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ESTRUTURAS CURRICULARES - INTER E TRANSDISCIPLINARIDADE Autoras: Dra. Diva Spezia Ranghetti Dra. Verônica Gesser Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Reitor: Prof. Ozinil Martins de Souza Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Profa. Gisele Brandelero Camargo Pires Revisão Gramatical: Profa. Teresa Pfiffer Franco Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci 375 R1969c Ranghetti, Diva Spezia. Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade/ Diva Spezia [e] Verônica Gesser. Centro Universitário Leonardo da Vinci. – Indaial: Grupo UNIASSELVI, 2009.x ; 121 p.: il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-786-8 1. Currículo Escolar 2. Gesser, Verônica I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2009 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Dra. Diva Spezia Ranghetti Licenciada em Pedagogia. Mestre e Doutora em Educação: Currículo pela PUC/ SP. Pesquisadora do Grupo de pesquisa sobre Interdisciplinaridade - GEPI/SP coordenado por Ivani Catarina Arantes Fazenda. Professora do Curso de Pedagogia do Centro Universitário de Jaraguá do Sul (SC) - UNERJ. Professora dos cursos de Especialização da UNERJ e do ICPG - Blumenau/SC. Publicou: A força do ato de perguntar na ação reflexiva; A virtude da força nas práticas interdisciplinares; Interdisciplinaridade: Dicionário em construção; Um design curricular de formação: uma nova racionalidade em construção. Dra. Verônica Gesser Licenciada em Pedagogia. Mestre em Educação: Currículo pela PUC/SP. Doutora em Educação: Currículo e Ensino pela Florida International University, USA. Professora e Pesquisadora do Grupo de pesquisa: Políticas Públicas de Currículo e Avaliação do Programa de Mestrado em Educação da Univali/SC. Pesquisadora do CNPQ. Professora do Curso de Pedagogia e Licenciaturas na Univali (SC). Publicou os livros: Teóricos e Teorias: presença na Educação; Currículo e Avaliação: Investigações e Ações. Publicou os capítulos de livros: Fundef: Reflexões sobre sua contribuição no desenvolvimento profissional de professores; Paulo Freire: the man, his work, and his character; A experiência da branquitude diante de conflitos raciais: estudos de realidades brasileiras e estadunidenses. Tem os seguintes artigos publicados: O currículo da formação inicial de professores: compromisso com a formação de um professor-pesquisador; Um design curricular de formação: uma nova racionalidade em construção; Um design de currículo para a formação inicial de professores(as): um projeto em construção; A evolução Histórica do currículo: dos primórdios à atualidade. Sumário APRESENTAÇÃO ..................................................................... 7 CAPÍTULO 1 o CurríCulo ESColar: ConCEituação E CaraCtErização HiStóriCa do Campo ........................................... 9 CAPÍTULO 2 tEoriaS E paradigmaS CurriCularES .......................................... 29 CAPÍTULO 3 CurríCulo na HiStória da EduCação BraSilEira .......................... 47 CAPÍTULO 4 polítiCaS púBliCaS dE CurríCulo ............................................... 63 CAPÍTULO 5 modEloS E organização dE CurríCulo na EduCação BáSiCa ................................................. 75 CAPÍTULO 6 proCESSo dE dESEnvolvimEnto do CurríCulo ESColar ................................................................. 105 7 APRESENTAÇÃO Este caderno de estudos contém textos e reflexões relacionados às ESTRUTURAS CURRICULARES - INTER E TRANSDISCIPLINARIDADE. O texto se apresenta dentro de uma metodologia dialógica, a fim de suscitar a reflexão, a dúvida, os questionamentos e, por que não dizer, aquecer o pensamento, com o intuito de mover e mover-se em direção à transcendência do próprio modo de ser e estar na profissão de professor(a). As leituras que fornecem subsídios para aprofundamento dos temas encontram-se ao longo do texto. A trama de constituição desse caderno de estudos mantém em sua tessitura a objetividade e a subjetividade requeridas pela ciência, para que se dê a construção do conhecimento. De maneira geral, apresenta alguns pressupostos e princípios que são essenciais para se poder atuar como gestor(a) do currículo. Convido você a iniciar esse diálogo. Você quer ser nosso(a) parceiro(a) nessas reflexões? Aguardamos você. Professora Dra. Diva Spezia Ranghetti Professora Dra. Verônica Gesser CAPÍTULO 1 o CurríCulo ESColar: ConCEituação E CaraCtErização HiStóriCa do Campo A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Mapear a polissemia do termo currículo escolar, visando identificar as principais tendências teóricas do campo de estudo. 3 Caracterizar o surgimento do currículo escolar, por meio de seus diferentes movimentos históricos, com a finalidade de compreender o campo e suas práticas locais e globais. 11 O CurríCulO EsCOlar: COnCEituaçãO E CaraCtErizaçãO HistóriCa dO CampO Capítulo 1 ContExtualização Falar em currículo escolar suscita um percurso pela história da constituição do currículo no campo educacional. Além disso, faz-se imprescindível compreender o sentido e o significado do currículo presentes na literatura educacional e, sobretudo, construir, a partir do referencial curricular existente, um conceito próprio de currículo, para compreender os efeitos que ele produz sobre a formação dos seres humanos por meio da educação formal. Partindo desse pressuposto, daremos início ao movimento dialógico, princípio que norteará nossos estudos e discussões acerca da temática desse caderno. Esse movimento é próprio de quem assume uma atitude interdisciplinar em suas ações. Por isso, o conhecimento que cada um(a) de vocês possui sobre currículo será o ponto de partida. Para você, o que é currículo? Ao ouvir a palavra currículo, que relações você estabelece? Como você conceituaria currículo? Utilize o espaço a seguir para registrar seu conceito inicial de currículo. Agora que você registrou seu conhecimento sobre currículo, vamos adiante. Nesse capítulo trataremos da polissemia do termo currículo e do seu surgimento como campo de estudo, na área da educação. ConCEituação Currículo é uma palavra de origem latina, derivada do verbo currere, que significa caminho ou percurso a seguir, jornada, trajetória. Nas palavras de Pacheco ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ___________________________________ 12 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade (1996, p.15), o vocábulo encerra duas ideias principais: “[...] uma de seqüência ordenada, outra de noção de totalidade de estudos”. Esta concepção se mantém, ainda, nos dias atuais, quando se atribui ao currículo a sequência linear e ordenada de estudos ou o conjunto de disciplinas que compõe um determinado curso. Conforme José A. Pacheco (1996, p. 16), nos países anglo- saxônicos, no século XVII, o termo curriculum designava uma pista circular de atletismo ou uma pista de percurso para carros de corrida de cavalos. O termo currículo,desde sua concepção como campo de trabalho específico na área educacional, tem apresentado diversas definições, muitas vezes polissêmicas e controversas. Veja como o currículo tem sido definido ao longo da história: - rol de disciplinas ou grade curricular a ser seguida; - determinação de objetivos, conteúdos e sequência de atividades a ser implementada pela escola; - conjunto de conhecimentos ou matérias a serem superadas pelo aluno; - programa de atividades planejadas sequencialmente e metodologicamente ordenadas conforme orientação obtida no manual do professor; - resultados pretendidos de aprendizagem pela escola ou pelo professor; - implementação do plano reprodutivo para a escola de uma determinada sociedade; - experiências recriadas pelos alunos por meio das quais se desenvolverão; - habilidades a serem dominadas, visando o desenvolvimento profissional dos alunos; - programa com conteúdos e valores social, política e economicamente contextualizados, para que os alunos possam contribuir e interferir na reconstrução da sociedade. 13 O CurríCulO EsCOlar: COnCEituaçãO E CaraCtErizaçãO HistóriCa dO CampO Capítulo 1 Currículo é... Construir o conceito de currículo e conhecer sua história é imprescindível para perceber as ideologias e a questão do poder nele imbricado. Como você pode perceber, o termo técnico de ‘currículo’ deriva do verbo latino currere, que significa caminho ou percurso, jornada, trajetória. ? “[...] todas as experiências que os estudantes desenvolvem sob a tutela da escola. (KEARNEY; COOK, 1969 apud STENHOUSE, 1995, p.5). “A totalidade das experiências da criança na escola, dirigidas para os fins da Educação”. (COUTO, 1966, p.1). “O currículo é um intento de comunicar os princípios essenciais de uma proposta educativa, de tal forma que fique aberta ao exame crítico e possa ser traduzida efetivamente para a prática”. (STENHOUSE, 1995, p.5). "O conjunto de atividades nas quais as crianças se engajarão na sua vida escolar. [...] O currículo deve centrar- se em atividades, projetos e problemas e, antes de tudo ser extraído das atividades naturais da humanidade". (TEIXEIRA apud MOREIRA, 1990, p. 93). “[...] currículo é o ambiente em ação”. (SPERB, 1966, p. 244). “[...] uma série estruturada de resultados buscados na aprendizagem”. (JOHNSON, 1967 apud STENHOUSE, 1995, p.5). “[...]. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é autobiografia, nossa vida [...]” (SILVA, 1999, p.150). “[...] um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria- prima de criação, recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão”. (MOREIRA; SILVA, 1994, p. 28). 14 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade Atividade de Estudos: 1) Dando continuidade ao estudo e para que seja possível a construção do conceito próprio de currículo, preencha a tabela a seguir, pesquisando o termo currículo, conforme a solicitação. CO NC EI TO OO S CONHECIMEN- TOS PRÉVIOS PESQUISA EM DIFERENTES FONTES Reelaboração DO CONCEITO PRÓPRIO Dicionário ou Enciclopédia Literatura Específica 1 Literatura Específica 2 Cu rrí cu lo Literatura específica: refere-se às obras que discutem sobre o conceito que se está pesquisando. Neste caso específico, referências de currículo. 15 O CurríCulO EsCOlar: COnCEituaçãO E CaraCtErizaçãO HistóriCa dO CampO Capítulo 1 O que você achou da experiência vivenciada nesta atividade? Ela já é uma prática em suas ações? As pesquisas realizadas auxiliaram na reconstrução do conceito inicial? Currículo: A primeira fonte, na qual o termo curriculum pode ser localizado, conforme o Oxford English Dictionary, está nos registros da Universidade de Glasgow, de1633. O termo aparece num certificado de graduação outorgado a um professor, escrito num formulário que teria sido publicado após a reforma da Universidade, realizada pelos protestantes, em 1577. (MORGADO, 2000). Pinar (1975) foi buscar em Heidegger os elementos para uma análise fenomenológica para a relação pedagógica e estabelece [...] uma distinção entre curriculum e currere, que, de certo modo, ilustra a diferença entre o conjunto de conhecimentos presentes em um currículo e as experiências que tais conhecimentos evocam em seus destinatários. O currere diz respeito à experiência educacional e o curriculum ao que será experienciado. (PEDRA, 2003, p. 106). Como você pode observar, não há consenso em torno da palavra currículo. Contudo, não podemos negar que ele é fruto do seu tempo. Veja o que Apple argumenta a esse respeito (1994, p. 59), O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos [...] Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto de tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo. Atividade de Estudos: 1) Você percebeu que o currículo revela, pela afirmação de Apple, relações de poder no contexto educacional? No contexto onde está inserido, você percebe estas relações de poder? Caso sim, apresente algumas das situações que evidenciam essas relações de poder, no espaço que segue. Não há consenso em torno da palavra currículo. Contudo, não podemos negar que ele é fruto do seu tempo. 16 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Desta forma, o currículo revela aspectos vinculados a relações de poder, o que configura o contexto educacional como um espaço fundamentalmente político (FREIRE, 1993). Nessa perspectiva, para Moreira (1994, p. 28) O currículo não é um veículo de algo a ser transmitido e passivamente absorvido, mas o terreno em que ativamente se criará e produzirá cultura. O currículo é, assim, um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação, recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão. Diante disso, acreditamos que o currículo não representa propósitos ou atividades que sejam neutras em termos de formação e informação, já que isso se origina de diferentes segmentos sociais e é veiculado por vários meios curriculares dentro de um dado contexto. Neste sentido, para Grundy (apud PACHECO, 2001, p. 18), currículo “[...] é um modo de organizar um conjunto de práticas educacionais humanas”. Numa perspectiva pós-moderna ou pós-crítica, o currículo é compreendido como um artefato cultural, social e histórico. Currículo é texto, é linguagem. Concebê-lo dessa forma significa compreendê-lo como uma rede de “[...] significantes, significados, sons, imagens, conceitos, falas, língua, posições discursivas, representações, metáforas, metonímias, ironias, invenções, fluxos, cortes [...]” (CORAZZA, 2001, p. 9). Isso implica dizer que o currículo é carregado de intencionalidades, de escolhas. Tais intencionalidades ou escolhas se fazem presentes, também na matriz curricular de uma modalidade de ensino, de um curso ou de um programa. Matriz - palavra derivada do latim matrice, com significado de fonte, origem. Aquilo que se gera ou cria, útero. Portanto, a matriz curricular deve ser compreendida como locus de desenvolvimento de uma determinada formação, o que transcende as disciplinas, carga horária e créditos que compõem a grade curricular de um curso. O currículo, nesta perspectiva, é compreendido como o “tecido” que dá O currículo não representa propósitos ou atividades que sejam neutras em termos de formaçãoe informação. 17 O CurríCulO EsCOlar: COnCEituaçãO E CaraCtErizaçãO HistóriCa dO CampO Capítulo 1 sustentação às (re)ações, aos encaminhamentos e posicionamentos e às intenções dessa formação, na sua totalidade. Até agora, você pôde perceber que o currículo é produtor de sentido e significado, tem intencionalidades, e esses elementos se materializam na prática pedagógica. Por isso, adotar a concepção de currículo numa perspectiva crítica e pós-crítica, é concebê-lo como resultado de um processo social, cultural e histórico. E, sendo assim, o currículo nos constrói como sujeitos particulares, específicos; ele se tece, como também tece identidades e subjetividades dos que com ele compartilham o mesmo espaço educativo. As teorias críticas e pós-críticas são teorias curriculares que concebem o real, a partir de análises que ultrapassam a dimensão pedagógica de ensino e de aprendizagem, preocupando-se com as conexões entre saber, poder e identidade, via análise e reflexão das dimensões ideológicas e de discurso. Sobre isso, conferir Tomaz Tadeu da SILVA, Documentos de identidade, 1999. Assim visto, o currículo deixa de ser uma área meramente técnica, preocupada apenas com as questões metodológicas, e passa a incorporar, também, as questões sociológicas, epistemológicas e políticas. Nessa perspectiva, questionamos: Por que persistir num processo educativo que delimita, aprisiona, (en)forma, fragmenta, se, ao ampliarmos o olhar para além da janela da escola, de seus muros, esse mesmo olhar percorre um universo que se mostra inteiro, contendo a beleza que a natureza da própria constituição lhe oferece? Por que distanciar o mundo real do mundo das letras (ciência), o mundo dos sujeitos que vivem num tempo real do mundo dos sujeitos que viveram num determinado tempo na história? Afinal, o que este termo guarda de ‘sagrado’, se muitos educadores nem sequer compreendem que são eles e os alunos, em situação de tempo espaço educativo, que lhe dão vida? Burnham (1993) discute a questão do currículo como “complexidade, multirreferencialidade e subjetividade”, por compreender que o tecido que o compõe se constitui de uma diversidade de elementos, que precisam ser analisados e interpretados a partir de si mesmos, ou seja, é preciso traçar um percurso pela interioridade, desvelando as amarras, os fios que o formam. E isto supõe: O currículo é produtor de sentido e significado, tem intencionalidades, e esses elementos se materializam na prática pedagógica. 18 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade Abertura de si-para-si mesmo, quer como aluno, como professor ou como sujeito participante da coletividade, na escola; de si-para com-o outro, qualquer que seja o lugar que esse outro ocupe nas relações escolares; de si-e-com-o-outro- para-o-mundo múltiplo em que convivemos. (BURNHAM, 1993, p.6). “A interminável busca do homem pela compreensão do mundo, tanto do seu próprio mundo interior, quanto daquele exterior, [...] a construção do conhecimento sobre o mundo exterior não se separa da construção do próprio complexo sujeito-objeto-processo- instrumento-produto do conhecimento, que é o próprio homem”. (BURNHAM, 1993, p. 3). Conceber um currículo, nesta perspectiva, é analisar, conhecer e apropriar- se da natureza que cada fio carrega dentro de si, para compreender como ele afeta e é afetado pelos sujeitos que com ele compartilham o mesmo ‘espaço- tear’. O currículo é o tecido que impulsiona os sujeitos a construírem suas processualidades, abrindo possibilidades para transcenderem a si mesmos. Conclui-se, pois, que o currículo possibilita a cada sujeito produzir a própria existência. Para tanto, sua ênfase deve recair mais no processo vivido e não em “o que” e “por que” se aprende, haja visto que é a qualidade, a profundidade e a relevância do que se oferta para ser experienciado que dão vida, com sentido de existência, ao currículo. Em síntese, como você pôde observar, não há consenso em torno do termo currículo escolar. Ficou evidente que o currículo é fruto do seu tempo histórico, econômico, político e social, revelando aspectos vinculados a relações de poder, o que configura o contexto educacional como um espaço fundamentalmente político, uma arena altamente contestada. A organização de um currículo, por sua vez, se caracteriza pelo modelo teórico (tradicional, crítico, pós-crítico) e os elementos que fundamentam a proposta, que pode apresentar uma organização: disciplinar, interdisciplinar, conceitual ou temática, dependendo da caracterização teórica de cada uma destas abordagens teóricas. Sendo assim, você pode perceber que o currículo é produtor de sentido e significado, tem intencionalidades, e esses elementos se materializam na prática pedagógica. 19 O CurríCulO EsCOlar: COnCEituaçãO E CaraCtErizaçãO HistóriCa dO CampO Capítulo 1 Atividade de Estudos: 1) Após a compreensão do que foi exposto anteriormente, chegou o momento de refletir sobre você como gestor(a) do currículo. Faça uso das questões sugeridas para orientar sua reflexão, deixando registrado no espaço que segue: a) Como você, professor(a), participa e se vê inserido(a) nas decisões em relação ao que é ofertado, em sua ação docente, para seus alunos? b) Você tem alguma participação nas decisões sobre o que você ensina, ou você segue as diretrizes propostas pela secretaria de educação municipal ou estadual? c) Ou toma como base o currículo oficial, encaminhado pelo Ministério da Educação? d) Ou você utiliza o livro didático, adotado como único guia, para o desenvolvimento de suas aulas? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Pode-se conceituar currículo escolar como sendo todas as afecções pelas quais passamos durante o convívio de nossa educação formal, o que compreende as relações que se estabelecem nesse ato educativo. Portanto, a interação com o outro, com o conhecimento, com os espaços e tempos e com as atitudes manifestas e ocultas, presentes nas relações, forma e nos forma. Nessa perspectiva, pensar numa concepção de currículo que atenda as expectativas do mundo atual, exigindo que se pense na dimensão de totalidade, interdisciplinar e transdisciplinarmente, requer que o mesmo seja compreendido a partir dos problemas reais que a sociedade global e local apresenta. 20 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade Leia o livro organizado por Nilda Alves: Criar currículo no cotidiano. Editora Cortez. Como você pôde observar até então, o currículo escolar se constitui a partir de vários contextos e subjetividades, que podem ser representadas por diferentes esferas e dimensões, definidas por alguns pesquisadores de campo, conforme as denominações a seguir: As definições de currículo, presentes no texto a seguir, foram extraídas de Santos e Paraíso (1996). • Currículo oficial é o que foi planejado oficialmente para ser trabalhado nas diferentes disciplinas e séries de um curso. É o que consta na Proposta Curricular do Estado, nas Propostas Curriculares das Secretarias de Educação ou nos livros didáticos elaborados a partir destas. • Currículo formal abrange todas as atividades e conteúdos planejados para serem trabalhados na sala de aula. O currículo formal inclui também o currículo oficial. • Currículo em ação ou real são todos os tipos de aprendizagem que os estudantes realizam como consequência de estarem escolarizados. É a consequência de viver uma experiência num ambiente que propõe-impõe todo um sistema de comportamento e valores e não só de conteúdos de conhecimentos a assimilar.• Currículo oculto, também tem sido utilizado, significando o conjunto de normas e valores implícitos nas atividades escolares, porém não-mencionados pelos professores ou não-intencionalmente buscados por eles. São, portanto, aprendizagens ou efeitos de aprendizagens não-intencionais, que se dão como resultado de certos elementos presentes no ambiente escolar. É constituído tanto de práticas como de mensagens não-explicitadas. • Currículo explícito - representa a dimensão visível do currículo e se constitui nas aprendizagens intencionalmente buscadas ou deliberadamente promovidas através do ensino. • Currículo vazio ou nulo - Constitui-se dos conhecimentos ausente, Tanto das propostas curriculares (currículo formal), como das práticas da sala de 21 O CurríCulO EsCOlar: COnCEituaçãO E CaraCtErizaçãO HistóriCa dO CampO Capítulo 1 aula (currículo em ação), que, muitas vezes, abrangem conhecimentos significativos e fundamentais para a compreensão da realidade e para a atuação nela. Também chamado de “campos de silêncio” ou de “omissões”. Seu significado é fundamental para entender o currículo como espaço de afirmação e negação de elementos das diferentes culturas, produzindo efeitos sobre o estudante, tanto em função do que diz, como daquilo que silencia. CaraCtErização HiStóriCa do Campo Os estudos sobre currículo surgiram, nos Estados Unidos e no final do século XIX e início do século XX, como área específica da educação. Vários movimentos caracterizaram seu surgimento entre a década de 1900 e 1930, na tentativa de justificar a necessidade de fundamentar os conhecimentos que deveriam ser incluídos ou não na proposta de escolarização em massa. Atividade de Estudos: 1) Para ampliarmos nosso diálogo, convidamos você a enumerar alguns aspectos históricos, econômicos, sociais e culturais, que faziam parte daquele contexto. Tente fazer uma retrospectiva histórica e liste alguns fatos que marcaram aquele período, mundialmente falando. O que estava acontecendo naquele momento? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ Gesser (2002) explica que, para Herbert Spencer, a revolução da ciência se constituiu como mola propulsora na definição do conhecimento ou conteúdo, que poderia ser considerado o mais valioso. Os movimentos desse período foram o ponto de partida para os estudos do campo. Atividade de Estudos: 1) Mas, afinal, por que conhecer historicamente o processo de constituição 22 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade do campo curricular? Qual a sua importância para um profissional da Educação Básica? Pense conosco: por que isso é necessário para a prática educativa ou para sua prática profissional? Escreva a seguir as suas conclusões: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Há várias razões para um profissional da educação estudar e compreender como se deu o processo histórico de construção do currículo escolar. Possivelmente, a mais relevante está relacionada ao processo de autoconhecimento. Compreender este itinerário nos possibilita compreender o nosso processo de formação escolar; ou seja, nos permite entender como este dispositivo escolar teve impacto na formação (ou deformação) de nossas subjetividades, de nossas personalidades. Compreender este processo nos permite acima de tudo, entender que o currículo escolar se constitui e sempre se constituiu como um processo carregado de intencionalidades. Como define Silva (1999), o currículo escolar constitui-se como um território contestado, como uma arena de lutas, carregada de significantes e de significados. Diante de tudo isso, nós lhe perguntamos: Que tal uma viagem no tempo? você está pronto (a) para esta aventura? Serão mais de cem anos, em poucas laudas. Partindo do primeiro exercício que lhe propusemos nesta seção, o início do campo curricular foi marcado pelo franco desenvolvimento da indústria, especialmente nos Estados Unidos, e pela ampla onda de imigrantes europeus, que vinham em busca de realizar o grande sonho americano no novo mundo, em busca de emprego ou de um pedaço de terra. Para melhor compreensão deste contexto, assista ao filme: Philadelphia. 23 O CurríCulO EsCOlar: COnCEituaçãO E CaraCtErizaçãO HistóriCa dO CampO Capítulo 1 E afinal, quais foram os principais movimentos que demarcaram este primeiro momento do currículo como área? De acordo com Schubert (1986) e Pinar et al. (1995), três foram os primeiros movimentos que caracterizaram o campo: o movimento da Eficiência Social, o movimento da Escola Progressiva e o movimento Reconstrucionista Social. Veja a síntese de cada um deles no quadro abaixo: Quadro 1 – Movimentos que marcaram o início do campo do currículo Características Movimento da Eficiência Social Movimento da Escola Progressiva Movimento Recons- trucionista Social Proponente/ Data Bobbit – 1918 Chartes - 1923 Dewey – 1900-1930 Harold Rugg e Geor- ge Counts - 1932 Foco Habilidades Profissionais Interesses/Necessi- dades dos alunos Problemas Sociais Objetivo Preparar indivíduos eficientes para atuar na indústria. Vivenciar experiên- cias para a autorreali- zação dos alunos. Preparar os indivídu- os para a construção de uma nova ordem social. Inspiração Taylorista/Fordista Pragmatista Marxista Racionalidade Técnica Prática Emancipatória Fonte: As autoras. Para dar maior consistência ao nosso diálogo, nesta viagem histórica, vamos refletir sobre o quadro anterior: Lembra que, quando discutimos sobre a polissemia do termo currículo escolar, apontávamos para o fato de que o currículo escolar não é neutro, mas, sim, carregado de valores? Isto significa que cada um destes movimentos anteriores, que “batizaram” o campo, expressam interesses e intencionalidades distintas, embora motivadas pelo mesmo contexto. A partir disso, voltamos ao nosso itinerário rumo à constituição histórica do currículo escolar. Em 1949, a publicação de Ralph Tyler dá início à teorização sobre o currículo escolar, constituindo-se no modelo considerado o clássico das teorias tradicionais de currículo, influenciando o mundo até a atualidade. Esta publicação, intitulada “Princípios Básicos de Currículo e Ensino”, organizada em apenas quatro capítulos, é comumente conhecida como o modelo de currículo por objetivos, resultante de uma disciplina lecionada pelo autor na Universidade de Chicago, cuja síntese fica assim esquematizada: 24 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade Quadro 2 – Modelo de Currículo Tyler Fonte: Tyler, 1974. Em síntese, esses movimentos históricos até aqui retratados registram, de maneira marcante, a estruturação e o surgimento do currículo escolar como área do conhecimento e, agora cientificamente reconhecida. Na sucessão de Tyler, o campo do currículo escolar foi novamente afetado por fenômenos mundiais. No final da década de 1950, devido à Guerra Fria e ao lançamento do satélite Sputnik (1957) pelos soviéticos, nos Estados Unidos, o governo exigiu que as escolas voltassem maior atenção aos conteúdos curriculares, para formar líderes e cientistas. Gesser (2002, p. 77) explica que, nesse período, o currículo se tornou umaquestão de preocupação nacional nos Estados Unidos. A reforma curricular proposta pelo governo direcionou o currículo para a as disciplinas voltadas à ciência, como a Biologia, a Química, a Física e a Matemática. Com base nesta reforma, o currículo tecnicista foi fortemente reavivado e a Ciência se tornou palavra de ordem nos currículos escolares. O constante confronto entre Estados Unidos e União Soviética foi denominado de Guerra Fria. O conflito durou cerca de quarenta anos! Leia mais sobre este confronto em: HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. Bom, até agora, parece que as coisas, neste campo, não têm mudado muito. Você deve estar pensando: será que o mundo do currículo vai girar sempre desta Fontes: Filtros: Sociedade Aluno Matéria Listagem de Objetivos Educacionais Filosofia Psicologia Objetivos Educacionais Precisos Seleção dos conteúdos e experiências de aprendizagem Seleção dos conteúdos e experiências de aprendizagem Avaliação da aprendizagem Fontes: Filtros: Sociedade Aluno Matéria Listagem de Objetivos Educacionais Filosofia Psicologia Objetivos Educacionais Precisos Seleção dos conteúdos e experiências de aprendizagem Seleção dos conteúdos e experiências de aprendizagem Avaliação da aprendizagem Devido à Guerra Fria e ao lançamento do satélite Sputnik (1957) pelos soviéticos, nos Estados Unidos, o governo exigiu que as escolas voltassem maior atenção aos conteúdos curriculares, para formar líderes e cientistas. 25 O CurríCulO EsCOlar: COnCEituaçãO E CaraCtErizaçãO HistóriCa dO CampO Capítulo 1 maneira? A resposta não é muito simples: não será sempre desta maneira, mas, neste terreno de lutas, como afirma Silva (1999), o jogo não é fácil! A partir dos anos 1960 até o final da década de 1970, porém, como reação à última reforma curricular e, no contexto do movimento pelos direitos civis: a liberação da mulher, os movimentos contra as lutas raciais, entre outros, nos Estados Unidos, um contexto para mudanças começa a se instalar. Foi neste território contestado que nasceu a pedagogia crítica (outro movimento do campo), propondo um currículo voltado aos problemas sociais, econômicos e políticos da realidade. Gesser (2002) afirma que a obra Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, foi tomada como marco inicial da pedagogia crítica. Segundo este movimento, o currículo escolar deveria partir de problemas sociais (e aí a relação com o movimento Reconstrucionista Social), visando a crítica desta realidade e, como consequência, a conscientização e libertação do indivíduo e da sociedade. Portanto, justiça social era palavra de ordem. Segundo Freire (1974), uma ação escolar, com base nesta perspectiva, proporcionaria a humanização do ser e da sociedade. Ainda na década de1970, o que também contribuiu para este movimento, para esta ruptura, foi o surgimento da Nova Sociologia da Educação, na Inglaterra. Estudiosos que demarcaram esta tendência inicial foram Michael Young (com a obra Knowledge and control: new direction for the Sociology of Education) e Basil Bernstein (com a obra Class, code and control). Para estes autores, estas ideias deviam influenciar “[...] a forma de organização do currículo e do processo de transmissão do conhecimento escolar, bem como suas relações com as formas dominantes de poder e de controle social presentes na sociedade”(SANTOS; MOREIRA, 1995, p. 49). Já, nos Estados Unidos, autores que legitimam este movimento são Michel Apple e Henry Giroux. Você certamente deve ter notado que, a partir deste movimento, o currículo passou a ser concebido como uma construção histórica e cultural, que precisava ser criticamente analisada, para não se limitar a reproduzir as desigualdades sociais. Seus proponentes acreditam que o currículo escolar, nesta perspectiva, se constitui como instrumento emancipador da realidade, do ser e, portanto, da coletividade. E, por fim, embora não dissociados dos contextos anteriores e atuais, os anos de 1990 são marcados por uma continuidade de intensas reformas, que se instala em todo o mundo; ou seja, reformas ou novos modelos que tomaram, como referência para mudanças, o contexto da pós-modernidade. Nestes últimos anos, o campo do currículo (pelos menos no plano teórico, não necessariamente de práticas) tem sido fortemente marcado pelo pensamento pós-moderno. No Brasil, este cenário também é assinalado por políticas públicas de currículo que demarcam este terreno. Gesser (2002) explica que os estudos sobre currículo, desde Desde os anos 1990 até a atualidade, têm se debruçado na discussão de temas emergentes, desencadeados pelos debates promovidos pela pedagogia crítica, caracterizando-se, de modo geral, como estudos na perspectiva multicultural. 26 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade os anos 1990 até a atualidade, têm se debruçado na discussão de temas emergentes, desencadeados pelos debates promovidos pela pedagogia crítica, caracterizando-se, de modo geral, como estudos na perspectiva multicultural. Segundo a autora, um currículo multicultural “[...] deveria ser organizado em torno de aspectos multiculturais que incluem raça, gênero, diferenças individuais, classe social, problemas sociais e justiça social ou equidade”. (GESSER, 2002, p. 78). Esta autora afirma que, no contexto brasileiro (e até mundial) o que ainda prevalecem são práticas curriculares de caráter tecnicista, tradicional. Atualmente continuamos realizando estudos com relação ao currículo, na tentativa de encontrar caminhos adequados para uma reforma, que possa responder às necessidades reais dos indivíduos, que representam a sociedade na sua totalidade. Acreditamos que a compreensão histórica em torno dos estudos e movimentos curriculares seja indispensável para entender os diferentes processos de reforma da educação brasileira. Freire (1987) argumenta que um processo educacional autêntico deve ser cultural e historicamente fundamentado. A história nos permite adquirir experiências a partir de reformas passadas, sugerindo novas re-elaborações. Para ampla compreensão do histórico sobre o currículo escolar: leia o artigo escrito por Verônica Gesser – A evolução histórica do currículo: dos primórdios à atualidade. Revista Contrapontos, 2002, vol. 4, p. 64-81. algumaS ConSidEraçõES Tendo em vista que nossos objetivos, para este capítulo, eram o de mapear a polissemia do termo currículo escolar, visando identificar as principais tendências teóricas do campo de estudo e de caracterizar o surgimento do currículo escolar por meio de seus diferentes movimentos históricos, com a finalidade de compreender o campo e suas práticas locais e globais, é possível, sinteticamente, constatar que: • Não há consenso em relação ao conceito de currículo escolar. Ficou patente que o currículo é fruto de seu tempo. Desta forma, o currículo revela aspectos vinculados a relações de poder, o que configura o contexto educacional como uma arena altamente política, contestada. Sendo assim, você pode perceber que o currículo é produtor de sentido e significado, tem intencionalidades, e esses elementos se materializam na prática pedagógica. Você tem clareza disso agora? • Em relação ao histórico do currículo como campo de conhecimento, constatamos que este tem sua gênese no início do século XX. Vários foram os movimentos que caracterizaram seu percurso histórico, desde sua origem até a atualidade, como por exemplo: a eficiência social, o movimento 27 O CurríCulO EsCOlar: COnCEituaçãO E CaraCtErizaçãO HistóriCa dO CampO Capítulo 1 progressivista, o reconstrucionista social, o modelo Tyler, a pedagogia crítica e o contexto da pós-modernidade com o currículo multicultural. • Em síntese, este é o itinerário histórico e conceitual do currículo que estudamos até o momento e de que, a seguir, você fará sua própriasíntese. Mas, fique atento! No próximo capítulo iremos aprofundar muito mais essas três vertentes teóricas em relação às suas práticas. Por exemplo, vamos desenvolver três grandes objetivos: 1. Identificar as diferentes abordagens teóricas do currículo, caracterizando seus impactos na materialização dos currículos escolares; 2. Caracterizar os principais paradigmas curriculares, relacionando-os as diferentes teorias do currículo escolar; 3. Identificar a influência das teorias e paradigmas curriculares no atual desenvolvimento curricular da educação básica. E então, prontos para continuar nossa jornada? Aguardamos você lá! rEfErênCiaS APPLE, Michael. Currículo e Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1982. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Secretaria Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. CORAZZA, Sandra Mara. O que quer um currículo? Rio de Janeiro: Vozes, 2001. COUTO, M. Como elaborar um currículo. Rio de Janeiro: Livro técnico, 1966. DEPRESBITERIS, L. O desafio da avaliação da aprendizagem: dos fundamentos a uma proposta inovadora. São Paulo: EPU, 1989. FREIRE, P. A educação na Cidade. São Paulo: Cortez, 1993. FREIRE, P. 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CAPÍTULO 2 tEoriaS E paradigmaS CurriCularES A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Identificar as diferentes abordagens teóricas do currículo, caracterizando seus impactos na materialização dos currículos escolares. 3 Caracterizar os principais paradigmas curriculares, relacionando- os às diferentes teorias do currículo escolar. 3 Identificar a influência das teorias e paradigmas curriculares no atual desenvolvimento curricular da educação básica. 31 tEOrias E paradigmas CurriCularEs Capítulo 2 ContExtualização Tomando por base o histórico do currículo como campo do saber, constatamos, no primeiro capítulo, que cada período histórico foi determinando abordagens teóricas que, de certa maneira, marcaram o campo. Por exemplo, do seu surgimento até a década de 1970, o currículo constituiu um corpo teórico considerado como “as teorias tradicionais de currículo”. Já da década de 1970 até o início dos anos 1990, o campo foi caracterizado pelas teorias críticas. A partir dos anos 1990 até o momento vigente, este campo vem sendo fortemente marcado pela pós-modernidade; ou seja, pelas teorias pós-criticas do currículo. Mas, você deve estar pensando: Afinal, O que são Teorias e para que servem? Neste capítulo, estudaremos as teorias de currículo que foram sendo construídas ao longo da história; isto é: as teorias tradicionais, as teorias críticas e as teorias pós-críticas. Além das teorias que caracterizam o campo, estudaremos, ainda, três paradigmas curriculares, que caracterizam o campo: o técnico-linear, o circular-consensual e o dinâmico-dialógico. tEoriaS dE CurríCulo: tradiCionaiS, CrítiCaS E póS-CrítiCaS Para Silva (1999), uma teoria não é neutra ao descrever e explicar o fenômeno. A teoria produz o fenômeno. Na acepção de Pacheco (1996), a teoria é um conjunto organizado de análises, interpretações e compreensões de modelos e/ou fenômenos curriculares; ou seja, representações do real, que se pretende organizado e problematizado. Silva (1999, p. 16) explica ainda que “as teorias tradicionais pretendem ser apenas isso: ‘teorias’ neutras, científicas, desinteressadas.” Para Pacheco (1996, p. 35), neste contexto o currículo define-se como um produto, um resultado, uma série de experiências de aprendizagem dos alunos, organizados pela escola em função de um plano previamente determinado [...] com o predomínio da mentalidade técnica, ligada aos especialistas curriculares que se filiam no grupo dos tradicionalistas, já que se salvaguarda a legitimidade normativa da construção curricular. Bobbit, Dewey e Tyler representam modelos curriculares oriundos das teorias tradicionais. Embora cada um tenha suas especificidades ou ênfases 32 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade respectivamente centrados nos meios, nos alunos e objetivos previamente determinados, esses modelos tradicionais de currículo, tanto os técnicos quanto os progressistas, representam uma base psicológica comportamentalista fundada pela psicologia experimental (Silva, 1999). A orientação curricular dominante das teorias tradicionais tem caráter tecnicista. O modelo curricular é centrado em objetivos . Segundo Pacheco (1996, p. 138), [...] identifica-se com uma perspectiva científica e tecnológica que predominou, em termos de estudos educativos, até meados da década de 70. O currículo representa a elaboração de um plano estruturado de aprendizagem dos alunos, tendo em vista o seu aperfeiçoamento através dos objectivos formulados em termos comportamentais e segundo as duas regras principais da tecnologia educativa: previsão e precisão de resultados. Por conseguinte, o currículo é organizado “[...] como um conjunto de objetivos de aprendizagem selecionados, os quais devem dar lugar à criação de experiências apropriadas que tenham efeitos cumulativos avaliáveis [...].”(SACRISTÁN, 2000, p. 46). Em síntese, esse modelo curricular é assim caracterizado: organizado por objetivos; delineado por especialistas; implementado pelos professores; focado na transmissão e memorização de conteúdos; o aluno é passivo e reprodutor; centrado na aprendizagem mecânica e repetitiva;com foco na avaliação que visa o alcance dos objetivos por meio de instrumentos de medida ou observação. Atividade de Estudos: 1) Com base no modelo teórico tradicional, você consegue vincular algo de sua experiência escolar a este modelo. Descreva no espaço que segue: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Para se contrapor a este modelo teórico, emergem, nos anos 70, as teorias críticas de currículo. Assim, inicia-se a marca de outro movimento, este fortemente influenciado pelo pensamento de Paulo Freire. Silva (1999, p. 30) argumenta que, O modelo curricular é centrado em objetivos . 33 tEOrias E paradigmas CurriCularEs Capítulo 2 ao contrário das teorias tradicionais, que se preocupavam muito mais em como elaborar e organizar o currículo, as teorias críticas de currículo “[...]começam por colocar em questão precisamente os pressupostos dos presentes arranjos sociais e educacionais.” Nessa compreensão teórica do currículo, a ênfase está no questionamento em relação as desigualdades e injustiças sociais. A argumentação teórica reside no fato em que “[...] o importante não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz.” (SILVA, 1999, p. 30). Logo, o interesse teórico está em examinar “[...] as relações entre o conhecimento escolar e a estrutura de poder na sociedade mais ampla, abrindo possibilidades para a construção de propostas curriculares informadas por interesses emancipatórios [...].” (MOREIRA, 1994, p. 12). Pacheco (1996, p. 40) explica que este enfoque teórico do currículo “[...] insere-se numa perspectiva emancipadora de currículo, afastando-se em termos conceptuais, das teorias técnicas [...]. O currículo não é resultado nem dos especialistas nem do professor individual, mas dos professores agrupados e portadores de uma consciência crítica, e agrupados segundo interesses críticos.” Freire (1993), figura principal associada a esta teoria, propõe que o currículo, numa perspectiva crítica, não seja determinado por alguns “iluminados”, considerados especialistas, mas que seja construído a partir dos interesses e experiências de todos que participam das atividades escolares, sendo situado no contexto histórico, social, cultural, político e econômico de cada época. Na perspectiva crítica, o currículo não seria mais estruturado de forma fragmentada e disciplinar. Ao contrário, sua organização seria feita por temas de fundo social, cultural e histórico, contexto que permite aos estudantes e professores reunir uma variedade de conhecimentos e possibilidades para resolver problemas, promover o pensamento crítico e privilegiar justiça social e equidade (FREIRE, 1993). O conhecimento disciplinar, entretanto, não seria desconsiderado. Os conteúdos seriam estudados, visando preparar melhor os estudantes para o cotidiano de nossa sociedade. Atividade de Estudos: 1) Com base no modelo teórico crítico, você consegue vincular algo de sua experiência escolar a este modelo. Descreva no espaço que segue. ______________________________________________________ ______________________________________________________ Na perspectiva crítica, o currículo não seria mais estruturado de forma fragmentada e disciplinar. Ao contrário, sua organização seria feita por temas de fundo social, cultural e histórico.. 34 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ No início dos anos 90, o currículo, como campo de estudos, encontra-se em ebulição e novas perspectivas teóricas emergentes vão se constituindo junto ao pensamento da pós-modernidade. Para alguns, elas se constituem como as teorias pós-criticas do currículo, as quais têm polemizado as discussões de currículo na contemporaneidade. Atualmente, investigadores e educadores defendem abordagens multidisciplinares para o currículo. Slaterry (1995, p. 36) definiu esta nova forma como resultado da era pós-moderna que “desafiará a perspectiva tradicional da lógica moderna do positivismo” para sustentar formas alternativas, que “encorajarão a reflexão autobiográfica, investigação narrativa, interpretação revisionista e compreensão contextual. O conhecimento será entendido como reflexo dos interesses humanos, valores e ações que são socialmente construídas.” Nesse sentido, para os pós-criticos, haveria uma reorientação com relação aos modelos curriculares a serem construídos, constituindo-se numa perspectiva multicultural, questão tão almejada no contexto educacional da atualidade. O Positivismo se torna um método e uma doutrina: método, enquanto sugere que as avaliações científicas devem estar rigorosamente embasadas em experiências; e doutrina, enquanto preconizava que todos os fatos da sociedade deveriam seguir uma natureza precisa e científica. A palavra de ordem do Positivismo era desprezar a inacessível determinação das causas, dando preferência à determinação das leis. Dessa forma, substituia-se o método a priori pelo método a posteriori. O fundador dessa doutrina Positivista foi Auguste Comte, francês, nascido em Montpellier, em 1.798, e falecido em Paris, em 1.857. Opondo-se à concepção do direito natural e do pacto social e às doutrinas teológicas, Augusto Comte preconizava o emprego de novos métodos no exame científico dos problemas sociais, substituindo as interpretações metafísicas e estabelecendo a autoridade e a ordem pública contra os abusos do individualismo da Escola Liberal. O positivismo, nesta concepção, era, portanto, uma filosofia determinista que, de um lado, professava o experimentalismo sistemático e, de outro, considerava anticientífico todo o estudo das causas finais. Admitia, pois, que o espírito humano Para os pós- criticos, haveria uma reorientação com relação aos modelos curriculares a serem construídos, constituindo-se numa perspectiva multicultural. 35 tEOrias E paradigmas CurriCularEs Capítulo 2 seria capaz de atingir as verdades do mundo físico através de métodos experimentais, mas não de atingir dessa forma a verdade de questões metafísicas. Por isso, podemos afirmar que o Positivismo era e é um dogmatismo físico e um ceticismo metafísico. (JÚNIOR, J.R. O que é Positivismo. São Paulo: ed. Brasiliense, 1994). Atividade de Estudos: 1) Com base no modelo teórico pós-crítico, você consegue vincular algo de sua experiência escolar a este modelo. Descreva no espaço que segue: ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ É no contexto polissêmico dos anos 1990 que se situa a emergência das teorias pós-críticas ou pós-estruturalistas, como definem alguns teóricos. Assim como as teorias críticas, as teorias pós-críticas defendem a ideia de que “nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas que está, inevitavelmente, implicada em relações de poder.” (SILVA, 1999, p. 16). Para Moreira (1994, p. 28- 29), a teoria pós-moderna ou pós-crítica, [...] não corresponde nem a um movimento unificado nem a um ‘sistema’ de ideias e conceitos, convencionalmente entendido. É mais uma perspectiva complexa, multiforme,resistente a definições, explicações e categorizações simplistas [...]. Penso serem elas que melhor podem oferecer uma base potencial para questionamentos radicais das concepções pedagógicas tradicionais e para a formulação de propostas curriculares pautadas pela intenção de resistir ao status quo. A literatura pós-crítica, tanto em âmbito nacional quanto internacional, ainda está muito centrada no plano da denúncia em relação às teorias tradicionais e às teorias críticas. Suas proposições téoricas sugerem a desconstrução de conceitos e práticas, que vêm sendo materializadas pelo currículo tradicional, visando a reconstrução ou a resignificação dos textos, contextos e discursos vivenciados pelos indivíduos. Para Silva (1999, p. 115), “[...] o pós-modernismo empurra a 36 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade perspectiva crítica do currículo para os seus limites [...] e, de certa forma, constitui uma radicalização dos questionamentos lançados às formas dominantes de conhecimento pela pedagogia crítica.” Resumindo: o autor argumenta que as teorias pós-críticas apontam para discursos, tais como: identidade, alteridade, diferença, subjetividade, significação, discurso, saber-poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade e multiculturalismo. Em síntese, este é o itinerário histórico que caracteriza as três perspectivas do currículo, as quais estão resumidamente apresentadas no quadro a seguir: Quadro 3 – síntese das teorias de currículo Perspectivas do currículo Teorias tradicionais Teorias Críticas Teorias Pós-criticas Proponente/ Data Bobbit – 1918 Chartes – 1923 Dewey – 1900 - 1930 Freire e outros - 1970 Pinar e outros - 1990 Discurso Científico Dialético Subjetivo Legitimidade Normativa Processual Subjetiva Inspiração Modernidade Materialismo Histórico Pós-modernidade Racionalidade Técnica Comunicativa Subjetiva Termos representativos e originários destas perspectivas Ensino Aprendizagem Avaliação Metodologia Didática Organização Planejamento Eficiência Objetivos Ideologia Reprodução Cultural e Social Poder Classe Social Capitalismo Relações Sociais e de Produção Conscientização Emancipação e Libertação Currículo Oculto Resistência Identidade, Alteridade, Diferença Subjetividade Significação e Discurso Saber-Poder Representação Cultura Gênero, Raça, Etnia, Sexualidade Multiculturalismo Conceito de Currículo Conjunto ordenado de elementos (objetivos, conteúdos, experiências, estratégias e avaliação) para desenvolver o ensino O currículo é o lugar onde, ativamente, se produzem significados sociais O currículo é um arte- fato social. Ele tem um papel de construção pela linguagem e pelo discurso. Fonte: Elaborado pelas autoras com base em: SILVA, T. T. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 37 tEOrias E paradigmas CurriCularEs Capítulo 2 paradigmaS CurriCularES: téCniCo- linEar, CirCular-ConSEnSual E dinâmiCo-dialógiCo Para compreender o porquê de determinada forma de pensar e agir se constituir como legítima, numa dada época histórica, sugiro a leitura do texto a seguir. É um ilustrativo de como iniciamos nossas crenças e defendemos nossos pontos de vista. Como nasce um paradigma? Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula, em cujo centro puseram uma escada e, sobre ela, um cacho de bananas. Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas, os cientistas lançavam um jato de água fria nos que estavam no chão. Depois de certo tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros enchiam-no de pancadas. Passado mais algum tempo, nenhum macaco subia mais a escada, apesar da tentação das bananas. Então, os cientistas substituíram um dos cinco macacos. A primeira coisa que ele fez foi subir a escada, dela sendo rapidamente retirado pelos outros, que o surraram. Depois de algumas surras, o novo integrante do grupo não mais subia a escada. Um segundo foi substituído, e o mesmo ocorreu, tendo o primeiro substituto participado, com entusiasmo, da surra ao novato. Um terceiro foi trocado, e repetiu-se o fato. Um quarto e, finalmente, o último dos veteranos foi substituído. Os cientistas ficaram, então, com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam batendo naquele que tentasse chegar às bananas. Se fosse possível perguntar a algum deles porque batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria: “Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui...” 38 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade “É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito” (ALBERT EINSTEIN). Extraído de: SALMAZO, Regina Inês Testa. Liderança Emocional: Desafio e conquista do líder pós-moderno. Brasília: Thesaurus, 2006. p. 82-83. Atividade de Estudos: 1) O texto anterior nos dá uma ideia de como seguimos os paradigmas que são instituídos por uma comunidade, seja ela científica ou não. Aqui cabe uma boa reflexão. Por exemplo, como profissionais da educação e, especialmente, como mentores e gestores do currículo escolar, o que nos leva a fazer certas escolhas em detrimento de outras? Se fôssemos perguntados sobre isso em uma reunião, como reagiríamos? Teríamos fundamentos para nossas escolhas? Será que temos clareza de nossas crenças e consciência de por que as seguimos? Com base nestas indagações, solicitamos que você registre algumas de suas respostas no espaço a seguir. Estes registros poderão questionar certezas e/ou elucidar dúvidas que possuímos em relação às nossas ações e atitudes. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Para Kuhn (1996, p.225), um paradigma constitui-se de uma “[...] constelação de crenças, valores e técnicas partilhadas pelos membros de uma comunidade científica [...]”. Por isso, a força de um paradigma emerge do consenso de uma determinada comunidade científica. Pode ser considerado um modelo ou padrão. Assista ao filme: Sociedade dos poetas mortos. 39 tEOrias E paradigmas CurriCularEs Capítulo 2 Baseado nas ideias de J. Habermas, James B. Macdonald (1975) organizou um esquema conceitual para analisar os paradigmas de currículo que se encontram na literatura. De acordo com MacDonald, as diferenças básicas no pensamento curricular estão diretamente relacionadas com os enfoques de pesquisa usados para a sua construção, tais como: o enfoque empírico-analítico, o enfoque histórico- hermenêutico e o enfoque praxiológico. Para esse autor, são três os paradigmas de desenvolvimento do currículo. O paradigma técnico-linear, o paradigma circular- consensual e o paradigma dinâmico-dialógico. Existem na literatura outros esquemas conceituais para analisar os paradigmas de currículo. Por ex.: McNeil descreve quatro paradigmas: humanístico, de reconstrução social, tecnológico e de matérias acadêmicas; Eisner e Vallance identificaram cinco paradigmas: desenvolvimento dos processos cognitivos, currículo como tecnologia, autorrealização, reconstrução social e racionalismo acadêmico. a) Paradigma Técnico-Linear O paradigma técnico-linear tem como objetivos de ensino a dimensão técnica; ou seja, a intencionalidade da educação está relacionada diretamente com a preparação dos indivíduos para o desempenho de funções específicas: mão de obra qualificada para o mercado de trabalho; portanto, funções atreladas ao desenvolvimento econômico do país. A origem da aplicação do enfoque empírico-analítico, no trabalho de currículo,pode ser observada no livro The Curriculum, escrito por John Franklin Bobbitt e publicado em 1918. Bobbitt, influenciado pelos princípios da Administração Científica que estavam sendo usados na indústria, e que foram organizados por Frederick Taylor, pai da Administração científica, elaborou um paradigma de currículo, cujos princípios básicos são: • preparar indivíduos para desempenhar funções definidas em uma situação também definida; • basear o conteúdo curricular numa análise das funções específicas a serem desempenhadas e na situação, também específica, na qual devem ser desempenhadas. (PALMA FILHO, 1990, p.1). 40 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade Os princípios da administração científica são: planejamento, preparo, controle e execução. Princípio do Planejamento: substituir, no trabalho, o critério individual do operário, a improvisação e a atuação empírico-prática pelos métodos baseados em procedimentos científicos. Princípio do Preparo: selecionar cientificamente os trabalhadores, prepará-los e treiná-los para produzirem mais e melhor. No passado, o próprio trabalhador escolhia o seu trabalho e a maneira de executá-lo e treinava a si mesmo como podia. Princípio do Controle: controlar o trabalho para se certificar de que o mesmo está sendo executado de acordo com as normas estabelecidas e segundo o plano previsto. A gerência deve cooperar com os trabalhadores, para que a execução seja a melhor possível. Princípio da Execução: distribuir distintamente as atribuições e as responsabilidades, para que a execução do trabalho seja bem mais disciplinada. Segundo Kliebard (1975, p.84), esses princípios, ao serem utilizados no desenvolvimento do currículo, transformaram-se [...] numa parte do sistema de produção, sendo o aluno a matéria bruta, que deve ser transformada num finíssimo e útil produto, sob o controle de um técnico altamente qualificado. O resultado desse processo de produção deve ser cuidadosamente pré-delineado, de acordo com rigorosas especificações, e, quando certos produtos provam ser inúteis, são descartados em favor de outros, mais eficientes. Toma-se cuidado com aquelas matérias brutas de particular qualidade ou composição, canalizando-as para o próprio sistema de produção. Nesse sentido, educar era sinônimo de mudança de comportamento, o qual estava rigorosamente definido em termos de desempenho dos alunos, a serem medidos pelo professor por meio dos objetivos instrucionais. Os objetivos eram propostos em termos comportamentais. A preocupação centrava-se na aprendizagem de competências, sem considerar as habilidades básicas necessárias à vida. 41 tEOrias E paradigmas CurriCularEs Capítulo 2 b) Paradigma Circular-Consensual No paradigma circular-consensual, o currículo está centrado nas experiências dos alunos e nas necessidades latentes e/ou manifestas, visto que o conhecimento deve resultar de uma vivência, de uma prática de vida, de uma comunicação intersubjetiva; portanto, não pode ser ‘depositado’, ‘doado’, imposto de fora para dentro. Nesse contexto, o aluno é o criador e o construtor de seu próprio currículo; ele é que deve gerar ou mudar significados sobre si mesmo, sobre os outros e sobre seu mundo e isto se produz através da auto-reflexão. (GREEN apud PALMA FILHO, 1999). Cabe ao professor acompanhar o processo sem intervenção. Nesse paradigma, o papel da escola deixa de ser um espaço destinado à socialização do saber sistematizado e centra-se nas experiências das crianças, substituindo a curiosidade intelectual pela troca de experiências. Para ilustrar esse paradigma, trazemos as reflexões de Kliebard (1975 apud PALMA FILHO, p. 84-85), que faz uma analogia do paradigma circular-consensual com uma estufa. [...] onde os alunos crescem e desenvolvem suas potencialidades sem os perigos das intempéries e sob o cuidado de um douto e passivo jardineiro. As plantas que crescem na estufa são de diversas variedades, e o jardineiro trata cada uma de acordo com suas necessidades a fim de que cada planta chegue a flor. Este florescimento, não podendo ser universal e perfeito, vai deixando algumas plantas solitárias. O jardineiro nada faz para desviar o potencial inerente à planta ou para satisfazer seus caprichos e desejos. O objetivo do processo de escolarização, nesse paradigma, é a construção da consciência crítica, através da autorreflexão. Desse modo, o currículo escolar enfatiza o aluno como sujeito do processo de aprendizagem e recoloca a comunicação interpessoal no centro dos métodos de ensino. Contudo, os estudos sobre currículo apontaram a necessidade de considerar que a escola está inserida na sociedade e que seus problemas não são só problemas educacionais, mas também sociais, políticos e econômicos. Trabalhar um currículo que desenvolvesse a consciência crítica, através da autorreflexão, suscitava transcender o imediato, advindo da experiência em si. c) Paradigma Dinâmico-Dialógico Esse paradigma tem como premissas: • o currículo não pode ser separado da totalidade do social, deve ser historicamente situado e culturalmente determinado; 42 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade • o currículo é um ato inevitavelmente político, que objetiva a emancipação das camadas populares; • a crise que atinge o campo do currículo não é conjuntural; ela é profunda e de caráter estrutural. (PALMA FILHO. 1999, p. 8). O paradigma dinâmico-dialógico tem como objetivo auxiliar os alunos a refletirem criticamente sobre as forças que modelam suas vidas e sobre os conteúdos, que são passados como verdades. Assim, objetiva desmistificar as ideologias transmitidas através dos conteúdos curriculares. Na analogia de Kliebard (1975, p.85), esse currículo constitui-se [...] num caminho sobre o qual viajam alunos liderados por um competente guia e companheiro na rota. Cada viajante é afetado pessoalmente pela caminhada e, ao mesmo tempo, os contornos do caminho vão sendo delineados pelas predileções, interesses e objetivos deste viajante. Esta variabilidade de contornos de caminho de viajante para viajante não é somente inevitável, mas também esperada e desejada. Nenhum esforço é feito pelo guia para estandartizar a exata natureza do efeito da viagem em cada viajante e em si próprio; mas um grande esforço é feito pelo guia, para proporcionar a todos uma possibilidade de mudanças, seja pessoal, seja de rota. O paradigma dinâmico-dialógico foi se constituindo, a partir da necessidade de se colocar professores e alunos em diálogo permanente com o conhecimento. Nesse paradigma, a mediação do professor é fundamental, para questões relativas ao currículo oculto e o conflito no currículo, presentes nas relações sociais que se vive, seja em relação ao conhecimento, seja em relação a problemas sociais. Currículo oculto: são “[...] as normas e valores que implícita, porém efetivamente, são transmitidos pela escola e que, habitualmente, não são mencionados na definição feita pelos professores dos fins ou objetivos da sua matéria. (APPLE, 1982, p.127)”. O referendado autor ainda acrescenta : “é o que os estudantes tacitamente experienciam e o que ajuda a reproduzir a hegemonia”. (APPLE, 1982, p.157). 43 tEOrias E paradigmas CurriCularEs Capítulo 2 Quadro 4 – Síntese dos paradigmas curriculares PARADIGMA CURRICULAR TÉCNICO- LINEAR CIRCULAR-CONSENSUAL DINÂMICO DIALÓGICO Enfoque empírico-analítico Enfoque histórico-hermenêutico Enfoque praxiológico Constitui interesse técnico Constitui interesse de consenso Constitui interesse emancipa- tório Traz uma dimensão de atividade voltada ao objeto de trabalho Traz uma dimensão de ativida- des, voltada à linguagem/símbo- los entre sujeitos Traz uma dimensão de atividade que trabalha com as relações de poder entreos sujeitos Trabalha com uma aborda- gem de neutralidade científica Privilegia a objetividade Privilegia a intersubjetividade Rompe com a dicotomia sujeito/objeto e trabalha num movimento dialético Tem suas origens no empiris- mo e no positivismo Escola Nova - DEWEY Procura compreender a realidade a partir da relação dialética entre sujeito e objeto (Freire) Trabalha com uma inter- pretação funcionalista da sociedade Decorre do consenso intersub- jetivo resultante da interação social Movimento: ação-reflexão- -ação Fundamenta-se numa con- cepção de mundo previamen- te estruturada e organizada, com ênfase no método A compreensão dos fatos se dá pela relação compreensiva dos símbolos entre os sujeitos para a interpretação da realidade social Currículo construído para preparar o indivíduo para funções específicas Currículo baseado nas experiên- cias e necessidades latentes ou manifestas Observa para controlar, men- surar e generalizar Homem produto para ser treinado Homem projeto inacabado Homem ser social criador da realidade Educação: processo de treinamento-adaptação Educação: criar condições para o homem ser mais. Educação: espaço de reprodu- ção, contradições e rupturas Produto (treinamento, ades- tramento) Produto (permanece no aqui e agora do aluno – troca de experiências) Processo (escola espaço de luta e de contradição, movi- mento dialético de ir e vir vai se constituindo no processo) Fonte: Elaborado pelas autoras com apoio em diversos autores citados no texto. 44 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade Para maior aprofundamento sobre os paradigmas curriculares, consultar o livro de Antonio Flávio Barbosa Moreira – Currículo e Programa no Brasil – editora Papirus - capítulo II. e o livro de José Luis Domingues. algumaS ConSidEraçõES Nesse momento, convidamos você a fazer uma viagem de volta aos seus primeiros anos escolares. Lembre-se de como era a escola, que disciplinas você cursava, que posturas eram adotadas pelos professores em relação aos alunos; enfim, reflita sobre como a escola influenciou seu modo de pensar e agir. E aí, como foi sua viagem? Qual seu itinerário? Em que você se fixou mais? Muito bem! Agora que você já se situou no tempo e no espaço, sugerimos uma análise do currículo que contribuiu para a sua formação naquele momento da vida. Qual foi o paradigma ou os paradigmas que mais influenciaram sua história de escolarização? Essas são apenas algumas perguntas que podem ajudar você a compreender em que paradigma o currículo em ação se fundamentava. O currículo em ação efetiva-se apenas alicerçado em um paradigma? O que acontece na realidade educativa? Que concepção de homem, de mundo e de sociedade estava presente naquele contexto de formação? A concepção de currículo presente, naquele contexto de sua formação, contribuiu para a formação da sua cidadania ou não, e por quê? Atividade de Estudos: 1) Utilize o espaço que segue para fazer o registro de sua reflexão. ______________________________________________________ 45 tEOrias E paradigmas CurriCularEs Capítulo 2 ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ rEfErênCiaS APPLE, Michael. Currículo e Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1982. DOMINGUES, José L. O cotidiano da escola do 1º grau: o sonho e a realidade. Tese de doutoramento. São Paulo, EDUC, 1988. DEPRESBITERIS, L. O desafio da avaliação da aprendizagem: dos fundamentos a uma proposta inovadora. São Paulo: EPU, 1989. FREIRE, P. A educação na Cidade. São Paulo: Cortez, 1993. GIROUX, Henry A. Teoria Crítica e Resistência em Educação. Rio de Janeiro/ Petrópolis: Vozes, 1986. LEFEBVRE, H. Sociologia de Marx. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1979. MOREIRA, A. F. B. A crise da teoria curricular crítica. In: COSTA, M. V. O currículo nos limiares do contemporâneo. 3ª. Ed., Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p. 11-36. MOREIRA, Antônio Flávio B.; SILVA, T. T. da. (Orgs.). Currículo, cultura e sociedade. Campinas: Papirus, 1994. ______. Currículos e Programas no Brasil. 2. ed. Campinas: Papirus, 1995a. ______. Currículo: Questões Atuais. Campinas: Papirus, 1997. 46 Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade PACHECO, José A. Currículo: teoria e práxis. Portugal: Porto Editora, 1996. PALMA FILHO, João C. Fundamentos da construção curricular. São Paulo: Ed. CERED, 1990. SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo, uma relação sobre a prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. SLATERRY, P. Curriculum development in the posmodern era. New York: Garland Publishing, Inc, 1995. CAPÍTULO 3 CurríCulo na HiStória da EduCação BraSilEira A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo, você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Identificar os principais movimentos curriculares na História da Educação brasileira. 3 Sistematizar as influências da história do currículo, no Brasil, no fazer pedagógico da educação básica. 49 CurríCulO na História da EduCaçãO BrasilEira Capítulo 3 ContExtualização Já compreendemos que há uma polissemia de conceitos em torno do currículo escolar, já percorremos seu histórico, caracterizamos suas teorias e seus paradigmas, que vem demarcando este campo de estudos, desde seu surgimento até a atualidade. Consideramos que você já está bem situado em relação a esta disciplina. A partir de agora, convidamos você para seguir um itinerário histórico sobre o currículo escolar no Brasil, pois pretendemos que, durante esse percurso, você possa se sentir preparado para caracterizar os principais movimentos curriculares na história da educação e sistematizar as suas influências no fazer pedagógico da educação brasileira. Neste capítulo, você verá como cada movimento histórico do currículo, nos Estados Unidos, exerceu influência direta no contexto da educação brasileira e, deste modo, do currículo escolar. Abordaremos, primeiramente os movimentos históricos que demarcaram o campo no Brasil e, em seguida, caracterizaremos as influências destes movimentos no fazer pedagógico da educação básica. movimEntoS HiStóriCoS do CurríCulo na EduCação BraSilEira Consideramos que a caracterização histórica é fundamental para nos situarmos melhor neste campo, mas acreditamos que isto fará em melhor nível a compreensão de sua própria identidade (personalidade) e de quanto os processos formativos, proporcionados pela escola, tem exercido influência sobre ela. Dessa forma, é possível afirmarmos que os currículos escolares não são artefatos neutros e/ou desinteressados, mas eles têm sim: [...] uma existência à parte dos homens que os criam. Currículos são, sim, invenções sociais, como as cidades ou os partidos políticos (Young, 1971). Todo currículo, como bem acentuou Williams (1984), implica numa seleção da cultura, num conjunto de ênfases e omissões, que expressa, em determinado momento histórico, o que se considera ser educação. (MOREIRA, 1990, p. 213). Dito isto, queremos afirmar que os currículos são historicamente construídos e carregados de intencionalidades, valores, conteúdos, entre outras coisas. Isto pode ser observado pelas reformas educacionais e curriculares, promovidas em diferentes momentos
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