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São Bernardo
RESUMO
O fazendeiro Paulo Honório resolve escrever a história de sua vida. Da infância, pouco se recorda, desconhece as próprias origens, tendo sido criado pela doceira Margarida. Na juventude, esfaqueou um sujeito e ficou preso por quase quatro anos. Na cadeia, aprendeu a ler e escrever. Tendo trabalhado na fazenda de São Bernardo, alimentava o sonho de um dia comprá-la. 
Em busca da concretização desse desejo, submeteu-se a todo tipo de trabalho e remuneração. Passou a emprestar dinheiro a juros, que recuperava por vezes de forma violenta. O capanga Casimiro Lopes era o seu ajudante na função e acabou se tornando um companheiro da vida inteira. Fingindo amizade, deu péssimos conselhos a Luís Padilha, jovem herdeiro de São Bernardo e, depois de envolvê-lo em dívidas insolúveis, conseguiu adquirir a propriedade. 
Resolveu com violência alguns problemas de divisas com vizinhos e se fortaleceu como agricultor e homem influente, corrompendo aqueles de cujo apoio necessitava. Para agradar ao governo, instalou uma escola em São Bernardo, contratando para o cargo de professor o próprio Luís Padilha, agora falido. 
Resolvido a se casar e produzir um herdeiro para suas posses, aproximou-se da jovem professora Madalena. Inicialmente, propôs que a moça substituísse Luís Padilha, mas, diante de sua recusa, declarou as verdadeiras intenções. Depois de alguma hesitação, Madalena aceitou, mudando-se para São Bernardo com a tia, D. Glória. 
A independência de pensamento de Madalena e tendência a interferir nos negócios da fazenda, sempre em favor dos empregados, irritavam Paulo Honório. Com isso, as brigas entre o casal passaram a ser constantes. Madalena engravidou e deu a Paulo Honório o filho homem que ele desejava. Mas o nascimento da criança não acabou com as discussões. Paulo Honório passou a imaginar que a mulher que lhe fugia ao controle deveria se submeter aos caprichos de alguém. Tomado de ciúmes, passou a atormentar a esposa com desconfianças e ofensas. Quando a situação chegou a um ponto insuportável, Madalena se suicidou. 
Aos poucos, os empregados se retiraram de São Bernardo e os amigos se afastaram de Paulo Honório. Os negócios do fazendeiro caminhavam mal e ele não conseguia reunir forças para se reerguer. Passados dois anos da morte de Madalena, ninguém mais aparecia ali. Restava a Paulo Honório a obediência de alguns empregados, do filho e do fiel Casimiro Lopes. 
CONTEXTO
Sobre o autor
Graciliano Ramos produziu a mais importante parcela de sua ficção nos anos 1930. Não era um período fácil. A Europa vivia um clima de guerra com a expansão nazista. No Brasil, a ascensão de Vargas ao poder, e sua indisposição de abandoná-lo, conduziria o país à ditadura. Em sua obra, Graciliano conseguiu traduzir o clima de tensão social e seus desdobramentos psicológicos.
Importância do livro
Em Vidas Secas, Graciliano focalizou na opressão a perspectiva do oprimido. Em São Bernardo, apresentou-a do ponto de vista do opressor, mas não se restringiu a isso. Fugindo de qualquer estereótipo simplificador, dotou seu narrador, o inescrupuloso fazendeiro Paulo Honório, de medos, tensões, contradições, enfim, de vida. 
Período histórico
O romance se passa em plena Era Vargas. O narrador, Paulo Honório, usufrui de algumas benesses do poder, sustentando-o com seu dinheiro e seus favores. Desse modo, o poder é visto por dentro.
ANÁLISE
A narrativa de São Bernardo é tão elaborada que se poderia mesmo duvidar que pudesse ter sido construída por um espírito rude como o de Paulo Honório. A linguagem seca, formada por frases curtas e adjetivação expressiva constituíam o estilo de Graciliano Ramos, adequado, aqui, à expressão do homem rude que conta sua história, incapaz de expansões sentimentais. 
Ocorre que sua rudeza aparece na frieza de seu relato, na secura de suas opiniões. A linguagem é mais um componente de seu embrutecimento e, longe de ser inadequada, funciona como instrumento explicitador dos meandros de sua alma atormentada. Note-se, por exemplo, que esse homem calculista deixa-se levar pelo terror quando ouve pios de coruja, que lhe recordam a esposa morta. 
PERSONAGENS
 
· Paulo Honório: narrador e protagonista, proprietário da fazenda São Bernardo. Enganou o antigo dono da fazenda para conseguir as terras.
· Madalena: esposa de Paulo Honório, atormentada por seus ciúmes. Acaba se suicidando. 
· Casimiro Lopes: o fiel empregado de Paulo Honório, a quem dedica obediência cega. É um homem violento, que ajudava Paulo a cobrar as dívidas.
· Luís Padilha: imagem da decadência física, financeira e moral. É enganado por Paulo Honório e acaba perdendo a fazenda São Bernardo.
A mentalidade pragmática de Paulo Honório faz com que ele compreenda tudo a partir da utilidade que as coisas podem ter para ele. E é exatamente isso o que todos são para ele: coisas. As pessoas lhe interessam na medida em que podem lhe trazer alguma vantagem, pecuniária ou política. O tempo é concebido a partir da possibilidade de sua otimização, nada de desperdício com conversas inúteis. Até sua narrativa seca, sem enfeites desnecessários, parece submeter-se às leis da poupança verbal. 
A posse e o poder se confundem em Paulo Honório. Assim, aqueles sobre os quais exerce seu mando tornam-se objetos de sua propriedade. Muitas vezes, o exercício do poder se manifesta pela violência, explícita ou implícita, feita às claras, no castigo aos empregados, ou às escuras, promovendo a morte de vizinhos indesejados. 
Nesse universo, a chegada de Madalena funciona como um ruído que aos poucos se transforma em estrondo insuportável para os costumes da fazenda e de seu dono. A esposa lhe foge das mãos porque não se submete ao seu poder, rejeitando ser tratada como objeto. Ela se desloca, terminando por se colocar fora da esfera que ele consegue compreender. O resultado é a perda da comunicação entre eles. O sofrimento experimentado por Paulo Honório em função disso comprova a capacidade do escritor de conferir sentimentos e sensibilidade ao homem bruto, ao opressor inescrupuloso. 
Aos poucos, Paulo Honório se desumaniza. No final de seu relato, ele se autodenomina “monstro”. Decai com sua fazenda, confundindo-se com ela. Motivo pelo qual o livro leva o nome da propriedade cuja posse ele perseguiu com o afinco dos obsessivos. 
Graciliano Ramos consegue articular com sensibilidade duas dimensões humanas: a social e a psicológica. Do ponto de vista social, temos a trajetória de um homem em direção ao poder. Do ponto de vista psicológico, o embrutecimento de sua alma, obtido na mesma medida de seu enriquecimento.
A perda da humanidade
Publicado em 1934, "São Bernardo" é tido como um dos maiores representantes da segunda fase do Modernismo brasileiro. Nos anos conturbados das décadas de 1930 e 40, com crises econômicas, sociais e políticas em todo o mundo, os artistas voltaram-se para as temáticas sociais. No Brasil, os romances dessa época tinham um caráter regionalista, tratando principalmente dos problemas do Nordeste do país, tais como a seca, os retirantes, a miséria e a ignorância do povo.
Porém, apesar do pano de fundo de "São Bernardo" ser os problemas do sertão, Graciliano Ramos foi muito além disso, criando uma obra com uma densa carga psicológica. Para alcançar sua ascensão social, Paulo Honório abre mão de sua humanidade. Endurecido pelas dificuldades do meio onde vive, ele se torna um homem rude, bruto e violento.
Narrado em primeira pessoa, todo o romance irá se desenvolver centrado em dois planos diferentes: o Paulo Honório narrador e o Paulo Honório personagem. Esses planos ficam evidentes através do tempo verbal utilizado na narrativa: o Paulo Honório narrador é demarcado pelo uso do tempo presente; já o Paulo Honório personagem é demarcado pelo tempo pretérito. O narrador irá se debruçar sobre seu passado, tentando entender a si mesmo, ao mundo e como ele se relaciona com esse mundo exterior.
O narrador expõe no primeiro capítulo como ele planejava contar sua história, delegando funções para pessoas mais cultas.Porém, Paulo Honório descobre que este método de escrita é falho, pois ninguém falava da forma como estava escrito e ele não se via representado ali. A partir de então, ele mesmo resolve tomar a frente e escrever suas próprias lembranças. Através desse processo metalinguístico de exposição do projeto de escrita do livro, coloca-se o próprio ato de escrever em discussão.
Porém, ao contrário do que se pode imaginar, a linguagem utilizada na narrativa não é desconexa e nem tosca. Pode-se dizer, então, que há uma certa inverossimilhança na obra, pois como um homem rústico, que se diz quase analfabeto, iria escrever um texto tão bem escrito? Mas, apesar de esta crítica ser pertinente, observa-se que a linguagem utilizada é extremamente enxuta e direta, o que, além de ser típica do estilo do próprio Graciliano Ramos, combina com Paulo Honório.
De origem humilde, Paulo Honório não mediu esforços para conseguir sua ascensão social, utilizando muitas vezes de meios antiéticos, como ameaças, assassinato e roubo. Sua visão de mundo é totalmente centrada em uma relação de poder entre “opressor” e “oprimido”. Para ele, o que importa é “ter”. Essa visão de mundo entra em choque com a de sua esposa, Madalena, que é da esfera do “ser”, ou seja, ela não se preocupa com posses, mas com a qualidade e dignidade humanas.
Por fim, Paulo Honório não consegue compreender o mundo de sua esposa e a acusa de infiel e “subversiva”; por sua vez, Madalena não consegue resgatar Paulo Honório de sua desumanidade. Sem sua esposa e abandonado também pelos amigos, Paulo Honório assume em partes seus erros que levaram à tragédia que se abateu sob a fazenda São Bernardo. Porém, ele joga a culpa de seu endurecimento, de sua perda da humanidade no ambiente em que vive.
Comentário do professor
O prof. Marcílio Lopes Couto, do Colégio Anglo, lembra que "São Bernardo" é uma obra narrada em primeira pessoa, onde o narrador também é a personagem central da história: Paulo Honório. Este é um homem que se vê abandonado e resolve refletir sobre seu passado e escrever um livro. Para tal, ele contrata especialistas, mas, por não se ver refletido naquele português escrito de modo afetado, decide escrever por si mesmo. Paulo Honório é um homem que vai acumulando coisas em sua vida de modo frio, inclusive seu casamento com Madalena, e muitas vezes antiético. Vivendo na esfera do “ter”, ele não consegue compreender sua esposa, que é mais preocupada com o “ser”, e isso acaba destruindo seu casamento de diversas formas, até que Madalena se suicida.
Assim, destaca o prof. Marcílio, "São Bernardo" é uma obra que mergulha na alma humana no que ela tem de mais sombrio. Com uma decadência material e uma fragmentação psicológica, Paulo Honório vai tentar quem ele é e porquê tudo aquilo aconteceu. Dessa forma, mais do que tratar somente das questões sociológicas, esta obra se aprofunda muito em discussões psicológicas. Além disso, o professor destaca que ao contrário de Vidas Secas, que é narrado do ponto de vista do oprimido (Fabiano), "São Bernardo" é narrado do ponto de vista do opressor, que é Paulo Honório.
No vestibular, os alunos devem ficar atentos à questões que dizem respeito à caracterização de Paulo Honório, pois ele não diz quem é ou como ele é de forma direta, mas sim através da narrativa. Ou seja, ele não fala de seus próprios defeitos, mas através de sua relação com o mundo a seu redor pode-se depreender como é Paulo Honório. Por fim, por mais que a linguagem de Paulo Honório possa soar inverossímil, pois tem um certo rebuscamento para quem se considera semianalfabeto, a forma que ele escreve é fiel a sua personalidade. Isso porque a linguagem é “sem enfeites”, seca, direta e reduzida ao essencial, o que combina com a personalidade de Paulo Honório, que é um homem rude e seco, e também com o próprio estilo de Graciliano Ramos, finaliza o prof. Marcílio.

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