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1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4 2 FAMÍLIA PSICOSSOMÁTICA ..................................................................... 5 3 O SISTEMA FAMILIAR ............................................................................... 5 3.1 Subsistemas familiares ....................................................................... 6 4 O LUGAR DO SUJEITO ............................................................................. 8 4.1 O funcionamento familiar e seus mitos................................................. 9 5 FAMÍLIA DISFUNCIONAL ........................................................................ 10 5.1 A divisão de papéis dos membros de uma família disfuncional ......... 13 5.2 Paciente identificado .......................................................................... 14 5.3 O bode expiatório na família ............................................................... 15 6 A PSICODINÂMICA FAMILIAR ................................................................ 19 6.1 A dinâmica da comunicação familiar: o duplo-vínculo uma comunicação paradoxal 20 6.2 Tratar a família ou o individuo ............................................................ 22 7 ANOREXIA NERVOSA E RELAÇÕES FAMILIARES DISFUNCIONAIS .. 24 7.1 Estratégias de mudança ..................................................................... 34 7.2 Modificando a rigidez.......................................................................... 35 7.3 Modificando as evitações de conflitos ................................................ 36 7.4 Mudando o enredamento ................................................................... 37 7.5 Sintetizando ........................................................................................ 38 7.6 A terapia familiar no tratamento de transtornos alimentares .............. 39 8 IMPORTÂNCIA DAS GERAÇÕES PASSADAS NA FAMÍLIA .................. 42 9 CARACTERÍSTICAS DE UMA FAMÍLIA SAUDÁVEL (WHITAKER,1981)................................................................................................... 43 9.1 Famílias saudáveis vs disfuncionais ................................................... 44 9.2 Conflitos e perturbações ..................................................................... 44 3 9.3 Conflitos ............................................................................................. 45 9.4 Crises familiares ................................................................................ 45 9.5 Ausência de pai ................................................................................. 46 9.6 Famílias monoparentais ................................................................... 47 9.7 Ausência da mãe .............................................................................. 48 9.8 Conflitos pai-filho ............................................................................... 48 9.9 Instabilidade das díades conjugais .................................................. 48 9.10 “Ninho vazio” .................................................................................. 49 9.11 Segredo .......................................................................................... 49 9.12 Suicídio ........................................................................................... 50 9.13 Ciúme ............................................................................................. 50 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 51 11 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 53 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! A Rede Futura de Ensino, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 FAMÍLIA PSICOSSOMÁTICA Fonte: portaleducacao.com.br Famílias psicossomáticas são famílias que dão uma ênfase excessiva nos papéis de cuidado funcionando melhor quando alguém está doente (fisicamente). Minuchin (1982) diz que famílias psicossomáticas são caracterizadas principalmente pela falta de definições de limites, por fronteiras difusas e tendência a apoiar a expressão somática dos conflitos. No entanto a família é perfeita, sem problema, superprotetora, não percebe sua disfunção, é difícil trabalhar, querem cooperar, não brigam, família ideal, porem as famílias psicossomáticas apresentam uma vida de fantasia empobrecida, com maior propensão ao raciocínio concreto, preocupação com o sucesso e disposição para falar de sintomas corporais. A fantasia predominante nessas famílias é a de um corpo único, portanto inseparável. 3 O SISTEMA FAMILIAR Sendo um sistema aberto, a família tem o conjunto de características de todos os sistemas abertos. Como refere Gimeno (2001), a família tem um conjunto determinado de objetivos, e todo o seu desempenho é condicionado por esses objetivos. 6 Sendo um sistema aberto, é permeável às influências do exterior, sendo capaz de reagir e interagir com outros sistemas. Possui ainda a capacidade de autocontrole, permitindo-se a definição de um conjunto de regras que possibilitem a adaptação a novas realidades. A família é um conjunto de vários componentes discretos, sendo as suas características o somatório das características individuais de cada elemento. Por outro lado, cada um desses elementos tem uma maior ou menor capacidade para exercer uma influência preponderante sobre outros elementos, podendo condicionar a personalidade do conjunto. Numa crise, tal como um suicídio ou um adultério, a família sofre ajustes que podem ser adoptados ou não pelos indivíduos ou pela família. Segundo Christie-Seely, pode-se pensar em cada elemento da família como um órgão, como se fizesse parte de um conjunto de órgãos (corpo), que se inter-relacionam através de mecanismos de retroação (positiva, negativa), mantendo-se assim um estado de homeostasia ou de saúde. Se por alguma razão uma parte é isolada do todo a que pertence, o diagnóstico e o tratamento são falíveis, (Christie-Seely 1986). Uma qualquer alteração repentina e inesperada à estrutura familiar, pode levar a um completo desmembramento da família tal como existe até então, levando a uma adaptação e alteração das características dessa mesma família. Gimeno (2001) apresenta como exemplo a morte de um filho. A partir deste acontecimento, a família, tal como existia até então, com as suas crenças e os seus costumes, morre também, dando origem a uma nova família, em que todos os seus membros são afetados e alteram de alguma formas as suas rotinas, hábitos, formas de ser e de pensar, bem como os papéis até aí desempenhados, observando-se muitas das vezes a predominância de um irmão como protetor dafamília, podendo mesmo vir a tornar-se no elemento dominante. 3.1 Subsistemas familiares Minushin e Fishman (1990) refletem sobre o sistema familiar e os seus subsistemas, em que cada indivíduo constitui um deles. As díades (ex: marido e mulher) constituem também subsistemas da família, com características próprias. Subgrupos mais amplos são formados por gerações (subsistemas de irmãos). 7 Cada indivíduo do grupo familiar desempenha um determinado papel, com funções distintas e bem definidas. O filho deve agir como criança no sistema parental para que o pai possa agir como adulto. Qualquer alteração a estas regras pode significar a disfuncionalidade da família como um todo. O subsistema conjugal constitui a referência base de cada criança fruto da relação, sendo a forma ideal de demonstrar o afeto, de demonstrar como se relacionar com um parceiro sem dificuldades, e de como lidar com o conflito entre iguais, levando à preparação de cada descendente para o mundo exterior, através da imposição e transferência dos seus valores morais e afetivos. Segundo Christie-Seely qualquer disfunção neste subsistema poderá repercutir-se em toda a família, e, em situações patogénicas, uma criança pode ser bode expiatório e coligar-se numa aliança com um dos cônjuges, contra o outro (Christie-Seely, 1986). O subsistema parental é constituído pelos pais e seus filhos. As transações mais importantes neste subsistema são a transmissão da educação e respeito de pais para filhos. A criança aprende um conjunto de características importantes existentes dos seus pais, incluindo a noção de respeito e obediência. Aprende também um conjunto de regras que lhe permitem lidar com outras pessoas, incluindo técnicas de negociação e como lidar com o conflito. Muitas das vezes, o subsistema parental pode esta deslocado, podendo incluir outros membros da família ou membros externos (ex. avô e tia) e/ou excluir amplamente um dos pais. À medida que o crescimento da criança se torna evidente, o subsistema parental tende a modificar-se amplamente, adaptando-se à nova situação e capacidades dos filhos. Os adultos têm uma grande responsabilidade neste subsistema, sendo os responsáveis por socializar e proteger os filhos. Por outro lado, têm o direito de tomar um conjunto de decisões que protejam a criança, mas ao mesmo tempo não poderão deixar que o subsistema parental interfira com o subsistema conjugal, podendo neste caso causar graves perturbações no funcionamento familiar. É comum, com o nascimento de uma criança, assistir ao desmembramento progressivo do subsistema conjugal e consequentemente de toda a família (Christie-Seely, 1986; Minuchin & Fishman, 2003). 8 Com o aparecimento de várias crianças na família rapidamente se constata a existência de um terceiro subsistema entre os irmãos, designado de subsistema fraternal, em que as crianças se apoiam mutuamente, divertem-se e atacam-se. Com esta relação, conseguem desenvolver capacidades de cooperação e competição, ao mesmo tempo que desenvolvem as capacidades de fazer amigos e lidar com inimigos. Em famílias com um único filho, este subsistema não existe, podendo por vezes ser substituído por uma relação com um amigo ou outra criança. No entanto, a inexistência deste subsistema pode explicar um conjunto de disfunções, principalmente ao nível da criança, mas que afetam a família como um todo. Por outro lado, a inexistência deste subsistema sobrecarrega o subsistema parental com um conjunto de funcionalidades que não lhe são características e que por vezes são antagónicas. Segundo Christie-Seely, o segredo, que é característico numa relação fraternal, pode não se coadunar com a responsabilidade de educar, ou seja na relação paternal (Christie-Seely, 1986). Minuchin e Fishman (2003) referem ainda o halo individual, como sendo a categoria de não família, em que se inclui o adulto solteiro sem vínculo. Há uma ideologia individualista. Este tipo de halo incorpora o Self no contexto. A família é a unidade, o indivíduo como halo dessa unidade. Neste sentido o indivíduo estará mais ligado aos grupos de amigos, ao seu trabalho, aos seus companheiros do que com a sua família de origem. 4 O LUGAR DO SUJEITO Para Piera Aulangnier o sujeito se situa no seio familiar, e o seu papel em função do outro que o leva a constituir como sujeito. Para isso, tornar-se necessário inicialmente, que compreendamos o que se passa na relação mãe e filho. A relação mãe-filho, ocorre no momento da fecundação. A criança, enquanto objeto de desejo, é representada no inconsciente materno não pelo que é na realidade, mais por um corpo já completo e unificado. A primeira inserção da criança no imaginário materno, enquanto corpo idealizado, permite a percepção do fato de que a mãe pode simbolizar seu discurso 9 em torno de um significante, correspondente à ordem do humano onde ela se insere, mais que ela deve reconhecer como pré-existente e independente de sua própria existência. É essa “ dimensão histórico- materna” que leva o sujeito a ser reconhecido como “ elo” a ser inserido na cadeia de significantes da qual ele é o fim, e cuja sequencia terá que garantir. A história do sujeito não se inicia com ele, ela o precede e esse preceder é fortemente determinado para aquilo que será o seu futuro, todo sujeito se situa em um mito familiar, isto o leva a ocupar um papel que determina, antecipadamente, as “ réplicas do outro”, esse discurso que começa por ser dirigido não para ele, mas para o personagem que ele encarna na cena familiar, é que o constituirá como sujeito. 4.1 O funcionamento familiar e seus mitos A família é o contexto onde se estabelece o desenvolvimento afetivo, sua autonomia, os padrões relacionais do ser humano, baseados na estrutura e funcionalidade de cada membro do sistema. Segundo Garbar e Theodoré, o principal objetivo do grupo familiar deve ser a manutenção da capacidade de transformação sem perder a estabilidade de equilíbrio, (Garbar e Theodoré, 2000). Na vida familiar, como no teatro, existem papéis pertinentes a cada membro do grupo e posições de lugar em que o indivíduo ocupa no sistema social e familiar. A família articula leis, valores e cultura, inserindo o indivíduo. Para cada posição há uma qualidade como o mais velho, o tímido, o último, o pior. A cada lugar corresponde um papel. O que importa é a maneira como se vai vivenciar esse papel. Todo esse mecanismo se constrói numa história que é um misto de real e ficcional que vem de uma forma idealizada através de gerações, e está ligada à nossa história familiar e à organização dos mitos familiares. Estamos falando, portanto, de mecanismos de defesa denominado, por Ferreira (1963) e Byng-hall (1973), de mito familiar. O grupo familiar que se utiliza do mecanismo do mito familiar a fim de evitar ou esconder uma conscientização do potencial interno, repudiado, implícito nos papéis desempenhados por cada elemento dessa família. 10 Esses papéis fornecem um esquema útil para as ações sociais, porém reduzem a flexibilidade e a capacidade da família em se posicionar de forma adequada diante de situações inusitadas. Por desempenhar papéis pré-estabelecidos as famílias demonstram sua incapacidade de tolerar ambivalências ou padrões não estabelecidos miticamente, elas dependem, para reafirmar o mito, de uma fixação de seus membros a seus respectivos papéis. O mais curioso e estranho de tudo isso, é que aceitamos realizar o papel que nos é atribuído, como se fosse parte do nosso dever de vida, ainda que nos faça sofrer. Os “ mitos familiares” foram definidos por Antônio Ferreira (1971), como: Segundo Antônio Ferreira, um número de crenças bem sistematizadas e compartilhadas por todos os membros da família a respeito de seus papeis mútuos e de natureza de sua relação. Estes mitos contêm muitas dasregras secretas da relação, regras que se mantêm ocultas, submersas nas trivialidades dos clichês e rotinas domésticas. Sua serena operacionalidade mostra que alguns desses mitos estão integrados na vida diária e se convertem em parte inseparável do conceito perceptual com o qual os membros da família desempenham sua vida em comum. Ainda que para o observador possam parecer falências evidentes da realidade familiar, estas crenças organizadas em cujo nome a família inicia, mantém e justifica muitas pautas interacionais, são compartilhadas e apoiadas por todos os membros como se tratasse de verdades acima de qualquer desafio ou investigação, (Antônio Ferreira 1971). 5 FAMÍLIA DISFUNCIONAL O conceito de família disfuncional foi inicialmente atribuído a famílias onde as relações entre os seus membros não são equilibradas e estáveis, onde os padrões de comunicação alterados conduzem a problemas crônicos no núcleo familiar. Este conceito baseia-se numa abordagem psicoterapêutica de diagnóstico e tratamento, onde os sintomas do indivíduo são vistos no contexto das relações com os outros indivíduos e grupos, e não como problemas individuais. Como uma criança completamente dependente em relação a todas as suas necessidades básicas, poderá se tornar um adulto pleno e confiante, se não recebeu da família, as orientações, cuidados e amor necessários ao seu desenvolvimento? Na família disfuncional, os papéis não são bem definidos. 11 Os modelos masculinos (pai), e feminino (mãe), são insuficientes para remeter valores saudáveis e consistentes à criança. Modelos inconsistentes: quando pai ou mãe são negligentes, passam mensagens contraditórias, são autoritários ou omissos, ausentes ou superprotetores, agressivos, ou fazem uso abusivo de substancias químicas. Quando há falta de amor e respeito à criança que é dependente dos pais, e estes sendo seus modelos primários, tendem a passar valores inadequados à criança, impedindo assim, um desenvolvimento emocional saudável, sufocando e determinando segundo estes valores deteriorados o que eles, os pais, consideram ser o melhor para o filho. Muitas vezes a criança se considera um estorvo e instala-se já neste período um sentimento de culpa e inadequação, como se ela, a criança, fosse também um dos responsáveis pela problemática familiar. Uma família disfuncional é reconhecida quando um ou ambos os pais são mentalmente desequilibrados, frustrados, carecendo de uma visão realista do mundo, com autoimagem distorcida, imaturos, ou ainda, quando um ou ambos os pais são dependentes químicos, ou compulsivos por trabalho, alimentos, compras, afetos, sexo, etc. Nas famílias disfuncionais os filhos crescem tendo raramente aprendido as combinações de papéis que contribuem para moldar personalidades saudáveis, condição que pode ser extrapolada para grupos. Não tendo vivenciado estas combinações satisfatórias de papéis, necessitam criar outros padrões que trazem alguma estabilidade em suas vidas. O Modelo pernicioso da família disfuncional: Tanto os modelos positivos ou negativos da família, são aprendidos através da dinâmica no núcleo familiar, iniciado pelos avós, que passam para os pais e estes para os seus filhos, dando origem ao padrão trigeracional a um funcionamento de três gerações de uma família, gerando assim, um ciclo pernicioso de padrão comportamental, passado de geração para geração. 12 Fonte: suliblet.wordpress.com Então a família disfuncional é aquela que, no lugar de uma família há um conglomerado de pessoas cujo funcionamento é padronizado. Relaciona – se da mesma maneira, de forma rígida não permitindo possibilidades de alternativa. Ao invés de os membros controlarem a família, são controlados rigidamente por seus papéis no sistema familiar. A diferenciação entre os membros da família fica seriamente comprometida devido à união simbiótica que se estabelece nesta família. A comunicação, neste tipo de família, é truncada, indireta e confusa. Podemos dizer que ocorre um bloqueio no processo de comunicação familiar. Ainda que esse comportamento soe doentio, ele tem que ser mantido, mesmo que para isso um membro da família seja para ser ou ter o problema. Os sintomas do paciente identificado constituem a expressão de uma disfunção familiar e o tratamento deve ser feito considerando ás inter-relações que se estabelecem no grupo. A disfuncionalidade familiar está diretamente ligada à doença da mesma, assim, todo funcionamento da dinâmica familiar está envolvido nesse problema. Alguns autores psicanalistas, como José Bleger e Eduardo Kalina, desenvolveram a questão das dinâmicas familiares. Pode – se falar em dois modelos básicos de desestruturação nas relações familiares, há as famílias cindidas, e as famílias simbióticas. 13 Nas famílias cindidas os membros não conseguem se relacionar entre si, encontram-se divididos, dispersos. Funcionam e se relacionam como se, ao ficarem juntos, todos corressem riscos do ponto de vista emocional. Assim, as pessoas não podem ter um relacionamento afetivo, são frias entre si. A doença dessas famílias cindidas está na dificuldade de convívio. Os membros percebem que ao conviverem entre si eles se machucam e se afetam negativamente uns aos outros. Já no extremo oposto, temos as famílias simbióticas, aquelas em que os membros da família vivem num estado de fusão. Não há diferenciação entre os papéis familiares, estes são confusos e não divididos. As pessoas sentem dificuldades em viver independente dos outros membros da família, estão num estado de constante grude. Em ambos os casos, está-se falando de doenças familiares do ponto de vista do desenvolvimento afetivo, relacional e de ordem psíquica, as disfunções de relacionamento de papéis dentro das famílias podem afetar seus membros psicologicamente, tanto no contexto individual, quanto no familiar. As famílias estão doentes e podem eleger um dos membros para representar a doença familiar. Este “paciente identificado” ou “bode expiatório “ familiar é quem irá assumir ou representar toda doença da família. 5.1 A divisão de papéis dos membros de uma família disfuncional As disfunções de relacionamento e de papéis dentro das famílias podem afetar seus membros psicologicamente, tanto no contexto individual, quanto no familiar. "As famílias estão doentes e podem eleger um dos membros para 'representar' a doença da família". É o caso que muitas vezes ocorre em famílias psicotizantes: as mães, muitas vezes, possuem este poder de psicotizar algum dos filhos. Este, por sua vez, torna-se o membro doente da família, representando e assumindo toda a carga de dificuldades para si. Segundo alguns autores, a isso se chama 'paciente identificado'. "Este é o chamado 'bode expiatório familiar'", que com a presença de um membro que assuma e representa toda a doença da família, os outros se veem 'livres' de seus próprios conflitos e dificuldades. "A família se sente sã enquanto possui um membro doente". 14 Além do caso já citado das psicoses e esquizofrenias, vale lembrar a situação também bastante comum entre a família de dependentes químicos. 5.2 Paciente identificado É comum observar que na maioria das famílias comprometidas, a doença psiquiátrica de um membro, representa o resultado sintomático da necessidade dos diversos outros membros se protegerem. Uma parte da família tenta manter- se intactas ás custas de outra parte. Nesse sentido, visto que a história pessoal de cada um é de algum modo única, e que a vulnerabilidade correspondente é diferente, o membro mais frágil teria maior probabilidade de tornar- se o paciente identificado (SKYNNER), e, criança ou adulto, ele vai revelar – se frequentemente um emissário disfarçado de um grupo familiar emocionalmente deformado. O fato de ter “ um paciente” na família dificulta adiluição, da problemática entre todos os membros. Observamos uma força que vai contra essa possibilidade. A chance de eles perceberem que por traz daquele “ quadro clínico”, esconde – se um ser humano com dificuldades, é muito desestruturante. Existem famílias cujo paciente já está doente há dez anos e não se sabe nada a respeito de sua doença, muito menos dessa pessoa que sofre. A negação é muito comum, e apesar de em alguns momentos funcionar como um recurso protetor frente a essa situação muito assustadora e desgastante, torna- se um importante obstáculo a qualquer possibilidade de melhora. Alguns aspectos da família do paciente identificado: O que habitualmente leva uma família à terapia são os sintomas de um dos seus membros Ele é o paciente identificado, a quem a família classifica como “ tendo problemas” ou “ sendo o problema”. Mas, quando uma família rotula um dos seus membros como “ o paciente” os sintomas do paciente identificado podem ser pressupostos como sendo um recurso de um sistema em manutenção ou de um sistema mantido 15 “ A família tem geralmente identificado num membro a localização do problema. (...) E espera que o terapeuta se concentre nesse indivíduo, trabalhando para muda-lo. Para o terapeuta da família, o paciente identificado é somente o portador do sintoma; a causa do problema são as transações disfuncionais da família; e o processo de cura envolverá a mudança destas transações disfuncionais”. (Minuchin & Fishman). 5.3 O bode expiatório na família O ambiente familiar tem importância primordial para a formação da personalidade de uma criança e para a socialização desta. Isto porque a família é para a criança um modelo de referência que futuramente influenciará os relacionamentos que naturalmente o indivíduo desenvolverá com o mundo. Na relação com os pais a criança aprende os valores que regem a vida familiar, percebe o que é aprovado ou desaprovado por eles, e dessa forma aos poucos vai podendo se adaptar e iniciar um convívio social mais amplo. Segundo Neumann, nos primeiros anos de vida a criança mantém uma relação simbiótica com a mãe, dependendo profundamente dos cuidados dela para garantir a sua sobrevivência, Neumann (1980). A criança experimentará vivências de prazer vinculadas ao alívio da tensão provocada pelas sensações de fome, dor, etc., mas também em alguns momentos será frustrada por não poder ser atendida em todos seus desejos. A alternância da satisfação e da frustração é importante para o desenvolvimento da personalidade e da capacidade de integrar crises futuramente. Entretanto, se as vivências de desconforto forem muito intensas e prolongadas poderá se instaurar na criança uma insegurança básica e profunda. 16 Fonte: cinematographe.it Por ser o primeiro contato do indivíduo com o meio externo, a relação primal tem um valor fundamental para o desenvolvimento da estrutura psíquica do indivíduo. O ego para ser forte precisa ter passado por boas experiências com o materno a fim de desenvolver um sentimento de confiança básica. O sentimento de valor próprio na criança é decorrente da valorização e acolhimento fornecido pela mãe. Isto porque nesta relação inicial a criança não discrimina eu-outro e a percepção que terá sobre si mesma, e começa a ser desenhada pelo olhar e o desejo dos pais, muitas vezes até mesmo antes do nascimento. É justamente pela importância destas relações com as figuras parentais que torna-se necessário que os pais estejam em contato com as próprias sombras, pois caso contrário terão dificuldade em aceitar o lado escuro da criança e lidar com a sombra dos filhos. (Sanford, 1988). Muitas vezes as questões não resolvidas pelos pais são passadas inconscientemente para os filhos. E é neste contexto que pode se estabelecer a identificação com o material da sombra familiar, que caracteriza a vivência de adultos identificados com o complexo de bode expiatório. De acordo com Perera (1991) é comum que as crianças identificadas com o bode expiatório sejam vistas pelos pais como perigosos observadores porque captam inconscientemente o conteúdo sombrio da família. Quando a criança sente que não consegue corresponder às expectativas dos outros pode 17 apresentar um comportamento inaceitável e tornar-se um bode expiatório para a projeção da sombra alheia. (Perera 1991, apud, Zweig & Abrams, 1994). Porém, apesar da projeção da sombra dos pais, ainda assim há um vínculo forte do bode expiatório com o perseguidor, e é justamente essa ligação que dificultará expressões de hostilidade para o pai ou a mãe que persegue, além do medo de retaliação. (Perera, 1991). É importante que os filhos não sejam castigados pelos pais com rejeição, com a retirada do afeto e da aprovação. Isto porque, segundo Sanford (1988): "Quando isso ocorre, as crianças recebem a mensagem de que são más; além disso, elas se tornam responsáveis pelo mau-humor da mãe ou do pai, o que as leva a ter sentimento de culpa e auto rejeição". De acordo com Perera (1991), aqueles que se identificam como o bode expiatório sentem-se portadores de comportamentos e atitudes vergonhosas que perturbam o casal parental e a sociedade como um todo. Os indivíduos identificados com o arquétipo do bode expiatório: "Sentem-se inferiores, rejeitados e culpados. Sentem-se responsáveis por algo além de sua parcela individual de sombra”. Segundo Perera, as famílias dos indivíduos identificados como o bode expiatório são bastante preocupadas com as normas coletivas, e projetam, de forma inconsciente, em algum ou em alguns membros familiares, aquilo que consideram negativo. Portanto, neste caso a família pode estar identificada com Azazel, (Azazel aparece nos indivíduos identificados com o bode expiatório como um acusador, que é experimentado como uma moral elevada, um sádico superego, o acusador), se pensarmos nas estruturas que formam o complexo de bode expiatório, (Perera 1991). Geralmente possuem um forte superego, uma persona coletivizada, e uma identidade dependente da aprovação social. Portanto, na relação interpessoal, ainda que entre pessoas mais próximas, adotam papéis e tentam fazer valer suas regras também para os outros. Evitam o contato emocional direto por terem medo da exposição e operam defensivamente através de um pensamento concreto e prático. (Perera, 1991). Os impulsos da sombra dos pais, que são negados por eles, muitas vezes irrompem no lar e são desprezados e atacados por eles. Portanto, é comum o confronto dos pais com esse material sombrio que destoa do padrão coletivo ao qual está associado. 18 O adulto identificado com o bode expiatório resulta da criança que absorveu e passou a carregar a sombra familiar. E por isso, sente-se responsável por algo maior do que sua parcela individual de sombra. "Segundo Perera, a inabilidade do bode expiatório adulto em desenvolver uma autoconfiança própria deve-se ao fato de ter sido sobrecarregado, desde muito cedo, com aqueles elementos desvalorizados, negativos, reprimidos e dissociados pelos pais, que, em primeira instância, representam o coletivo". (Perera, 1991, p.41). Além da autoconfiança o indivíduo identificado com o bode expiatório também herda outras características como resultado desta sobrecarga de material sombrio com o qual se identifica. A realidade é percebida de forma distorcida, pois adquiriu da família uma consciência rígida e julgadora. Assim, o bode expiatório tem uma visão fragmentada da realidade, tende a ver tudo como bom ou mau. Possui um ideal perfeccionista que reforça a vivência do fracasso, a auto rejeição e o isolamento, que impedem ainda mais o próprio desenvolvimento (Perera, 1991). "A típica distorção de percepção afeta a imagem física da pessoa de diversas maneiras. Geralmente, ocorre uma idealização de alguma parte da imagemcoletivamente aceitável; esta parte torna-se o objetivo e o foco da visão que a pessoa tem do próprio corpo, pois parece residir ali a sua deficiência". (Perera, 1991). Muitas vezes apresentam também uma rigidez corporal forte, e uma atrofia de sensações físicas em algumas regiões do corpo. Isto porque está insegurança vem dos pais que possuem um forte tabu com o tocar e ser tocado, tanto fisicamente quanto emocionalmente. (Perera, 1991). Ainda segundo a autora, o indivíduo identificado com o bode expiatório pode apresentar dificuldade com vinculações, e a sentir-se acolhido com segurança. Esta dificuldade de envolvimento é também uma proteção para não ser ferido novamente com o material da sombra. "Isso significa que nenhuma experiência poderá ser vivida em profundidade e nenhum relacionamento com um Outro exterior poderá desenvolver-se, pois qualquer abertura poderá acarretar mais sofrimento". (Perera, 1991). 19 6 A PSICODINÂMICA FAMILIAR Referencial teórico da dinâmica familiar: Identificação projetiva: Melanie Klein ao introduzir o conceito de “ identificação projetiva”, compreendida como “ uma combinação de partes cindidas do Eu, que é projetada em outras pessoas, deu uma contribuição importante a percepção de funcionamento da psicodinâmica familiar. Para Dias (1990), isso significa que “os sentimentos e ideias derivadas do mundo interno dos indivíduos são cindidos (divididos em pedaços) e projetados num objeto externo. Dessa forma, o sujeito fica desprovido dessa parte do EU e vivencia o objeto (a outra pessoa) como se fosse parte dela (como se ele possuísse a parte projetada). Segundo Dias, essas partes podem ser aspectos seus, que o indivíduo considere tanto bons como ruins. Pela complementaridade, o outro recebe tais projeções e se transforma em cúmplice da configuração, num processo conivente de interação (num pacto inconsciente), (Dias 1990). O entendimento desse conceito é bastante importante e útil para a prática psicanalítica, na terapia familiar e em outras situações em que surja o fenômeno da “ identificação projetiva”. Nesses casos, poderá haver possibilidades de sucesso no processo de cura do paciente “ cindido” em seu Eu, e também do seu núcleo familiar. Na dinâmica da “ identificação projetiva”, não apenas o indivíduo “ enfermo” é a única pessoa doente, mas toda a família de que ele faz parte. Alguns autores como Riviere (1986), desenvolve a ideia do chamado “ bode expiatório”, partindo da definição da família básica (pai-mãe-filho) e exemplifica este entre-jogo, no qual ocorre o mecanismo de “deposição”. O depositado corresponde aos afetos, fantasias e imagens que cada “ depositante” coloca sobre o outro (depositário). Nessa linha de raciocínio, o “ bode expiatório” seria então a pessoa sobre a qual convergem os depósitos de toda a família, passando a ser, portanto, o “ porta- voz” da enfermidade de toda família. Segundo Meyer 1987, o surgimento de uma patologia em um determinado membro da família seria influenciado pela incapacidade desse grupo em manter seus conflitos internalizados. Em virtude disso, um dos membros 20 dessa família (geralmente o mais susceptível) passa a se utilizar a dinâmica familiar como forma de exteriorizá-lo. Sendo assim, por identificação projetiva os conflitos que eram internos passam a ser vivenciados como externos e relativos a algum outro membro da família, (Meyer 1987). Toda essa interação acaba por produzir no núcleo familiar um “ objeto interno compartilhado” elaborado a partir da percepção e diferenciação de um conjunto de relacionamentos formados pelos “ intercâmbios familiares”. Esse objeto, formado pela experiência de interação familiar, é denominado por Meyer de “familidade”. Por sua vez, Soifer (1989) em linha de raciocínio semelhante, parte da hipótese que a doença dos filhos obedece à impossibilidade dos pais em transmitir-lhes certa aprendizagem psicológica por não terem podido, eles mesmos, incorporá-las satisfatoriamente no momento histórico apropriado de suas vidas. Bowen (1959) denomina projeção ao mecanismo predominante na relação mãe-filho, através do qual se dá o aparecimento da esquizofrenia a mãe nega seus próprios desejos de ser protegida e sentimento de impotência, projetando – os no filho e percebendo-os dessa forma como uma pessoa desprotegida e desemparada. Essa percepção da mãe é tida por parte da família e pelo próprio filho como sendo realidade. O filho introjeta então as inadequações projetadas pela mãe, ficando mais preocupado em responder as exigências materna do que em manifestar suas próprias demandas. Bowen reconhece a semelhança desse dilema com a situação familiar descrita por Bateson e seus colegas ao formularem o conceito de duplo vínculo. 6.1 A dinâmica da comunicação familiar: o duplo-vínculo uma comunicação paradoxal Os autores da teoria da comunicação elaboraram várias teorias sobre a comunicação familiar. O conceito de duplo vínculo foi o primeiro passo no desenvolvimento dessas teorias e proporcionou a descrição de um padrão de comunicação e seus efeitos. Bateson desenvolveu com outros pesquisadores a teoria do duplo vínculo (double blind), que se refere a uma situação a qual se estabelece quando uma pessoa se vê diante de mensagens de aceitação (amor) e rejeição. Tais mensagens são simultâneas e contraditórias, de modo que quem a recebe fica confuso. Esse quadro é muito comum no ambiente familiar principalmente entre filhos e pais. 21 Segundo Bateson, adultos-jovens que desenvolveram esquizofrenia frequentemente têm história de relação de duplo vínculo na infância. Assim, é muito comum que crianças ouçam de seus pais falas com múltiplas variantes do seguinte teor: “ nós gostamos muito de você, mas temos de castigá-lo porque se não o fizermos você irá se comportar mal, e não queremos que isso aconteça porque queremos continuar gostando de você”. É claro que mensagens assim contraditórias nos acompanham pela vida afora. A sabedoria popular há muito já havia identificado o “ duplo vínculo”, que entre nós tomou a forma de dois ditos: “ morde e assopra” e “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. A situação do duplo vínculo descrita como uma circunstância em que a vítima “ não pode ganhar”, não é de estranhar, portanto, que o fenômeno seja tão disseminado e que as pessoas que o experimentam terminem desenvolvendo sintomas esquizofrênicos. O fenômeno do duplo vínculo é extremante perverso, porque obriga as pessoas a conviver com uma ambiguidade extrema. No caso das crianças a situação é bem pior, porque atinge o ego em uma idade em que este ainda está em formação. A dificuldade da comunicação entre as pessoas continua sendo a maioria á entrave da convivência humana, seja na família, ou em qualquer outro contexto. “ Segundo Weakland, as pessoas constantemente enviam e recebem uma multiplicidade de mensagens, através de canais verbais e não-verbais, e essas mensagens necessariamente modificam ou capacitam umas ás outras, Weakland,1976. Esse conceito enfatiza então que, quando duas pessoas ou mais pessoas interagem, elas constantemente reforçam e estimulam o que está sendo dito e feito, de tal forma que o padrão da comunicação dos participantes define o relacionamento entre eles. Dentro dessa análise, a importância de uma mensagem não está vinculada somente a uma questão de significado, mas à influência que ela exerce no comportamento, nas atitudes das pessoas em interação. Padrões de comunicação podem ser tão constantes que, quando ocorre qualquer mudança inesperada, existe uma contradição trazendo-a de volta ao usual. 22 6.2 Tratar a família ou o individuo No modelo sistêmico, diferente da abordagem psicanalítica, a ideia principal é ser o “ doente da família”, um representante de alguma disfunção no sistema familiar. Em outras palavras,ele é o “ referido”, por “ receptáculo”, o “ depositário” da neurose familiar, “ eleito” pelo sistema disfuncional pelo qual seus integrantes fazem sua “ablusão” se “ purificam”, se “ salvam”, hasteando a bandeira de sua pseudo-sanidade. De certa forma, o “ paciente identificado” representa tanto a impossibilidade de mudança como a única possibilidade de mudança. As famílias sintomáticas comportam-se como se o problema não existisse a nível sistêmico. Mantêm uma visão linear do problema. No consultório podem começar dizendo “ nossa dificuldade é a agressividade do nosso filho”. Famílias somáticas tendem focalizar o problema em um membro da família ou limitar-se a um aspecto do comportamento familiar. Nestas famílias à dificuldade é vista como sendo causada por alguns eventos ou pessoas. Segundo o psicólogo Celso Franco de Oliveira 2004, os sintomas do “ porta- voz” ou “ bode expiatório” na família disfuncional cujos sintomas denunciam a neurose familiar, são em geral utilizados e eleitos para manutenção dos padrões transacionais familiares nos quais um acordo-concluo ou trauma, ou um estatuto não verbalizado, serve para conservar a família patologicamente unida. Nesse ponto, o terapeuta se defronta com as seguintes questões: com que finalidade a família disfuncional usa a doença do seu membro referido? Que mecanismo de funcionamento passa a ocorrer nesta família com a emergência do membro “ doente”? Qual é o lucro secundário que a família obtém a partir dessa doença? Em famílias com patologias graves como psicóticos ou deficientes profundos, esses “ lucros” “ tornam-se mais claros, pois esta é a forma que a família elege para manter sua doença circunscrita a um de seus membros o que permite, que os outros se mantenham “ saudáveis”. É comum observar- se que seu membro sintomático apresenta melhoras subsequentemente um outro membro da família apresenta um outro sintoma. Ou dito de outro modo, para tamponar uma crise, um dos familiares se “oferece” para adoecer. Há, portanto, uma enorme resistência a mudança, fenômeno que os estudiosos da terapia de família sistêmica chamam de homeostase familiar. 23 Homeostase familiar, isto é, quando ocorre uma mudança um sistema estável há uma desestabilização no sistema e esta procura restabelecer o anterior. É também a homeostase familiar um mecanismo autoprotetor capaz de manter o sistema em estado relativamente constante. É comum se observar em certas famílias que ao mesmo tempo em que se fala do desejo de seu paciente melhorar, faz um esforço enorme para que isso não ocorra, utilizando- se de mecanismos de “ sabotagem” verbal e não-verbal para impedir o processo terapêutico. Nesse sentido, a família que vai à terapia parece solicitar: “ ajude-nos a mudar o paciente sem interferir em nossas relações”. É impossível transigir ou colocar band- aids sobre ferimentos profundos que por longo tempo se organizaram dentro do seu sistema. São muitas as “ manobras” que a família, inconscientemente, recorre para neutralizar a intervenção terapêutica pela utilização de mecanismos defensivos na tentativa de retornar a sua homeostase ameaçada. Quanto mais impermeável for a família tanto maior será sua dificuldade em redefinir seu sistema disfuncional. Para se alterar o significado da interação familiar disfuncional precisa-se redefinir sua matriz direcionando para mudanças no sistema. Com intervenção terapêutica, a rigidez funcional original da família gradualmente vai dando lugar a maior elasticidade. A estrutura familiar inicial neuroticamente estabilizada (homeostase negativa), é gradualmente substituída por uma nova organização. O processo estará completo quando os membros da família aprenderem a fazer suas próprias escolhas, livres de modelos rígidos, quando são capazes de lidar com facilidade com o imprevisível, quando o inesperado, em si, integrar-se ás suas regras. Quando comunicam seus sentimentos (positivo e negativo) suas necessidades e desejos. Quando se permitirem abrir seu sistema familiar ao desenvolvimento de relacionamentos exteriores com outras pessoas, famílias e instituições. Quando solucionam de maneira mais construtiva os inevitáveis conflitos do cotidiano reconhecendo que crescimento muitas vezes pode ser potencializado precisamente nos pontos de estresse. Em última análise, trazer saúde para a família é um processo que deve redundar na diferenciação de cada um. 24 A saúde depende como estamos nos relacionando com o objeto, se de formar obsessiva, narcísica, persecutória, perversa, pois é no grupo que somos ameaçados, afinal todo sujeito depende do outro, vive delírios psicóticos em menor ou maior grau. É, pois a família, o centro estratégico para se compreender as tramas e distúrbios emocionais bem como para intervir naquelas forças psíquicas das suas reações que tem a ver com a saúde e a patologia. Em outras palavras, o grupo familiar pode gerar ou desestruturar a saúde mental tendo esse poder na medida em que influencia cada aspecto do desenvolvimento humano e suas reações. Uma vez que a família funciona como organismo vivo, sistemas e subsistemas, como ente social com redes concatenadas de pessoas formando um ego grupal, e nada mais. 7 ANOREXIA NERVOSA E RELAÇÕES FAMILIARES DISFUNCIONAIS A partir do final da década de 40 houve, então, uma proliferação de hipóteses sobre as relações dos pacientes anoréxicos e suas famílias. Nesta época, o meio científico foi dominado por explicações psicanalíticas para a anorexia. Os estudos passaram a focalizar o sintoma mais característico e dramático que é a negação de comer, com ênfase em componentes orais, como o desejo e temor de incorporar ou "engolir” a mãe, além do medo da filha de ser fecundada oralmente pelo pai (Goldbloom & Garfinkel, 1992). Segundo Bruch, a amenorreia, neste período, era compreendida como a negação da genitalidade, repercutida através das fantasias de gravidez (Bruch, 1973). Já a dieta extrema era interpretada como uma evitação simbólica da sexualidade, visto que a inanição pode retardar desenvolvimento das características corporais da puberdade e inibir o desejo sexual (Holmes, 1997). Na medida em que o número de casos aumentava, médicos e psicólogos se sentiam frustrados frente aos inúmeros fracassos dos tratamentos e à dificuldade de compreender os dinamismos desta complexa enfermidade mental. Buscavam, então, investigar alguns aspectos importantes da doença, como as distorções na percepção corporal, hiperatividade, perfeccionismo e vínculos familiares intrincados (Kaplan, 1992). 25 Os estudos sobre o desenvolvimento da anorexia e sua conexão com as relações familiares disfuncionais foram intensificados quando os psicólogos passaram a se familiarizar com a questão da separação-individuação de Mahler (1974). A menina anoréxica, nesta concepção, ao ingressar na puberdade não possuiria elementos para separar-se adequadamente da mãe, pois não teria resolvido satisfatoriamente a primeira etapa da separação-individuação. A simbiose da primeira infância teria se mantido latente. Buscaria, então, restaurar a unidade com a figura materna, ocasionando uma detenção do desenvolvimento normal da puberdade. Baseada nessas concepções, Bruch (1973) considera a personalidade pré- mórbida como um dos fatores etiológicos importantes do transtorno e enfatiza uma estruturação familiar inadequada. Ela aponta, nas anoréxicas, uma "sensação paralisante de ineficácia", atribuída à incapacidade dos pais em favorecer a autonomia e a expressão de si mesmo às filhas. As adolescentes são sempre lembradas como crianças perfeitas, que nunca enfrentaram os pais e com aparência de serem especialmente dotadas. Com o passar dos anos, se tornam especialistas em satisfazer os desejos parentais. Desta forma, essas meninas não são preparadas para a separação e individualização,de tarefas típicas da adolescência. A anorexia representa, segundo a autora, uma busca desesperada de tomar possessão do próprio corpo e da identidade, bem como uma tentativa de domínio de quem se sente bastante desamparada. Neste sentido, Falceto e colaboradores (1993) descrevem que, diante da impossibilidade de conquistar a autonomia, essas jovens se definem e ganham espaço dentro de suas famílias através da recusa em alimentar-se. Segundo Bruch, também destaca outros aspectos importantes da enfermidade, como um transtorno da imagem corporal, um defeito na interpretação dos estímulos corporais (como os sinais de necessidade nutricional), além de figuras parentais muito controladoras e intrusivas, (Bruch 1973). O funcionamento familiar é resistente a mudanças notáveis, gerando uma elevação progressiva da preocupação, ansiedade, irritação e mágoa e provocando constantemente novos problemas. Devido a essa dificuldade de separação e autonomia, os transtornos de alimentação em adolescentes podem ser considerados como uma defesa contra o 26 evento primordial desta etapa do desenvolvimento: mudança. Mudar pode representar a perda ou ameaça da segurança e proteção experimentadas somente dentro do ambiente familiar. O sintoma de recusa da alimentação pode ser entendido como uma forma de o adolescente manter sua identidade infantil, visto que o papel de paciente fortalece ainda mais seus laços de dependência com os pais, evitando, assim, uma separação ativa da família (Onnis, 1994). Neste sentido, segundo Abuchaim, Somenzi e Duchesne (1998), a anorexia vem servir ou funcionar como uma espécie de padrão de contenção psicológica para manter a homeostase adquirida, com o objetivo de preservar um estado psicológico frágil. A natureza do transtorno visa à autopreservação, embora suas consequências sejam auto- destrutivas. Paradoxalmente, a negação de comer consiste em uma tentativa desesperada de individuação, que se apresenta sob a forma de um "protesto mudo" e visa também à introdução de conflitos em famílias que evitam qualquer situação que ameace o status quo do sistema (Onnis, 1994). Nesta mesma linha, a anorexia nervosa pode ser compreendida como uma resposta à tensão social e ao temor à definição sexual gerada pelas mudanças físicas da puberdade, o que conduz a uma evitação fóbica dos alimentos (Crisp, 1980). Alguns traços de personalidade típicos de meninas anoréxicas são descritos por Hercovici e Bay (1997), como grande necessidade de aprovação externa e falta de respostas às necessidades internas, conformismo, perfeccionismo e escrupulosidade. Tais características correspondem a indivíduos com expectativas pessoais elevadas e com extrema necessidade de agradar e satisfazer os desejos dos outros. Segundo Falceto e colaboradores (1993), é característico que os pais considerem que suas filhas sempre foram exemplares, estudantes-modelo, dóceis e colaboradoras até a instalação da enfermidade. Nunes e Ramos (1998) concordam com tais afirmações alegando que as anoréxicas são vistas por suas famílias como ótimas filhas, meigas e obedientes. Baseadas em sua experiência clínica, Fasolo e Diniz (1998) também percebem as figuras parentais de adolescentes com anorexia como muito exigentes e possuidoras 27 de altas expectativas em relação às filhas, esperando que sejam passivas, carinhosas e que correspondam ao padrão estético vigente. Os pais referem-se às meninas como inteligentes e bem-sucedidas, não compreendendo como podem ter desenvolvido sintomas tão graves. Apresentam-se, também, muito confusos e tomados por um sentimento de culpa e fracasso que os paralisa, não permitindo que reajam frente à doença da filha. Para Selvini Palazzoli, Cirillo, Selvini e Sorrentino, (1998), o sintoma anoréxico só pode surgir da confluência de uma série de fatores, reagrupados em duas categorias fundamentais: fatores específicos da cultura ocidental e modalidade organizacional- evolutiva das interações na família. Nos países em que a comida é abundante e até mesmo imposta existe, paradoxalmente, uma imposição da magreza como ideal de beleza. Em relação à modalidade interacional típica, os autores enfatizam um subsistema parental confuso, com provocações mútuas contínuas, as quais impossibilitam a solução dos problemas e nas quais a filha desde pequena é envolvida. As exigências que cada uma das figuras parentais faz aos filhos são opostas. No subsistema conjugal, a configuração mais comum é a do marido passivo, silencioso, que aceita tudo e aparenta ser incapaz de impedir os comportamentos invasivos, irritantes e controladores da esposa. Menos frequente é o caso do pai centralizador e autoritário. Neste caso, a esposa assume o papel de se apresentar ou ser percebida como vítima, mas uma vítima provocadora na medida em que protesta contra a cruz que carrega e reivindica seus direitos de mulher, apelando para o marido os deveres de um bom pai. A partir de sua prática clínica, Selvini Palazzoli (1990) desenvolveu um modelo sistêmico de tratamento, chamado de comunicacional, e agrupou algumas características típicas de famílias anoréxicas: Comunicação: As famílias possuem uma boa capacidade de comunicação, de focalizar a atenção e desenvolver temas complexos. Geralmente conseguem expressar suas ideias tanto em nível verbal quanto não-verbal, mas a dificuldade está em poder ouvir e aceitar as opiniões dos outros 28 membros. Cada um quer impor as suas regras na relação, não havendo, assim, uma sintonia comunicacional. Liderança: O sistema parental é confuso, devido à incapacidade dos pais em assumir a liderança na família. Não existem normas e limites claros, pois a mensagem que circula é de que os atos devem ser realizados em consideração às exigências de um terceiro. Assim, o espaço para os desejos individuais também fica muito reduzido. Alianças: As famílias anoréxicas apresentam alianças encobertas e negadas entre seus membros. O maior problema reside no fato de que a filha sintomática encontra-se triangulada com seus pais, satisfazendo secretamente os desejos e carências de cada um em relação ao seu cônjuge. Subsistema parental: Este parece ser o subsistema mais prejudicado e empobrecido em termos afetivos e sexuais. Os pais possuem relacionamentos muito insatisfatórios. A desilusão é mútua, mas a incapacidade de assumir os conflitos e a necessidade de manter a aparência de um casal ideal impede a promoção de mudanças significativas. É interessante salientar que, apesar dessas trocas afetivas pobres nos subsistemas parentais das famílias anoréxicas, um estudo conduzido por Martinez- Gonzalez e colaboradores (2003) indica que qualquer status marital que não o de "pais casados" é um fator de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares na adolescência. Outro modelo desenvolvido para a compreensão e tratamento da anorexia, denominado "Sistêmico Estrutural", foi criado por Salvador Minuchin (1978). O autor preocupa-se em compreender a história familiar pregressa e seu funcionamento atual, com o objetivo de verificar a importância das interações disfuncionais na manutenção dos sintomas. Para ele, o desenvolvimento de uma doença psicossomática está relacionado a três aspectos: um tipo específico de funcionamento e organização familiar, envolvimento do filho nos conflitos parentais e vulnerabilidade fisiológica (Minuchin, apud Rosman & Baker, 1978). 29 Neste modelo, as famílias anoréxicas são consideradas famílias psicossomáticas, caracterizadas, fundamentalmente, pela falta de definições de limites, por fronteiras difusas, tendência a apoiar a expressão somática dos conflitos e tensões psicológicas como meio de proteger a lealdade e bem-estar familiar (Minuchin, 1982). Segundo o autor, sistemas familiares que apresentam como queixa umaenfermidade psicossomática de um dos membros são caracterizados por uma ênfase excessiva nos papéis de cuidado, funcionando melhor quando alguém está doente. Esses sistemas são percebidos socialmente como uma família típica, muitas vezes dando ideia de um funcionamento ideal (Minuchin & Fishman, 1984). As características relacionais típicas dessas famílias psicossomáticas estão descritas a seguir: Famílias aglutinadas: São aquelas cujos membros estão extremamente envolvidos uns com os outros. Neste tipo de família, mudanças em um dos membros ou no relacionamento entre dois deles repercutem em todo o sistema. Os diálogos tornam- se rapidamente difusos, pela interrupção de um ou mais membros. A um nível individual, a diferenciação interpessoal num sistema aglutinado é extremamente pobre. O indivíduo perde-se no sistema. Os membros da família intrometem – se nos sentimentos e pensamentos do outro, existe excessiva união e partilha, o que leva à ausência de privacidade, os membros de uma família aglutinada desenvolvem identidade grupal e possuem, portanto, uma percepção indiferenciada do outro e de si mesmos. Sendo assim refere a extremas formas de proximidade e intensidade nas interações familiares. Tem implicações em todos os níveis: indivíduo, família e subsistemas. Em uma família totalmente enredada, as mudanças em um membro ou entre dois membros reverberam para os membros da família e pode bloquear a comunicação de um terceiro com o todo da família. Os limites subsistêmicos em famílias enredadas são pobremente diferenciados e frágeis. O aglutinamento ou emaranhamento é representado por uma proximidade interacional intensa entre os membros da família. As fronteiras são difusas e há um empobrecimento das percepções de si mesmo e dos outros membros. 30 A superproteção: A superproteção das famílias psicossomáticas mostra – se no alto grau de preocupação que estes têm com o bem-estar dos outros. Respostas estão sempre sendo pedidas. Os membros da família são hipersentivos a sinais de tensão como queixas e aproximações de perigosos níveis de tensões ou conflitos. As famílias relacionada com a superproteção dos pais retarda o desenvolvimento das criança , a autonomia , a competência e os interesses fora da família. A criança, por sua vez, principalmente se ela é uma criança psicossomática, sente grande responsabilidade em proteger a família. Para ela a experiência de proteger a família, usando seus sintomas, pode ser um reforço maior para a sua cabeça (tirania infantil). Sendo assim a superproteção refere-se a uma preocupação exagerada com o bem-estar de todos os membros. Á medida que interagem, as respostas de cuidado e proteção surgem continuamente, interferindo assim, no desenvolvimento natural da autonomia e no reconhecimento e expressão de outros interesses fora do ambiente familiar protetor. As famílias rígidas: As famílias rígidas são altamente comprometidas em manter o statu quo. Em fases em que a mudança e o crescimento são necessários, elas experimentam grandes dificuldades. Por exemplo, em fases em que uma criança ganha a adolescência, sua família pode mudar seus papéis e regras transiocionais de um modo tal que não permita uma autonomia apropriada á idade, embora ainda preservando uma continuidade familiar. Mais uma família de uma criança psicossomática doente insiste em reter os métodos costumeiros de interação. Se a família não muda , há um acréscimo de rigidez , tal sistema pode se tornar patológico , os membros do sistema não mais se experimentam como apoiadores. Forma – se uma jaula , a exploração das alternativas é diminuída e bloqueada. Então a rigidez diz respeito a necessidade de manter o status quo e a harmonia familiar estabelecida. Há uma grande resistência ás mudanças características da adolescência. Permanece, então, o mesmo funcionamento de quando os filhos ainda estavam na infância, o qual, com a chegada da puberdade, torna- se disfuncional. Para este tipo de família, um filho doente pode servir como desculpa legítima para permanência da união. 31 As familías que tedem as mudanças (conflitos): Assim tais como as trocas sobre autonomias individuais , não se permitem vir á superfície, quando as mundanças estão sendo negociadas. Mesmo quando vêm á terapia , essas famílias se dizem sempre sem problemas , a não ser pelo fato de abrigar um membo enfermo. Tais famílias são altamente vulneráveis a eventos externos , tais como mudança ocupacional e a perda de um parente. Quase todos os eventos externos podem sobrecarregar seus mecanismos de copying disfuncionais , provocando doença. A rigidez e a superproteção das famílias psicossomáticas , combinadas com as constantes invasões mútuas características dos padrões de enredamento , tornam os limiares de conflitos destas famílias muito baixos. Usualmente um código religioso ou ético muito rudimentar é usado como uma forma racional de evitar conflitos. Como um resultado , os problemas ficam não resolvidos , tende a ameaçar sempre . Baixa tolerância: Outra característica é a baixa tolerância e a falta de resolução de conflitos, resultantes do aglutinamento, superproteção e rigidez. A estrutura familiar é extremamente inflexível na resolução de problemas. Não há possibilidade de negociação, o que contribui para o surgimento de sintomas em membros mais fragilizados. Paciente identificado: A participação do paciente identificado nos conflitos parentais é referente à tendência de evitar os problemas através da formação de uma tríade com o filho sintomático. A doença do adolescente funciona como reguladora e mantenedora do funcionamento familiar (Minuchin, Rosman & Baker, 1978). Contiamente ativando os circuitos de avoidance: cada estrutura idiossincrática de uma família psicossomática funciona em termos de evitar conflito. Geralmente uma esposa é uma (avoider-evitar) , quando o não-avoider busca áreas de diferenciação, o avoider consegue o desvio (detour-devedor) da confrontação impedindo a discussão e reconhecimento da situação (ou a sua solução). 32 Muitas famílias psicossomáticas negam a existência de tais problemas, elas acham que não necessitam de discórdias e que são altamente investidas em consenso e harmonia. Outras famílias psicossomáticas discordam abertamente , as frequentes interrupções e temas individuais obscurecem qualquer assunto antes que este possa aparecer. os membros da família se mobilizam rapidamente para manter um limiar manuseável de conflito, eles adquirem este controle através de posições divididas ou manobras de distração. Se as famílias com crianças psicossomáticas doente evitam ou diluem os temas , uma incapacidade para confrontar diferenças ou negociar uma resolução é então característica de todas as famílias. As famílias normais são capazes de discordar. Estas são as estruturas gerais e características funcionais que identificamos como típicas destas famílias com uma criança enferma. Entretanto , enquanto elas são descritivas de um contexto familiar indutor de estresse apara uma criança vulnerável , a indentificção destas características sozinhas não nos move de uma explicação linear para uma sistêmica. Foi a observação da circularidade do feedback que necessitou uma nova ordem de explicação. Observando de um ponto de vista transacional , o sistema do paciente adquire uma nova signficação como um fator regulador do sistema familiar. Mais especificamente, torna – se aparente que o fator principal suportando o sintoma familiar é o envolvimento da criança no conflito parental. Este fator , então , é mais uma característica da família psicossomática. Dentro do conterxto de uma família psicossomática a criança é envolvida nos conflitos parentais de muitos modos. Os pais são incapazes de lidar uns com outros em união para cuidarda doença dos filhos, evitando conflitos por protetores detour-devedor. Ou um conflito conjugal é transformado em parental , apesar do paciente e do seu manjo. Em tais familías as crianças são recrutadas , tomando partidos pelos pais ou se introduzem elas mesmas como mediadoras ou apoiadoras. Há três padrões: triangulação , coalizão pai –filho e desvio: Nos dois primeiros padrões , os pais estão francamente separados ou em conflito e a criança só pode expressar – se tomando partido de um pai contra o outro. 33 Frases que impõem uma escolha são usadas com este fim. Na colizão pai – criança ela tem uma ligação estável com um dos pais. No terceiro padrão: O desvio , a (díade-grupo de dois par), está ostensivamente unida. Os pais submergem seus conflitos numa postura de proteger ou lamentar o filho doente , o único problema da família. Em algumas famílias , os pais reivindicam que os filhos digam que eles são bons e que se preocupam com as familías. Os pais, por vezes vacilam entre o cuidar dos filhos e o fardo que estes representam , deixando de cuidar de si mesmos. Estes padrões não são classificações , são sequências transicionais , em resposta a conflitos familiares. Tais sequências estão dentro dos métodos que uma família usa para lidar com conflitos. Todavia , as famílias normais , usam outros métodos de confrontação e negociação. As famílias psicossomáticas usam sequências mal – adaptativas sempre. Fasolo e Diniz (1998) conduziram um estudo com 11 famílias anoréxicas e constataram que toda a amostra podia ser incluída na descrição de Minuchin de famílias psicossomáticas. As famílias passavam a imagem de um convívio harmonioso, não expressando agressividade e hostilidade. As dificuldades de trazer os conflitos à tona, de reconhecer e resolver problemas também estavam presentes. Kaplan (1992) concorda que os vínculos familiares dos membros dessas famílias são emaranhados, embora elas se apresentem como normais, bem organizadas e harmônicas. Dois modelos distintos típicos das famílias anoréxicas: Famílias centrípetas: caracterizam-se por intensa coesão, expressão emocional pobre, falta de permissividade e pouca socialização. Famílias centrífugas: são aquelas em que existe pouca coesão, medo do abandono, dependência extrema, falta de controle e conflito conjugal. Esse alto nível de conflitos já existe antes do surgimento dos sintomas no membro anoréxico. Roijen (1992) diz que, baseado em sua prática clínica, considerava que existiam tipos variados de famílias com adolescentes anoréxicas, além de distintos níveis de organização e funcionamento. 34 Goldbloom e Garfinkel (1992) concordam que não é possível estabelecer um padrão único de relacionamento nessas famílias, nem mesmo uma tipologia familiar característica, mas sim um leque de fatores de risco que podem predispor o desenvolvimento do transtorno. Nunes e Ramos (1998) também acreditam na inexistência de uma família tipicamente anoréxica, mas postulam que alguns padrões específicos de relacionamento disfuncional podem ser identificados. Fonseca, Ireland e Resnick (2002) diz que sobre as famílias com anorexias, para os meninos, os fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares incluíram muita supervisão ou monitoramento parental e história de abuso sexual. Já os fatores de proteção encontrados foram o reconhecimento de expectativas parentais, presença materna e conexão com pares e adultos. Para as meninas, o fator de risco significativo foi a ocorrência de abuso sexual e os fatores considerados protetivos foram a conexão familiar, comunicação familiar positiva, supervisão parental e presença materna. 7.1 Estratégias de mudança Quando uma família anoréxica vem à terapia, os parentes do paciente quase invariavelmente veem a si mesmos como acompanhantes. No ponto de vista deles, alguma coisa muito “ terrivelmente” errada aconteceu com a criança. Eles esperam que o terapeuta trabalhe com ela, acreditando que uma cura será possível, fazendo a criança retornar feliz à sua família. Na anorexia é natural que a família siga o modelo linear de pensar sobre essa doença. Como eles veem, por exemplo: a garota se tornou obsessiva quanto ao comer, e os pais não podem ajuda – lá. Eles têm passado por um longo período de tentativas de lidar com o problema e têm se convencido de que eles não podem resolver isso. Eles tentam tudo o que podem fazer: ralhando, bajulando e subornando. Tudo e, no entanto, tudo falha. Quando a família entra na terapia os pais e o anorético podem estar lutando contra a recusa da criança em comer, ou os pais podem desistir inteiramente disso. 35 O membro da família amiúde com frequência têm uma conduta de insistir que não há razões para a criança agir desse modo. Em alguns casos, eles podem oferecer uma variedade de dados históricos, indicando acontecimentos externos à família normal, feliz. O mais efetivo modo de mudar o sintoma é mudar os padrões que o mantêm. O “gol” da terapia não é mudar o indivíduo, mas o sistema familiar funcional em que se podem encontrar as necessidades de todos os seus membros por autonomia e suporte. 7.2 Modificando a rigidez A rigidez da família anoréxica não é a rigidez de uma pedra, mas a rigidez de uma maré e de um fluxo de água. A dificuldade do terapeuta é que, quando ele empurra, a família se move. Ele então repetidamente tem a ilusão de fazer uma marca na estrutura familiar somente para encontrar aquilo que tem sido arrastado além da praia. O terapeuta deve, portanto, ser cauteloso diante da família que parece aceitar suas intervenções terapêuticas. Ele deve “ colocar um pé atrás” para não se sentir traído e, portanto, enraivecido com a família. A família tem a habilidade de convencer o terapeuta de que ele está tentando, mas que a mudança é impossível. Isto pode resultar na aceitação pelo terapeuta da imagem da família e de sua falta de cooperatividade e daí o desespero e o tomar para si toda a responsabilidade pela mudança. Nesse ponto o terapeuta se encontrará utilizando com os anoréticos os mecanismos que os pais já usaram, e ele falhará. Por causa da qualidade parasitária da família, sutis interpretações de um único sentido não são úteis. O problema de trabalhar com a família anorética é o de adquirir intensidade. Embora haja a intensidade das mensagens do terapeuta, o terapeuta deve aumentar a sua intensidade até fazer o impacto para esta família. A repetição da mensagem é um meio de dar intensidade, ela pode ser incrementada aumentando – se o tempo em que os membros de uma família estão numa situação conflitiva. 36 A criação de limites sem limites e dramas ou rituais adjetivos são igualmente relacionados a uma necessidade para elevar a “ intensidade” em famílias rígidas. É importante para o terapeuta perceber que as palavras transmitem somente como algo passageiro é como se fosse de curta duração para a família anorética. A representação da matéria e o desenvolvimento de temas concretos e de tarefas claramente diferenciadas são muito mais efetivos. Para combater o enredamento, a superproteção, o conflito (avoidance, evitar) e a rigidez, pede que um terapeuta seja capaz de trabalhar em momentos altamente afetivos, que possa criar e estar confortável em momentos de intensidade dramática e que possa manter sua intensidade sem ser “ arrancado” em sua “ ajuda”, por meio disso, diluindo a intensidade. A tarefa requer um terapeuta que possa se sentir confortável, aliando- se a um membro da família contra o outro, sendo eticamente injusto terapeuticamente correto. As matérias de ética e moralidade são importantes, mas elas devem diminuir, ou prejudicar o processo de cura. 7.3 Modificando as evitações de conflitos As evitações de conflito da família anorética não devem ser confundidascom harmonia. Clínicos têm identificado luta e conflitos como patológicos, e terapeutas estão acostumados a reconhecer seus efeitos doentios. Desafiando a facada gentil das pessoas que parecem não estar em conflito, elas parecem destrutivas para os seus respectivos terapeutas. Contudo, as transações evitadoras de conflitos da família anorética são parte de padrões patogênicos que mantêm o sintoma e estão entre as disfunções mais resistentes nas características destas famílias. Em famílias anoréticas o terapeuta é frequentemente convidado a tomar posição de árbitro ou juiz, porque os membros em conflito tendem a usa- ló do mesmo modo que eles usam outros membros da família para dissolver conflitos. É importante para o terapeuta resistir a tais demandas, participando somente para aumentar ou manter a intensidade do conflito. 37 7.4 Mudando o enredamento As operações que desafiam o enredamento caem em três categorias: Suportar o espaço individual vital, Suportar a definição do subsistema; Manter a organização hierárquica do sistema familiar. A qualidade do enredamento é usualmente apresentada pela família anorética desde que eles se vejam como sendo leais, protetores, responsáveis e responsivos, o que, com efeito, são. O terapeuta pode encontrar meios de suportar a individuação e de desafiar o enredamento, mas ele pode ajudar se fizer isso sem desafiar o valor da família unida. O terapeuta pode também sublinhar o direito de cada indivíduo e não somente o da criança anorética, de ter e defender seu próprio espaço psicológico. Desta maneira, os terapeutas geralmente insistem para que todos os membros da família falem por si mesmos. Ele impede que um membro da família explique como o outro sente e pensa. Dois membros da família não podem discutir sobre um terceiro membro sem participação pessoal deste. O encorajamento do terapeuta para cada indivíduo de falar e dar seu ponto de vista reforça o direito ás operações individuais e tende a aumentar a diferenciação. Do mesmo modo, o terapeuta pode encorajar um membro da família a não falar dos territórios dos quais qualquer indivíduo tem direito a guardar em segredo., Se um membro da familia começa a chorar , o terapeuta pode encorajá – lo , porém deve bloquear a tentativa de outros membros da familia tornarem – se suportivos.O direito á individuação pode também ser acentuado por meios não verbais tais como usar o espaço e a representação. O terapeuta pode criar modificações especiais, separando as cadeiras movendo um membro da família como se prevenisse um contágio verbal ou sentando ele mesmo entre dois menbros da família que habitualmente se obstaculizem uns com os outros. O terapeuta pode usar suas mãos como um guarda de trânsito para criar uma impressão física de separação. 38 Essas operações são necessárias ao longo da terapia, os membros da família são consistentemente alertados para o fato de que eles não podem dizer “nós” sem primeiro checar um ao outro, não podem falar pelo outro, revelar a história de outro, terminar a frase de alguém. Com frequência o terapeuta pode rastrear o conteúdo da comunicação familiar para encontrar uma metáfora que comunica a sua carência de diferenciação. Essa é uma família em que não se pode fechar as portas. Nessa família, todo mundo observa todo mundo. Essa é uma família sem sinais de trânsito. ” Se o terapeuta for consistente, os membros da família tornar – se autoconscientes de suas manobras intrusivas, e a separação torna – se marcada como uma operação para a saúde. O terapeuta deve encontrar meios de bloquear a intrusão e realçar o desejo de ter claros limites, mas sem ficar envolvido no conteúdo, na situação. O terapeuta deve dizer ao intruso: “ Você perguntou se eles querem a sua participação? Ele pode dizer à díade: Vocês pediram ajuda? Ou ele pode ser mais específico: “ Isso é uma matéria que concerne a seus pais, não a vocês. ” Deixe as suas crianças trabalharem por elas mesmas. ” A criança necessita de oportunidades para aprender a acomodar – se a posições quando ela tem pouco poder e a atuar autonomamente em situações de mais poder. O terapeuta diz que os sistemas sociais humanos e vivos já são em si organizados hierarquicamente. Faz sentido para a criança aprender como negociar e a acomodar em situações hierarquicamente inferiores. 7.5 Sintetizando O uso de uma criança anorética para difundir estresse na família é parte de características de enredamento da família. Membros da família utiliza frequentemente uns aos outros para difundir estresse e para manter pseudo-harmonia. Entretanto, a criança anorética tem uma posição especial na família, desde antes do desenvolvimento da síndrome anorética. 39 A síndrome foi incorporada em settings transacionais já existentes, mas o papel da criança conduz a privilégios especiais dos quais ela não quer desistir. Entretanto, a anorexia é desenvolvida por ambos os pais e a criança responde. Ela pode ser altamente resistente ás tentativas do terapeuta de criar mudanças. O terapeuta usa duas diferentes modalidades para aumentar a força dos limites entre os pais e a criança. Algumas vezes ele usa sua autoridade dentro do sistema terapêutico para bloquear as manobras intrusivas de pais e filhos e isso requer um terapeuta que funcione como diretor, trabalhando a uma certa distância da família. Em outras vezes, o terapeuta usa a si mesmo, num estilo próximo do que caracteriza a família, afiliando e interagindo em coalizões contra alguns membros que embalançam o sistema familiar. No processo de proteção (proteger um membro da família triangular), o terapeuta pode afiliar – se com ele muito estreitamente. Os trianguladores podem ser desafiados, mas eles também devem ser apoiados. O terapeuta tem que trabalhar com ambos os lados, afiliando – se simultaneamente com todos os membros da família de tal modo que eles se sintam respeitados, ouvidos e afirmados. Essas famílias parecem inteiramente normais, família típica. Seus membros são bons vizinhos. Não reclame com ninguém este tipo de família é distinguido pela lealdade e proteção que prevalece nele, em suma, é a família ideal. Um dos problemas com os quais o terapeuta tropeça nessas famílias é apenas seu personagem agradável. Seus membros parecem ansiosos sobre responder o terapeuta que pode acreditar que eles cooperam com ele, apenas sentindo-se novamente desapontado pelos problemas que o opõem, bem como a facilidade com que o absorvem nas dobras sua política de paz a qualquer preço. 7.6 A terapia familiar no tratamento de transtornos alimentares A teoria sistêmica está fundamentada no fato de que o homem não é um ser isolado, ele é ativo e reativo nos grupos sociais aos quais pertence (Minuchin, 1982). Ainda segundo o autor, o homem influencia e é influenciado pelo contexto em que vive. Assim pode-se presumir que os sintomas dos TAs (Transtornos alimentares) são influenciados pelo ambiente no qual os indivíduos estão inseridos. 40 Jaeger, Seminiotti e Falceto (2011) observou que os mecanismos de controle estão sempre presentes nesses transtornos, e contaminam todos os membros da família. Primeiramente há o controle dos pacientes sobre o seu próprio corpo, sobre as calorias, alimentos e líquidos ingeridos, e o controle do seu peso através de comportamentos purgativos e ou a realização excessiva de exercícios. A partir de um momento os papéis se invertem, e eles passam a ser controlados por esses comportamentos. O pensamento passa a ter características obsessivas e a vida dos pacientes passa a girar em torno da conduta alimentar. Segundo Dorfman e Rossato, essas atitudes afetam todos os membros da família, que também passam a ser controlados pela doença, ou seja, os familiares, por mais que sejam superprotetores,
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