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Brasília-DF. Bioquímica da Nutrição Elaboração Juliane Costa Silva Zemdegs Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................. 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA ..................................................................... 5 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 7 UNIDADE I METABOLISMO DE CARBOIDRATOS ....................................................................................................... 9 CAPÍTULO 1 METABOLISMO ........................................................................................................................ 9 UNIDADE II METABOLISMO DE PROTEÍNAS ............................................................................................................. 17 CAPÍTULO 1 METABOLISMO DE PROTEÍNAS ................................................................................................ 17 CAPÍTULO 2 DIGESTÃO, ABSORÇÃO E TRANSPORTE DE PROTEÍNAS ............................................................. 20 CAPÍTULO 3 METABOLISMO DE AMINOÁCIDOS E PROTEÍNAS ..................................................................... 22 UNIDADE III METABOLISMO DE LIPÍDEOS ................................................................................................................ 29 CAPÍTULO 1 METABOLISMO DE LIPÍDEOS ................................................................................................... 29 CAPÍTULO 2 METABOLISMO DE LIPÍDEOS ................................................................................................... 34 UNIDADE IV INTEGRAÇÃO METABÓLICA: INTER-RELAÇÃO ENTRE O METABOLISMO DE CARBOIDRATOS, LIPÍDEOS E PROTEÍNAS ........................................................................................................................................ 38 CAPÍTULO 1 ESTADO ABSORTIVO = ALIMENTADO ...................................................................................... 39 CAPÍTULO 2 ESTADO PÓS-ABSORTIVO ....................................................................................................... 42 PARA (NÃO) FINALIZAR ...................................................................................................................... 46 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................... 47 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Exercício de fixação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certificação. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 Introdução O presente caderno de estudos foi desenvolvido com o objetivo de enriquecer seus conhecimentos relativos aos princípios de bioquímica de macronutrientes, bem como sobre os processos de interação metabólica. Cada capítulo representa um convite à reflexão de diferentes aspectos relacionados à digestão, absorção e metabolismo de macronutrientes e suas complexidades, sendo de fundamental importância lembrar que a busca e aprimoramento de conhecimento não termina ao final da leitura destas páginas. Ao contrário, nosso objetivo é orientá-lo de uma forma abrangente e despertar o espírito crítico associado ao interesse pelo aprofundamento dos conhecimentos relativos às questões aqui apresentadas. Um profissional com bom conhecimento teórico e em constante busca pela atualização de seus conhecimentos, certamente representara um diferencial no mercado de trabalho. A bioquímica desempenha papel importante no mundo contemporâneo. Em 1774, Priestley descobriu o oxigênio e concluiu em seus experimentos que o oxigênio podia ser produzido por plantas e era capaz de sustentar a vida dos animais. Os conhecimentos adquiridos ao longo destes anos nos trouxeram novas terapias médicas e atualmente somos testemunhas do mapeamento do genoma humano, do desenvolvimento de pesquisas com células-tronco. Alterações bioquímicas e metabólicas relacionadas à nutrição apresentam cada vez maior impacto na saúde humana e estão relacionadas ao desenvolvimento de doenças de elevado índice de morbimortalidade no mundo ocidental, tais como doenças cardiovasculares, diabetes, doenças neurodegenerativas, entre outras. A longevidade e a qualidade de vida estão relacionadas com uma dieta adequada e a importância dessa dieta está relacionada à sua composição nutricional e ao metabolismo celular.O estudo da bioquímica da nutrição permite o conhecimento necessário para programar uma dieta adequada às necessidades do organismo. Objetivos » Apresentar os principais conceitos relativos ao metabolismo de macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídeos). » Abordar processos metabólicos em determinadas situações fisiológicas e patológicas. » Apresentar a inter-relação entre o metabolismo dos carboidratos, lipídeos e proteínas. » Ampliar a compreensão da especificidade do metabolismo em situações de absorção e pós-absorção, bem como da sua regulação. 8 9 UNIDADE IMETABOLISMO DE CARBOIDRATOS CAPÍTULO 1 Metabolismo Conceito de metabolismo, catabolismo e anabolismo Metabolismo é a soma de todas as reações químicas que ocorrem em uma célula ou organismo. O ser humano obtém energia a partir da oxidação dos nutrientes provenientes dos alimentos. A energia presente nos alimentos existe na forma potencial, isto é, ela não pode ser utilizada pelo organismo, a menos que esta seja liberada pela ação de enzimas nas células. O objetivo do metabolismo não é simplesmente quebrar os nutrientes dos alimentos. O objetivo não é simplesmente gerar calor. O objetivo é capturar parte da energia liberada como ATP, a fim de que o corpo possa realizar outras funções úteis com os nutrientes dos alimentos. O metabolismo inclui a conversão de nutrientes em energia utilizável pelo organismo (ATP, trifosfato de adenosina, adenosina trifosfato), a produção e replicação de ácidos nucléicos, a síntese de proteínas, a construção física das células, a produção de calor que ajuda a regular a temperatura corporal. A respiração celular é o processo pelo qual a energia potencial dos alimentos é liberada. Esta energia é utilizada para formar moléculas biologicamente úteis, especialmente o ATP, ou é liberada na forma de calor. O ATP pode ser utilizado pelas células para manter o funcionamento do organismo. Quando a energia do ATP é liberada da célula, o ADP é produzido. Quando fosfato inorgânico (PI) e energia química são adicionados ao ADP, o ATP é formado. O anabolismo, também chamado de biossíntese, envolve as reações químicas que permitem o crescimento e reparo celular, ou a síntese de macromoléculas a partir de precursores menores, como quando aminoácidos se unem para formar proteínas. As reações anabólicas requerem energia para ocorrerem a partir da conversão de ATP em ADP e PI. O catabolismo inclui as reações químicas nas quais as macromoléculas são degradadas em moléculas menores e energia é liberada. Via metabólica é uma série consecutiva de reações catalisadas por enzimas, na qual um precursor é convertido em produto final. As vias metabólicas são reguladas por enzimas e hormônios. O metabolismo dos macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídeos) será individualmente apresentado e ao final, a interação entre os metabolismos dos macronutrientes em diferentes condições fisiológicas e patológicas será discutida. 10 UNIDADE I │ METABOLISMO DE CARBOIDRATOS Metabolismo de carboidratos Os carboidratos da dieta são um grupo de substâncias com características físicas, químicas e propriedades fisiológicas diversas. Os carboidratos constituem a principal fonte de energia para o homem e podem afetar a saciedade, a glicemia, a insulinemia, o metabolismo lipídico e controlar a função do cólon por meio da fermentação. Classificação dos carboidratos Os carboidratos são classificados em três classes, de acordo com o seu grau de polimerização (número de unidades de monossacarídeos): açúcares (1-2 carbonos), oligossacarídeos (3-9 carbonos) e polissacarídeos (> 10 carbonos) (Tabela 1). Tabela 1. Os principais carboidratos dietéticos, seus subgrupos e principais componentes. Classe Subgrupo Principais componentes Açúcares Monossacarídeos Glicose, frutose, galactose Dissacarídeos Sacarose, lactose, maltose. Polióis Sorbitol, manitol, lactitol, xilitol, manitol. Oligossacarídeos Malto-oligossacarídeos (alfa-glucanos) Maltodextrinas. Oligossacarídeos não glucanos Rafinose, estaquiose, fruto e galacto oligossacarídeos, polidextrose, inulina Polissacarídeos Amido (alga-glucanos) Amilose, amilopectina, amidos modificados Polissacarídeos não amido Celulose, hemicelulose, pectina, beta-glucano, gomas, muscilagens.. Digestão, absorção e transporte de carboidratos Os sistemas digestório e absortivo do corpo humano incluem o trato digestório e os órgãos acessórios que fornecem os produtos químicos necessários para a sua ação e controle. Esses produtos químicos incluem as enzimas sintetizadas pelas glândulas salivares, estômago, pâncreas e fígado, o ácido gástrico que promove o pH adequado para a desnaturação de proteínas no estômago e o bicarbonato de sódio que neutraliza o pH requerido para ação das enzimas do intestino delgado. Algumas enzimas são secretadas na forma ativa, outros como zimogênios que são ativados no estômago ou no intestino delgado. A secreção é estimulada pelos hormônios que circulam na corrente sanguínea ou por sinais do encéfalo que são transmitidos por meio do nervo vago. Outra classe de produtos químicos, os sais biliares, sintetizados pelo fígado, é necessária para transporte e absorção de nutrientes insolúveis. As macromoléculas de carboidratos provenientes dos alimentos são degradadas especialmente em glicose. Na boca, a secreção salivar contém a enzima alfa-amilase salivar, que inicia a hidrólise das moléculas de amido, quebrando parcialmente as longas cadeias polissacarídicas. A alfa-amilase salivar hidrolisa as ligações internas alfa-1,4 do amido gerando maltose, maltotriose e dextrina. No estômago, a acidez estomacal inativa a alfa-amilase salivar. No intestino, a secreção de bicarbonato de sódio neutraliza o quimo ácido proveniente do estômago e favorece a ação da alfa-amilase pancreática que hidrolisa as ligações alfa-1,6 do amido. A liberação da alfa-amilase pancreática é controlada pela influência da colecistoquinina (CCK) sobre o pâncreas exócrino. Ainda no intestino 11 METABOLISMO DE CARBOIDRATOS │ UNIDADE I delgado, os enterócitos sintetizam glicosidases (lactase, sacarase-isomaltase, maltase-glicoamilase) que participam da digestão dos carboidratos. Há uma proximidade muito grande entre as glicosidases e o sistema de transportadores. Este último é composto por proteínas sintetizadas nos enterócitos de acordo com a disponibilidade de monossacarídeos específicos. Durante a passagem da luz do intestino e para a corrente sanguínea, os monossacarídeos devem atravessar duas membranas. A glicose atravessa a membrana apical do enterócito através de um tipo de transportador. Uma vez dentro do enterócito, a glicose passa pelo citosol e saí através da membrana basolateral por meio de um transportador diferente, e é transportada através da veia portal para o fígado. Estes dois transportadores são chamados respectivamente de SGLT 1 (sodium glicose transporter 1) e GLUT-2. A glicose e a galactose compartilham um transportador comum, o SGLT 1 responsável pelo transporte ativo destes monossacarídeos contra um gradiente de concentração e consequente gasto de energia. A frutose é absorvida por transporte facilitado pelo transportador GLUT 5 sem gasto de energia. O GLUT-5 ocorre na membrana apical do enterócito, e também ocorre no músculo esquelético, adipócitos e células de esperma. Uma vez absorvida pelo enterócito, a frutose desloca-se para a corrente sanguínea através do GLUT -2 (Figura 1). Figura 1. Absorção de monossacarídeos. LUMEN CELL BLOOD Glucose SGLT1 GLUT2 Glucose Glucose Fructose Fructose GLUT5 GLUT2 Fructose NA+ K+ Na+/K+pump NA+ Algumas pessoas portadoras de doença congênita não sintetizam glicosidases e não digerem os respectivos carboidratos. A intolerância à lactose é uma condição permanente, que ocorre com o avançar da idade, quando muitas crianças perdem a capacidade de digerir grandes quantidades de lactose. A enzima lactase catalisa a hidrólise da lactose no lúmen do intestino.Geralmente, a atividade da lactase intestinal ocorre em um nível máximo do nascimento até a primeira infância. Em seguida, a atividade da lactase diminui e pode levar à intolerância à lactose, cujos sintomas são diarréia e flatulência após o consumo de leite. O monossacarídeo galactose geralmente não é encontrado na dieta, mas pode ser liberado a partir da lactose pelas enzimas bacterianas presentes no iogurte. A hidrólise da lactose em glicose e galactose provavelmente não ocorre no iogurte, mas no intestino humano após o seu consumo. Esta hidrólise pode explicar a menor incidência de intolerância à lactose com o consumo de iogurte (derivados do leite) do que com o leite em si. 12 UNIDADE I │ METABOLISMO DE CARBOIDRATOS Processos de carboidratos Vários processos envolvem a utilização de glicose pelo organismo. Nos seres humanos, a glicose é armazenada na forma de glicogênio, enquanto nas plantas a glicose é armazenada na forma de amido. Glicólise é a oxidação da glicose para produção de energia. Glicogenólise é o catabolismo do glicogênio para produção de glicose. Glicogênese é a síntese de glicogênio a partir de glicose. Gliconeogênese é a síntese de glicogênio a partir de ácidos graxos e proteínas. A glicólise ocorre no citoplasma, a molécula de glicose (6 carbonos) é oxidada (ou degradada) em duas moléculas de piruvato (3 carbonos/ cada) numa série de dez reações, na ausência de oxigênio (anaeróbico). Durante este processo, duas moléculas de NADH2 e duas moléculas de ATP são produzidas (Figura 2). Figura 2. Representação esquemática da glicólise. 2 ADP + 2 P GLICOSE (6C) 2 ATP 2 NADH 2 2 NAD 2 ÁCIDO PIRÚVICO (3C) O piruvato formado pela glicólise pode seguir três rotas diferentes (Figura 3). Nos organismos anaeróbicos, o piruvato pode ser transformado na ausência de oxigênio em etanol, como no caso das leveduras, ou em lactato, como no caso das bactérias, das hemácias e do músculo. Na fermentação alcoólica, a glicose é degradada anaerobicamente a etanol. Os produtos da fermentação alcoólica são: álcool etílico, gás carbônico e energia. Na fermentação láctica, a glicose é degradada anaerobicamente a lactato. Os produtos da fermentação láctica são ácido láctico e energia. Etanol e lactato são os produtos mais comuns obtidos por meio da fermentação, mas outros produtos também podem ser obtidos como ácidos acético, butírico e propiônico. Nos organismos aeróbicos, o piruvato é oxidado a acetil-CoA, CO2 e H2O. Figura 3. Os três destinos catabólicos possíveis do piruvato formado na glicólise. Princípios de bioquímica. Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010. Glicose 2 Piruvato 2CO 2 2 Acetyl-CoA Fermentação até etanol na levedura hipoxia ou condições anaeróbias glicólise (10 reações sucessivas) 2 Lactato Fermentação até lactato no músculo em contraçoa vigorosa, nos eritrócitos, em algumas outras células e em alguns micro-organismos 4 CO 2 + 4H 2 O Animais, vegetais e muitas células microbianas sob condições aeróbias ciclo do ácido cítrico 2 Etanol + 2CO 2 condições anaeróbicas condições aeróbicas 13 METABOLISMO DE CARBOIDRATOS │ UNIDADE I Cada ácido pirúvico propicia o início de uma série de reações em fase aeróbica na mitocôndria da célula conhecida como ciclo dos ácidos tricarboxílicos ou ciclo do ácido cítrico ou ainda Ciclo de Krebs que gera grandes quantidades de NADH + H+, FADH2 e ATP. O ciclo de Krebs é uma via anfibólica, ou seja, utilizada nos sentidos catabólico e anabólico (Figura 4). Ao final de uma volta no Ciclo de Krebs, uma molécula de glicose gera 4 moléculas de ATP: 2 na glicólise e 2 no Ciclo de Krebs. Quase todos os carbonos dos carboidratos e lipídeos entram no Ciclo de Krebs na forma de uma unidade de 2 carbonos. Outros nutrientes, como o citrato e malato, podem entrar no Ciclo de Krebs intactos para a oxidação e degradação. Figura 4. Representação esquemática do ciclo de krebs. Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010. Acetil-CoA NADH FADH 2 NADH NADH GTP (ATP Citrato Isocitrato a-Cetoglutarato Succinil-CoA Succinato Ciclo de ácido cítrico Oxaloacetato Malato Fumarato CO 2 CO 2 A cadeia transportadora de elétrons, cadeia respiratória ou fosforilação oxidativa é a convergência final de todas as vias de degradação oxidativa. A oxidação dos mais variados combustíveis metabólicos libera elétrons que são entregues pelas desidrogenases a transportadores específicos, reduzindo- os (de NAD+ e FAD a NADH+ e FADH). Os elétrons são transferidos numa série de reações de oxido-redução na membrana interna da mitocôndria. A cada passo os elétrons caem para um estado energético menor até serem transferidos ao oxigênio e formar água. Quando os elétrons de um hidrogênio deixam uma molécula para serem captados por outra molécula, ocorre transferência de energia. Os elétrons são transferidos a aceptores de hidrogênio chamados citocromos. Os citocromos podem ser reduzidos (ao receberem elétrons) ou oxidados (ao doarem elétrons), com perda ou ganho de energia acompanhado pela transferência de elétrons. O transporte de elétrons entre citocromos leva à ligação de ADP e Fosfato Inorgânico (PI) para gerar ATP. O aceptor final de hidrogênio é o oxigênio e quando o oxigênio recebe dois átomos de hidrogênio ocorre formação de água. A energia livre disponibolizada pelo fluxo de elétrons criado é acoplada ao transporte contracorrente de prótons através da membrana interna da mitocôndria (impermeável a estes prótons), conservando parte desta energia como potencial eletroquímico transmembrana. O fluxo 14 UNIDADE I │ METABOLISMO DE CARBOIDRATOS transmembrana dos prótons “de volta”, a favor de seu gradiente de concentração através de poros protéicos específicos fornece energia livre para a síntese de ATP. A maioria dos elétrons removidos a partir de combustíveis durante o metabolismo energético é transferida por meio de Nicotinamida Adenina Dinucleotídeo (NAD). NAD coleta elétrons de muitos combustíveis energéticos diferentes em reações catalisadas por enzimas específicas. O NAD reduzido, por sua vez, lança os elétrons para a cadeia respiratória. Flavina Adenina Desidrogenase (FAD) também atua como transportador de elétrons. Em cada reação envolvendo NAD (ou FAD), dois elétrons são transferidos, ou seja, dois elétrons são transportados ou lançados. NAD e FAD são pequenas moléculas sintetizadas a partir da niacina e riboflavina, respectivamente. NAD, FAD e citocromos fazem o transporte de hidrogênios liberados na glicólise e no ciclo de Krebs para a cadeia respiratória. Os hidrogênios removidos são entregues ao oxigênio nas cristas da mitocôndria para resultar em água e liberar energia na forma de ATP ou calor. Na cadeia respiratória são formados 3 ATPs e o resto da energia liberada se dissipa na forma de calor. As ligações fosfato do ATP equivalem a 8 kcal/mol. Na tabela 2 e figura 5 estão resumidos os processos metabólicos descritos anteriormente. Tabela 2. Descrição dos processos metabólicos dos carboidratos. Processo Descrição Respiração celular (catabolismo da glicose) Oxidação completa da glicose para produzir ATP. Uma molécula de glicose gera 36 moléculas de ATP. Inclui a glicólise, Ciclo de Krebs e sistema de transporte de elétrons. Glicólise (respiração anaeróbica) Degradação de glicose em duas moléculas de acido pirúvico, gerando 2 moléculas de ATP, ocorre no citosol e não requer oxigênio. Ciclo do ácido cítrico (Ciclo de Krebs) Série consecutiva de reações enzimáticas que libera hidrogênio a partir de ácidos oxidados como uma maneira de transferir energia. Produz CO 2 , NADH+, H+, FADH 2 , H 2 O e 2 moléculas de ATP a cada 2 ciclos; ocorre na membrana interna da mitocôndria e requer oxigênio. Sistema de transporte de elétrons Série de reações de oxidação-redução que transfere elétrons em átomos de hidrogênio a citocromos e oxigênio; produz 32 moléculas e ATP e ocorre na mitocôndria.15 METABOLISMO DE CARBOIDRATOS │ UNIDADE I Figura 5. Representação esquemática do catabolismo de macronutrientes. Estágio 1: a oxidação de macronutrientes gera acetil-CoA. Estágio 2: a oxidação dos grupos acetil no ciclo de Krebs inclui quatro etapas nas quais os elétrons são removidos. Estágio 3: os elétrons carreados por NADH e FADH2 convergem para uma cadeia de transportadores de elétrons mitocondrial – a cadeia respiratória – produzindo O2 e H2O. Este fluxo de elétrons impele a produção de ATP. Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010. Ciclo do ácido cítrico NADH, FADH 2 (transpostadores de e– reduzidos) CO 2 NADHADP + Pi Cadeia respiratória (transferência de elétrons) ei Estágio 3 Transferência de elétrons e fosforilação oxidativa 2H+ + 1 O 22 H 2 O e– e– CO 2 e– e– Oxaloacetato Citrato Acetil-CoA Estágio 2 Oxidação da acetil-CoA complexo da piruvato- disidrogenase CO 2 e– Piruvato e– e– e– Glicólise Glicólise Ácidos graxos Amino- ácidos Estágio 1 Produção de acetil-CoA Glicogênese. A glicose que não é imediatamente utilizada pelo organismo é removida do sangue e armazenada no fígado e músculo esquelético na forma de glicogênio. Glicogênese é a conversão de glicose em glicogênio por meio da polimerização de moléculas de glicose. A glicogênese é estimulada pela insulina pancreática. O excesso de glicose que não pode ser armazenada como glicogênio é convertido em ácidos graxos e armazenado no tecido adiposo. Glicogenólise. Quando o organismo necessita de energia extra, o glicogênio estocado no fígado pode ser reconvertido em glicose e liberado no sangue. Este processo ocorre sob o controle endócrino do glucagon pancreático e da epinefrina da medula adrenal. Gliconeogênese. É a produção de glicose a partir de fontes que não o carboidrato como o ácido láctico, glicerol, e alguns aminoácidos. Ocorre essencialmente no fígado, mas também nas células 16 UNIDADE I │ METABOLISMO DE CARBOIDRATOS ósseas e córtex renal. Quando o nível de glicose está baixo e não há carboidrato prontamente disponível, o hormônio glicocorticóide do córtex da adrenal desvia alguns aminoácidos para o fígado onde eles são convertidos em glicose. A tiroxina também pode desviar lipídeos do tecido adiposo para o fígado onde estes são convertidos em glicose. O acido láctico originado no músculo esquelético também pode ser convertido em glicose no fígado. Quando há uma deficiência de glicose, o corpo ajusta o seu metabolismo para fornecer corpos cetônicos, nutrientes derivados de lipídeos, que pode ser utilizado pelo encéfalo e outras partes do sistema nervoso central. No entanto, a produção excessiva de corpos cetônicos pode resultar em acidose, uma diminuição do pH do sangue, que é potencialmente tóxica. 17 UNIDADE IIMETABOLISMO DE PROTEÍNAS CAPÍTULO 1 Metabolismo de proteínas As proteínas são moléculas formadas a partir da ligação peptídica entre aminoácidos, sendo sua estrutura formada por combinações dos 20 aminoácidos em diversas proporções. Os aminoácidos são constituídos de um carbono ligado de forma covalente a um átomo de hidrogênio, um grupamento amino (NH2), um grupamento carboxila (COOH) e uma cadeia lateral que caracteriza as propriedades físico-químicas do aminoácido (Figura 5). Figura 5. Representação esquemática de um aminoácido. GRUPAMENTO CARBOXILA COOH GRUPAMENTO CARBOXILA GRUPAMENTO AMIMO H2N C H2N GRUPAMENTO AMIMO R CADEIA LATERAL Embora as proteínas sejam componentes estruturais de todas as células, elas são igualmente importantes para manter a produção de secreções como enzimas digestivas e hormônios. As proteínas também são necessárias para sintetizar proteínas plasmáticas, essenciais à manutenção do equilíbrio osmótico, ao transporte de substratos no sangue e à manutenção da imunidade. A maior parte da proteína do organismo é encontrada no músculo esquelético e em menor parte no pool de proteínas viscerais que compreende as proteínas do soro (eritrócitos, granulócitos, linfócitos etc.) e também as provenientes do fígado, rins, pâncreas e coração. Na tabela 3 há alguns exemplos de aminoácidos e seus respectivos produtos finais (proteínas ou compostos nitrogenados). Tabela 3. Exemplos de aminoácidos e seus respectivos produtos finais. Aminoácidos precursores Produto final TRIPTOFANO TRIPTOFANO TIROSINA TIROSINA TIROSINA ARGININA GLUTAMATO, CISTEÍNA, GLICINA GLUTAMATO, ASPARTATO, GLICINA SEROTONINA ÁCIDO NICOTÍNICO CATECOLAMINAS HORMÔNIOS DA TIREÓIDE MELANINA ÓXIDO NÍTRICO GLUTATIONA BASES DOS ÁCIDOS NUCLÉICOS 18 UNIDADE II │ METABOLISMO DE PROTEÍNAS Embora não exista uma classe de proteínas de “armazenamento”, uma porcentagem da proteína corporal sofre um processo constante de síntese e quebra. A reciclagem (turnover) de proteína é um processo normal, característica essencial do chamado balanço nitrogenado (diferença entre a quantidade de nitrogênio ingerida e excretada). Balanço nitrogenado negativo. Resulta de uma ingestão protéica inadequada, uma vez que os aminoácidos utilizados para produção de energia e reações de biossíntese não são repostos. Ocorre quando há lesões, destruição tecidual, traumas graves, doenças catabólicas, senescência, dieta deficiente. No jejum, a quebra deste estoque de proteínas aumenta, e os aminoácidos resultantes são utilizados para produção de glicose, síntese de outros compostos nitrogenados que não proteína e síntese de proteínas de secreção e plasmáticas essenciais. A amônia liberada dos aminoácidos é excretada como uréia, e não é reincorporada às proteínas (Figuras 6, 7 e 8). Figura 6. Balanço nitrogenado negativo (estresse metabólico). Degradação maior que incorporação. PURINAS, HEME ETC. ENERGIAPOOL DE AMINOÁCIDOSPROTEÍNA DA DIETA EXCREÇÃO: UREIA + NH4 PROTEÍNA TECIDUAL Figura 7. Balanço nitrogenado negativo (ingestão inadequada de proteína). Baixo fluxo de nitrogênio, pouca incorporação. EXCREÇÃO: UREIA + NH4POOL DE AMINOÁCIDOSPROTEÍNA DA DIETA PURINAS, HEME ETC. ENERGIA PROTEÍNA TECIDUAL Figura 8. Balanço nitrogenado negativo (ausência de ingestão de aminoácido essencial). EXCREÇÃO: UREIA + NH4POOL DE AMINOÁCIDOSPROTEÍNA DA DIETA PURINAS, HEME ETC. ENERGIA PROTEÍNA TECIDUAL Balanço nitrogenado positivo. Ocorre quando há aumento das reservas proteicas do organismo, como em crianças em crescimento, gestantes, lactantes, adultos convalescentes (Figura 9). Com o avançar da idade, ocorre diminuição da síntese proteica e aumento do catabolismo proteico (Tabela 4). Figura 9. Balanço nitrogenado positivo (crescimento, gestação, lactação, recuperação de estresse metabólico). Incorporação maior que degradação. EXCREÇÃO: UREIA + NH4POOL DE AMINOÁCIDOSPROTEÍNA DA DIETA PURINAS, HEME ETC. ENERGIA PROTEÍNA TECIDUAL 19 METABOLISMO DE PROTEÍNAS │ UNIDADE II Tabela 4. Síntese proteica diária de acordo com o estágio de vida. Estágio de vida Síntese proteica (g/kg/dia) RECÉM-NASCIDO CRIANÇA ADULTO IDOSO 17,4 6,9 3,0 1,9 Classificação dos aminoácidos e proteínas Nutricionalmente, os aminoácidos são classificados em essenciais, não essenciais e condicionalmente essenciais (Tabela 5). Dos 20 aminoácidos, 11 podem ser sintetizados pela célula. Os outros 9 devem ser supridos pela dieta e são chamados de aminoácidos essenciais. Os alimentos que contém os 9 aminoácidos essenciais são chamados de proteínas completas e incluem o ovo, o leite e as carnes. A classificação das proteínas de acordo com a função biológica está apresentada na tabela 6. Tabela 5. Classificação nutricional dos aminoácidos. Essenciais Não essenciais ARGININA (C) ISOLEUCINA LEUCINA VALINA HISTIDINA (C) LISINA METIONINA TREONINA FENILALANINA TRIPTOFANO ALANINA ÁCIDO ASPÁRTICO ASPARGINA CISTEÍNA (C) ÁCIDO GLUTÂMICO GLUTAMINA GLICINA (C) PROLINA (C) SERINA (C) TIROSINA(C) (C) Aminoácidos condicionalmente essenciais. Tabela 6. Classificação das proteínas de acordo com a função biológica. ClasseExemplo ENZIMAS TRANSPORTADORAS CONTRÁTEIS OU DE MOVIMENTO ESTRUTURAIS DE DEFESA HORMÔNIOS NUTRITIVAS OU DE RESERVA TRIPSINA, LÍPASE, AMILASE HEMOGLOBINA, ALBUMINA, MIOGLOBINA ACTINA, MIOSINA QUERATINA, COLÁGENO, ELASTINA, PROTEOGLICANAS ANTICORPOS, FIBRINOGÊNIO INSULINA, CORTICOTROFINA OVOALBUMINA, CASEÍNA 20 CAPÍTULO 2 Digestão, absorção e transporte de proteínas A digestão e a absorção de proteínas são processos altamente eficientes em pessoas saudáveis: apenas 1-2 g de nitrogênio são eliminados por dia nas fezes, o que equivale a 6-12 g de proteína. A digestão de proteínas inicia no estômago, onde as proteínas estimulam a mucosa gástrica a secretar o hormônio gastrina. A gastrina estimula a secreção de ácido hidroclorídrico e pepsinogênio. O ácido clorídrico confere pH ácido ao meio que propicia a desnaturação da proteína, isto é, quebra das estruturas quaternárias e terciárias, expondo as ligações peptídicas da proteína e facilitando a ação das enzimas digestivas. O pepsinogênio é convertido em pepsina e hidrolisa as longas cadeias polipeptídicas em peptídeos menores. À medida que o conteúdo gástrico passa para o intestino delgado, o pH ácido estimula a secreção do hormônio secretina. A secretina estimula o pâncreas a secretar bicarbonato de sódio no intestino delgado a fim de neutralizar o conteúdo gástrico. A entrada de aminoácidos no intestino delgado estimula a liberação do hormônio colecistoquinina (CCK) que estimula a liberação de enzimas pancreáticas tripsinogênio, quimotripsinogênio e procarboxipeptidase. A enteropeptidase, também chamada enteroquinase, uma enzima produzida pelas células epiteliais do intestino delgado, converte o tripsinogênio pancreático inativo em tripsina ativa. A tripsina ativa mais tripsinogênio também atua sobre outras pró-enzimas, liberando as endopeptidases quimotripsina, elastase e carboxipeptidases A e B. No intestino delgado, os polipeptideos provenientes do estômago sofrem ação das enzimas tripsina (especificidade por ligações adjacentes à lisina ou à arginina), elastase (especificidade por ligações adjacentes a aminoácidos alifáticos neutros) e quimotripsina (especificidade por ligações adjacentes a aminoácidos aromáticos) formando peptídeos menores. Ainda no intestino delgado, os peptídeos sofrem a ação de endo e exopeptidases. As endopeptidases atuam sobre ligações internas e liberam fragmentos peptídicos grandes. As exopeptidases clivam um aminoácido de cada vez da extremidade carboxi-terminal (carboxipeptidases) ou amino- terminal (aminopeptidases). Em seguida, a degradação de pequenos peptídeos é realizada por outras peptidases. Amino e dipeptidases produzidas pela mucosa intestinal completam a digestão dos peptídeos em aminoácidos. A maior parte da proteína, cerca de 60%, é absorvida na forma de oligopeptídeos. A absorção de di e tripeptídeos ocorre via PEPT-1, transportador próton-dependente e geralmente são hidrolisados a aminoácidos no compartimento citoplasmático do enterócito antes de entrarem na circulação sanguínea e serem transportados ao fígado. A absorção de aminoácidos livres ocorre no jejuno e íleo via transporte ativo e cotransporte de sódio. Os aminoácidos são absorvidos via transportador Na+ dependente, a energia necessária para o transporte é derivada diretamente do gradiente eletroquímico de Na+ e indiretamente do ATP (bomba de Na+ e K+). Após serem absorvidos, os aminoácidos são transportados ao fígado via veia porta (Figura 10). 21 METABOLISMO DE PROTEÍNAS │ UNIDADE II Figura 10. Absorção de aminoácidos livres e oligopeptídeos pelos enterócitos. PEPSIN POLPYPEPIDES FREE AMINO ACIDS (40%) OLIGOPEPTIDES (60%) TRYPSYN CHYMOTRYPSIN ELASTASE CARBOXYPEPTIDADE A + B ENDOPEPTIDASE AMINOPEPTIDASE DIPEPTIDASE BRUSH BORDERORIGIN: GASTRIO PANCREATIC LUMEN LUMINAL SURFACE Na+ DIPEPTIDES TRIPEPTIDES ENTEROCYTE CAPILLARY AMINO ACIDS Na+ K+ K+ Na+ DIPEPTIDES TRIPEPTIDES AMINO ACIDS ATP ADP H+ H+ Na+ Algumas patologias relacionadas ao metabolismo de proteínas e aminoácidos incluem: Cistinúria: intestino não absorve cistina e rins não reabsorvem cistina; Prolinúria: intestino não absorve prolina e rins não a reabsorvem; Doença de HartNup: intestino não absorve aminoácidos neutros e os rins não os reabsorvem; Doença celíaca: condição patológica na qual as enzimas intestinais são incapazes de digerir certas proteínas do trigo, principalmente a gliadina, que agridem as células que recobrem internamente o intestino delgado. Cereais que contêm gliadina, ou proteínas relacionadas, incluem trigo, centeio, cevada, aveia e triticale (resultado da hibridação do trigo e do centeio). Alimentos não tóxicos incluem arroz, milho, quinoa, soja, sorgo, sementes de amaranto, girassol. A doença pode ser diagnosticada por meio da análise da secreção dos anticorpos IgM e IgA no lúmen do intestino delgado. Outra patologia envolvendo as enzimas proteolíticas é a pancreatite aguda. Esta condição é causada pela obstrução da via normal de secreção do suco pancreático no intestino e as enzimas inativas são convertidas em suas formas ativas no interior das células pancreáticas, provocando destruição do tecido pancreático. 22 CAPÍTULO 3 Metabolismo de aminoácidos e proteínas Os aminoácidos captados pelo fígado podem seguir diferentes vias metabólicas: 1. serem utilizados por órgãos na síntese de proteínas teciduais; 2. serem utilizados pelo fígado para renovar as proteínas hepáticas ou para sintetizar proteínas plasmáticas; 3. serem degradados e convertidos em glicose para gerar ATP via Ciclo de Krebs ou serem convertidos em lipídeos e serem estocados; 4. serem utilizados para síntese de nucleotídeos dos ácidos nucléicos, anticorpos, hormônios ou outros compostos que contêm nitrogênio. Cerca de 20% dos aminoácidos que entram no fígado são liberados para a circulação, cerca de 50% são transformados em uréia e cerca de 6% em proteínas plasmáticas. Os aminoácidos liberados na circulação são metabolizados pelo músculo esquelético, rins e outros tecidos. Conforme comentado anteriormente, o anabolismo e o catabolismo proteico são processos dinâmicos específicos de cada tecido e caracteriza o turnover protéico. Aminoácidos livres são encontrados tanto nos tecidos como na circulação sanguínea. O pool de aminoácidos livres e proteínas é constantemente utilizado e reposto. A quantidade de aminoácidos livre reflete diversos processos: absorção intestinal, degradação de proteínas e perda por incorporação de aminoácidos em proteínas, oxidação e conversão em outros metabólitos. Duas reações estão envolvidas no metabolismo dos aminoácidos: desaminação oxidativa e transaminação. 1. Desaminação oxidativa. Ocorre no citoplasma dos hepatócitos, o grupo NH2 é retirado do aminoácido por meio da desaminases e cadeia carbônica livre de NH2 segue para o Ciclo de Krebs como será apresentado mais adiante. 2. Transaminação. Ocorre no citoplasma e mitocôndria por ação de enzimas chamadas transaminases ou aminotransferases (Figura 11). O nitrogênio é transferido de um alfa-aminoácido para um alfa-cetoácido. Cada aminoácido possui um cetoácido correspondente (Tabela 7). Pela transaminação, pares de aminoácidos podem ser interconvertidos por transferência de grupo amino. Um aminoácido cujo grupo amino foi retirado é chamado de 2-oxoácido ou cetoácido e é um precursor de aminoácidos. Por ser facilmente permeável à membrana mitocondrial, o ácido glutâmico é muito utilizado nas reações de aminação e transaminação, saindo da mitocôndria para buscar NH2 e levá-lo de volta à mitocôndria para síntese de aminoácido. Resumidamente, o efeito das reações de transaminação é coletar os grupos amino de muitos aminoácidos diferentes na forma de glutamato. O glutamato 23 METABOLISMO DE PROTEÍNAS │ UNIDADE II conduz os grupos amino para serem utilizados em vias biossintéticas ou para uma sequência de reações pela qual os produtos nitrogenados serão excretados. Figura 11.Representação esquemática da reação de transaminação. Princípios de bioquímica. Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010. COO– + H 3 N C H R L-Aminoácido COO– C O CH 2 CH 2 COO– a-Cetoglutarato PLP AMINO-TRANSFERASE COO– C O R a-Cetoácido COO– + H 3 N C H CH 2 CH 2 COO– L-Glutamato Tabela 7. Aminoácidos e seus cetoácidos correspondentes. AMINOÁCIDO CETOÁCIDO RELEVÂNCIA NO METABOLISMO ENERGÉTICO ALANINA GLUTAMATO ASPARTATO LEUCINA ISOLEUCINA VALINA PIRUVATO 2-OXOGLUTARATO OXALOACETATO 2-OXO-3-METILVALERATO 2-OXO-4-METILVALERATO 2-OXO-3-METILBUTIRATO PRODUTO FINAL DA GLICÓLISE INTERMEDIÁRIO DO CICLO DE KREBS INTERMEDIÁRIO DO CICLO DE KREBS PODE SER OXIDADO NO MÚSCULO PODE SER OXIDADO NO MÚSCULO PODE SER OXIDADO NO MÚSCULO Catabolismo proteico Os aminoácidos podem ser oxidados assim como a glicose e os ácidos graxos. Os aminoácidos podem sofrer degradação oxidativa em três circunstâncias metabólicas especificas: 1. Durante a síntese e degradação proteica, alguns aminoácidos liberados durante a quebra de proteínas podem sofrer degradação oxidativa caso eles não sejam necessários para a síntese de novas proteínas. 24 UNIDADE II │ METABOLISMO DE PROTEÍNAS 2. Quando os aminoácidos são ingeridos em excesso em relação às necessidades corporais, o excedente é catabolizado. 3. Durante o jejum severo ou o Diabetes Mellitus, quando os carboidratos são inacessíveis ou não utilizados adequadamente, as proteínas corporais são utilizadas como fonte energética. Nestas circunstâncias, os aminoácidos perdem seu grupo amino e os alfa-cetoglutarato podem sofrer oxidação até CO2 e H2O. A oxidação de aminoácidos contribui com 10-20% do metabolismo oxidativo total do organismo sob condições normais. Com relação ao catabolismo de proteínas e aminoácidos, antes da oxidação do esqueleto carbônico do aminoácido, o grupo amino deve ser removido numa reação chamada desaminação oxidativa, descrita anteriormente, com consequente formação de cetoácidos. Os cetoácidos podem ser: 1. Utilizados para produzir CO2 e ATP. 2. Intermediários na síntese de glicose. 3. Convertidos a acetil-CoA para sintetizar ácidos graxos e que por sobrecarregar o ciclo de Krebs formam corpos cetônicos que são posteriormente eliminados. Uma vez que as proteínas não podem ser armazenadas, estas utilizações alternativas ocorrem à custa da função de construção da proteína. O grupo amino é desviado para uma via metabólica especializada e é liberado como amônia. Parte da amônia é reciclada e empregada em uma grande variedade de processos biossintéticos, enquanto a amônia em excesso, gerada em tecidos extra-hepáticos é transportada ao fígado na forma de grupo amino para conversão na forma apropriada de excreção, isto é, em uréia e desta forma eliminada pela urina (Figura 12). Figura 12. Representação geral do catabolismo de aminoácidos. Princípio,s de bioquímica. Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010. PROTEÍNAS INTRACELULARES CO 2 + H 2 O + ATP PROTEÍNAS DA DIETA AMINO-ÁCIDOS PROTEÍNAS DA DIETANH 4 + BIOSSÍNTESE DE AMINOÁCIDOS, NUCLEOTÍDEOS E AMINAS BIOLÓGICAS CARBAMOILFOSFATO a-Cetoácido CIRCUITO DO ASPARTATO- ARGININO-SUCCINATO DO CICLO DO ÁCIDO CÍTRICO CICLO DA UREIA CICLO DO ÁCIDO CÍTRICO UREIA (PRODUTO DE EXCREÇÃO DO NITROGÊNIO) OXALOACETATO GLICOSE (SINTETIZADA NA GLICONEOGÊNESE) 25 METABOLISMO DE PROTEÍNAS │ UNIDADE II Em muitos animais, a amônia em excesso é convertida em um composto não tóxico antes de ser transportada dos tecidos extra-hepáticos para o fígado e rins. Os aminoácidos glutamato e glutamina desempenham papel importante nesta via. Os grupos amino dos aminoácidos são transferidos ao alfa -cetoglutarato no citosol dos hepatócitos para formar glutamato. O glutamato é então transportado para o interior da mitocôndria, onde o grupo amino é removido para formar amônia. Nos músculos, os grupos amino em excesso são transferidos para o piruvato, com a respectiva formação de alanina que transporta grupos amino dos músculos para o fígado. A síntese de uréia ocorre pelo ciclo da ureia nas mitocôndrias dos hepatócitos. O CO2 e a amônia se unem à ornitina por uma série de reações para produzir arginina que é hidrolisada para produzir ureia e ornitina. A molécula de ornitina é repetidamente utilizada para formar arginina e ureia. Quanto mais hiperproteica a dieta, maior é a disponibilidade de aminoácidos no sangue e a atividade das enzimas do ciclo da uréia para excretar o nitrogênio. Algumas consequências clínicas do catabolismo proteico: » Prejuízo do processo de cicatrização. » Prejuízo da resposta imune para infecções. » Hipoalbuminemia. » Aumento das proteínas de fase aguda (proteína C reativa, fibrinogênio etc). » Diminuição da capacidade de coagulação. » Translocação bacteriana intestinal. » Degradação muscular. » Diminuição da função da musculatura respiratória. Algumas proteínas utilizadas para avaliação do estado catabólico: imunoglobulina, albumina, IGF- 1, proteína total plasmática, RBP, ferritina, aminograma. A creatinina urinária está relacionada ao catabolismo protéico muscular. Conforme descrito anteriormente, o excesso de proteína é tratado como fonte energética. Os aminoácidos glucogênicos (alanina, glutamina) podem ser convertidos em glicose e os aminoácidos cetogênicos (leucina) podem ser convertidos em ácidos graxos e cetoácidos. Ambos os tipos de aminoácidos são convertidos em triacilglicerol no tecido adiposo. Os aminoácidos glucogênicos são metabolizados a piruvato, 3-fosfoglicerato, alfa-cetoglutarato, oxaloacetato, fumarato ou succinil-CoA e os aminoácidos cetogênicos produzem acetil-CoA ou acetoacetato (Figura 13). 26 UNIDADE II │ METABOLISMO DE PROTEÍNAS Figura 13. Resumo do catabolismo dos aminoácidos. Aminoácidos glucogênicos (rosa) e cetogênicos (azul). Princípios de bioquímica. Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010. a-Cetoglutarato Succinil-CoA Succinato Fumarato Malato Ciclo de ácido cítrico Isocitrato CO 2 Piruvato Glutamato Arginina Glutamina Histidina Prolina Isoleucina Metionina Treomina Valina Acetil-CoA Acetoacetil-CoA Fenilalanina Tirosina Glicose Asparagina Aspartato Alanina Cisteína Glicina Serina Treonina Triptofano Isoleucina Leucina Treonina Triptofano Fenilalanina Leucina Lisina Triptofano Tirosin Corpos cetônicos Oxaloacetato Citrato Glicogênicos Cetogênicos Anabolismo proteico O anabolismo proteico ocorre na maioria das células corporais. A reação pela qual os aminoácidos não essenciais são sintetizados é a transaminação. A síntese proteica é controlada em cada célula pelo DNA (Ácido Desoxirribonucleico), o material genético do núcleo celular. O DNA funciona como um molde para o RNA (Ácido Ribonucleico) que participa da síntese proteica. O controle da síntese de proteína depende das necessidades do organismo e não da quantidade de proteína da dieta. A síntese proteica é regulada por diversos hormônios: hormônio do crescimento que aumenta a síntese proteica; a insulina que intensifica o transporte de aminoácidos para as células e aumenta a disponibilidade de glicose; os glicocorticoides que promovem catabolismo proteico aumentando a quantidade de aminoácidos nos fluidos corporais, os glicocorticoides também agem nos ribossomos, aumentado a eficiência da tradução, e melhorando assim a taxa de síntese proteica; a tiroxina que aumenta a taxa de síntese proteica quando carboidratos e lipídeos estão disponíveis como fonte energética, e que também degrada proteína para ser utilizada como fonte energética quando outros nutrientes não estão disponíveis (Tabela 8). 27 METABOLISMO DE PROTEÍNAS │ UNIDADE II Tabela 8. Controle da síntese de proteínas Hormônio Órgão Ação Insulina Fígado Estimula captação de aminoácidos e síntese protéicaMúsculo Estimula síntese proteica, inibe proteólise e promove captação de aminoácidos no estado alimentado. Glucagon Fígado Estimula proteólise e inibe síntese proteica Adrenalina Músculo Inibe síntese proteica, estimula oxidação de ACR, estimula liberação de alanina e glutamina Cortisol Fígado Promove síntese de glutamina no jejum, ativa enzimas relacionadas ao catabolismo de aminoácidos Músculo Promove proteólise, inibe síntese de proteína, inibe captação de aminoácidos Cada aminoácido possui uma via metabólica específica em diferentes tecidos. Os aminoácidos de cadeia ramificada (leucina, isoleucina e valina) são preferencialmente captados pelo músculo esquelético após uma refeição e são transaminados e oxidados, promovendo fonte energética para o músculo. Alanina e glutamina são aminoácidos glicogênicos, isto é, podem ser convertidos em glicose e promovem um link entre o metabolismo dos aminoácidos e dos carboidratos. A alanina é captada avidamente pelo fígado, particularmente sob condições de gliconeogênese, estimulada pelo glucagon. No fígado, que possui transaminases bastante ativas, a alanina transfere seu grupo amino para o 2-oxoglutarato, deixando o seu esqueleto carbônico como piruvato, um substrato da gliconeogênese. O ciclo da alanina (Figura 14) é importante fonte de glicose e um método de transportar nitrogênio do músculo esquelético para o fígado sem a formação de amônia. Assim, o ciclo glicose-alanina funciona com dupla finalidade: fornecer ao músculo glicose sintetizada no fígado a partir do esqueleto carbônico da alanina e transportar grupos amino do músculo esquelético para o fígado para ser convertido em ureia. A glutamina é removida principalmente pelos rins e células da mucosa intestinal. Nos rins, a ação da glutaminase remove o grupo amino, formando amônia e liberando glutamato, o qual pode ser convertido a 2-oxoglutarato. A glutamina é importante fonte energética para células de divisão rápida como os enterócitos. Os enterócitos utilizam cerca de 20g/dia de glutamina e o sistema imune 5g/dia. A avaliação bioquímica da glutamina circulante é um bom parâmetro em nutrição clínica. Sua redução está relacionada à diminuição da síntese endógena, o que significa perda de massa muscular. A leucina é considerada um sensor nutricional, informando às células sobre o estado nutricional do organismo. O excesso de leucina nas células é indicação de anabolismo. Os processos de catabolismo e anabolismo proteico estão resumidos na tabela 9. Tabela 9. Processo de Catabolismo e anabolismo no proteico Processo Descrição Catabolismo proteico Desaminação oxidativa dos aminoácidos para formar cetoácidos que podem ser utilizados para síntese de glicose ou ácidos graxos. Anabolismo proteico Controlado pelo DNA no núcleo e realizado pelo RNA no citoplasma. Síntese por transaminação (transferência enzimática de um grupo amino de um aminoácido para um cetoácido). 28 UNIDADE II │ METABOLISMO DE PROTEÍNAS Figura 14. Ciclo da alanina. A alanina funciona como trasportadora de amônia e do esqueleto carbonado do piruvato desde o músculo até o fígado. A amônia é excretada e o piruvato é utilizado para produzir glicose, que é devolvida ao músculo. Princípios de bioquímica. Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010. Aminoácidos Glutamato Alanina-aminotransferase a-Cetoglutarato NH 4 + Alanina Alanina sanguíneaGlicose sanguínea Glicose Piruvato gliconeogênese Figado Alanina a-Cetoglutarato Alanina-aminotransferase Proteína muscular Glicose Piruvato Glicólise Glutamato ciclo da ureia NH4 + Ureia 29 UNIDADE IIIMETABOLISMO DE LIPÍDEOS CAPÍTULO 1 Metabolismo de lipídeos Os lipídeos são macronutrientes que desempenham funções energéticas, estruturais e hormonais no organismo. Do ponto de vista químico a definição de lipídio relaciona-se com a sua solubilidade em meio apolar, englobando diversas substâncias extraíveis por solventes orgânicos como o éter e o clorofórmio. Os principais lipídeos de importância clínica são os Ácidos Graxos (AG), os Triacilgliceróis (TG), os Fosfolipídeos (PL) e o colesterol. Os compostos lipídicos presentes nos alimentos em maiores porcentuais são os TG (90-98%) e os PL (2-10%). Considerando-se que os TG e os PL possuem em sua estrutura três e duas moléculas de AG, respectivamente, os AG são, portanto, os constituintes mais importantes da fração lipídica da alimentação. Os AG são ácidos monocarboxílicos, de cadeia hidrocarbonada de tamanho variável e que podem ser representados pela forma RCO2H. A cadeia carbônica da molécula de AG, designada grupamento R, constitui a região apolar da estrutura, enquanto a região polar é composta pelo grupo carboxila. Classificação dos lipídeos O tamanho da cadeia carbônica determina a classificação dos AG em: 1. Cadeia curta: de dois a quatro átomos de carbono. 2. Cadeia média: de seis a dez átomos de carbono. 3. Cadeia longa: acima de doze átomos de carbono, sendo os AG de cadeia longa os mais importantes em nutrição humana. Quanto à presença de insaturações na cadeia carbônica, os AG são categorizados em: 1. Saturados (SFA) – não possuem insaturações na molécula, ou seja, todas as valências do carbono estão ligadas a átomos de hidrogênio; 2. Insaturados - possuem uma (monoinsaturados, MUFA) ou mais de uma (poliinsaturados, PUFA) insaturação na molécula. As duplas ligações fazem com que os dois átomos de hidrogênio ligados aos dois carbonos envolvidos na ligação estejam em um mesmo lado do plano (isômero cis) ou em lados opostos (isômero trans). 30 UNIDADE III │ METABOLISMO DE LIPÍDEOS Nutricionalmente, uma prática aceita é descrever a estrutura química das moléculas dos AG iniciando-se a numeração dos carbonos pela extremidade metílica (carbono ω- ou n-). Nesse sistema de numeração, o ácido palmitoleico é referido como 16:1 ω7. Isso indica que o ácido tem 16 átomos de carbono e uma dupla ligação localizada a sete átomos do carbono ω. De acordo com a localização da primeira dupla ligação a partir do terminal metílico, os AG insaturados são distribuídos em quatro classes, sendo que cada classe é composta por uma família de AG (Tabela 10). Tabela 10. Classificação dos ácidos graxos insaturados, segundo localização da primeira dupla ligação a partir do terminal metílico. CLASSE AG PARENTAL ESTRUTURA ω7 ω9 ω6 ω3 Ácido palmitoleico Ácido oleico Ácido linoeico Ácido linolênico 9-16:1 9-18:1 9,12-18:2 9,12,15-18:3 A partir dos AG ômega-6, como o Ácido Araquidônico (AA), ou dos ácidos graxos ômega-3, como os Ácidos Eicosapentanoico (EPA) e o Docosahexaenoico (DHA) são sintetizados eicosanoides, mediadores inflamatórios. A classe de eicosanoides inclui as Prostaglandinas (PG) e os Tromboxanos (TX), os quais são denominados prostanoides, bem como os Leucotrienos (LT), as Lipoxinas (LX) e os intermediários Ácidos Hidroperoxieicosatetraenoico (HPETE) e Hidroxieicosatetraenoico – HETE. O AA é precursor de eicosanoides como a Prostaglandina E2 (PGE2), Leucotrieno B4 (LTB4), Tromboxano 2 (TX2) e Fator de Agregação de Plaquetas (PAF). Esses mediadores apresentam maior potencial inflamatório quando comparados com os eicosanoides sintetizados a partir dos ácidos graxos n-3, como a Prostaglandina E3 (PGE3), Leucotrieno B5 (LTB5) e Tromboxano 3 (TX3) (Figura 15). Figura 15. Ácidos Graxos dietéticos como precursores para a síntese de eicosanóides. AA 12-HPEETE 12-HETE LTB 4 LTC 4 LTD 4 LTE 4 LXA 4 12-lox 5-lox 15-lox Leucotrienos lipoxigenase PGD 2 PGE 2 PGF 2A PGI 2 TXA 2 TXB 2 LTB 5 LTC 5 LTD 5 LTE 5 Prostaglandinas Prostaclinina sintetase Tromboxano sintetase Tromboxanos cicloxigenase 5-lipoxigenase PGE 3 PGI 3 TXA 3 Cicloxigenase EPA/DHA (óleo de peixe Fosfolipase A 2 Inibe AA + PL Repõe DHGL Inibe PGE1 ÁCIDO LINOLEICO ÁCIDO ALFA-LINOLEICO 31 METABOLISMO DE LIPÍDEOS │ UNIDADE III Digestão, absorção e transporte de lipídeos A digestão dos lipídeos se iniciano estômago, catalisada pela lipase gástrica. Esta lipase é secretada pelas glândulas no fundo do estômago e resiste à atividade proteolítica da pepsina, bem como aos efeitos de desnaturação do ácido gástrico. Acredita-se que esta enzima seja responsável pela hidrólise de 10-30% dos TG. A lipase gástrica é especialmente importante para a nutrição infantil, porque os níveis de lipase pancreática são baixos nos recem-nascidos, enquanto a lipase gástrica ocorre nas mesmas concentrações encontradas em adultos. A lipase pancreática é secretada em conjunto com outros zimogênios e enzimas pancreáticas. A atividade da enzima é estimulada por uma pequena proteína chamada colipase, secretada no suco pancreático em uma concentração similar à da enzima. A colipase aumenta a capacidade de aderência da lipase pancreática às gotículas lipídicas e impede que os sais biliares inibam a atividade máxima da lípase e altere o pH necessário para a atividade máxima da lípase. Para serem absorvidos, os TG ingeridos precisam ser convertidos de partículas gordurosas macroscópicas insolúveis em micelas microscópicas finalmente dispersas. Os sais biliares, como o ácido taurocólico, sintetizados no fígado a partir do colesterol, são estocados na vesícula biliar e depois da ingestão de uma refeição gordurosa são liberados no intestino delgado. Esses compostos anfipáticos agem como detergentes biológicos convertendo as gorduras alimentares em micelas mistas de sais biliares e TG. A formação de micelas aumenta enormemente a fração de moléculas lipídicas acessíveis à ação das lipases lipossolúveis no intestino e a ação dessas lipases converte os TG em monoacilgliceróis (monoglicerídios), diacilgliceróis (diglicerídios), ácidos graxos livres e glicerol. Após a absorção no lúmen, os produtos de hidrólise são reesterificados a TG, fosfolipídeos e ésteres de colesterol. Como os lipídeos são insolúveis na fase aquosa, eles são transportados no sangue por meio das lipoproteínas. As lipoproteínas são moléculas anfipáticas, isto é, hidrofóbicas e hidrofílicas. A monocamada das lipoproteínas é constituída por fosfolipídeos, colesterol livre e proteínas, que envolvem as moléculas hidrofóbicas, os TG e os Ésteres de colesterol. As várias combinações possíveis de lipídeos e proteínas produzem partículas de densidades diferentes, variando dos quilomícrons e das lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL, do inglês: “Very Low Density Lipoprotein”) até lipoproteínas de alta densidade (VHDL, do inglês: “Very High Density Lipoprotein”). As lipoproteínas são classificadas de acordo com a densidade (Tabela 11). Tabela 11. Classificação das lipoproteínas Lipoproteína Proteína (%) Densidade (g L) Diâmetro (nm) Quilomicron VLDL LDL HDL 2 10 23 55 0,95 0,95-1,006 1,019 – 1,063 1,063-1,21 75-1200 30-80 18-25 5-12 32 UNIDADE III │ METABOLISMO DE LIPÍDEOS Figura 16. Digestão e absorção de lipídeos da dieta ocorrem no intestino delgado, e os ácidos graxos liberados dos triacilgliceróis são empacotados e distribuídos para o músculo e tecido adiposo. Princípios de bioquímica. Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010. Vesícula biliar Gorduras ingeridas na dieta Intestino delgado 1. Os sais biliares emulsificam as gorduras da dieta no intestino delgado, formando micelas mistas. 2. As lipases intestinais degradam os triacilgliceróis. 3. Os ácidos graxos e outros produtos da degradação são absorvidos pela mucosa intestinal e convertidos em triacilgliceróis. 4. Os triacilgliceróis são incorporados com colesterol e apolipoproteínas, nos quilomícrons. Quilomícron 5. Os quilomícrons movem- se pelo sistema linfático e pela corrente sanguínea para os tecidos 6. A lipoproteína lipase, ativada por apoC-II nos capilares, converte triacilgliceróis em ácidos graxos e glicerol. Lipoproteína lipase 7. Os ácidos graxos entram nas células 8. Os acidos graxos são oxidados como combustíveis ou esterificados novamente para armazenamento. Miócito ou adipócito CO 2 ATP Capilar Mucosa intestinal ApoC-II As primeiras lipoproteínas formadas são os Quilomicrons (QM), sintetizados pelas células epiteliais do intestino delgado e têm a função de transportar TG e colesterol provenientes da dieta para os tecidos. Os QM possuem diâmetro grande, o que os impossibilita de atravessar as membranas dos capilares endoteliais. Nos capilares do fígado, do músculo e do tecido adiposo, a enzima extracelular lipase lipoprotéica hidrolisa os TG em AG e glicerol, que são captados pelas células dos tecidos- alvo. Nos músculos, os AG são oxidados para obtenção de energia; no tecido adiposo, eles são reesterificados e armazenados como TG. Os remanescentes dos QM desprovidos da maior parte dos seus TG viajam pelo sangue até o fígado, onde eles são captados por endocitose. Os TG que entram no fígado por esta via podem ser oxidados para fornecer energia ou servirem de precursores para a síntese de corpos cetônicos (ver a seguir). Os QM trocam TG por éster de colesterol com os HDL. Esta troca é catalisada pela proteína transferidora de éster de colesterol (CETP). O HDL é sintetizado no fígado e no intestino e captura o colesterol livre dos tecidos periféricos. O colesterol capturado é esterificado pela ação da enzima colesterol acil transferase e retorna ao fígado ou é transferido a outras lipoproteínas. Parte do colesterol é utilizada na síntese de hormônios esteroides, síntese de membranas, ou excretado pelo fígado na bile e por último nas fezes. Os hepatócitos secretam VLDL rica em TG que ao distribuir TG aos tecidos periféricos forma a LDL (Figura 17). 33 METABOLISMO DE LIPÍDEOS │ UNIDADE III Figura 17. Lipoproteínas e transporte de lipídeos. Princípios de bioquímica. Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010. Fígado Precursores de HDL (oriundos do fígado e do intestino Intestino VLDL Quilomicra Capilares Ácidos graxos livres lipase lipoproteína Te cid os ex tra he pá tic os LDL HDL Transporte reverso de colesterol Re m an es ce nt es de V LD L (ID L) Remanescentes de quilomicra Glândulas mamária, músculo ou tecido adiposo (a) Plasma sanguíneo após jejum Plasma sanguíneo após uma refeição (b) Lipoproteínas e transporte dos lipídeos. (a) Os lipídeos são transportados na corrente sanguínea como lipoproteínas, existentes em diversas formas variantes, cada uma com diferentes funções e com composições lipídica e proteica distintas, portanto, com densidades diferentes. Os lipídeoas da dieta são empacotados em quilomicra: a maior parte do seu conteúdo em triacilgliceróis é liberada pela lípase lipoproteica nos tecidos adiposo e muscular, durante o transporte ao longo dos capilares. Os quilomicra remanescentes (contendo na maior parte proteínas e colesterol) são captados pelo fígado. Os lipídeoas endógenos e o colesterol do fígado são transportados para os tecidos adiposo e muscular pela VLDL. A extração dos lipídeos da VLDL (acompanhada pela perda de parte das apolipoproteínas) converte, gradualmente, parte da VLDL em LDL, que transporta o colesterol para os tecidos extra-hepáticos ou de volta para o fígado. O fígado capta LDL, remanescentes da VLDL (chamadasdelipoproteínas de densidade intermediária, ou IDLS) e os remanescentes de quilomicra por endocitose mediada por receptor. O excesso de colesterol nostecidos extra-hepáticos é transportado de volta ao fígago como HDL. No fígado, parte do colesterol é convertida em sais biliares. (b) Amostras de plasmas sanguíneo coletadas depois de um período de jejum (à esquerda) e após uma refeição rica em gorduras (à direita). Os quilomicra formados após uma refeição gordurosa dão ao plasma uma aparência leitosa. 34 CAPÍTULO 2 Metabolismo de lipídeos As células que obtêm energia da oxidação de AG podem obter esses mesmos AG a partir de três fontes: 1. Gorduras presentes na alimentação.2. Gorduras armazenadas nas células na forma de gotículas gordurosas. 3. Gorduras recém-sintetizadas em um órgão para ser exportada para outro. Alguns organismos utilizam as três fontes em várias circunstâncias, enquanto outros obtêm AG de apenas uma ou duas dessas fontes. Os seres humanos, por exemplo, obtêm gorduras mediante a ingestão delas na alimentação, mobilizam gorduras armazenadas em tecido especializado (tecido adiposo), e, no fígado, convertem os carboidratos em excesso da alimentação em gorduras, exportando-as para outros tecidos. Os TG fornecem mais da metade das necessidades energéticas de alguns órgãos, particularmente o fígado, o coração e o músculo esquelético em repouso. Lipólise Os adipócitos sintetizam e armazenam TG. Os TG armazenados podem ser hidrolisados em monoglicerideos, ácidos graxos e gliceróis que são utilizados para síntese de PL e glicolipidios e fonte de energia. Durante o catabolismo dos AG (beta-oxidação), os AG são ativados a acetil-CoA, transportados pela membrana interna mitocodrial e degradados na matriz mitocondrial numa sequência de 4 reações. O FADH2 e NADH formados na beta-oxidação transferem seus elétrons para o oxigênio pela cadeia de transporte de elétrons, enquanto o acetil-CoA entra no Ciclo de Krebs. Etapas químicas da oxidação dos AG nas mitocôndrias: 1. Oxidação dos AG de cadeia longa em fragmentos de dois carbonos, na forma de acetil-CoA; 2. Oxidação do acetil-CoA em CO2,por meio do Ciclo de Krebs; 3. Transferência de elétrons dos transportadores de elétrons reduzidos para a cadeia respiratória mitocondrial (Figura 18). 35 METABOLISMO DE LIPÍDEOS │ UNIDADE III Figura 18. Etapas da oxidação de ácidos graxos. Princípios de bioquímica. Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010. Ciclo do ácido cítrico NADH, FADH 2 CH 3 CH 2 CH 2 CH 2 CH 2 CH 2 CH 2 CH 2 CH 2 CH 2 CH 2 CH 2 CH 2 CH 2 CH 2 C O O– 16CO 2 64e– 8 Acetil-CoA b-Oxidação Etapa 1 + P i Cadeia respiratória (transferência de elétrons) ei 2H+ + 1 O 22 H 2 O ADP ATP Etapa 3 Etapa 2 e- Corpos cetônicos Durante a oxidação dos AG no fígado dos seres humanos, o acetil-CoA formado pode entrar no Ciclo de Krebs, ou pode ser convertido nos chamados corpos cetônicos (acetoacetato, beta-hidroxibutirato e acetona) que são exportados para outros tecidos por meio da circulação sanguínea. A acetona, produzida em menores quantidades que os outros corpos cetônicos, é exalada. O acetoacetato e o beta-hidroxibutirato são transportados pelo sangue para os tecidos extra-hepáticos, como músculos esquelético, cardíaco e córtex renal, onde eles são oxidados por meio da via do Ciclo de Krebs para 36 UNIDADE III │ METABOLISMO DE LIPÍDEOS fornecer a maior parte da energia requerida por esses mesmos tecidos. O encéfalo, que normalmente utiliza apenas a glicose como combustível, em condições de fome, quando a glicose não está disponível, pode adaptar-se para usar o acetoacetato ou o beta-hidroxibutirato na obtenção de energia. A disponibilidade de oxaloacetato para iniciar a entrada do acetil-CoA no Ciclo de Krebs é o principal fator determinante da via metabólica que será tomada pelo acetil-CoA na mitocôndria hepática. Em algumas circunstâncias (como o jejum), as moléculas de oxaloacetato são retiradas do Ciclo de Krebs e empregadas na síntese de moléculas de glicose (gliconeogênese). Quando a concentração de oxaloacetato está muito baixa, pouco acetil-CoA entra no Ciclo de Krebs e, assim, a formação de corpos cetônicos é favorecida. A superprodução de corpos cetônicos pode ocorrer em condições de jejum severo ou de diabetes não controlado por tratamento. O aumento nos níveis sanguíneos do acetoacetato e beta-hidroxilbutirato diminui o pH do sangue, provocando uma condição conhecida como acidose. Uma acidose extrema pode provocar o coma e, em não raros casos, a morte. Os corpos cetônicos no sangue e na urina de diabéticos não-tratados podem atingir níveis muito altos; esta condição é conhecida como cetose. Em pessoas com dietas de conteúdo calórico muito baixo, as gorduras armazenadas no tecido adiposo tornam-se a maior fonte de energia. Os níveis de corpos cetônicos no sangue e na urina dessas pessoas devem ser acompanhados para evitar os perigos da ocorrência de acidose e Cetose (Figura 19). Figura 19. Formação de corpos cetônicos e exportação a partir do fígado. As condições que promovem gliconeogênese (diabetes não tratado, redução na ingestão de alimento) desaceleram o Ciclo de Krebs e aumentam a conversão de acetil-CoA em acetoacetato. A coenzima A liberada permite a beta-oxidação de ácidos graxos. Princípios de bioquímica. Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010. Gotículas de lipídeos Hepatocito Acetoacetato, D-b- hidroxibutirato, acetona CoA formação de corpos cetônicos Ácidos graxos b-oxidação Oxaloacetato gliconeogênese Glicose Acetil-CoA Glicose exportada coo combustível para o cérebro e outros tecidos Acetoacetato e D-b- hidroxibutirato, exportados como fonte de energia para o coração, o músculo esquelético o rim e o cérebro ciclo do ácido cítrico 37 METABOLISMO DE LIPÍDEOS │ UNIDADE III Lipogênese Alguns AG podem ser sintetizados a partir de acetil-CoA proveniente de carboidratos e de aminoácidos pela ação da enzima acido graxo sintetase. A síntese de novos AG e sua incorporação no tecido adiposo é realizada por vias similares às encontradas no fígado. Quando a dieta contém uma quantidade de AG maior que aquela imediatamente necessária como combustível, eles são convertidos em TG no fígado e estes são agrupados com apolipoproteínas específicas em VLDLs. Estas VLDLs são transportadas pelo sangue do fígado até o tecido adiposo, onde os TG são absorvidos e armazenados como gotículas lipídicas no interior dos adipócitos. Os processos de lipólise e lipogênese estão resumidos na tabela 12 e figura 20. Tabela 12. Processo de Lipólise Processo Descrição Catabolismo lipídico (lipólise) TG são hidrolisados a glicerol que entram na via glicolítica e AG que são catabolizados pela beta-oxidação em acetil-CoA que entram no ciclo de Krebs para produzir ATP. Anabolismo lipídico (lipogênese) Síntese de lipídeos a partir da condensação de moléculas de acetil-CoA e redução a AG e esterificação de AG para formar TG. Figura 20. Regulação da síntese e degradação de ácidos graxos. Duas enzimas são essenciais na coordenação do metabolismo de AG: a acetil-CoA-carboxilase (ACC) que é a primeira enzima da síntese dos AG e a carnitina aciltransferase I que limita o transporte de AG para dentro da matriz mitocondrial para a beta-oxidação. Princípios de bioquímica. Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010.unidade Mitocôndria Acil graxo-CoA Carnitina-acil transferase I Carnitina- acil graxo b-Oxidação de ácidos graxos Síntese de ácidos graxos múltiplos passos Ácidos graxos glicólise, complexo da piruvato-desidrogenase Carboidrato da dieta Glicose Glicose alta no sangue 1 Insulina 2 fosfatase Glicose baixa no sangue Glucagon 5 PKA P ACC Inativa 6 ACC 3 Acetil-CoA Malonil-CoA 7 FADH 2 NADH 8 b-oxidação Carnitina- acil graxo Carnitina Acetil-CoA Acil graxo-CoA CoASH 4 P i 38 UNIDADE IV INTEGRAÇÃO METABÓLICA: INTER-RELAÇÃO ENTRE O METABOLISMO DE CARBOIDRATOS, LIPÍDEOS E PROTEÍNAS O estado alimentado e o jejum são referenciados como estado absortivo e pós-absortivo, respectivamente. O estado absortivo refere-se ao momento durante o qual os nutrientes ingeridos são absorvidos a partir do trato gastrintestinal, ao passo que durante o estado pós-absortivo a energia deve ser suprida pelas reservas do próprio organismo. As vias metabólicas são controladas de forma coordenada pelos hormônios glucagon e insulina. Células pancreáticas especializadassão responsáveis pela produção destes hormônios que atuam de forma oposta, ou seja, no estado alimentado os efeitos da insulina se sobrepõem ao do glucagon, enquanto no jejum ocorre o inverso (Figura 21). Contudo, ambos estão presentes no organismo, sendo que a relação da concentração entre eles determinará qual ação é predominante, e sua secreção é estimulada, dentre outros fatores, pela disponibilidade de nutrientes energéticos. Figura 21. Relação entre insulina e glucagon e seus efeitos durante os estados alimentado e jejum. Silversthorn, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 5ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. Oxidação da glicose Síntese de glicogênio Síntese de gorduras Síntese de proteínas Glucagon Insulina a) Estado alimentado: insulina predomina Glicogenólise Gliconeogênese Cetogênese Gluca gon Insuli na b) Estado de jejum: glucagon predomina 39 CAPÍTULO 1 Estado absortivo = alimentado No estado alimentado, altas concentrações de glicose e aminoácidos advindos da dieta chegam ao fígado. As moléculas de glicose são internalizadas pelos hepatócitos com ajuda do transportador de glicose tipo 2 (GLUT-2), que eficientemente permite que a concentração de glicose na célula hepática seja semelhante à encontrada no sangue. No entanto, a utilização de glicose pela célula só é possível após a fosforilação desta molécula. No hepatócito, a enzima que catalisa esta reação, a glicoquinase, tem baixa afinidade pela glicose, sendo necessárias altas concentrações de glicose para sua fosforilação. Isso é possível devido à capacidade do fígado em utilizar preferencialmente ácidos graxos e aminoácidos como fonte energética. Ainda que a insulina não influencie a captura de glicose pelos hepatócitos, ela possui papel importe no uso deste substrato pelas células hepáticas. Uma grande concentração de glicose aliada à presença significativa de insulina estimulará a glicogênese, que será importante no fornecimento de substrato energético durante períodos iniciais de jejum. Após ser internalizada pelo fígado, a glicose pode seguir a via glicolítica e posteriormente o Ciclo de Krebs, onde ocorrerá a oxidação e formação da maior parte de ATP; pode seguir a via das pentoses; ou a via da glicogênese, que formará um polissacarídeo de reserva energética (glicogênio), liberado durante períodos de restrição alimentar. A produção deste carboidrato ocorre em quantidade relativamente pequena e, após saturação e estimulo insulínico, o excesso é convertido em AG após formação de um composto intermediário chamado acetil-CoA. Durante a alimentação, boa parte dos aminoácidos que chegam ao fígado são retidos e não alcançam a circulação sistêmica. No período pós-prandial, a alta concentração de aminoácidos permite que o fígado extraia quantidade significativa de energia por meio de sua oxidação, além de poder metabolizá-los da seguinte maneira: entram na via das proteínas, para a síntese proteica; os aminoácidos sofrem desaminação, entram na via metabólica dos carboidratos para formação de glicose ou glicogênio; e lipídeos, para a síntese de ácidos graxos e corpos cetônicos. Os AG são esterificados juntos a uma molécula de glicerol para a formação de TG. Por sua vez, estes são liberados na corrente sanguínea como VLDL, que sofrerão hidrólise pela Lipase Lipoproteica (LPL) presente nos capilares do tecido adiposo, liberando AG e glicerol para posterior armazenamento neste tecido. Além do fígado, o músculo esquelético e o tecido adiposo também contribuem para a regulação do metabolismo energético. Estes tecidos, principalmente o tecido adiposo, são capazes de armazenar grandes quantidades de substrato energético, que serão utilizados no período pós-absortivo. O transporte de glicose no músculo esquelético é realizado pelo transportador de glicose tipo 4 (GLUT- 4), que são dependentes de insulina. A glicose pode sofre oxidação para produção de energia ou ser armazenada como glicogênio. Já os aminoácidos que o fígado não capturou são usados para a síntese proteica no músculo esquelético. As proteínas são degradas de forma contínua e os aminoácidos provenientes deste processo são acrescentados a um pool intracelular. Ao mesmo tempo, novas proteínas são sintetizadas, apanhando aminoácidos deste mesmo pool. Durante a alimentação, 40 UNIDADE IV │ INTEGRAÇÃO METABÓLICA: INTER-RELAÇÃO ENTRE O METABOLISMO DE CARBOIDRATOS, LIPÍDEOS E PROTEÍNAS a quantidade de aminoácidos armazenados é grande devido a sua absorção. Adicionalmente, a quantidade de aminoácidos que saem dos depósitos para o metabolismo oxidativo é pequena, devido à alta disponibilidade de glicose para a oxidação. Por isso, grande quantidade de aminoácidos é direcionada à produção de novas proteínas. Desse modo, a taxa de síntese se sobrepõe à taxa de degradação e os aminoácidos são estocados como proteína muscular. No tecido adiposo, durante o período absortivo, a glicose pode ser transformada em glicerol que se unirá a AG para formar TG, armazenados temporariamente neste tecido. Os AG constituintes dos TG podem ser oriundos de duas fontes: da lipogênese a partir da glicose no próprio tecido adiposo ou da captação de quilomícrons e VLDL. A grande quantidade de glicose sanguínea originada da absorção intestinal durante o estado absortivo é a fonte energética imediata para a maioria dos tecidos, inclusive o sistema nervoso central. A glicose é usada pela via da glicólise. Esta é a primeira etapa de oxidação, seguido pelo Ciclo de Krebs, de onde se completa a oxidação, sendo a principal via metabólica de geração energética no organismo. Concomitantemente, no fígado e no músculo esquelético há a formação de estoques de glicogênio e, no tecido adiposo há síntese de TG. Sendo assim, o estado absortivo tem como característica o armazenamento de substrato energético, que será utilizados durante a restrição alimentar. Ao mesmo tempo, existe elevado uso imediato de glicose como fonte energética. Desse modo, a alta concentração sérica de glicose observada logo após a alimentação é momentânea, atingindo seus valores basais conforme sua captação tecidual. As relações metabólicas entre os tecidos durante o período absortivo estão apresentadas na figura 22. Figura 22. Representação do metabolismo energético durante o estado absortivo. Princípios de bioquímica. Nelson D.L.; Cox M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. Sarvier, 2010. 41 INTEGRAÇÃO METABÓLICA: INTER-RELAÇÃO ENTRE O METABOLISMO DE CARBOIDRATOS, LIPÍDEOS E PROTEÍNAS │ UNIDADE IV O estado bem-alimentado: o fígado lipogênico. Imediatamente após uma refeição rica em calorias, a glicose, os ácidos graxos e os aminoácidos entram no fígado. A insulina, liberada em respota à alta concentração sanguínea de glicose, estimula a captação do açúcar pelos tecidos. Parte da glicose é exportada para o encéfalo para suas necessidades energéticas e parte para os tecidos adiposo e muscular. No fígado, o excesso de glicose é oxidado a acetil -CoA, que é usada na síntese de ácidos graxos que são exportados como triacilgliceróis em VLDLs para os tecidos adiposo e muscular. O NADPH necessário para a síntese de lipídeos é obtido pela oxidação da glicose na via das pentoses-fosfato. O excesso de aminoácidos é convertido em piruvato e acetil-CoA, que também são usados para a síntese de lipídeos. As gorduras da dieta de deslocam na forma de quilomicra, via sistema linfático, do intestino para o músculo e o tecido adiposo. 42 CAPÍTULO 2 Estado pós-absortivo Durante o estado pós-absortivo o fígado é a primeira fonte de glicose. Nessa fase, quando houver preponderância do glucagon sobre a insulina, glicogênio estocado neste órgão é degradado para liberar glicose no sangue, processo chamado de glicogenólise O glicogênio é capaz de suprir a necessidade energética do organismo por cerca de 4-5 horas apenas. Por isso, o fígado tem a capacidade de produzir glicose por meio de um processo chamado gliconeogênese. A gliconeogênese
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