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1988_A Burguesia no Brasil, da sombra para a luz

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
CURSO DE_PÓS-GRADUAÇÀO EM HISTÓRIA
A Burguesia no brasil: da sombra para a luz
* Sandra Jatahy Pesavento
Novembro 1988N2 02
CADERNOS DE ESTUDO
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PORTO ALEGRE
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A BURGUESIA NO BRASIL: da sombra para a luz
* Sandra Jatahy Pesavento
N2 02 Novembro 1988
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
* Professora do CPG em História da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul
Doutora em História pela Universidade de São Paulo
A Burguesia no Brasil: da sombra para a luz
Sandra Jatahy Pesavento
A preocupação com a análise dos grupos sociais, sua
constituição, formas de ação e pensamento, data objetivamente do sé
culo XIX.
De uma certa forma, esta preocupação foi um dos elemen
tos que identificaram a renovação do pensamento europeu ocidental
nas suas diferentes tendências.
Os dados das condições históricas objetivas de então -
consolidação da grande indústria, triunfo da burguesia, contestação
operária, avanços das ciências naturais e exatas - fizeram com que,
no campo humanístico, se formassem dois grandes blocos de pensamento,
legitimadores ou negadores da nova ordem capitalista e burguesa que
se instalava.
No bojo deste processo, a burguesia enquanto agente pil
vilegiado daquela ordem emergente tornou-se objeto de análise e re
flexão .
Einbora padecendo do viés evolucionista que marcou as
correntes de pensamento européias do século passado, influenciadas
pelos avanços da técnica e pelas profundas transformações sociais
que o mundo atravessava, cabe sem dúvida a Marx e Engels^ o mérito
de terem contribuído decisivamente para o estudo da burguesia como
classe social.
Os autores partem do pressuposto de que, sendo o capi-
tal uma relação social, a identificação da burguesia cano um dos agen
tes deste processo não pode ser desvinculada da análise da sua contra
partida direta - os trabalhadores. Desta forma, tanto Marx quanto
Engels enfocaram a burguesia em suas análises através dos mecanismos
coercitivos e exploratórios que dão margem, por um lado, à concentra
ção da propriedade dos meios de produção e, por outro, à exploração
dos trabalhadores.
Na posição dos fundadores do materialismo histórico, a
burguesia, como classe triunfante, moldou o mundo à sua "imagem e se
melhança" e se fez valer dos instrumentos jurídico-legais a seu alcan
ce para consolidar a sua dominação. Perpassados, contudo, por uma cer
ta concepção finalista da história, afinnam este danínio como passa
geiro, ameaçado pelas novas forças sociais proletárias em avanço.
Da parte das correntes afirmadoras e legitimadoras do ca
2
pitalismo e da ordem burguesa, Comte identificava o empresário indus
trial como um dos elementos constitutivos do grupo no poder na nova
ordem positiva. Segundo Comte, a ordem social fundamentava-se na or
dem intelectual. O grupo no poder, que detinha o conhecimento teóri
co, era o mais habilitado para proporcionar condições ao progresso e-
conômico almejado. Na prática, este grupo desdobra-se em dois; os ̂
presários industriais e a elite de sábios, aos quais ficam afetas as
tarefas de garantir a ordem e assegurar o progresso, cada qual na sua
instância. A questão, contudo, vai mais além: Comte considera o em
presário como "homo oeconomicus", que no mundo da produção é o respon
sável pelo progresso e, no seu espaço de ação, à sua maneira, deve
também garantir a ordem, suplantando o conflito com o trabalho. O go
vernante é, por seu turno, o "homo politicus", que orienta, guia e ad
ministra em consonância com os interesses da esfera privada. Embora
correspondendo a correntes opostas de pensamento, a nível de teoria
do conhecimento, e a propósitos políticos sociais (condenar ou legiti
mar a ordem burguesa), ambas as correntes encaram o empresariado en
quanto grupo distinto da sociedade e agente de um processo era curso.
No decorrer das primeiras décadas do século XX, a temá
tica da burguesia, como objeto de estudo e reflexão, enriqueceu-se com
novas contribuições trazidas mais uma vez por dois grandes blocos de
pensamento: uma corrente de conotação idealista, representada pelas
3contribuições de Maz Weber, Werner Sombart e Joseph Schumpeter , iden
tificados com a òrdem burguesa capitalista e uma vertente do pensamen
to marxista pós-Marx.
A identificação dos três primeiros autores citados como
idealistas decorre do fato de que os mesmos analisam a ação da burgue
sia a partir de determinadas características individuais de comporta
mento e que conduzem à configuração de um "espírito capitalista" típi
CO do mundo moderno. Tais autores analisam a burguesia como um agen
te social e não está ausente do seu universo teórico a concepção de
classe, mas a ênfase da análise se dirige para um conjunto de caracte
rísticas psíquicas e de comportamento. Nesta medida, se para Weber a
ciência é a ordenação conceituai da realidade empírica, as especula
ções teóricas da análise partem da constatação da constância e repeti
ção de certos rasgos individuais na ação de ura mesmo agente econômica
O conjunto destes traços individuais que se repetem dariam margem à
construção de um sujeito ou agente econômico imaginário, formado a par
tir de abstrações racionais sobre a realidade concreta. Desta forma,
ocorre a identificação de que só nas sociedades modernas se encontra
ria um espírito capitalista (um tipo ideal, segundo Weber), que sedes
dobraria num espírito de empresa, norteado pela cobiça e pela aventura
e por um espírito burguês, identificado com a prudência, o cálculo, a
parcimônia, a ponderação racional (segundo Sombart).
Na sua perspectiva de análise da burguesia, as propos
tas de Weber e Sombart aproximam-se muito do enfoque schumpeteriano
do empresário inovador e ousado, portador de uma capacidade de geren
ciamento da empresa e de um tino para o lucro e para a inovação. Na
verdade, para Schumpeter, o empreendedor não corresponderia exatamen
te a uma classe ou grupo nem a uma determinada posição ocupada pelos
indivíduos na empresa, mas sim a um "tipo especial" de pessoas porta
doras de determinadas qualidades, com funções praticamente demiúrgi-
cas.
Quanto às contribuições marxistas pós-Marx e Engels, ca
beria destacar aquelas que, no nosso entender, representaram um avan
ço na própria construção do marxismo enquanto ciência e um aprofunda
mento na análise da questão burguesa. Nesta linha de raciocínio, a
ênfase incidiria sobre as correntes de pensamento marxistas que se po
sicionaram como uma reação ao economicismo e mecanicismo da vertente
marxista-leninista, ao etapismo e à preocupação teleológica do viés
stalinista ou, ainda, á sofisticação conceituai e ao repúdio ao empi
rismo que caracterizaram a corrente althusseriana.
Desta forma, caberia destacar as contribuições que, em
momentos históricos diferenciados, têm para o estudo da burguesia a
"Escola de Frankfurt", representada por Marx Horkheimer e Georg
Luckács, a obra do pensador italiano Antonio Gramsci, os historiado
res marxistas ingleses (Thompson, Hobsbawn) e os estudos do chamado
4
"grupo de Leipzig".
Após os pressupostos iniciais sobre o tema enunciados
por Marx e Engels e a conceituação fixada por Lenin para as classes so
ciais a partir do seu lugar no mundo da produção, as contribuições po£
teriores do marxismo para o estudo da burguesia tenderam a deslocar-se
do plano estático conceituai para a dinâmica das práticas sociais e
das formas de pensamento burguês. Desta forma, Horkheimer enfatiza a .
contribuição de Maquiavel para o entendimento das formas de dominação
de um grupo sobre os demais e das técnicas empregadas pelo mesmo para
atingir e perpetuar-se no poder político. A partir de Maquiavel e da
identificação destas práticas, estruturar-se-ia toda uma forma burgue
sa de conceber o mundo e o processo histórico.
Por seu lado, Luckács, ao considerar a ideologia como
falsa consciência - socialmentenecessária e necessariamente falsa -,
aponta para a forma pela qual se estrutura o pensamento burguês, apo-
logètico da ordem e universalizador da auto-imagem de um grupo. Natu
ralmente, tais contribuições não devem ser consideradas, na retrospec
tiva que ora se faz, como passíveis de endosso na sua totalidade, nem
se pretende, com estas considerações em torno de um tema, esgotar o
pensamento dos autores. A intenção é dada pela indicação da abertura
de novas possibilidades de análise para a questão da burguesia, am
pliando o leque de estudo, tanto enquanto viés temático quanto especu
lação teórica.
Por seu lado, a obra de Antonio Gramsci é estimulante pe
Ia reflexão que propicia sobre as condições em que uma classe exerce a
sua dominação sobre as demais, estabelecendo a sua hegemonia não apenas
pela coerção, mas também pelo consenso. Esta é, talvez, uma das mais ricas
contribuições de Gramsci: o desvendar dos mecanismos pelos quais se
tece a supremacia política, cultural, intelectual e moral de um grupo
sobre a sociedade, através de práticas nem sempre tão explícitas como
as coercitivas, mas nem por isso menos eficazes. Cabe, portanto, a
Gramsci, descortinar, dentro do marxismo, as possibilidades teóricas
e práticas da análise da superestrutura enquanto espaço de manifesta
ção do agir e do pensar burguês.
Mais do que isso, Gramsci aponta para a importância da
análise das conjunturas como momento privilegiado para apreciar o con
fronto das forças sociais, ao mesmo tempo que resgata a importância
do estudo da história para a compreensão e a ação política no presen
te.
Marcados pela influência de Gramsci e pela reação ao dog
matismo escolástico de um certo marxismo, os historiadores ingleses
contribuíram decisivamente para o aprofundamento da análise das clas
ses sócias. Em absoluto se quer dizer que Thompson ou Hobsbawn tenham
tido a preocupação de estudar a burguesia como o elemento nuclear de
suas investigações. Todavia, éinegável que as suas contribuições, tan
to no campo teórico quanto no resultado de suas pesquisas empíricas,
dão um suporte fundamental a todo estudioso das relações de classe,
particularmente no terreno da história.
Segundo Thompson, "fazer história" implica permanente
diálogo entre conceito e dado empírico, realizando uma análise global
da sociedade, onde todas as atividades se relacionam. A classe so
cial, por sua vez, define-se no seu "acontecer histórico", operando co
mo uma categoria que se constrói empiricamente pela consciência de de
terminados comportamentos frente a certas situações. Neste caso, a
burguesia se definiria pela sua própria ação e comportamento classis-
ta e não apenas por uma definição estática, ao ocupar um lugar na es
trutura da produção. Na mesma linha, Hobsbawn avança na delimitação
conceituai da classe para além do mundo econômico propriamente dito,
entendendo que uma classe não pode ser analisada isoladamente das de
mais, do Estado, das instituições da sociedade civil e das idéias que
apresenta.
Por outro lado, se a consciência de classe é importante
para a delimitação conceituai de classe, como colocaram Luckács e Pou
5
lantzas ^ avançando sobre a definição leninista, Hobsbawn contra-argu
menta que mais importante que a delimitação de uma consciência seria
o comportamento classista, na experiência social dos grupos ao fazer
sua própria história. Em suma, retoma-se aqui mais uma vez a necessi
dade de recorrer à análise empírica para resgatar o movimento real das
classes a partir de um universo conceituai não-dogmático. Em síntese,
o marxismo é encarado como ciência em construção e permanente renova
ção. Naturalmente, o enfoque básico das investigações e análises dos
historiadores marxistas ingleses é o resgate da ação e do pensar da
classe operária, no seu cotidiano, na sua resistência à dominação bur
guesa e na produção de uma cultura. Todavia, sendo a classe uma cate
goria relacionai e realizando-se as relações interclassitas através
da seqüência dominação/subordinação/resistência, as contribuições da
queles autores são particularmente enriquecedores para o estudo da
dominação burguesa.
Da mesma forma, não podem deixar de ser consideradas co
mo estimulantes para o estudo da burguesia as reflexões de Michel Fou
6
cault sobre a dominação e as formas pelas quais o poder se pulveriza
para outras instâncias que não o Estado. Embora Foucault refira que
não está analisando a dominação de uma classe ou grupo sobre as demais,
a questão da burguesia sem dúvida alguma se enriqueceu com as suas con
tribuições.
Por outro lado, os historiadores do grupo de Leipzig, en
tre os quais o mais conhecido seja talvez Manfred Kossok, representam
uma corrente de renovação do marxismo nos países do leste, a qual tem
se dedicado aos estudos de história comparada sobre as revoluções bur
guesas.
Da mesma forma que as demais correntes não-ortodoxas, o
grupo de Leipzig parte dos dados concretos de realidades diferenciadas,
tendo como premissas certos dados gerais teóricos que presidem a invés
tigação. Portanto, mais uma vez a tendência é evitar reducionismos,
esquemas teoricos simplificadores ou formas conceituais que circunscre
vam a realidade a modelos pré-determinados Através da postura adota
da que valoriza a ação das classes sociais e as formas históricas con
cretas de dominação, enriquece-se a própria tarefa da história, abrin
do novas oportunidades para o estudo da burguesia.
Estabelecido um referencial teórico básico para o estudo
da burguesia, caberia analisar como este tema tem sido tratado no Bra-
f7
sil. Concorda-se com Chaui quando identifica que, por um longo tempo,
prevaleceu na história do Brasil uma visão que se definia pelo vazio e
pelos silêncios. Ou seja, o capitalismo que se desenvolvia no país era
atrasado e débil, a burguesia era fraca e não plenamente constituída,
sem projeto de classe universalizador que consubstanciasse a sua hege-r
moniaj o proletariado, por sua vez, era igualmente imaturo e não orga
nizado, a classe média amorfa, de contornos imprecisos. Frente a este
"vácuo" de atores sociais, marcado por um capitalismo "aleijado" e per
verso, emergia das interpretações, como a suprir lacunas e ausências,
a figura de um Estado forte, no papel de motor dos acontecimentos.
Ora, como refere com propriedade a autora, tratar-se-ia
de uma forma de perceber a realidade que se detém no "aparecer social",
tomando a aparência da realidade como se fosse a própria essência da
mesma. Mais ainda, tratar-se-ia de uma forma de perceber os fenômenos
sociais, políticos e econômicos que endossaria a auto-imagem universa
lizada da burguesia: o Estado paira acima da sociedade e é o represen
tante de todas as classes sociais; a burguesia se mantém afastada do
poder e a gerência do Estado cabe só aos políticos.
Considera-se que o endosso desta interpretação correspon
de, por um lado, a um viés ideológico, ou seja, representa a eficácia
da dominação burguesa através da universalização para a sociedade, co
mo senso comum, de uma imagem que lhe interessa. For outro lado, a
10
pennanência de tal visão se deve a uma tendência de generalizar in
terpretações de cunho sociológico para o Brasil sem embasamentos em
píricos apropriados. Em outras palavras; macrovisões são elaboradas
sem que haja o respaldo de uma pesquisa das condições históricas ob
jetivas e, particularmente, da ação dos atores sociais.
A rigor, o tema da burguesia no Brasil - sua origem, com
posição, desempenho econômico, papel político e ideologia - surgiu, co
mo especulação teórica e objeto de investigação, como um desdobrãmen
to dos estudos sobre o capitalismo latino-americano e brasileiro.
Como se sabe, tais preocupações foram, por sua vez, fru
tos dos esforços para pensar a especificidade da América Latina e do
Brasil.
Conjunturalmente, estas análises estruturaram-se duran
te a vigência desse modelo de desenvolvimento, sob o influxo da demo
cracia populista, mas, principalmente,a partir da falência do chana
do "nacional desenvolvimentismo".
Enquanto projeto de realização do capitalismo no país,
o modelo de desenvolvimento auto-sustentado objetivava a reformulação
da dependência estrutural do Brasil através da industrialização.
O pacto social que presidiu a viabilização deste proje
to foi dado pela burguesia e pelos trabalhadores sindicalizados atra
vés da ação de uma tecnoburocracia estatal que agilizava as medidas
necessárias. Politicamente, a composição burguesia-trabalhadores foi
levada a efeito sob a aliança PSD-PTB, com hegemonia deste última Con
tou também com o apoio das esquerdas (PCB), sob o influxo da III In
ternacional Comunista, que recomendava apoio aos projetos burgueses
de industrialização como forma de viabilizar a revolução socialista no
11
país.
Neste contexto, a questão da burguesia principiou a me
recer atenção no Brasil a partir das análises sobre os anos 30, mas
não enfatizando a ação classista do empresariado. O mesmo estaria,
por assim dizer, subsumido a uma visão que identicava 1930 como o mo
mento de realização da Revolução Burguesa no país, instalando a moder
nidade, a industrialização e o desenvolvimento, por oposição a um Bra
sil arcaico, agrário, não capitalista. Com gradações e viéses dife
renciados, estas conotações foram apresentadas tanto por autores cepa
linos 8identificados, a nível nacional, com a proposta da democracia
populista e/ou com a sua vanguarda intelectualizada, reunida no ISEB,
quanto por representantes da esquerda engajados na ótica do etapismo
stalinista^.
Implícita naquele processo, como ator nas sombras, esta
va a burguesia nacional.
Entretanto, foi com a falência do nacional desenvolvimen
tismo, no início da década de 60, que se propiciou um novo avanço de
reflexão sobre a realidade latino-americana e brasileira. Tratava-se
de pensar sobre as vicissitudes e potencialidades do desenvolvimento
do capitalismo no país, sob condições de dependência e, particularmen
te, sobre as forças sociais que presidiram aquele processo. No bojo
desta preocupação intelectual, emergiu o tema da participação burgue
sa enquanto classe com interesses próprios e a sua relação com o Esta
do.
A.burguesia brasileira principiava a sair da sombra pa
ra a luz, tornando-se, nas décadas de 60 e 70, objeto de investigação
e análise.
12
Como representante do marxismo stalinista e empenhado
em repensar a história do Brasil à luz do materialismo, Nelson Werneck
Sodré dedicou-se a um estudo alentado sobre a formação e desenvolvi
mento da burguesia no país, avaliando a sua participação nos princi
pais acontecimentos políticos da nação. Vinda à luz no governo Gou
lart, que revelava o dramático fracasso do modelo getuliaino de desen
volvimento e da sua contrapartida a nível político - a democracia po
10
pulista -, a obra de Sodre reflete as inquietações do momento .
Enquanto que em obras anteriores, no endosso das dire
trizes partidárias, Sodré deslocava a luta de classes do nível de
contradição principal para ressaltar os conflitos entre o latifúndio
e o imperialismo, por um lado, e a burguesia e o proletariado, por ou
tro, nesta obra o autor resgata o cada vez mais difícil convívio en
tre as pretensões políticas burguesas e as aspirações operário-campo
nesas. Neste sentido, esta seria uma obra preocupante, de quem vê o
desdobramento da Revolução democrática burguesa, deflagrada em 30, tor
nar cada vez mais difícil a realização de uma verdadeira "Revolução
Brasileira", que proporcionasse transformações estruturais na socie
dade e economia do país.
Por outro lado, a questão da burguesia emergiu também
das preocupações da CEPAL, através de uma série de estudos que repre
sentaram um desdobramento da linha analítica daquele órgão. Tanto
Fernando Henrique Cardoso quanto Luciano Martins dedicaram-se a ana
lisar a falência do desenvolvimentismo e o papel do empresariado nes
te processo. Em suma, indagavam sobre as condições efetivas que a
burguesia nacional apresentava para concretizar sua proposta e con-
trarrestar a ação dos grupos imperialistas.^^
As análises dos autores convergiram para a identifica
ção da burguesia como uma classe não-hegemônica. Em condição de de-
13
senvolvimento capitalista, num país como o Brasil, marcado pela depen
dência e pela herança colonial-escravista, a classe empresarial se ca
racterizava pelo seu baixo nível de articulação política, incapaz de
universalizar seus interesses para a sociedade face a um Estado inter
vencionista e forte.
Enquanto Luciano Martins enfatiza a "incapacidade histó
rica" da burguesia industrial em formular um projeto nacional, tanto
por ser dependente do capitalismo central quanto por não ter o acesso
devido aos "grupos no poder", daí resultando a sua "incapacidade hege
mônica", Fernando Henrique Cardoso aponta uma "impossibilidade histó
rica" da burguesia realizar uma política hegemônica. Sendo o empresa
riado nacional formado pelos setores tradicionais da indústria, seria
vencido por setores do empresariado com vínculos mais estreitos com o
capital estrangeiro, adeptos de uma proposta de desenvolvimento capi
talista associado.
Com ligeiras variações de ênfase - incapacidades estru
turais ou genéticas ou incapacidades conjunturais históricas de reali
zação -, ambas as análises convergem para reforçar a idéia de uma bur
guesia fraca e de um Estado forte,interveniente e absorvente nas suas
funções.
As obras de Cardoso e Martins, já tornadas clássicas,
têm o mérito de apoiar-se em pesquisas empíricas sobre o comportamen
to político do empresariado brasileiro, além de contarem com o supor
te de um sólido embasamento teórico.
Entretanto, ao filiarem-se ao viés cepalino, padecera de
alguns vícios pertinentes àquela tendência.
Ora, o pensamento político e as análises econômicas da
14
CEPAL se haviam constituído era torno da idéia do Estado-Naçio e das
possibilidades de viabilizar ura capitalismo nacional autonôrao. Esta
linha de pensamento tinha como pressupostos a identificação do nacio
nal-desenvolviraento como etapa de necessidade e otimização para a A-
mérica Latina, assim como se conferia à burguesia nacional uma tare
fa histórica na realização daquele processo.
À falência do modelo auto-sustentado seguiu-se a iden
tificação da falência da burguesia enquanto classe capaz de valer se
us interesses e de tornar efetivo e duradouro seu projeto. Ou seja,
a burguesia nacional revelava-se incapaz de realizar-se in toctum co
mo classe, daí seu caráter de debilidade.
Por outro lado, apesar da CEPAL enfatizar a necessida
de de atender às especificidades do desenvolvimento capitalista lati
no-americano, não se desvinculava totalmente dos modelos europeus ou
norte-americanos. Ou seja, seus parâmetros de comparação teriam si
do ainda as burguesias nacionais dos países europeus ou os empresários
schumpeterianos dos Estados Unidos. Frente a tais modelos, os repre
sentantes brasileiros saíam inevitavelmente perdedores...
O resultado de buscar uma análise em tais premissas é à
quele que conduz para uma caracterização do tipo; a burguesia é fra
ca, o capitalismo é débil e o Estado - forte e interveniente - é o a
gente propulsor que supre lacunas, visão esta apontada por Chauí e
já mencionada.
Não se trata, evidentemente, de negar a hipertrofia do
executivo ou o crescimento do Estado, fenômeno inquestionável e mar
cante no Brasil contemporâneo. O que tal viés de interpretação induz
é antes a uma análise supraclassista da burocracia estatal, que cor
responde á própria auto-imagem que o Estado burguês universaliza ou
15
ainda a uma tendência a identificar na moderna tecnoburocracia uma no
va classe, na nova etapa do chamado "capitalismo de Estado", que mar
12
cou a segunda metade dos anos 70 .
Conjunturalmente, este tipo de analise correspondeu ao
momento em que o empresariado deixou de dar apoio ao regime militar e
à condução da política econômica nacional, face ao privilegiamento
crescentedas estatais em detrimento do setor privado após o II PND.
Daí a virada pela redemocratização e a denúncia à estatização no fi
nal da década de 70.
Neste sentido, ganham força as análises que reproduzem
a imagem de uma burguesia "explorada" pelo Estado, distante dos círcu
los fechados do poder. Indo mais além, crê-se que Bresser Pereira e
Carlos Estêvão Martins operam, neste momento, como intelectuais orgâ
nicos do empresariado brasileiro, no momento crítico em que deixam de
apoiar o autoritarismo e enveredam pelo patrocínio da redemocratizaçãa
Crê-se, portanto, que na gênese de todo este raciocínio
esteja a matriz de pensamento da CEPAL, que acompanhara e apostara nas
chances históricas da burguesia nacional e da viabilização do capita
lismo autônomo na América Latina, na sua fase de "crescimento para
dentro". Ante a falência do projeto, o empresariado teria sido res
ponsabilizado: como classe fraca, falhara em sua missão histórica, as
sim como, para a esquerda, o proletariado débil não era capaz também
de realizar a revolução social e se aliara às burguesias para poder
"apressar" etapas...
Como já se assinalou, tais reflexões tomam os marcos do
"nacional" como pressuposto necessário de realização do capitalismo
na América Latina de uma maneira "democrática" e "benéfica" para os
interesses latino-americanos. Deixam de ter importância a própria d^
16
nâmica de realização do capitalismo em escala mundial (que não tem
fronteiras ou pátria) e a percepção de que a "questão nacional" deixa
de ter sentido em função de um dado momento. Foi, em última análise,
a cisão da burguesia nacional um dos fatores preponderantes no desfe
cho do nacional desenvolvimentismo e da falincia do pacto social popu
lista. Naturalmente, esta reflexão não desconsidera ou minimiza a lu
ta de classes, apenas destaca a ação classista da burguesia no proce£
so.
No conjunto de todas estas contribuições assinaladas,
restou, como tendência duradoura, a linha de análise que conclui pela
falta de expressão hegemônica da burguesia brasileira, endossada pe
los cientistas sociais. No campo da história, seriam representativas
desta visão as análises de Nícia Villela Luz, Edgard Carone, Marisa
13
Saenz Leme e Warren Dean .
Através da investigação empírica, estes autores buscam
resgatar o processo de formação do empresariado brasileiro e destacam
sua ação na defesa de seus interesses específicos. Na reconstitui^
ção de ambos os processos, registra-se a convergência de tuna idéia fun
damental: desde suas origens, o empresariado brasileiro manteve um
papel subordinado na coalisão dominante de classes. Prevaleceu sem
pre uma acomodação com os setores agrários, pelo que todas as suas
conquistas, em termos de atendimento a interesses particulares, foram
sempre fruto de delicada barganha com as demais frações das classes
dominantes.
De uma certa forma, a identificação histórica desta aco
modação com os setores agrários e a falta de capacidade hegemônica da
burguesia vinha justapor-se e complementar-se à idéia de um Estado
forte, que não representava nenhum setor em especial.
17
Ou seja, a passividade e não-hegemonia do empresariado
foi uma idéia que se adequou tanto à postura de um "Estado de compro
14 , ,
misso" vigente no pos-30 , quanto às análises que privilegiam a prá
tica de uma "modernização conservadora" realizada pelo Estado no pós
15
-30 .
Um passo adiante para o estudo da burguesia no Brasil
foi dado pelas contribuições de Ângela Castro Gomes, Eli Diniz e Re-
16
nato Boschi .
Resguardando ainda a idéia de que o empresariado brasi
leiro não se constituiu em classe hegemônica capaz de conduzir o país
no rumo do capitalismo autônomo, descartam contudo a debilidade ou o
caráter passivo da ação do empresariado. Através de alentada pesquõ^
sa documental, estes autores perseguem a ação desta burguesia em di
ferentes momentos da história brasileira, demonstrando não apenas que
a mesma lutou pela defesa dos seus interesses, como conquistou, pro
gressivamente, espaço junto ao Estado e aos mecanismos decisórios de
poder.
A análise dos autores reconstitui, pois, a atuação po
lítica da burguesia no processo de elaboração e implementação das leis
reguladoras do trabalho (Gomes) e das questões propriamente econõmijas
que afetavam a fração de classe (interferência do Estado na economia, impôs
tos, comércio exterior, participação do capital estrangeiro) (Diniz e Bos
chi ).
A obra de Ângela Castro Gomes destaca com extrema pro
priedade a ação empresarial frente a intervenção do Estado no merca
do de trabalho, vetando, obstaculizando, reduzindo custos, barganhan
do e, finalmente, endossando a legislação social. Ressalta, em sín
tese, o seu papel atuante na mesa de negociação. Já Eli Diniz, ao a
nalisar a performance burguesa, destaca a sua incapacidade de tradu
zir seus interesses específicos de maneira ideológica em interesses
18
nacionais. Estaria aí a raiz da não-hegemonia dos industriais no pro
cesso em curso. A burguesia brasileira revelar-se-ia inoperante na ta
refa de incorporar outros interesses que não os seus numa proposta uni
versalizadora para a sociedade. Prevaleceria, portanto, uma dimensão
excessivamente corporativa e pouco política no seu trato com as demais
frações sociais e com o Estado.
No conjunto, as análises das duas autoras cobrem operío
do que vai de 1917 a 19^5, momento que se assinalaria pela incorpora
ção do empresariado ao esquema de poder.
Renato Boschi, por sua vez, cobre com sua análise, o
período que vai de 1945 a 1976, no conjunto de suas obras.
Indo mais longe na discussão do caráter não-hegemônico
da burguesia, Boschi identifica que geralmente as análises que envol
vem a questão da hegemonia a associam a regimes democráticos onde
prevalecem os mecanismos de consenso na articulação que preside o en
dosso da sociedade a um projeto particular de dominação. Todavia, no
estudo do caso brasileiro, tanto as análises da burguesia se concen
tram nos períodos autoritários, onde os mecanismos de coerção sao mais
aparentes e a presença do Estado se faz mais marcante, obscurecendo a
dinâmica da sociedade civil, quanto existem poucos estudos empíricos
de vulto que possam efetivamente resgatar a ação do empresariado.
Prosseguindo na sua análise, o autor identifica a bur
guesia como o ator primordial, tanto na criação de condições para a
expansão do capitalismo industrial do Brasil, quanto no estabelecimen
to das condições institucionais que deram margem, a nível de Estado,
para que aquela expansão ocorresse.
Neste sentido, o autor reintroduz a noção de "revolução
19
burguesa" no Brasil, definida como o processo de transformação a lon
go prazo que conduziria o país de uma economia agroexportadora para
uma economia urbano-industrial, processo no qual a burguesia teve par
ticipação essencial. Ou seja, seria a burguesia, ou a burguesia atra
vés do Estado, que conduziria este processo, e não a visão corrente
de que o Estado supriria a falta de uma burguesia hegemônica.
A questão da Revolução Burguesa parece ser um caminho es
timulante para a redefinição da própria questão da hegemonia.
17
Cabe, sem duvida, a Florestan Fernandes a tarefa de
ter introduzido uma nova concepção de revolução burguesa para o Bra
sil distinta dos moldes clássicos, que a identificam como o momento da
tomada do poder do Estado por um grupo, seja nos moldes da via demo-
. 18
cratico-burguesa sugerida por Lenin , seja através da via prussiana
19 .
da revolução pelo alto . Abordando a questão de uma perspectiva mais
ampla e distinta daquela que concentra o enfoque no âmbito do aparato
20
estatal ^ Florestan define a revolução burguesa como um conjunto de
transformações econômicas, tecnológicas, sociais, psicoculturais e po
líticas que só se ultimariam quando o desenvolvimento capitalista atin
21
gisse o seu clímax
Embora tendo como eixo de análise principal a estrutura
22 ^ 23 ~
çao do Estado no Brasil, autores como Decio Saese Sônia Dreibe a
dotam igualmente este tipo de concepção abrangente da revolução bur
guesa, processo ao mesmo tempo econômico, social, político e ideológi
CO, que tanto consolidou o modo capitalista de produção quanto consti
tuiu o domínio burguês no Brasil.
Neste ponto, caberia retornar às considerações feitas a
té agora em tomo do estágio atual das análises sobre a questão bur
guesa no Brasil.
20
O material empírico levantado nestes estudos mais recen
tes apontam para a realização de um processo em curso no país desde a
segunda metade do século XIX; o da formação e consolidação do capita
lismo enquanto modo de produção, tendo como ponto de inflexão as déca
das de 30 e 40, quando o Brasil transitaria de um padrão de acumula
ção baseado na agroexportação para um baseado na indústria. Paralela
mente a este processo de transformação econômica e tecnológica, assi^
te-se a uma diversificação social da sociedade, com a emergência de
novos atores sociais. Acompanha este conjunto de transformações um
processo crescente de redefinição e complexificação do Estado, com a
implantação de estruturas político-administrativas e ideológicas que
viabilizam operacionalmente e tornam consensual a dominação burguesa
e a implantação de uma ordem urbano-industrial.
Frente a este contexto - aparentemente inquestionável,
mesmo que o capitalismo seja considerado tardio, retardatário, atrasa
do ou perverso -, parece paradoxal que persista a idéia de uma burgue
sia passiva ou que seja incapaz de realizar-se como hegemônica. Acei
ta esta hipótese, estaríamos diante de um processo sem atores? Ou se
ja, teríamos um modo capitalista de produção que obedeceria a uma di
nâmica própria, sem agentes que o conduzissem? Tal perspectiva não
implicaria endossar a própria visão anteriormente criticada do Estado,
que se apresenta como autonômo ou deslocado da sociedade, acima dos in
teresses ou grupos? Não estaria incorrendo no grosseiro erro de i-
dentificar hegemonia com o exercício direto do poder político?
Talvez fosse o caso de registrar ainda, nestas refle
xões sobre a análise do desempenho burguês no Brasil as contri^
24 25
buiçoes de Luiz Werneck Vianna e de Edgar de Decca . Embora a bur
guesia não seja o tema central de enfoque de suas obras, ambos os au
tores identificam a existência de uma preocupação hegemônica por par-
21
te do empresariado brasileiro no período pre-30. Vianna chega a afir
mar a existência de um projeto fordista por parte da burguesia, caraç
terizado pela política de não-intervenção do Estado no mercado de tra
balho, enquanto que De Decca divisa, na criação do CIESP a elaboração
de um projeto político por parte da burguesia industrial que propunha
uma reorientação da sociedade em seu favor.
Considera-se que tais enfoques não podem ser desconside
rados no estudo da trajetória política da burguesia do país.
Por outro lado, não nos parece possível pensar a Histó
ria contemporânea do Brasil sem mencionar a participação burguesa. Se
a historiografia produzida era São Paulo denuncia o não envolvimento
burguês na articulação que conduziu à Revolução de 1930, esta identi
ficação não pode ser tomada como abrangente para todo o empresariado
do país. Por exemplo, no Rio Grande do Sul, a burguesia gaúcha endos
26
sou a Aliança Liberal , pa mesma forma, a instalação do Golpe de 37
é impossível de ser pensada sem o apoio burguês ao autoritarismo, bem
como a redemocratização de 45 seria marcada pelo afastamento do empre
sariado nacional da burocracia estatal que ocupava os cargos decisó-
rios de poder e que não mais correspondia às demandas daqueles inte
. 27
resses sociais
Prosseguindo ao longo do tempo, a burguesia foi base e
ator político fundamental na condução do desenvolvimento capitalista
autonômo ao longo da democracia populista, ao mesmo tempo em que, no
decorrer deste período, as oscilações da política governamental, no
sentido de uma abertura ao capital estrangeiro, ou o próprio rumo dos
acontecimentos políticos (queda e suicídio de Vargas, adoção do parla
mentarismo, etc.), revelam a progressiva cisão do empresariado nacio
nal. Na instalação do golpe militar de 64 ou no processo que recondu
ziu a redemocratização lenta e gradual exigida pelo empresariado no Fo
22
rum da Gazeta Mercantil de 1978 e desenvolvida a partir do governo
gueiredo, a burguesia emergiu progressivamente da sombra para a luz.
Repensando a história contemporânea do Brasil, caberia
perguntar se o que se tem assistido no país não é um contínuo processo
de rearticulação burguesa e fortalecimento dos padrões de acumulação
capitalista. Parece ser esta linha condutora do processo, e as moda
lidades autoritária ou democrática de configuração do Estado seriam a
penas as formas de realização deste processo, sob as injunções da so
ciedade civil.
Repensando ainda as colocações de Gramsci, o grande teó
rico da hegemonia, sobre os mecanismos de poder que presidem a legit^
mação de um grupo frente a sociedade, a própria questão da autonomia
do político ganha novo enfoque. Ou seja, ela não pode ser pensada co
mo dissociada da sociedade, mas deve ser vista exatamente como fruto
de uma aliança hegemônica na estruturação de um Estado que se comple-
xifica.
Quem exerce o poder, o grupo dirigente, que conduz a po
lítica no sentido da preservação dos interesses burgueses, pode ser i-
dentifiçado como integrado por intelecutais orgânicos do sistema. A e
les cabe a condução da legitimidade de um projeto burguês. Que exis
te um consenso que se estabeleceu em torno da manutenção desta ordem
burguesa, dentro e fora do Estado, parece fora de dúvida. Que a bur
guesia não precisa assumir pessoalmente a condução deste processo, é
outro dado que merece atenção, o que não implica que a sua atuação se
faça de forma permanente. Todavia, quem aparece conra ator que conduz
o processo é a própria tecnoburocracia, artífice da hegemonia.
Retomando o raciocínio inicial, quer parecer que o que
se tem assistido no Brasil é a constante readaptação de uma prática e
23
um discurso burguês viabilizados através de mecanismos consensuais e
também coercitivos que acabaram por estabelecer a hegemonia burguesa
no país e, particularmente, a da sua fração industrial.
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20
Octavio lanni, na sua obra "O ciclo da revolução burguesa no Brasil"
(Petrópolis, Vozes, 1984), concentra sua análise para as formas his
tóricas assumidas pelo Estado brasileiro neste processo.
21
Refutando tais posturas, Gorender, no seu breve estudo sobre a bur
guesia, considera inaplicável ao país o conceito de revolução burgue
sa, afirmando existir apenas uma dominação burguesa no país (GOREN
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2^ ^ ^
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