratamento: o N. meningitis: 7-10 dias. (Professor, na prática, trata 21 dias) o H. influeazae: 7-10 dias. o S. pneumoniae: 10-14 dias. o Estrepto-B: 14-21 dias. o L. monocytogenes: 14-21 dias. COMPLICAÇOES DAS MENINGITES BACTERIANAS COMPLICAÇOES IMEDIATAS: • Edema cerebral. • CIVD (Coagulação Intravascular Disseminada). • Endocardite, miocardite e pericardite. • Hiponatremia. • Crises epiléticas. • Alterações focais. • Endoftalmite. • Vasculite / Trombose de seio venoso. COMPLICAÇOES TARDIAS: • Comprometimento auditivo. • Coleção subdural. • Ventriculite. • Hidrocefalia. • Atraso DNPM. •Hemorragias, tromboses e infartos. • Abcessos (mais raro). ENCEFALITE HERPÉTICA • A encefalite (inflamação do parênquima cerebral) é uma condição relativamente rara e agressiva. • Agentes associados: o HSV-1 (Herpes simplex vírus tipo 1) - Mais frequente e associado a quadros mais agressivos. o HSV-2 - Associado a quadros recorrentes. • Grande risco de óbito/sequela permanente incapacitante. DIAGNÓSTICO: • PCR - Detecção do DNA do vírus no LCR por PCR, possui alta sensibilidade e especificidade. • Exames de imagem também podem ser bastante úteis - O envolvimento do lobo temporal é bem característico. CLÍNICA MÉDICA IV - NEUROLOGIA Talita B. Valente ATM 2023A 5 TRATAMENTO: • Deve ser iniciado nas primeiras 24 horas. • O tratamento empírico com Aciclovir IV (10 mg/kg IV a cada 8 horas po 14-21 dias) deve ser iniciado tão logo o diagnóstico seja considerado. PROGNÓSTICO: • 70% de mortalidade sem tratamento, com tratamento 20-30%. • Sequelas significantes: prejuízo amnéstico, epilepsia, alterações comportamentais. CASOS CLÍNICOS MENINGITES Homem de 28 anos, professor de séries iniciais, trazido a emergência pela esposa devido a quadro inciado há aproximadamente 4 horas, caracterizado por cefaleia holocraniana, pulsátil, de forte intensidade, associada a náuseas, vômitos e fotofobia intensa, com piora progressiva. Ao ser questionado sobre febre, o paciente relata que “se sentiu quente”, mas não mediu a temperatura, também diz que nunca sentiu dor igual e que paracetamol não teve efeito, sente dor ao movimento do pescoço e não teve perda de movimento de nenhuma parte do corpo. Ao exame físico: Rigidez de nuca, não consegue flexionar o pescoço adequadamente. Kernig e Brudzisnky positivos. Sem alterações no exame cefaliatrico. Sem lesões de pele, articulares, respiratórias ou de orofaringe. Sinais vitais: Temperatura axilar 38,2 ºC, PA = 90x50 mmHg, FC = 72 bpm, FR = 24 irpm, SpO2 = 94%, HGT = 92 mg/dL. Conduta • Isolar paciente (sinais de infecção). • Solicitar hemograma, hemocultura, exame de LCR (com cultura) e lactato (sepse). • Hidratar com soro. • Corticoide imediatamente antes do ATB - Dexametasona. • Iniciar ATB (primeira hora) -> Cefalosporina de 3 geração pelo perfil do paciente - Ceftriaxona. o Devemos pensar nos seguintes possíveis agentes etiológicos: Estreptococcus pneumoniae, neisseria meningitis. • Profilaxia dos expostos. • Notificar. Iniciada antibioticoterapia com ceftriaxone. Bacterioscópico: Diplococo gram-negativo. Laboratoriais: Lactato 3,2; PCR 150; Hb 14,1; Leucograma 14.000 leucócitos (dif.normal); demais exames sem anormalidades (testes rápidos negativos); LCR: 600 célular (90% PMN); glicose 41/90; proteínas 250; lactato 2,8; bacterioscópico negativo; aguardando cultura do LCR. • Diplococo gram negativo: Neisseia meningitis (meningococo) • Paciente séptico e com sinais de gravidade para sepse. Paciente teve boa resposta ao tto incial. Após duas semanas apresentou dificuldade motora, dificultando a marcha, apresentando hemiparesia direita de predomínio crural, associada a apatia e desorientação. • Pensar em uma complicação tardia: o Eventos vasculares: vasculites associadas a infecção, alguma trombose (seio venoso é bastante frequente em estreptococo), hemorragia, isquemia. o Abcesso (coleções encapsuladas podem aparecer mais tardiamente). • Solicitar exame de imagem CLÍNICA MÉDICA IV - NEUROLOGIA Talita B. Valente ATM 2023A 6 Resultado do exame de imagem: Cápsula de acesso com conteúdo hipodenso. • Tratamento cirúrgico, drenagem do abcesso e ressecção da cápsula. ENCEFALITE HERPÉTICA Mulher de 68 anos dá entrada na emergência devido a quadro de confusão mental de início há aproximadamente 12 horas, com piora progressiva, associada a sonolência e culminando em crise epiléptica tônico-clônica generalizada. Sinais vitais: Temperatura axilar: 36,2º C; PA = 130x70 mmHg, FC = 98 bpm, FR = 20 irpm, SpO2 = 94%, HGT = 115 mg/dL. • Tomografia computadorizada -> Resultado veio normal • Solicitar hemograma, sódio, potássio, magnésio, VSG, PCR -> Resultados vieram normais, exceto VSG e PCR que estavam um pouco aumentados. • Solicitar exame do LCR -> Aspecto claro. Fez LCR com pressão de abertura 200 mmH2O. Análise laboratorial com 80 células (70% linfócitos), 3 eritrócitos, proteínas 55, glicose 70/100, demais aspectos sem anormalidades. Solicitado PCR para HSV 1 e 2. • Iniciado aciclovir 10 mg/kg/dose 8/8h, com melhora progressiva no decorrer dos dias. • PCR para HSV 1 positivo. • Após 21 dias com melhora do quadro, mas mantendo déficit de memória