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Problema 05 UMA DOR EM FAIXA Mulher, 23 anos, admitida no serviço de urgência devido à queixa de dor abdominal em andar superior do abdômen, de forte intensidade, com irradiação para o dorso, associado a náuseas e vômitos de 2 dias de evolução, fez uso de bromoprida e escopolamina, sem melhora. Negava outras doenças. Exame físico: PA: 130/80 mmHg, FC: 88 bpm, FR: 24 irpm, afebril e desidratada 2+/4+. Orientada e vígil. Sons respiratórios sem ruídos. Bulhas rítmicas, abdômen doloroso em andar superior, sem sinais de irritação peritoneal, mas com distensão abdominal e diminuição dos ruídos hidroaéreos. Os exames colhidos evidenciaram: glicose: 340 mg/dL; ureia: 31,3 mg/dL; creatinina: 1,2 mg/dL; amilase: 2.016 u/L; lipase: 15.404 u/L; cálcio: 5,5 mg/dL; potássio: 5,4 mmol/L; sódio: 121 mmol/L; TGO: 63 u/L; LDH: 2.778 u/l; Hb: 16,2 g/dL; Hto: 48%; LG: 10.780/mm3, sem desvio para a esquerda. Triglicérides: 2.106 mg/dL, com descrição de amostra lipêmica. Urinálise: cetonas ausentes. Foi iniciado hidratação venosa, correção hidroeletrolítica, insulinoterapia contínua e terapia hipolipemiante. A paciente evoluiu com piora do quadro, após horas, apresentando rebaixamento do nível de consciência, taquidispneia, FC: 126 bpm, FR: 36 irpm, PA: 90/60 mmHg, hipoxemia, com necessidade de ventilação mecânica e admissão na UTI. Evoluiu com febre de 39ºC, sendo iniciado antibiótico endovenoso. Os exames evidenciaram: PCR: 322 mg/dL, Hb: 17, Hto: 49%, leucócitos: 16.000/mm3 com desvio para a esquerda, ureia: 88 mg/dL, creatinina: 3,1 mg/dL. Tomografia de abdômen mostrava grande quantidade de líquido livre na cavidade, aumento difuso do pâncreas e sinais inflamatórios peripancreáticos. Critério de Balthazar C, sem sinais de necrose. Após 72h de evolução, a paciente evoluiu com piora clínica e piora da distensão abdominal, sendo indicada abordagem cirúrgica. Constatado necrose da cabeça do pâncreas, realizado necrosectomia. No sexto dia evoluiu com piora progressiva, oligúria, sangramento difuso pela mucosa e em ferida operatória e óbito no 14º dia de internação hospitalar. Glicose elevada às custas da disfunção endócrina do pâncreas ou paciente previamente portadora de DM [exclui essa possibilidade devido ausência de cetonas na urina]. Hipocalcemia indicando um processo inflamatório grave. O valor das enzimas pancreáticas não é preditor de gravidade. Exemplo de preditor seria o PCR, que quando mais elevado sugere um pior prognóstico e uma possível infecção. TGO baixo sugere que a etiologia, possivelmente, não seja litíase biliar. A principal etiologia é hipertrigliceremia. Inicialmente, trata-se de uma pancreatite leve, que faltou adicionar analgesia. Paciente evoluiu para pancreatite grave, na qual apresentou sepse [2 critérios q-sofa], por isso, deve coletar cultura e iniciar ATB. A elevação da creatinina e ureia indicam uma provável injúria renal aguda secundária a hipovolemia. Inicialmente, não tinha indicação cirúrgica, uma vez que não tinha sinais de necrose. Em seguida, ao constatar necrose foi indicado a cirurgia, visto que possivelmente, tratava-se de uma necrose inflamada [PCR muito elevado, aumento de leucocitose e sinais de sepse]. GIULIA PACHECO SOUZA • • • • • • • • • • GIULIA PACHECO SOUZA → O pâncreas é um órgão / glândula retroperitoneal, que se localiza na parte superior do abdômen. → Além das estruturas apresentadas na imagem, possui o esfíncter de Oddi que é resultado da fusão do ducto biliar comum e do ducto pancreático, no nível da ampola de Vater. → A enzima CKK é a protetora fisiológica, impedindo a ativação do tripsinogênio de forma precoce. → Apresenta função endócrina e exócrina. A função endócrina é responsável pela secreção de insulina e glucagon que regulam os níveis de glicose no sangue a partir das ilhotas de Langherans. Já a exócrina contém as células acinares que produzem sucos digestivos que são secretados no intestino, sendo importantes para o metabolismo de proteínas, gorduras e carboidratos. Anatomia do Pâncreas GIULIA PACHECO SOUZA → A pancreatite aguda é um processo inflamatório agudo do pâncreas, acompanhado de dor abdominal e elevações das enzimas pancreáticas, que resulta em lesões parenquimatosas reversíveis por autodigestão tecidual, podendo acometer estruturas pancreáticas e até órgãos a distância. → Pode ser classificada em leve [sem complicações], moderada e grave [disfunção pancreática com complicações], com base nos achados fisiológicos, exames laboratoriais e imagens radiológicas. → Outra classificação para essa patologia seria em doença intersticial aguda (leve) e doença hemorrágica aguda (grave). A intersticial é caracterizada pelo edema da glândula, mas com preservação da arquitetura. Já a hemorrágica apresenta uma necrose gordurosa associada a hemorragia do tecido. → A fisiopatologia envolvida seria o resultado da liberação e ativação inadequada das enzimas pancreáticas, que destroem o tecido e estimulam uma reação inflamatória aguda. → Esse processo inicia com a lesão das células acinares após um estímulo lesivo, que libera enzimas pancreáticas para o interstício. Assim, dentro dessas células ocorre a conversão de tripsinogênio em tripsina [função: degeneração proteica e ativação das enzimas digestivas], que dá início ao processo autodigestivo. → Essa tripsina ativada gera uma longa ativação de cascatas, que tem como consequência a inflamação e trombose de pequenos vasos, bem como aumento da ativação das enzimas digestivas pelas células acinares. Pancreatite Aguda GIULIA PACHECO SOUZA → Entre as causas de pancreatite aguda, encontram-se cálculos biliares, álcool, drogas, anomalias congênitas e distúrbios metabólicos. Entretanto, uma parcela apresenta causa idiopática [desconhecida]. → Os sintomas são relativos podendo variar entre uma dor abdominal a um abdômen agudo inflamatório com choque. → A dor abdominal visceral é intensa e em faixa nos quadrantes superiores [epigástrica ou QSE], que irradia para o dorso, tórax ou flancos. O paciente apresenta posição antálgica e com alguns dias de evolução, mas tem uma progressão rápida. → O desconforto abdominal muitas vezes, pode estar associado com náuseas e vômitos incoercíveis [repetidos e que não melhoram com terapêutica], além de dor que piora após alimentação. → Além disso, a pancreatite pode cursar com desidratação, hipotensão [hipovolemia intravascular = piora da perfusão dos órgãos] e choque devido sequestro de líquido para terceiro espaço. → No exame físico, além de dor à palpação, podem ser encontrados alguns sinais decorrentes da pancreatite grave, por exemplo, distensão abdominal [inflamação intra-abdominal provoca íleo paralítico] e sinais de hemorragia retroperitoneal [Grey-Turner: equimose nos flancos; Cullen: equimose periumbilical; Fox: equimose na base peniana e Paniculite: necrose gordurosa subcutânea]. → As complicações podem ser sistêmicas ou locais. As sistêmicas incluem, especialmente, complicações pulmonares, como edema pulmonar, derrame o cálculo causa obstrução da papila principal, provocando refluxo da bile para o ducto pancreático, aumentado, assim, a pressão. Dessa forma, provoca um aumento das células acinares, possibilitando a ativação do tripsinogênio por estimular a fusão entre lisossomos e zimogênios. provoca motilidade anormal do esfíncter de Oddi, efeitos tóxicos e metabólicos, além de obstrução de pequenos ductos por formação de um tampão de proteína. furosemida, ácido valpróico, sulfonamidas e tetraciclinas. pâncreas divisum - fusão incompleta ou ausente dos ductos dorsal e ventral durante o desenvolvimento embrionário. pacientes com níveis de triglicérides> 1.000 mg/dL, no qual a lipase presente nos capilares pancreáticos metaboliza os níveis de triglicerídeos, gerando ácidos graxos livres tóxicos. infecções virais e bacterianas, como Salmonella, Escherichia e HIV. Além de picadas de escorpião, envenenamento com organofosforados e ascaridíase. a intensidade e localização da dor não tem relação com a gravidade. GIULIA PACHECO SOUZA pleural a esquerda [devido relação do pâncreas com o diafragma esquerdo], atelectasia e síndrome do desconforto respiratório agudo (SRDA: liberação de quimiocinas + leucócitos = ativação da cascata inflamatória, levando a broncoconstrição), disfunção renal [fatores inflamatórios + perda considerável de líquido para o terceiro espaço (permeabilidade vascular aumentada) = diminuição da perfusão renal] e síndrome compartimental abdominal [aum. da pressão abdominal (> 20 mmHg) + falência de 2 órgãos [renal e hemodinâmica, por exemplo) ou pressão abdominal isolada ≥ 30 mmHg, deve realizar peritoniostomia]. → Enquanto as locais incluem coleção de fluidos [geralmente, resolve sozinha], ascite, pseudocisto [drenagem caso paciente sintomático], abcesso [antibioticoterapia + drenagem] e necrose pancreática. → Vale ressaltar que as complicações são mais frequentes quando a pancreatite aguda é decorrente de cálculos biliares e álcool. → Para o diagnóstico realiza, principalmente, exames laboratoriais e radiológicos. → Assim, o diagnóstico pode ser estabelecido pela presença de 2 dos 3 critérios: dor abdominal consistente com o quadro de pancreatite aguda; valores séricos de amilase e/ou lipase aumentados mais que 3x o valor de referência e achados característicos nos exames de imagem. → As enzimas pancreáticas (amilase e lipase) são as mais medidas, sendo que as elevações de amilase são mais sensíveis, mas menos específicas do que a lipase. Além disso, a amilase volta aos valores normais entre 3 e 5 dias, enquanto a lipase demora entre 7 e 10 dias. → Além disso, a elevação de TGO e TGP sugerem uma pancreatite por cálculo biliar. → Os exames de imagem não servem para fechar diagnóstico de pancreatite, é usado para prognóstico, avaliar complicações e estadiamento, sendo recomendado realizar após 72 horas do início do quadro. complicação significativa, que é caracterizada por obstrução da microcirculação pancreática. O diagnóstico padrão-ouro é por meio da TC com contraste, em que o contraste não irá aparecer nas áreas de necrose. Outro achado seria PCR ≥ 150 mg/dL nas primeiras 72 hrs, que indicaria um mau prognóstico. O tratamento é realizado com necrosectomia e antibioticoterapia. amilase, lipase, TGO e TGP, FA, GGT, glicemia, cálcio, bilirrubinas totais e frações, ureia, creatinina, hemograma, PCR, gasometria arterial, sódio, potássio e albumina. Na ausência de cálculos biliares ou história positiva de álcool deve analisar os níveis séricos de triglicerídeos, caso > 1000 mg/dL, é a principal etiologia. caso presente é interessante fazer o diagnóstico diferencial com a úlcera perfurada e isquemia mesentérica. Além disso, amilase > 1.000 U/dL é sugestivo de causa biliar. GIULIA PACHECO SOUZA → Na rotina não utiliza o raio-X, pois os achados são inespecíficos. Assim, é mais usado para identificar acometimentos sistêmicos, no qual pode visualizar gases intestinais, sinal de cut-off [cólon distal] e alça sentinela. → O ultrassom não é um bom método, mas pode ser útil para diagnosticar a litíase biliar, algumas vezes, pode complementar com colangioressonância. O método de imagem mais indicado é a TC, que permite identificar coleções, pseudocistos. → Antes da terapia deve-se avaliar o grau de gravidade. Essa estratificação baseia nos critérios de Atlanta, que consiste na presença de falência orgânica e/ou complicações pancreáticas locais e sinais prognósticos não favoráveis definidos pelo Critério de Ranson [grave: ≥ 3 pts] e o Escore APACHE-II [grave: > 8 pts; avalia, preferencialmente, prognóstico]. → Outra classificação semelhante à de Atlanta seria a de Petrov que divide em 4 graus (leve, moderada, grave e crítica). classifica a pancreatite em leve, moderadamente grave e grave. Pancreatite aguda leve: sem falência orgânica.; sem complicações locais ou sistêmicas, que geralmente regride na 1º semana. Pancreatite aguda moderadamente grave: falência orgânica transitória (resolve em 48 hrs); complicações locais ou sistêmicas sem persistência de falência orgânica. Pancreatite aguda grave: falência orgânica persistente acima de 48 hrs (única ou múltipla). GIULIA PACHECO SOUZA cada item vale 1 pontos, sendo que ≥ 3 representa um quadro grave (o da direita é para pancreatite aguda biliar) • O Ht até 48 hrs está falsamente aumentado devido à desidratação pelos vômitos e pelo sequestro do líquido. • O sequestro líquido > 6 pode levar a choque hipovolêmico e IRA. • Aumento de ureia indica comprometimento renal. • Redução de cálcio, maior processo de saponificação. é o Índice de Gravidade na Pancreatite Aguda à Beira do Leito, sendo uma estratificação de risco rápida, que se baseia em 5 parâmetros coletados dentro das primeiras 24 hrs, cada critério significa 1 ponto. Os critérios são: ureia sérica > 40 mg/dL; estado mental alterado; ≥ 2 critérios de SIRS; idade > 60 anos e derrame pleural no raio-X de tórax ou na TC. os critérios de SIRS incluem: temperatura [febre: > 38º C ou hipotermia: < 36º C]; frequência cardíaca [> 100 bpm]; frequência respiratória [FR > 22 irpm ou PaCO2 < 32 mmHg] e contagem de leucócitos [> 12 mil ou < 4 mil ou 10% de bastonetes]. estabelece um escore de gravidade a partir dos achados tomográficos que incluem a presença de inflamação pancreática e peripancreática, sendo classificada de A a E. Grau A: pâncreas com aspecto normal. Grau B: pâncreas aumentado de forma difusa. Grau C: inflamação pancreática ou anomalias peripancreáticas. Grau D: presença de coleção líquida única mal definida. Grau E: presença de duas ou mais coleções mal definidas. O resultado final é o somatório dos achados inflamatórios e necróticos, em que 0 a 3 pontos é leve, 4 a 6 pontos é moderada e 7 a 10 pontos é grave, sendo que ≥ 7 indica morbidade > 90% com importante risco de complicações locais. GIULIA PACHECO SOUZA → Em relação ao tratamento, a principal terapia é a de suporte, que engloba reposição de fluidos e eletrólitos, correção de anormalidades metabólicas [hipercalcemia sintomática] e suporte nutricional. → Realiza analgesia com opiáceos [ex.: meperidina, que tem como efeitos colaterais mioclonias, tremores e convulsões], antieméticos, hidratação venosa e controle dos eletrólitos, bem como distúrbios ácido-base. → Ademais, deve ser feito o suporte nutricional [oral: evita translocação bacteriana] mais precoce possível conforme o paciente tolere, isto é, não pode ter vômitos e tem que ter presença de peristaltismo. Se não tolerar a enteral, já introduzir parenteral. → Na confirmação de infecções pode realizar antibioticoterapia, com o uso de ciprofloxacina, imipenem e metronidazol, ou seja, é reservado para os casos de necrose infectada e evolução de sepse. → Para a prevenção de HDA [paciente grave realiza profilaxia gástrica] pode receitar inibidor de H2 ou IBP. → O tratamento cirúrgico não é indicado em pacientes com pancreatite leve, mas sim nos casos de necrose pancreática inflamada. → Além disso, deve realizar o tratamento da doença de base, em que na etiologia alcoólica suspende o uso. Já nos casos biliares depende se houve obstrução biliar com colangite grave [drenagemurgente: percutânea ou endoscópica e CPRE nas primeiras 24 hrs] ou colelitíase sem obstrução nem colangite grave [tratamento clínico seguido de colecistectomia].
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