Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
LIBRAS Professora Dra. Clélia Maria Ignatius Nogueira Professora Me. Marília Ignatius Nogueira Carneiro Professora Esp. Beatriz Ignatius Nogueira Soares GRADUAÇÃO Unicesumar C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; NOGUEIRA, Clélia Maria Ignatius; CARNEIRO, Marília Ignatius Nogueira; SOARES, Beatriz Ignatius Nogueira. LIBRAS. Clélia Maria Ignatius Nogueira; Marília Ignatius Nogueira Carneiro; Beatriz Ignatius Nogueira Soares. Maringá-Pr.: UniCesumar, 2017. 424 p. “Graduação - EaD”. 1. Libras 2. Linguagem . 3. Sinais 4. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-0705-3 CDD - 22 ed. 370 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: Coordenador de Conteúdo Marcia Maria Previato Souza Designer Educacional Isabela Agulhon Iconografia Amanda Peçanha dos Santos Ana Carolina Martins Prado Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Arte Capa Arthur Cantareli Silva Editoração Daniel Fuverki Hey Fernando Henrique Mendes Qualidade Textual Pedro Afonso Barth Kaio Vinicius Cardoso Gomes Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Diretoria Executiva Chrystiano Minco� James Prestes Tiago Stachon Diretoria de Graduação Kátia Coelho Diretoria de Pós-graduação Bruno do Val Jorge Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Débora Leite Head de Curadoria e Inovação Tania Cristiane Yoshie Fukushima Gerência de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira Gerência de Curadoria Carolina Abdalla Normann de Freitas Gerência de de Contratos e Operações Jislaine Cristina da Silva Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Supervisora de Projetos Especiais Yasminn Talyta Tavares Zagonel Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos com princípios éticos e profissionalismo, não so- mente para oferecer uma educação de qualidade, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão in- tegral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educa- dores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a quali- dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos! Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu- nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con- tribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competên- cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessá- rios para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cresci- mento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das dis- cussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui- lidade e segurança sua trajetória acadêmica. A U TO R A S Professora Esp. Beatriz Ignatius Nogueira Soares Especialista em Educação Especial – Instituto Paranaense de Ensino e Faculdade Maringá. Licenciada em Artes Visuais pela Unicesumar e Licenciada em Letras Libras pela UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. Professora de Libras da UFPR – Universidade Federal do Paraná – Campus de Palotina. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Surdez e Ensino de Matemática, da Universidade Estadual Paranaense – UNESPAR e Coordenadora do Projeto de Apoio a Difusão da Libras – Palotina - UFPR. Para maiores informações, acesse o link disponível em: <http://lattes.cnpq. br/9086666373114923>. Professora Dra. Clélia Maria Ignatius Nogueira Doutora em Educação pela UNESP – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Mestra em Matemática pela USP – Universidade de São Paulo. Licenciada em Matemática pela FAFIT – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Tupã, SP. Professora de Libras da Unicesumar desde 2010. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Surdez e Ensino de Matemática, da Universidade Estadual Paranaense – UNESPAR; do Projeto de Apoio a Difusão da Libras do Departamento de Língua Portuguesa da UEM e do Projeto de Apoio a Difusão da Libras – Palotina – UFPR. Para maiores informações, acesse o link disponível em: <http://lattes.cnpq. br/7001703570357441>. Professora Me. Marília Ignatius Nogueira Carneiro Mestra em Educação pela UEM. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Surdez e Ensino de Matemática, da Universidade Estadual Paranaense – UNESPAR, Campus de Campo Mourão. Licenciada em Letras Libras pela UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. Bacharel em Gastronomia pela Unicesumar – Maringá. Professora de Libras do Departamento de Língua Portuguesa da Universidade Estadual de Maringá e Coordenadora do Projeto de Apoio a Difusão da Libras – UEM. Para maiores informações, acesse o link disponível em: <http://lattes.cnpq. br/4034205128370041>. SEJA BEM-VINDO(A)! Olá caro(a) aluno(a)! Você certamente deve estar se perguntando por que estudar a Lín- gua Brasileira de Sinais, a Libras. Afinal, essa é a língua dos surdos brasileiros e provavel- mente você nem conhece ninguém surdo! Algo que você provavelmente não sabe é que atualmente existem no Brasil cerca de 5.7 milhões de pessoas surdas e que, segundo dados do MEC - Ministério da Educação, em 2001, existiam 50 mil estudantes surdos matriculados no Ensino Fundamental, a maioria deles em classes comuns, em escolas inclusivas, vivenciando umasituação de fracasso escolar, principalmente porque a metodologia mais utilizada ainda é a explicação oral. Este dado de 2001 é importante porque deu origem a diversas ações do Ministério da Educação do Brasil, mudando, radicalmente e para melhor, a educação do surdo brasi- leiro. Dentre elas, destacamos o Decreto Federal 5626 de 22 de dezembro de 2005, que tornou obrigatório o ensino de Libras - Língua Brasileira de Sinais - em todos os cursos de formação de professores e também de fonoaudiologia do Brasil, além de se constituir como disciplina optativa dos demais cursos. É por isso que você está tendo esta disci- plina! A surdez pode ser caracterizada de duas maneiras distintas: seguindo o modelo médico, em que ela é vista como uma deficiência, uma limitação de natureza patológica, com o surdo sendo rotulado por aquilo que não é capaz de fazer, ou seguindo a concepção sócio-antropológica da surdez, como uma diferença linguística, encarando o surdo a partir de suas possibilidades, que poderão ser mais ou menos aproveitadas em função da educação que lhe for ofertada. Ao elaborar este livro texto, procuramos atender prioritariamente a três grandes ob- jetivos: proporcionar a constituição de uma imagem positiva da surdez e dos surdos; favorecer a inclusão educacional e social do surdo e promover a difusão da Libras. Pelo nosso sobrenome, você já deve ter percebido que nós três somos parentes! É verda- de. Somos mãe (Clélia) e filhas. A mãe é ouvinte e as filhas são surdas e nós vivenciamos um período muito difícil na educação do surdo brasileiro, no qual os professores não aprendiam a se comunicar com seus alunos e mais, os próprios surdos eram proibidos de usar a Libras! Esse período foi muito difícil e isso acontecia porque as pessoas, incluídas aí os profes- sores e a família, acreditavam que aprender falar oralmente era a única forma do surdo - que naquela época era designado por deficiente auditivo - se integrar à sociedade. Atualmente, muita coisa mudou. Até a maneira de se referir aos surdos, e na Introdução da Unidade I, nós vamos discutir isso melhor. Vamos mostrar porque hoje os surdos não querem mais ser chamados de deficientes auditivos e mais, vamos mostrar porque a maneira como nós utilizamos as palavras é importante! Sem uma boa discussão parece implicância querer que se utilizem algumas palavras. A tal da história do “politicamente correto”, afinal, o que isso importa, se as pessoas entendem do que estamos falando, independente da palavra usada? Esta resposta está lá, na Introdução da Unidade I. APRESENTAÇÃO LIBRAS Com a Unidade I - O surdo, a surdez, a educação, a cultura e identidades surdas - nosso objetivo é introduzir você no mundo surdo, mostrando, por exemplo, que nem sem- pre os surdos tiveram direito à educaçãoe que, que começou somente por volta do século XV, quando os surdos começam a ser educados e, desde seu início, a grande discussão sempre foi se esta educação deveria ser feita sustentada essencialmente na oralização ou se poderia ser apoiada em gestos. Em seguida, o objetivo é discutir como se efetiva a educação do surdo no Brasil atual. Quais são as políticas, as leis e os programas públicos de atendimento edu- cacional ao surdo, além dos recursos tecnológicos para a sua inclusão social e edu- cacional. Estes temas são abordados na Unidade II, que trata, como o próprio título indica, de maneira direta, e Legislação, Políticas Públicas e Recursos Tecnológicos para a Educação de Surdos. Na terceira unidade - Aspectos Gerais e Fonológicos da Libras -, começamos a apre- sentar a Libras, em seus aspectos gerais e fonológicos e, já a partir da introdução da Unidade III, você vai ficar sabendo que a Libras é uma língua com gramática própria e proporciona para os surdos tudo que a língua oral proporciona aos ouvintes. E ain- da, que cada país tem a sua língua de sinais. A Libras é a Língua Brasileira de Sinais, falada pelos surdos brasileiros. Finalizamos a parte teórica da Unidade III discutindo as restrições para a criação de sinais em Libras. Nesta unidade também iniciamos a construção do seu vocabulário em Libras, com o Léxico de Categorias Semânticas, isto é, sinais para um grupo de palavras relacionadas entre si por um grande tema. Esta construção de vocabulário também está presente nas Unidades IV e V. Em fun- ção da limitação de espaço em um texto como este, nos limitamos ao vocabulário mais básico para a sala de aula. Para o estudo dessas três unidades, os vídeos são fundamentais, assim como a consulta aos sites indicados. Na Unidade IV - Aspectos Morfológicos da Libras - o objetivo principal é discutir as re- gras que determinam a formação de sinais abordando, também, os Classificadores, poderosos auxiliares da Libras. Na Unidade V - Aspectos Sintáticos da Libras -, o objetivo é apresentar a sintaxe es- pacial, ou seja, como se caracteriza o “espaço gramatical” em Libras; discutindo as regras para a formação de frases em Libras, por exemplo. Tratamos também da mo- dulação de sinais em Libras como processo análogo ao da entonação na Língua Portuguesa. Sabemos que aprender Libras é uma tarefa difícil e quase impossível de acontecer só com esta disciplina. Nós esperamos que você se interesse pelos surdos, pela sua língua e procure estudar mais e mais! Finalizamos esta apresentação com esta frase que nos faz refletir: “O que importa a surdez da orelha, quando a mente ouve? A verdadeira surdez, a incurável surdez é a da mente” (FERDINAND BERTHIER, surdo francês, 1854). Abram suas mentes e bons estudos! APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 09 UNIDADE I O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS 15 Introdução 16 História da Educação de Surdos 22 Abordagens Educacionais para Surdos: Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo 32 Cultura e Identidades Surdas 41 Considerações Finais 47 Referências 49 Gabarito UNIDADE II LEGISLAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS E RECURSOS TECNOLÓGICOS PARA A EDUCAÇÃO DE SURDOS 53 Introdução 54 Inclusão como Princípio da Educação Especial 57 A Legislação Brasileira Referente à Educação de Surdos 71 A Educação de Surdos e as Políticas Públicas do Brasil 77 Tecnologias de Acessibilidade para a Comunicação do Surdo 85 Considerações Finais 92 Referências 94 Gabarito SUMÁRIO 10 UNIDADE III ASPECTOS GERAIS E FONOLÓGICOS DA LIBRAS 97 Introdução 98 Paralelos Entre Libras e Língua Portuguesa 109 Aspectos Fonológicos da Libras 130 Léxico De Categorias Semânticas I – Tempo e Elementos da Natureza 145 Considerações Finais 153 Referências 154 Gabarito UNIDADE IV Aspectos morfológicos da Libras 157 Introdução 158 Aspectos Morfológicos da Libras 175 Classificadores 190 Léxico de Categorias Semâticas II 261 Considerações Finais 266 Referências 267 Gabarito SUMÁRIO 11 UNIDADE V ASPECTOS SINTÁTICOS DA LIBRAS 271 Introdução 272 O Espaço Gramatical 295 Verbos em Libras 300 Léxico De Categorias Semânticas III 416 Considerações Finais 422 Referências 423 Gabarito 425 Conclusão U N ID A D E I Professora Dra. Clélia Maria Ignatius Nogueira Professora Me. Marília Ignatius Nogueira Carneiro Professora Esp. Beatriz Ignatius Nogueira Soares O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Objetivos de Aprendizagem ■ Refletir sobre o percurso histórico da Educação de Surdos. ■ Cotejar as principais abordagens pedagógicas na Educação de Surdos. ■ Refletir sobre cultura e processo de construção de identidades surdas. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ História da educação de surdos ■ Abordagens educacionais para surdos: oralismo, comunicação total e bilinguismo ■ Cultura e identidades surdas INTRODUÇÃO Apesar de, aparentemente, não ter importância a denominação escolhida para designar uma pessoa ou um grupo de indivíduos, ela revela nossa concepção, a maneira como consideramos a pessoa,o grupo ou o fenômeno a que nos referimos. É comum entre as pessoas, por exemplo, a utilização da expressão surda-muda para designar a pessoa surda. A palavra mudo não corresponde à realidade do surdo, pois ele não é mudo, no sentido de possuir comprometimentos no sistema fonoarticulatório, mas, a maioria das vezes, a pessoa surda não fala porque não consegue aprender, pois não possui o feedback auditivo. Há casos de pessoas que ouvem (portanto, não são surdas), mas têm um distúrbio da fala e, em decorrência disso, não falam, são mudas. A expressão deficiente auditivo está ligada ao período que refletia a concepção do Modelo Médico, que entendia o surdo como deficiente e, para torná-lo efi- ciente, a ênfase no trabalho era a de reabilitação (trabalho de reabilitar a audição e a fala, na tentativa de minimizar os efeitos provocados pela alteração auditiva). Atualmente, dentro da concepção defendida por diversos autores como Carlos Skliar (1998), Ronice Quadros (1997), Lucinda Brito (1995), Paula Botelho (2002), Gladys Perlin (2004) entre outros, a surdez é entendida muito mais como uma “diferença” do que como deficiência. Segundo esses estudiosos, a surdez é uma experiência visual “e isso significa que todos os mecanismos de processamento da informação e todas as formas de compreender o universo em seu entorno, se constroem como experiência visual” (SKLIAR, 1998, p. 28). Nesta primeira unidade, vamos estudar a história da educação de surdos, para compreendermos melhor a evolução dessa educação e das diferentes aborda- gens ou filosofias educacionais; o oralismo, a comunicação total e o bilinguismo, bem como suas consequências para a formação da identidade da pessoa surda. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 15 O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E16 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS A principal questão da educação dos surdos, desde seu início, sempre foi se os surdos deveriam desenvolver a aprendizagem utilizando a língua de sinais ou a língua oral. E essa decisão, durante muito tempo, foi tomada pelos ouvintes. Só recentemente, os surdos podem dizer como preferem ser educados, e a maioria decidiu que o melhor para eles é a língua de sinais. Como não é possível viver no mundo dos ouvintes sem o conhecimento da língua pátria, os surdos defendem que a língua de sinais (no caso do Brasil, a Libras) deve ser considerada sua primeira língua e depois devem aprender o português, de preferência na modalidade escrita. Mas, para os surdos poderem conquistar o direito de se expressarem em Libras, que hoje é língua oficial brasileira desde 2002, eles lutaram muito e por séculos! Os poucos relatos encontrados sobre a educação dos surdos durante a Antiguidade e por quase toda a Idade Média falavam de curas milagrosas dizendo que qualquer sucesso dos sur- dos era devido à “interferência divina”. Durante muito tempo, os surdos eram considerados incapazes de ser ensi- nados, por isso, eles não frequentavam escolas. As pessoas surdas, principal- mente as que não falavam, eram excluídas da sociedade, sendo proibidas de casar, possuir ou herdar bens e viver como as demais pessoas. Até o final do século XV não havia escolas com ensino especializado para surdos, mas, na verdade, a figura do preceptor (professor particular) era muito comum para todas as crianças e jovens, principalmente das famílias ricas. Famílias nobres e influentes que tinham um filho surdo contratavam os serviços de pro- fessores particulares para que ele aprendesse a falar, pois a aprendizagem de uma Figura 1 - Livro Arte para ensinar © sh ut te rs to ck História da Educação de Surdos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 17 língua era essencial para que os surdos pudessem herdar os títulos e as proprie- dades de suas famílias. É apenas no início do século XVI que se começa a acreditar que os surdos podiam aprender mediante a educação e aparecem relatos de educadores que apresentam resultados obtidos com seus trabalhos utilizando diferentes métodos. Uma pessoa importante para a educação dos surdos no século XVI é o médico, matemático e astrólogo italiano Gerolamo Cardano (1501-1576), que tinha um filho surdo. Ele é considerado um educador de surdos, mas seus estudos eram mais relacionados à medicina. Cardano afirmou que a escrita poderia represen- tar os sons da fala e as ideias do pensamento e, por isso, o fato de não falar não era impedimento para que o surdo adquirisse conhecimento. Assim, Cardano já recomendava o uso de sinais e o ensino da linguagem escrita. O espanhol Pedro Ponce de Leon (1520-1584) é considerado o primeiro pro- fessor de surdos por ter ensinado crianças surdas da nobreza espanhola. Frei Ponce de Léon usava na educação dos surdos, sinais, treinamento de voz e leitura labial. Quarenta anos após a morte de Frei Ponce de Leon, já no século XVII, Juan Pablo Bonet publicou o que seria o primeiro livro do mundo para ensi- nar língua de sinais a surdos, contendo o alfabeto manual. Bonet dava grande importância à expressão e ao treino oral nos primeiros anos de vida da pessoa e sempre utilizava a comunicação gestual. A primeira intervenção pedagógica de Bonet com seus alunos era ensinar o alfabeto gestual e as letras correspon- dentes na forma escrita. Posteriormente, Bonet ensinava a articulação das letras para, finalmente, apresentar as estruturas gramaticais. Os gestos eram considerados importantes para os surdos entenderem o significado das palavras e como ele adotava os ges- tos para ajudar os surdos a falarem, o método de Bonet pode ser considerado a base para a Comunicação Total, que é utilizada até os dias de hoje e que estuda- remos no próximo tópico. No século XVIII, a educação dos surdos avança bastante, principalmente com os trabalhos do Abade Charles Michel De L’Epée, na França; de Thomas Braidwood, na Inglaterra e de Samuel Heinicke, na Alemanha. Apesar de uti- lizarem metodologias diferentes, o que os aproxima é o fato de terem criado as primeiras escolas coletivas para surdos em seus países. Fonte: Bonet (1680)1. O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E18 Thomas Braidwood fundou, em 1760, em Edimburgo, a primeira escola para surdos de toda Grã-Bretanha. Braidwood utilizava um alfabeto digital envolvendo ambas as mãos para apoiar o ensino da escrita e da fala. Este alfabeto ainda é utilizado na Inglaterra. Samuel Heinicke criou, em 1778, uma escola em Liepzig, na Alemanha. A sua meto- dologia defendia que a coisa mais importante no ensino da criança surda seria a linguagem falada e que a linguagem por meio de ges- tos poderia prejudicar esta aprendizagem. Heinicke é considerado o fundador do ora- lismo (que vamos estudar melhor na seção seguinte) e de uma metodologia que ficou conhecida como o “método alemão”. Na época era comum manter em segredo o modo como se conduzia a educação dos surdos. Cada professor trabalhava sozinho e não era comum trocar experiências, por isso, conhecemos pouco do “método alemão” de Heinicke. Ele mesmo escreveu que seu método de educação não era conhe- cido por ninguém, exceto por seu filho, pois ele dizia ter passado por muitas dificuldades para criar seu método e por isso não pretendia dividir suas con- quistas com ninguém. Considerando que os estudos linguísticos objetivam conhecer os princípios de funcionamento das línguas, suas semelhanças e diferenças, podemos dizer que os estudos linguísticos acerca das línguas de sinais tiveram início com o abade francês Charles De L’Epée, no final do século XVIII.O abade, a partir da observação de grupos de surdos, verificou que estes desenvolviam um tipo de comunicação apoiada no canal viso-gestual, que era muito satisfatória. Partindo dessa linguagem gestual, ele desenvolveu um método educacional, apoiado na linguagem de sinais da comunidade de surdos franceses, acrescentou alguns sinais que tornavam a estrutura da língua dos surdos mais parecida com o fran- cês e denominou esse sistema de “sinais metódicos”. Fonte: Bonet (1680, on-line)1 História da Educação de Surdos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 19 Em 1775, De L’Epée fundou uma escola para surdos, a primeira em seu gênero, com aulas coletivas, na qual professores e alunos usavam os chamados sinais metó- dicos. A proposta educativa da escola era que os professores deveriam aprender tais sinais para se comunicar com os surdos. Os professores aprendiam com os surdos e, utilizando os “sinais metódicos”, ensinavam o francês falado e escrito. Diferente de Heinecke, que escondia seu método, De L’Epée divulgava seus trabalhos em reuniões periódicas e propunha-se a discutir seus resultados. Em 1776, publicou um livro no qual divulgava suas técnicas. Seus alunos usavam bem a escrita, e muitos deles ocuparam mais tarde o lugar de professores de outros surdos. Nesse período, alguns surdos se destacaram e ocuparam posições impor- tantes na sociedade de seu tempo. Alguns deles, como por exemplo, Ferdinand Berthier, escreveram vários livros falando de suas dificuldades de comunicação e dos problemas causados pela surdez. Ainda no século XVIII, o abade Roch Sicard (1742-1822), que havia estudado com De L’Epée, objetivando ser pro- fessor de surdos, criou uma escola em 1782, na cidade de Bordéus, na França. Escreveu o livro A Teoria dos Signos, acerca dos sinais metódicos e também publicou um dicionário. A partir do século XVIII, dois grupos foram criados na educação de sur- dos: um grupo que defendia o oralismo puro, não permitindo o recurso gestual e outro que buscava a aquisição da língua oral, tendo como suporte a linguagem gestual (metodologia combinada). No início do século XIX, Thomas Hopkins Gallaudet criou a primeira escola para surdos dos Estados Unidos da América usando sinais. Em 1835, a língua americana de sinais (ASL) foi reconhecida como língua dos surdos dos Estados Unidos e oficializada como língua americana, feito que os surdos brasileiros só conseguiram em 2002, com a oficialização da Libras. As duas abordagens metodológicas avançaram, surgindo, então, encontros mundiais de educadores de surdos, para divulgação das práticas pedagógicas. O primeiro desses encontros foi o I Congresso Internacional sobre a Instrução de Surdos, realizado em 1878, em Paris. Nesse congresso, apesar de todos os participantes entenderem que era melhor usar sinais, vários grupos defendiam que o oralismo era muito importante para a criança poder se comunicar com O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E20 os ouvintes. É somente a partir deste congresso em Paris que os surdos adquiri- ram o direito de assinar documentos. Os debates sobre qual metodologia era mais adequada para a educação dos surdos continuaram, e, em 1880, foi realizado o II Congresso Internacional, em Milão, que provocou uma reviravolta nas práticas pedagógicas para o ensino dos surdos. Organizado praticamente apenas por oralistas, o objetivo velado do Congresso de Milão era tornar o oralismo obrigatório na educação de surdos. Nesse congresso, o inventor do telefone Graham Bell exerceu enorme influên- cia a favor do oralismo. Para conseguirem seus objetivos, os oralistas apresentaram diversos sur- dos que falavam bem e, na assembleia de encerramento, realizada no dia 11 de setembro de 1880, com exceção dos cinco membros americanos e de um pro- fessor britânico, todos os participantes, em sua maioria europeus e ouvintes, votaram por aclamação a aprovação do uso exclusivo e absoluto da metodolo- gia oralista, proibindo, a partir de então, a utilização da linguagem de sinais na educação de surdos. Assim, a partir do Congresso de Milão, no mundo todo, com exceção do Instituto Gallaudet nos Estados Unidos, o oralismo foi o referencial assumido e suas práticas educacionais foram amplamente desenvolvidas e divulgadas, não sendo questionadas por quase um século. Todavia, o trabalho educacional realizado na abordagem oralista não mostrou bons resultados, pois a maioria dos surdos profundos não conseguiu desenvolver uma linguagem oral que lhe permitisse conviver em sociedade, além de apresen- tarem muitas dificuldades para aprender ler e escrever. Apesar desse fracasso evidente, o oralismo ganhou nova força na década de 50 do século XX quando, com o avanço da tecnologia, surgem os primeiros apa- relhos de audição para crianças surdas muito pequenas, os AASI - Aparelhos de Amplificação Sonora Individual. Os oralistas acreditavam que, com a pro- tetização (uso dos aparelhos) desde muito cedo, os surdos poderiam “ouvir” e, então, aprender a falar. Todavia, isso também não se concretizou, na prática, para todas as crianças. Com o passar do tempo, a garantia do direito de todos à educação e o avanço da tecnologia dos aparelhos auditivos fizeram com que as crianças surdas de História da Educação de Surdos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 21 diversos países passassem a ser encaminhadas para as escolas regulares comuns. No Brasil, as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação passaram a coor- denar o ensino das crianças com necessidades educacionais especiais e surgiram as Salas de Recursos e Classes Especiais para surdos, além de algumas Escolas Especiais, com recursos públicos ou privados. Na década de 1960 surgiu, no Brasil, o primeiro estudo linguístico sobre lín- guas de sinais, não considerada até então uma língua verdadeira. Realizado por William Stokoe, Klima e Bellugi, nos Estados Unidos, este estudo demonstrou as características que fazem da linguagem de sinais uma língua equivalente à oral. Entre 1960 e 1970, chega ao Brasil a Comunicação Total, que basicamente tirava a língua oral como o grande e principal objetivo da educação de surdos, considerando mais importante a comunicação. Para isso, todos os recursos eram usados, como gestos convencionados no próprio grupo, língua de sinais, leitura orofacial, alfabeto manual, leitura e escrita etc. Em 1969, temos a primeira tentativa de registrar a Língua de Sinais falada no Brasil, por meio de um pequeno dicionário, Linguagem das Mãos - orga- nizado pelo missionário americano Eugênio Oates -, que apresentou um bom índice de aceitação por parte dos surdos. Somente em 1980 iniciaram os Estudos Linguísticos no Brasil sobre a Língua de Sinais, saindo o primeiro boletim do GELES - Grupo de Estudos sobre Linguagem, Educação e Surdez-, da Universidade Federal de Pernambuco, no Recife. Em 1986, a Língua de Sinais passou a ser defendida no Brasil por profissio- nais influenciados pelos estudos divulgados pela Gallaudet University. Nessa mesma época, a língua de sinais utilizada pelos surdos das capitais do Brasil foi denominada pela sigla LSCB - Língua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros. Também foi descoberta a existência de outra língua de sinais no Brasil, a LSUK - Língua de Sinais dos índios Urubus-Kaapor. Os avanços nas pesquisas sobre as línguas de sinais recomendam que a criança surda tenha acesso o mais cedo possível à língua de sinais e que, poste- riormente, aprenda a língua de seu país, se necessário, apenas na modalidade escrita. Essa filosofia de educação dos surdos é a que está valendo atualmente e se chama Bilinguismo. Para que os surdos brasileiros pudessemter direito a uma educação bilíngue, muitas lutas aconteceram. O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E22 Um acontecimento importante foi a criação da FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos), em 1987, que é uma entidade sem fins lucrativos, a máxima representativa dos surdos, que trabalha em prol da socie- dade surda garantindo, entre outras coisas: a inclusão do surdo no mercado de trabalho, pesquisas para a sistematização e padronização do ensino de Libras (Língua Brasileira de Sinais) para ouvintes e a defesa dos direitos linguísticos e culturais da comunidade surda. Em 2001, foi lançado em São Paulo, o Dicionário Enciclopédico Ilustrado de Libras, em projeto da USP – Universidade de São Paulo, e em 2002 o Dicionário LIBRAS/Português em CD-ROM, trabalho realizado pelo INES/MEC, com apoio da FENEIS. Nacionalmente, a Libras foi recentemente oficializada através da Lei 10.436/2002, enquanto língua dos surdos brasileiros, marcando o início de uma nova e promissora era no que diz respeito à pessoa surda, sua capacidade, iden- tidade e formação. Essa lei reconhece não somente a Libras como uma Língua e que como tal deve ser respeitada, mas que a comunidade surda, sua cultura e sua identidade devem ser respeitadas. Com tantos avanços, a discussão da educação dos surdos agora se prende a Inclusão ou Escolas Especiais. Mas essa é outra história. ABORDAGENS EDUCACIONAIS PARA SURDOS: ORALISMO, COMUNICAÇÃO TOTAL E BILINGUISMO Conforme vimos no texto anterior, até o Congresso de Milão, as duas principais correntes metodológicas da educação de surdos, o oralismo e o gestualismo (con- forme era denominada na época) conviviam “pacificamente” e o objetivo maior dessa educação era que o surdo aprendesse a língua que falavam os ouvintes da sociedade na qual viviam. Abordagens Educacionais para Surdos: Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 23 Em seu início, a educação de surdos além da atenção dada à fala, enfa- tizava também a língua escrita e, por isso, os alfabetos digitais eram muito utilizados. Esses alfabetos digitais eram inventados pelos próprios professores, que defendiam a ideia de que se o surdo não podia ouvir e nem se expressar na língua falada, ele podia comu- nicar-se pela escrita. Mesmo os professores de surdos que defendiam o oralismo iniciavam o ensina- mento de seus alunos pela leitura e escrita e, com este apoio, utilizavam diferentes técni- cas para desenvolver outras habilidades, tais como leitura labial e articulação das palavras. Apesar desses aspectos em comum, já no começo do século XVIII, começa a sur- gir uma brecha que “[...] se alargaria com o passar do tempo e que separaria irreconciliavelmente oralistas de gestualistas” (LACERDA, 1998, p. 70). De maneira ampla, o que diferencia oralistas de gestualistas é que os pri- meiros exigiam que os surdos falassem e se comportassem como se não fossem surdos. Os gestualistas entendiam melhor as dificuldades do surdo com a língua falada e perceberam que os surdos desenvolviam uma linguagem que permi- tia a comunicação e “[...] lhes abria as portas para o conhecimento da cultura, incluindo aquele dirigido para a língua oral” (LACERDA, 1998, p. 70). O que é importante destacar dessa divergência entre os defensores do oralismo e do gestualismo é o fato de que existem diferentes maneiras de se enfrentar as consequências da surdez e que ainda não existem estudos que permitam deter- minar com certeza, se uma única abordagem metodológica seria a mais indicada para a educação de todos os surdos. O ideal seria que a família, juntamente com os profissionais, conhecendo as particularidades de cada criança, pudessem esco- lher qual abordagem ou mesmo uma combinação delas seria mais indicada. © sh ut te rs to ck O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E24 De maneira geral, costuma ser indicado para as crianças que possuem resíduos auditivos, isto é, as que conseguem ouvir alguma coisa, uma educação que favoreça a aquisição da fala, ou seja, uma abordagem oral e; para aquelas que não possuem um resíduo auditivo suficiente ou que possuem muita dificuldade para desenvol- ver a oralidade, o indicado é uma abordagem que privilegia a Língua de Sinais. Atualmente, são três as principais abordagens que fundamentam diferentes metodologias na educação de surdos: Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo. ORALISMO O alemão Heinicke, que viveu no século XVIII, é considerado o fundador do oralismo por ter criado uma metodologia que ficou conhecida como o “método alemão”. Para Heinecke, o pensamento dependeria da língua oral para existir e assim, a língua escrita deveria ser aprendida somente após a língua oral. O oralismo entende a surdez como uma deficiência que precisa ser direcio- nada para a normalidade, mediante à estimulação auditiva e à reabilitação da fala da criança surda, buscando assemelhá-la o máximo possível à criança ouvinte e assim integrá-la na comunidade (GOLDFELD, 1997). Segundo Goldfeld (1997), o objetivo do oralismo, ou filosofia oralista, é a integração da criança surda na comunidade de ouvintes, mediante o desenvol- vimento da língua oral, o português, no caso do Brasil. Mesmo com o avanço das pesquisas linguísticas sobre as línguas de sinais, alguns oralistas continuam defendendo que para a criança surda se comunicar com o mundo ela precisa ser oralizada, isto é, precisa saber falar. Assim, a abordagem de enfoque oralista é contra o uso da Língua de Sinais ou de qualquer código gestual, porque acredita que com a utilização de “gestos” os surdos se acomodariam e não iriam se esforçar para aprender a língua oral. Os oralistas vão além, e afirmam que o uso da língua de sinais torna impossível o desenvolvimento de hábitos orais corretos. Nessa abordagem, a educação do surdo deve começar com os bebês e deve aproveitar todos os recursos disponíveis para se desenvolver a linguagem interior, da mesma forma como acontece aos ouvintes, isto é, utilizando apoios sonoros de forma que os resíduos auditivos e a amplificação sonora sejam explorados Abordagens Educacionais para Surdos: Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 25 ao máximo. Também são incentivados e treinados à exaustão, a leitura labial, a percepção das vibrações vocais e demais recursos que favoreçam a emissão e a recepção da língua oral. Ensinar e aprender a falar não são tarefas fáceis e exigem muita dedicação da família e da escola, além de muito esforço por parte da criança, sem que, con- tudo, se possa garantir sucesso. Dentro da filosofia oralista existem correntes que se diferem, tanto na teo- ria quanto na prática, originando diversas metodologias de oralização: método acupédico, método Perdoncini, Método Verbotonal, entre outros, porém, qual- quer que seja a metodologia adotada, um programa oralista se fundamenta nos seguintes pressupostos: Entretanto, as pesquisas apontam que crianças com perda auditiva pro- funda, mesmo atendendo à risca as orientações para aprender a falar, realizando incansavelmente exercícios de voz e de articulação, em sua grande maioria, não conseguem desenvolver a fala com fluência. Mesmo com treinamento para realizar leitura labial, o período crítico para a aquisição de linguagem (até os 4 anos, aproximadamente) seria perdido, por causa da complexidade dessa aprendizagem, com preju- ízos importantes para o desenvolvimento cognitivo e o desempenho escolar da criança (REILY, 2004, p. 122).■ O único meio de comunicação aceito é a língua oral. ■ O trabalho para a aquisição da fala deve ser iniciado assim que se descobre a surdez da criança, atualmente, com o “teste da orelhinha”, seria desde o seu nascimento. ■ A educação oral deve começar no lar, exigindo a dedicação de todas as pessoas que convivem com a criança, especialmente a mãe, durante todas as horas de cada dia do ano. ■ O trabalho de aquisição da fala ou educação oral necessita de fonoau- diólogos e pedagogos especializados para atender o aluno e orientar e acompanhar a ação da família ■ A educação oral requer equipamentos especializados como o apare- lho de amplificação sonora individual. O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E26 Enfim, a aquisição da língua portuguesa oral depende do grau e natureza da perda auditiva, do bom uso dos resíduos auditivos proporcionados pelo AASI e do apoio de profissionais e família. No entanto, também os AASI não são “mágicos”, isto é, não basta protetizar a criança (colocar o aparelho). É necessá- rio ensiná-la a ouvir. E de novo, precisa-se de recursos, métodos e profissionais especializados para realizar o treinamento auditivo. Um aparelho auditivo que é colocado, mesmo que esteja conforme as necessi- dades da criança, sem o devido treinamento, pode inclusive prejudicar a criança, pois esta passará a receber uma intensidade de estímulos sonoros simultâneos que precisam ser inicialmente identificados para que em seguida ela selecione aqueles aos quais vai direcionar sua atenção auditiva. Portanto, nem sempre o uso do aparelho auditivo permite que a criança escute a voz humana, e mesmo que a escute que faça o uso correto desta informação, pois [...] os aparelhos não atuam na decodificação instantânea da lin- guagem apenas ao serem agregados ao ouvido, do mesmo modo que uma pessoa completamente cega, por exemplo, não passa a en- xergar utilizando óculos ou lentes de grau (GESSER, 2009, p. 75). O implante coclear, muitas vezes apresentados pela mídia em matérias carrega- das de emoção, ainda é visto com muita desconfiança pelos surdos, familiares e profissionais, pois a recuperação da surdez não depende apenas do sucesso da intervenção cirúrgica, mas de inúmeras variáveis como idade do surdo, tempo de surdez, condições do nervo auditivo, época de instalação da surdez, adapta- ção anterior ao AASI, trabalho com fonoaudiólogo etc. Mas, o que é preciso ficar claro é que os surdos, mesmo com surdez profunda, podem apresentar uma comunicação oral funcional, desde que se submetam aos procedimentos adequados e, principalmente, se assim o desejarem, pois de acordo com Gesser (2009, p. 56): [...]o grande problema herdado da filosofia oralista é o efeito colateral que se instaurou na comunidade surda, ou seja, o sentimento de indig- nação, frustração, opressão e discriminação entre usuários dos sinais, uma vez que, durante as sessões de fala e treinos repetitivos pregados pelo oralismo do passado, a língua de sinais foi banida e rejeitada em prol do uso exclusivo da língua oral. Abordagens Educacionais para Surdos: Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 27 Como já dissemos anteriormente, ao final de várias décadas, o trabalho educa- cional realizado na abordagem oralista não apresentou bons resultados, pois a maioria dos surdos profundos não conseguiu desenvolver uma linguagem oral satisfatória que lhe permitisse conviver em sociedade, além apresentarem mui- tas dificuldades na aquisição das habilidades de leitura e escrita. Vimos também que mesmo diante desse fracasso visível, o oralismo ganhou nova força na década de 50 do século XX, quando, com o avanço da tecnologia, surgem os primeiros aparelhos de audição para crianças surdas muito peque- nas. Os oralistas acreditavam que com a protetização (uso dos aparelhos) desde muito cedo, os surdos poderiam “ouvir” e, então, aprender a falar. Contudo, isso também não se concretizou na prática, para todas as crianças. Essa crença de que o aparelho de amplificação “resolve” o problema dos sur- dos persiste até hoje, porém, não basta a colocação do aparelho para que o surdo escute. O som que “entra” pelo aparelho é o som total do ambiente, como o som da gravação que fazemos de uma aula, que, juntamente com a voz do profes- sor, traz ruídos de folhas de caderno sendo viradas, cadeiras arrastadas, veículos passando pela rua, sussurros dos alunos, risadas e passos no corredor etc.; difi- cultando a compreensão do que foi dito pelo mestre. Para poder se beneficiar da prótese auditiva, o surdo precisa passar por um longo processo de “treina- mento auditivo”, para desenvolver sua atenção auditiva e poder identificar os diferentes sons. O predomínio do oralismo começou a diminuir na década de 60 do século passado, a partir de fortes críticas a esta abordagem, principalmente pelos edu- cadores e pesquisadores dos Estados Unidos e pela realização de diversos estudos sobre as línguas de sinais que as comunidades de surdos desenvolviam apesar da proibição de sua utilização no espaço escolar. Desses estudos surgiram as abor- dagens gestualistas para a educação de surdos. GESTUALISMO O principal criador do que se conhece como abordagem gestualista foi abade francês Charles M. De L’Epée, que no século XVIII, na mesma época em que O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E28 Heinecke, criava o “método alemão”, criou o “método francês” de educação de surdos, que ficou conhecido como “sinais metódicos”. Para De L’Epée, a lingua- gem de sinais seria a língua natural dos surdos e possibilitaria o desenvolvimento do pensamento e sua comunicação. Falamos aqui em “linguagem” de sinais e em abordagem “gestualista”, porque em seu início, os sinais eram confundidos com gestos e a comunicação por sinais ainda não possuía o status de língua. Atualmente, já está comprovado que sinais não são gestos e que as línguas de sinais possuem todos os requisitos para serem reconhecidas como “idiomas”. Esses aspectos são tratados com mais detalhes em nossa terceira unidade, mas adiantamos aqui, a distinção entre sinais e gestos. Em função de suas características, os sinais podem parecer movimentos aleatórios de mãos e corpo, acompanhados por expressões faciais variadas, ou seja, seriam apenas “gestos”. De acordo com Pereira et al. (2011, p. 18), esta des- crição para sinais seria equivalente a descrever uma língua oral como “ruídos” feitos com a boca. Além disso, os gestos são traços das línguas orais, isto é, acom- panham as línguas orais e favorecem a comunicação. Os sinais são produzidos combinando-se, simultaneamente, configuração de mãos, ponto de articulação ou localização, movimento, orientação das palmas das mãos e componentes não manuais, que são os parâmetros constituintes da língua de sinais, conforme você verá na Unidade III. Assim, daqui em diante, não utilizaremos mais a palavra gestualismo. Duas são as principais abordagens sustentadas na utilização de sinais a Comunicação Total, que ganhou impulso nos anos 1970, e o Bilinguismo, que é a mais ado- tada atualmente no mundo todo. COMUNICAÇÃO TOTAL Na Comunicação Total, como o próprio nome indica, todos os esforços são empre- gados no sentido de uma comunicação mais efetiva entre surdos e entre surdos e ouvintes, utilizando, portanto, modelos auditivos, manuais e orais. Apesar da oralização não ser o principal objetivo da educação de surdos nessa abordagem, seus defensores entendem que tudo o que é falado pode ser expresso por gestos Abordagens Educacionais para Surdos: Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo Re pr od uç ão p ro ibid a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 29 e mímica, ou seja, pode ser visualizado e, dessa forma, os sinais são utilizados como apoio para a aquisição da língua oral e da escrita. A filosofia da Comunicação Total tem como principal preocupação os processos comunicativos entre surdos e surdos, e entre surdos e ouvin- tes. Essa filosofia também se preocupa com a aprendizagem da língua oral pela criança surda, mas acredita que os aspectos cognitivos, emo- cionais e sociais, não devem ser deixados de lado em prol do aprendi- zado exclusivo da língua oral. Por esse motivo, esta filosofia defende a utilização de recursos espaço-visuais como facilitadores da comunica- ção (GOLDFELD, 1997, p. 35). A Comunicação Total foi adotada no Brasil, no final da década de 1970, parti- cularmente nos estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Um dos aspectos considerados pelos defensores da Comunicação Total é que crianças que foram educadas segundo o oralismo, desde muito cedo, não tiveram desenvolvimento social e emocional satisfatório, mesmo quando con- seguiam relativo sucesso na aprendizagem da língua oral. A surdez é entendida pelos defensores da Comunicação Total não como uma patologia (doença), nem como uma deficiência que precisa ser normali- zada, como os oralistas entendem, mas como uma “marca” com “significações sociais” (CICCONE, 1990, p. 7). A família, da mesma forma que no oralismo, desempenha papel fundamen- tal na educação dos surdos segundo a Comunicação Total, mas aqui, a família não desempenha o papel de profissional especializado na aquisição da lingua- gem, mas o de compartilhar experiências, valores e significados, contribuindo, assim, para o desenvolvimento social e emocional do surdo. De acordo com Ciccone (1990), um programa de Comunicação Total uti- liza técnicas e recursos para: ■ Estimulação auditiva. ■ Adaptação de aparelho de ampliação sonora individual (AASI - prótese auditiva). ■ Leitura labial. ■ Oralização. ■ Leitura e escrita. O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E30 Além desses procedimentos, a Comunicação Total utiliza também a datilologia e a língua de sinais. Autores como Sanches (1990) e Dorziat (1997), acreditam que o maior problema desta metodologia ou filosofia, seria a mistura das duas línguas (Português + Língua de Sinais), que resultaria numa terceira modalidade que é o Português Sinalizado. Os resultados obtidos com essa abordagem não foram satisfatórios, nem para a aquisição da língua oral e nem para a escrita. Esses resultados e o apro- fundamento dos estudos realizados sobre línguas de sinais foram direcionando a educação dos surdos para uma abordagem bilíngue. Porém, [...]o que a comunicação total favoreceu de maneira efetiva foi o conta- to com sinais, que era proibido pelo oralismo, e esse contato propiciou que os surdos se dispusessem à aprendizagem das línguas de sinais, externamente ao trabalho escolar. Essas línguas são frequentemente usadas entre os alunos, enquanto na relação com o professor é usado um misto de língua oral com sinais (LACERDA, 1998, p. 76). BILINGUISMO A abordagem bilíngue tem como ponto de partida que os surdos podem desenvolver uma língua que permite uma comunicação eficiente. Essa lín- gua, apoiada na visão e utilizando as mãos, a Língua de Sinais, é, para os bilinguistas, a primeira língua dos surdos, que a aprendem com naturali- dade e rapidez. O bilinguismo começou a ganhar força a partir da década de 1980 e, no Brasil, a partir de 1990. Na Suécia esta filosofia já é adotada há bastante tempo e no Uruguai e na Venezuela o bilinguismo é adotado de maneira oficial, ou seja, nas instituições públicas, a exemplo do que está ocorrendo atualmente no Brasil. Todavia, assim como a inclusão, a adoção do bilinguismo nas escolas públicas brasileiras ainda é incipiente, reduzida exclusivamente à presença de intérpretes em sala de aula, e, eventualmente, a um Atendimento Educacional Especializado – AEE, no contraturno, cuja proposta de funcionamento apresen- tarmos na Unidade II. Abordagens Educacionais para Surdos: Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 31 De acordo com essa filosofia, a criança surda deve adquirir, o mais cedo pos- sível, primeiro a língua de sinais, considerada a sua língua natural. Essa aquisição deve ser feita com a comunidade surda. Somente como segunda língua deve- ria ser ensinada, na escola, a língua oficial do país, mas de preferência, na sua forma escrita. Apenas quando as condições forem favoráveis deve ser ensinada a Língua Portuguesa na modalidade oral. Para alguns estudiosos do bilinguismo, a criança surda deve adquirir a língua de sinais e aprender a língua falada de maneira separada (com pessoas e locais diferentes), o mais cedo possível e, só depois, deve aprender a língua escrita. Para outros, o que importa é o desenvolvimento cognitivo, social e emocional do surdo, o que só seria possível mediante a consolidação da língua de sinais. Assim, nesse último caso, a criança primeiro deve adquirir a língua de sinais e depois, no momento adequado, ser alfabetizada e não se ensinar a língua falada. O bilinguismo entende a surdez como diferença linguística e não como uma deficiência a ser normalizada por meio da reabilitação como o oralismo. E assim, os surdos constituiriam uma comunidade particular, com cultura e língua pró- prias, como veremos no último texto que compõe esta primeira unidade. Para os bilinguistas a “problemática global do surdo” é “[...] intimamente dependente de seu desenvolvimento lingüístico” e “[...] só mesmo o respeito à língua de sinais conduzirá a um maior sucesso educacional e social do surdo” (FERREIRA-BRITO, 1995, p. 16). O bilingüismo tem como pressuposto básico que o surdo deve ser Bilíngüe, ou seja, deve adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua natural dos surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país (GOLDFELD , 1997, p. 39). Tornar-se letrado numa abordagem bilíngüe pressupõe a utilização de língua de sinais para o ensino de todas as disciplinas. [...]. Faz também parte do projeto bilíngüe que todo o corpo de funcionários da escola, surdos e ouvintes, e os pais, aprendam e utilizem a língua de sinais (BOTELHO, 2002, p. 112). O bilingüismo é uma proposta de ensino usada por escolas que se pro- põem a tornar acessível à criança duas línguas no contexto escolar. Os estudos têm apontado para essa proposta como sendo a mais adequa- da para o ensino das crianças surdas, tendo em vista que considera a língua de sinais como língua natural e parte desse pressuposto para o ensino da língua escrita (QUADROS, 1997, p. 27). O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E32 Ainda segundo Quadros (1997), a preocupação do bilinguismo é respeitar a auto- nomia das línguas de sinais organizando-se um plano educacional que respeite a experiência psicossocial e linguística da criança com surdez. Por essas razões atualmente se dá tanta importância ao fato do professor ouvinte conhecer e usar a Língua de Sinais, no caso do Brasil, a Libras. A comuni- cação adequada entre professores ouvintes e alunos surdos é a condição primeira para uma escola realmente inclusiva. CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Já vimos que a partir do Congresso de Milão e durante quase todo o século XX, a Educação dos Surdos teve o oralismo como ideologia dominante, pensando no surdo como deficiente, não considerando sua diferença linguística. A educação oferecida aos surdos dava muita importância à oralização, e os educadoresficavam tão ocupados ensinando os surdos a falar, que não perce- biam a importância da formação da Identidade e Cultura Surda para o Surdo. Assim, a educação não formava os surdos como cidadãos críticos e muito pouco se discutia a importância de se buscar a igualdade sem, entretanto, eli- minar a diferença. Os surdos educados no oralismo não se reconheciam como surdos, mas sim como não ouvintes, não normais. Ele era visto e obrigado a se ver a partir da pers- pectiva do que ele não podia fazer, e toda tentativa de formação de identidade cultural era considerada como uma tentativa de formação de guetos e segrega- ção e, portanto, desprezada e mesmo proibida. Isso acontecia porque para o ouvinte a surdez significa a perda de comunica- ção, e assim, o surdo seria alguém que não pode fazer parte do mundo ouvinte. É alguém que é menos do que aquele que ouve e precisa ser sempre ajudado. Dessa forma, as escolas e entidades de ouvintes para os surdos sempre basea- ram suas ações na filantropia e no assistencialismo. Cultura e Identidades Surdas Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 33 Quando se fala em identidade e em cultura surda, estamos pensando na surdez como uma diferença. Primeiro é preciso entender que diferença não é o contrário de igualdade. O contrário de igualdade é desigualdade. A diferença não deve ser entendida como uma coisa que é contrária à normalidade. Entender a surdez como diferença significa a uma minoria linguística que faz uso de outra língua - Língua de Sinais -, e constituem uma comunidade específica. Entender o surdo como deficiente auditivo, é considerar que ele tem uma patologia e necessita de especialista para aprender a falar e ficar o mais parecido possível com o ouvinte. Assim, o que se faz é não reconhecer o direito do surdo de ser diferente, é não aceitar a Língua de Sinais, a Cultura e as Identidades Surdas. Durante muito tempo se acreditou que a linguagem oral era a única respon- sável pelo funcionamento cognitivo humano, e a dificuldade encontrada pelos surdos para falar foi considerada como quase impeditiva do desenvolvimento do pensamento. A língua de sinais durante muito tempo foi confundida com mímica e assim, estaria presa ao mundo concreto, não permitindo a compreen- são de conceitos abstratos. Por isso, o oralismo dominou em todo o mundo, até a década de 1970. Porém, outros estudos sobre cognição e linguagem, como os de Piaget e de Vygotski mostraram que o que é importante é a comunicação e não a língua que se usa. Assim, a surdez não torna a criança um ser que tem possibilidades a menos, ou seja, ela tem possibilidades diferentes e não menores. Ao reconhe- cer a língua de sinais como língua natural dos surdos e admitir sua condição bilíngue, emerge outra questão: a do biculturalismo, uma vez que o surdo vivencia dois grupos culturais distintos, o dos surdos e o dos ouvintes. Ora, esse trânsito entre dois “mundos” culturalmente diferentes acaba por fazer emergir uma discussão que até antes da adoção do bilinguismo não existia: como se processa a construção da identidade do sujeito surdo, ante a exposi- ção a dois modelos culturais? Partindo disso, entra em questão um novo fator, pois, junto com uma lín- gua distinta para os surdos, surge também uma nova cultura, ou seja, junto ao bilinguismo, veio o biculturalismo, revelando um processo antes ignorado, que é o processo de construção da identidade cultural surda, uma vez que o surdo tem contato com dois grupos culturais distintos, o ouvinte e o surdo. O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E34 Somente a partir da década de 1980 é que foi entendida a necessidade de reconhecer o verdadeiro valor da cultura e da linguagem surda para o desenvol- vimento cognitivo e da identidade dos surdos. Existem muitas formas de definir identidade, mas o significado melhor para o caso dos surdos é o da busca pelo direito de ser surdo. Gladis Perlin é uma pesquisadora surda que escreve muito sobre cultura e identidades surdas e diz que a influência do poder ouvintista prejudica a cons- trução da identidade surda. Ela também fala que a oralização foi imposta aos surdos pelos ouvintes. Na educação oralista, as crianças surdas eram proibidas de ter contato com surdos adultos que sinalizavam e, como a maioria das crianças surdas são filhas de pais ouvintes, por vontade da família ou mesmo por vontade própria, os sur- dos tentavam oralizar e mesmo surdos profundos falavam que ouviam. Não existia uma identidade definida. Com o bilinguismo e com o reconhecimento da Libras como uma língua oficial do Brasil, há contato com os surdos adultos sinalizadores e todos come- çam a se identificar como surdos. Ao sinalizarem e conviverem em um grupo no qual todos sinalizam, ou seja, na comunidade surda, os surdos não mais querem se parecer com os ouvintes, agora querem a interpretação das falas dos ouvin- tes em Libras. No oralismo é desenvolvido no surdo o desejo de ouvir. Tanto o processo de aquisição da fala, quanto o de treinamento auditivo são complexos, o surdo sofre muito e fica sempre se sentindo deficiente e incapaz. Na educação oralista, também se praticava a integração escolar, com os surdos estudando em salas comuns, sem apoio algum, gerando uma situação de não aprendizagem. O surdo então, não apenas se sentia um fracassado, mas também tinha a construção da sua identidade prejudicada, pois o modelo ideal a ser seguido era o do ouvinte. Assim, o surdo construía sua identidade em um mundo no qual se via como diferente das outras pessoas, com o estigma de incapacidade e de deficiência. O surdo ficava transitando em dois mundos e não se sentia parte de nenhum. Não fazia parte do mundo ouvinte, porque não sabia se comunicar bem, e também não participava de um mundo surdo, porque era proibido de usar a língua de sinais, processo denominado pelo estudioso Carlos Skliar (1998) de identidade flutuante. Cultura e Identidades Surdas Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 35 Felizmente, alguns surdos conseguiram sobreviver a toda essa relação de poder e lutaram muito para estabelecer e defender a cultura surda, que é fun- damental para a construção da identidade surda. Para isso, no mundo todo, o Movimento Surdo criou Associações de Surdos como uma resistência contra a cultura dominante, contra a ideologia ouvintista. Existe uma história de lutas na qual se procura marcar, entre os próprios surdos e na sociedade em geral, discussões sobre a língua de sinais, a cultura e as identidades surdas. Essa luta e as conquistas alcançadas têm permitido que a cultura surda se fortaleça e, por causa disso, identidades surdas sejam construídas. Para Perlin (1998, p. 52), a identidade é algo em questão, em construção, uma construção móvel que pode frequentemente ser transformada ou estar em movimento. A construção da identidade depende de modelos e da forma como o outro enxerga o sujeito. Assim, é de fundamental importância defender a cul- tura surda porque é dentro dela que se constrói a identidade surda. Mas, a existência da cultura surda depende da língua de sinais. A aquisição da Libras pelo surdo é de extrema importância para o desenvolvimento de uma identidade pessoal surda. Para acontecer a construção de nossa identidade, como somos seres sociais, precisamos identificar-nos com uma comunidade social específica e, com ela, interagir de modo pleno, ou seja, precisamos de uma iden- tidade cultural, e, para isso, não basta uma língua e uma forma de alfabetização, mas, sim, um conjunto de crenças, conhecimentos comuns a todos. Não podemos separar a noção de cultura da de grupo e classes sociais, pois cultura é o espaço no qualse dá a luta pela manutenção ou superação das divi- sões sociais. Talvez seja por isso, por exemplo, que podemos falar de uma cultura surda. É dentro desse espaço que os sujeitos surdos passam a se identificar como sujeitos culturais. O estudo do mundo dos surdos mostra que as capacidades do homem - lin- guagem, pensamento, comunicação e cultura - não se desenvolvem de maneira automática, não se compõem apenas de funções biológicas, mas também têm origem social e histórica. Essas capacidades são, como diz Sacks (1998), um presente - o mais maravilhoso dos presentes - de uma geração para outra, refor- çando a importância do grupo, da cultura surda para a construção da identidade e desenvolvimento cognitivo do surdo. O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E36 Para podermos compreender o que é “cultura surda”, é preciso estabelecer o que estamos considerando como “cultura”. De acordo com o senso comum, existiria “A” cultura, no singular, se refere às manifestações artísticas e às tra- dições de um povo, representadas (e contadas) em lendas, festas, trajes típicos, ritos, comida e língua. Atualmente, os estudiosos admitem a existência de múltiplas culturas inte- ragindo entre si, sendo possível a multiplicidade de manifestações e grupos culturais de naturezas diferentes, ampliando o conceito de cultura e permitindo falar de cultura no plural. De acordo com Strobel (2008, p.17): [...]a humanidade, ao longo do tempo, adquire conhecimento através da língua, crenças, hábitos, costumes, normas de comportamento den- tre outras manifestações. Partindo do suposto que cultura é a herança que o grupo cultural transmite a seus membros através de aprendiza- gem e de convivência, percebe-se que cada geração e sujeito também contribuem para ampliá-la e modificá-la. Outro uso da palavra cultura está relacionado à agricultura, ao cultivo da terra. Falamos em “cultura da cana-de-açúcar”; “cultura de milho” etc. O termo cultura está tão rela- cionado à lavoura, que compõe literalmente o termo agriCULTURA. Considerando este outro uso para a palavra cultura, Strobel (2008, p. 18) afirma que “o cultivo da linguagem e da identidade são, então, elementos fundamentais de uma cultura”. Mas não é fácil definir o que é cultura surda. Para entender a cultura surda é necessário enxergar o surdo como diferente e não deficiente. Segundo Perlin (2004), ser surdo é pertencer a um mundo de experiência visual e não auditiva. E viver uma experiência visual é ter como primeira língua a Língua de Sinais, uma língua visual, pertencente à outra cultura, que é tam- bém visual. A identidade surda se constrói dentro de uma cultura visual. Essa é também a visão de Quadros e Karnopp (2004, p. 10), para quem a cultura do povo surdo “é visual, ela traduz-se de forma visual”. Na história, constata-se que os surdos sofreram perseguições pelas pessoas ouvintes, que não aceitavam as diferenças e exigiam uma cultura única por meio do modelo ouvintista ou ouvintismo. São muitas as lutas e histórias nas comu- nidades surdas, em que o povo surdo se une contra as práticas dos ouvintes que não respeitam a cultura surda (STROBEL, 2008). Cultura e Identidades Surdas Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 37 Ainda hoje, muitos ouvintes tentam diminuir os surdos para que vivam iso- lados e assumam a cultura ouvinte, como se esta fosse uma cultura única; ser “normal” para a sociedade significa ouvir e falar oralmente. Os ouvintes não pres- tam atenção aos surdos que se comunicam por meio da Libras. Consequentemente, não acreditam que os surdos sejam capazes de estudar em faculdade ou realizar mestrado e doutorado, por exemplo. “Os sujeitos ouvintes veem os sujeitos sur- dos com curiosidade e, às vezes, zombam por eles serem diferentes” (STROBEL, 2008, p. 22). Ainda de acordo com Strobel (2008), os surdos constituem uma comuni- dade que se caracteriza particularmente pela sua diferença linguística, que gosta de interagir entre si, e “criam” espaços para desenvolverem, em conjunto, dife- rentes atividades de educação, trabalho, esporte e lazer. Os espaços “dos surdos” são associações e clubes de surdos, além de ambientes escolares e religiosos onde podem manifestar-se livremente em sua língua, constituindo, ao mesmo tempo, refúgio e trincheira da língua de sinais, da identidade e da cultura surda. Se não é fácil definir o que é a cultura surda, podemos mostrar que ela existe e a sua presença pode ser confirmada pelas transformações culturais e cotidianas dos surdos. Percebe-se que o sujeito surdo está descentrado da cultura domi- nante e possui outra cultura. Diante da comunidade majoritariamente ouvinte, as comunidades surdas apresentam suas próprias condutas linguísticas e seus valores culturais. A comunidade surda tem uma atitude diferente diante do déficit auditivo, já que não leva em conta o grau de perda auditiva de seus membros. Pertencer à comunidade surda pode ser definido pelo domínio da língua de sinais e pelos sentimentos de identidade grupal, fatores que consideram a surdez como uma diferença, e não como uma deficiência (PEREIRA et al., 2011, p. 34). Em seus espaços, em sua língua, da mesma forma que acontece em qualquer comunidade minoritária, os surdos compartilham valores, crenças, comporta- mentos e, constroem, preservam e difundem sua cultura. Para Perlin (2004) a língua de sinais é uma das maiores produções culturais dos surdos. Para Perlin (2004), cultura surda é a diferença que contém a prática social dos surdos e que comunica um significado. É o caso de ser surdo homem, de ser surdo mulher, deixando evidências de identidade, o predomínio da ordem, O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E38 como, por exemplo, o jeito de usar sinais, o jeito de ensinar e de transmitir cul- tura, a nostalgia por algo que é dos surdos, o carinho para com os achados surdos do passado, o jeito de discutir a política, a pedagogia etc. Para Strobel (2008, p. 24), “Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo enten- der o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com suas percepções visuais”, que contribuem para a definição das identidades surdas e das ‘almas’ das comunidades surdas. Apesar da luta constante da comunidade surda pelo respeito e aceitação como grupo cultural distinto, ainda há uma dificuldade muito grande de desen- volvimento, da inclusão dos surdos com base no respeito a suas diferenças. Há que se considerar, por exemplo, que a maioria das crianças surdas (mais de 90%) possui pais ouvintes, o que causa maiores dificuldades na construção das iden- tidades, pois os modelos não estão dentro de casa. Além disso, a dificuldade de comunicação entre pais e filhos surdos causa, às vezes, problemas de ordem social e cognitiva. Esses problemas poderiam ser minimizados se houvesse, por parte dos familia- res ouvintes, disposição em assumir formas de comunicação e intervenção que considerem mais as particularidades da surdez do que as dificuldades inerentes à ausência de audição. Partindo disso, é fundamental que instituições escolares, os pais, enfim, todos que estão perto da criança surda, preocupem-se em entender o modo pelo qual ela se comunica, para que as trocas possam existir de forma satisfatória para ambas as partes. Durante muito tempo os próprios surdos não compreenderam a importân- cia da Língua de Sinais para o processo de construção de sua identidade cultural. Em sua opinião, esta situação está mudando? Cultura e Identidades Surdas Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro de 19 98 . 39 Assim, em função da existência de barreiras na comunicação entre o mundo surdo e o mundo ouvinte, existem dificuldades para o desenvolvimento cultu- ral; por isso, é necessário que se construam meios especiais para a sua realização, como, por exemplo, que os ouvintes conheçam a Libras. Por isso o Decreto 5626, que vamos estudar na próxima unidade e que, na prática, vai permitir que muitos mais ouvintes aprendam porque Libras é tão importante para os surdos. Ele representa um grande avanço para o desenvolvi- mento pleno do surdo. E traz de volta os professores surdos que desapareceram depois do Congresso de Milão. Com professores surdos, as crianças surdas terão modelos para se identificar! É importante que os ouvintes entendam a importância do professor surdo e respeite esse espaço. É como se fosse ensinar japonês, o que seria melhor? Um japonês que conhece seu idioma na forma correta e tem o português como segunda língua, conhecendo as semelhanças e diferenças entre as duas línguas, para ensinar japonês aos brasileiros, ou um brasileiro que aprendeu japonês como segunda língua? Há, ainda, as novas tecnologias, como centrais telefônicas, celular digital, por- teiros luminosos, facilidades para a vida dos surdos. Em algumas cidades, raros lugares estão fora do alcance da cultura surda, inclusive o preconceito está dimi- nuindo. Os surdos não estão mais escondidos, estão surgindo novas maneiras de ser surdo, com seu modo de comprar, olhar, comunicar, escolher, socializar. É preciso e necessário, para um adequado desenvolvimento tanto físico quanto psíquico dos surdos, que os ouvintes deixem de se considerar modelo de normalidade e percebam que diferença não significa inferioridade. Importa salientar a diferença das pessoas. Respeitá-las como surdas, índias, nômades, negras, brancas... Importa deixar os surdos construí- rem sua identidade, assinalarem suas fronteiras em posição mais soli- dária do que crítica. A educação, ainda que já esteja saindo do domínio do oralismo, tem que desaprender um grande número de preconceitos, entre eles o de querer fazer do surdo um ouvinte. Novas hipóteses podem ser levantadas, novos achados são necessários. Entre eles sobressai a urgência de dizer que o surdo é sujeito surdo (PERLIN, 1998, p. 72). O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E40 Atualmente buscamos relacionar o processo educacional e as experiências cul- turais dos surdos, para que seu desenvolvimento alcance maior êxito. Como consequência, a discussão sobre as formas de atenção às pessoas e aos grupos surdos tem sido deslocada do campo da educação especial para o campo antro- pológico, pois a educação deveria dar acesso aos bens culturais de acordo com as características singulares decorrentes da surdez. Por isso, a inclusão escolar dos surdos precisa ser bem discutida, pois a relação da surdez com as sociedades culturalmente ouvintes é constituída pelas barreiras de comunicação e participação. Assim, o campo da surdez pode ser comparado com uma situação de pobreza e, reclama da falta de acesso a uma educação de qualidade, condições dignas de vida, informações adequadas e ao respeito a sua língua, cultura e identidade. Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 41 CONSIDERAÇÕES FINAIS Começamos esta primeira unidade pela história da educação dos surdos, des- tacando que a decisão sobre qual deveria ser a melhor maneira de educar esses sujeitos, ou seja, se a educação de surdos deveria ser sustentada na oralização ou no uso de sinais foi, durante séculos, tomada pelos ouvintes. Como, para o ouvinte, ouvir e falar são fundamentais na interação social, os profissionais (ouvintes) envolvidos com a Educação de Surdos, durante séculos estabeleceram que o melhor para os surdos seria a oralização e o oralismo, como abordagem educacional, chegando ao abuso ocorrido no Congresso de Milão, com a proibição da utilização de sinais nas escolas. Para compreendermos melhor alguns conceitos abordados em nossa uni- dade: Identidade surda: constitui-se no interior da cultura surda. Está em situação de dependência, de necessidade do outro surdo. As identidades surdas são multifacetadas, fragmentadas, em constante mudança; jamais se encontra uma identidade mestra, um foco. Os surdos passam a ser surdos por meio da experiência visual, de adquirir certo jeito de ser surdo. Diferença: por exemplo, se perguntarmos: porque os surdos querem es- colas de Surdos? A resposta identifica a caminhada para a diferença: “para tornarem-se sujeitos de sua história”, saírem da exclusão, construírem sua identidade em presença do outro surdo, para terem direito à presença cul- tural própria. Língua de Sinais: uma das maiores produções culturais dos surdos refere- -se a língua de sinais. Os estudos mais recentes sobre ela têm atestado a incomensurabilidade da sua riqueza linguística. Fonte: Perlin (1998, p. 53). O SURDO, A SURDEZ, A EDUCAÇÃO, A CULTURA E IDENTIDADES SURDAS Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E42 Só recentemente os surdos puderam opinar sobre sua própria educação e optaram pelo ensino em língua de sinais. No caso do Brasil, pela educação bilín- gue: Libras e Língua Portuguesa, essa última, preferencialmente na modalidade escrita. Conquistaram este direito, razão pela qual os futuros professores agora precisam aprender Libras. É certo que a Libras é um conhecimento necessário que visa uma melhor qualificação para o exercício profissional na Educação Básica, uma vez que, com a implementação das propostas inclusivistas, a escola já vem recebendo muitos surdos, os quais muitas vezes não conseguem prosseguir na sua escolarização porque o contexto escolar não atende às suas especificidades linguísticas. Porém, apenas ter uma comunicação funcional em Libras no contexto escolar não é sufi- ciente para a atuação pedagógica com os surdos. É importante também ter conhecimento sobre a história da educação de sur- dos e sobre as diferentes abordagens educacionais criadas para os alunos com surdez, pois estes conhecimentos permitem a compreensão da forte relação existente entre a especificidade linguística dos surdos, suas interações sociais e a formação de sua identidade. Conhecer os aspectos legais e as políticas públicas da educação de surdos tam- bém é fundamental, razão pela qual são abordados em nossa próxima unidade. 43 O texto a seguir foi publicado na revista ETD – Educação Temática Digital. Escolhemos alguns fragmentos, pois este é um relato importantíssimo para o futuro professor. A PRESENÇA DE UMA ALUNA SURDA EM UMA TURMA DE OUVINTES: POSSIBILIDADE DE (RE)PENSAR A MESMIDADE E A DIFERENÇA NO COTIDIANO ESCOLAR Carmen Sanches Sampaio Investigo, em uma escola pública do Estado do Rio de Janeiro, o processo alfabetizador experienciado por uma turma formada por crianças ouvintes e uma criança surda. A presença, nesta escola, de uma aluna surda tornou mais visível, para algumas pro- fessoras, a característica de toda sala de aula – a diferença. A surdez dessa aluna não pode ser ignorada e nem tão pouco facilmente apagada como tantas outras diferenças constitutivas do espaço-tempo escolar. Seu modo de ser – alguém que não escuta e não se comunica através da linguagem oral – tem desafiado a escola a pensar e praticar ou- tros modos outros de se relacionar e compreender a alteridade. Nesse sentido, algumas questões têm surgido: como pensar uma escola que, de fato, reconheça as singulari- dades linguísticas e culturais, ao invés de apenas se propor a incluir uma aluna surda? Como reconhecer politicamente a surdez como diferença? Em 2003, participando de um Conselho de Classe a fala, angustiada, de uma das profes-
Compartilhar