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Pneumoconioses: Doença Pulmonar Ocupacional

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Ana Lino
 pneumologia
Pneumoconiose
DOENÇA PULMONAR OCUPACIONAL
As doenças ocasionadas pela inalação de poeiras são chamadas de pneumoconioses. Dessas, as mais comuns são a poeira da sílica (silicose), do asbesto (asbestose), do carvão, do grafite (pneumoconiose dos trabalhadores com carvão) e do talco (talcose). Recentemente, foi descrita a fibrose pulmonar associada à exposição à poeira de flocos (pequenas fibras de náilon, poliéster ou raiom).
Pneumoconioses A expressão pneumoconiose, empregada pela primeira vez por Zenker, em 1867, classifica doenças decorrentes da inalação e acúmulo de poeiras nos pulmões e a reação tecidual a elas. As principais pneumoconioses são provocadas pela inalação de partículas de sílica, asbestos, carvão e grafite, silicatos (caulim, talco) e de metais (berílio e metal duro) (Tabela V). Algumas pneumoconioses se caracterizam pela presença de fibrose em todas as suas fases, como a silicose e a asbestose, e outras podem cursar sem ou com discreta fibrose, se a carga inalada for pequena, como o alumínio, o ferro e mesmo o carvão, e/ou se os agentes forem menos tóxicos, como no caso do estanho, do titânio ou do bário. Entretanto, estudos experimentais revelam que mesmo partículas tidas como inertes, se inaladas em grandes concentrações e forem ultrafinas (< 0,1 µm de diâmetro), são menos fagocitadas, mais retidas nos pulmões, passam mais para o interstício e podem induzir a processo inflamatório intenso e fibrose. Em alguns países com forte atividade de mineração, cerâmica e fundição, as pneumoconioses têm maior prevalência que a asma ocupacional. 
A silicose, a asbestose e a pneumoconiose dos trabalhadores do carvão (PMTC), foram responsáveis por 30 mil óbitos em todo o mundo em 2000. No Brasil não existem dados relativos a todo o país, mas sabe-se que 925 casos foram registrados na Previdência Social de 1999 a 2004.
 Fisiopatologia
Os mecanismos implicados no desenvolvimento das pneumoconioses apresentam variações conforme o tipo de agente envolvido, sendo que as mais frequentes (silicose e asbestose por carvão ou grafite) têm uma base comum. Ambas decorrem de uma inflamação crônica, com alveolite e passagem de partículas para o interstício, resultando em fibrose pulmonar. A fração respirável (< 5 µm) das partículas inaladas se deposita nos bronquíolos terminais e respiratórios e na região alveolar. Uma parte é eliminada diretamente pelo movimento mucociliar ascendente e a outra é fagocitada por macrófagos alveolares que, quando sobrevivem, se deslocam para os linfonodos ou são eliminados do pulmão pelo movimento mucociliar ascendente. As particulas não eliminadas passam para o interstício, participando da patogênese da doença. Se a exposição for intensa ou se perpetuar, terá início o processo que levará à lesão pulmonar, em seus diferentes graus. Os principais mecanismos sugeridos47,48,55-58 no desenvolvimento das pnemoconioses causadas pela sílica, carvão e asbestos.
Podem ser resumidos em: 
■ A ação tóxica direta das partículas às membranas das células pulmonares e a indução à produção de espécies reativas de oxigênio (ERO) e de nitrogênio (ERN) responsáveis pela peroxidação lipídica e pela lesão de membranas liberam enzimas intracelulares que podem causar lesão tecidual, com destruição de células tipo I e proliferação de células tipo II, com cicatrização ou destruição dos septos alveolares e intersticialização das partículas. 
■ Estímulo à produção de ERO e ERN pelos macrófagos alveolares que, ao superar as defesas antioxidantes (superóxido dismutase, glutationa peroxidase) causam peroxidação lipídica e dano das células epiteliais tipo I, levando à destruição de septos alveolares e proliferação de células epiteliais tipo II. Na presença de pH neutro, as partículas de sílica presentes na luz alveolar adquirem cargas negativas (-SiO- ) e reagem com receptores de “limpeza” localizados na membrana. Estes são responsáveis pela internalização das partículas e, assim como o receptor de macrófago com estrutura de colágeno (MARCO), estimulam a geração de ERO e de mediadores inflamatórios pelos macrófagos e mastócitos ou os leva à apoptose e ruptura de lisossomas, nos casos de maior carga de exposição
■A sílica internalizada pelo macrófago é aprisionada no interior dos lisossomas, onde enzimas digestivas tentam degradar a partícula, como ocorre com uma bactéria. Por ser um mineral (inorgânico), não pode ser destruída, assim, a estimulação contínua das enzimas acaba por quebrar a integridade das membranas, e esse processo leva à ativação de caspases e à apoptose
Silicose A silicose é o nome empregado à fibrose pulmonar causada pela inalação de dióxido de sílica cristalina. É a mais frequentes das pneumoconioses.3 O dióxido de silício é um material ubíquo, o qual é o maior componente da crosta terrestre. As três formas cristalinas associadas com lesão pulmonar são: quartzo, cristobalita e tridimita. As partículas maiores do que 10 µm de diâmetro ficam alçaponadas na via aérea superior; já as partículas com 0,5 a 5 µm depositam-se nos alvéolos e são patogênicas. As ocupações mais comumente relacionadas com a exposição à inalação de poeira com sílica são as seguintes:
 • extração e beneficiamento de rochas (p. ex., granito e pedras em geral) 
• mineração (p. ex., ouro, arsênico, estanho, pedras preciosas, etc.) 
• perfuração de poços 
• trabalhadores da indústria de cerâmica, materiais de construção, borracha, vidro, fertilizantes 
• jateamento de areia 
• rebarbação, retífica e polimento de metais 
• manutenção e limpeza de fornos, moinhos e filtros 
• dentistas e confecção de prótese dentária.
 A inalação da sílica está associada com as seguintes doenças: silicose, doença pulmonar obstrutiva crônica e câncer de pulmão. Entre as manifestações extratorácicas da silicose temos lesões silicóticas em linfonodos cervicais e abdominais, baço, fígado e medula óssea. Há uma associação entre exposição à sílica e doenças do tecido conjuntivo (artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico e esclerose sistêmica progressiva). A sílica está relacionada com glomerulopatia.4 Também há um aumento do risco de tuberculose.
Quadro clínico, radiológico e fisiopatologia 
A silicose apresenta três formas clínicas: 
• Aguda: ocorre após meses a cerca de 5 anos de exposição maciça à sílica, finamente dividida e recém-quebrada (ocupações como jateamento de areia, perfuração de pedras, etc.). O paciente apresenta-se com quadro de intensa dispnéia,Pneumologia 607 hipoxemia, anorexia, astenia, insuficiência ventilatória e óbito em grande parte dos casos. Aos exames de imagem: infiltrado alveolar bilateral difuso, áreas de vidro fosco e espessamento de septo e áreas de condensação com broncograma aéreo, com predomínio em bases. Os achados histológicos são semelhantes aos da proteinose alveolar. Na fisiopatologia, ocorre lesão nos pneumócitos tipo I, levando ao preenchimento da luz alveolar por exsudato de material lipoproteináceo, que cora pelo PAS (Periodic Acid Schiff), proliferação de pneumócitos tipo II e aumento de fosfolípides. 
• Acelerada: ocorre após período de exposição de 5 a 10 anos. O quadro clínico e radiológico é semelhante ao da crônica. A fisiopatologia caracteriza-se pela presença de granulomas ou nódulos silicóticos. 
• Crônica: é a forma mais comum de apresentação, ocorrendo após 10 anos ou mais de exposição à sílica. É inicialmente assintomática, com a progressão da doença pode surgir dispnéia progressiva.
Inicialmente, visualiza-se um infiltrado intersticial micronodular bilateral aos exames de imagem (raio X de tórax, TC de tórax), com predomínio em ápices. Posteriormente, os nódulos podem coalescer e formar grandes opacidades, geralmente bilaterais, as quais chamamos de fibrose maciça progressiva. Pode apresentar comprometimento ganglionar mediastinal, às vezes com calcificações “em casca de ovo”, muito sugestivas de silicose, mas não patognomônicas.4 A TC de tórax (é interessante obter cortes de alta resolução) mostra micronódulos centrolobulares e subpleurais, com predomínioem lobos superiores, distribuídos difusamente, espessamento do interstício axial, massas conglomeradas, linfonodos aumentados e áreas de enfisema.3 Histologicamente, o nódulo silicótico é formado por um centro avascular, acelular, constituído por fibras de reticulina hialinizadas concentricamente, misturadas com fibras de colágeno, mais perifericamente. A microscopia com luz polarizada mostra partículas birrefringentes de sílica na periferia do nódulo, mas isso não faz o diagnóstico, já que a sílica se confunde com o colágeno.
Função pulmonar e silicose
Em fases iniciais os pacientes podem não apresentar alterações funcionais. Na forma aguda, predomina o padrão restritivo. Nas formas crônicas, pode haver distúrbio obstrutivo. Nos casos de fibrose avançada, ou com enfisema associado, pode haver redução da capacidade de difusão de monóxido de carbono.
Silicose e tuberculose O risco de contração de tuberculose pulmonar é maior nos pacientes expostos à sílica (com ou sem silicose).7,8608 Doença pulmonar ocupacional. As taxas de tuberculose ativa em indivíduos com silicose variam de 5 a 43%, dependendo do método diagnóstico.9,10 Um estudo mostra risco relativo 30 e alta taxa de incidência de tuberculose em portadores de silicose com teste tuberculínico positivo. Também foi observado aumento da incidência de micobacteriose não-tuberculosa (como M. kansasii, M. intracellulare e M. scrofulaceum) nessa população. 
Silicose e câncer de pulmão
Desde 1997, a Agência Internacional de Pesquisa contra o Câncer (IARC) passou a considerar o quartzo e a cristobalita como cancerígenos para homem, sendo incluídos no Grupo I.11
Diagnóstico
A história clínica de exposição à sílica é de suma importância, associada às alterações de imagem descritas anteriormente (raio X, conforme a classificação da OIT – Organização Internacional do Trabalho). Em grande parte dos pacientes, a história e o radiograma de tórax compatíveis são suficientes para fazer o diagnóstico. Nos pacientes em que houver dúvida com outras patologias, como sarcoidose, linfangite carcinomatosa ou outras doenças intersticiais, podemos nos apoiar nos achados da TC de tórax com cortes de alta resolução. O lavado broncoalveolar e a biópsia transbrônquica podem ajudar no diagnóstico diferencial. A biópsia cirúrgica será útil para os pacientes que não têm ou, mais provavelmente, não lembram de uma história ocupacional compatível.4 O espirograma auxiliará para avaliar a presença de alteração funcional e monitorar a evolução da doença, mas não ajudará no diagnóstico. 
Tratamento
 O diagnóstico precoce e a interrupção da exposição melhoram o prognóstico do paciente. Diversos tratamentos estão sendo testados, mas, até o momento, não há evidências que nos permitam utilizá-los. O lavado broncoalveolar com intuito de remover as partículas de sílica nos pacientes com proteinose alveolar e nos com silicose crônica tem sido tentado, mas sua efetividade não está estabelecida.3 O uso de oxigenoterapia domicilar para os pacientes hipoxêmicos e o transplante pulmonar para casos selecionados são tratamentos comprovados. O tratamento da tuberculose, quando essa estiver presente, e a quimioprofilaxia, quando for o caso, também são necessários.
Pneumoconiose dos mineradores de carvão (PMC) 
É a pneumoconiose resultante da deposição da poeira de carvão nos pulmões. Além de pneumoconiose, a poeira do carvão aumenta o risco de o paciente desenvolver Pneumologia, bronquite crônica, enfisema e perda acelerada da função pulmonar. O efeito do cigarro em mineiros de carvão é aditivo ao da poeira.
Fisiopatologia
A lesão fisiopatológica é a mácula de carvão, que consiste em macrófagos contendo poeira de carvão, reticulina e colágeno dentro das paredes dos bronquíolos respiratórios e alvéolos adjacentes, associados aos nódulos de carvão e enfisema focal. Apresenta micro e macronódulos. Os nódulos podem coalescer e fazer fibrose maciça progressiva.4 A PMC pode apresentar-se na sua forma simples, a qual é caracterizada por pequenas opacidades em lobos superiores, ou como fibrose maciça progressiva com conglomerados. Muitas vezes, o trabalhador das minas de carvão também está em contato com sílica e pode desenvolver silicose associada. Síndrome de Caplan: PMC associada ao nódulo reumatóide e à artrite reumatóide. Os nódulos podem calcificar ou escavar.
Quadro clínico e função pulmonar
O paciente pode ser assintomático. Tosse crônica, em geral produtiva, é o sintoma mais comum. Com o avançar da doença, pode apresentar dispnéia e quadro de cor pulmonale. Podem ocorrer melanoptise (escarro preto) devido à escavação das lesões de fibrose maciça progressiva, bem como função pulmonar com limitação ao fluxo aéreo ou restrição. A capacidade de difusão pulmonar pode estar reduzida. Ao contrário da silicose, os portadores da PMC não têm mais predisposição à tuberculose que as outras pessoas; porém, às vezes, também têm exposição à sílica associada.
Diagnóstico
Pode ser feito na presença de história ocupacional adequada (entre 5 a 10 anos) e raio X de tórax característico. A classificação de 1980 para alterações radiológicas da OIT é amplamente aceita. O raio X apresenta pequenas opacidades e nódulos que predominam em lobos superiores. Quando essas juntam, formam grandes massas, que é o que chamamos de fibrose maciça progressiva. Pode também haver enfisema em lobos inferiores, eventualmente atelectasias e consolidações.
O espectro da pneumoconiose por carvão é muito variado. Inicialmente, o acúmulo de carvão dá origem a máculas (aglomeradado de carvão e macrófagos), medindo de 1 a 6 mm de diâmetro e com formato irregular, localizadas ao redor dos bronquíolos respiratórios, acompanhadas de reticulina e discreta quantidade de colágeno. Predomina nos lobos superiores dos pulmões, podendo ser encontrado enfisema focal. Com o aumento da exposição ocorre a formação de lesões nodulares, que medem entre 8 e 20 mm de diâmetro, localizadas nas bifurcações dos bronquíolos respiratórios e contém grande quantidade de macrófagos com partículas de carvão em seu interior, além de maior número de fibras de colágeno imaturo e reticulina, adquirindo forma irregular ou estrelada. A depender da carga inalada, o quadro pode evoluir para a conhecida forma de fibrose maciça progressiva (FMP) ou forma complicada, com massas de fibrose com mais de 1 cm de diâmetro, sendo freqüente a ocorrência de necrose central e a presença de cristais de colesterol. Em indivíduos que trabalham com eletrodos de grafite podem ser encontrados corpos de grafite na biópsia ou lavado alveolar 
Tratamento
Não há terapia específica, sendo o manejo voltado para prevenção, detecção precoce e tratamento das complicações. A prevenção primária consiste em reduzir a exposição à poeira do carvão. O reconhecimento precoce da doença pode ser feito por raio X de tórax e função pulmonar seriados.
A terapia para PMC sintomática limita-se ao tratamento das complicações. A intervenção clínica deve enfocar a evitação do local de exposição; eliminação de fatores exacerbadores adicionais (p. ex., tabagismo); e tratamento da fase bronquítica da doença. Além disso, a presença de tuberculose deve ser considerada com cuidado em casos de pacientes com doença progressiva.
Embora distinta do ponto de vista histopatológico, radiologicamente a pneumoconiose por carvão ou grafite assemelha-se à silicose: bilateral, padrão nodular na radiografia de tórax, com predomínio nos terços superiores, seios costofrênicos poupados.
Prevenção das pneumoconioses A prevenção primária consiste na eliminação da exposição ao agente causal. As medidas no campo da engenharia, tais como melhoria da ventilação e confinamento do processo, devem ser instituídas. Os equipamentos de proteção individual, tais como respiradores, são indicados como adjuvantes às outras medidas. O uso de respiradores tem a função de prevenir a inalação de substâncias indesejáveis e manter uma fonte de ar respirável em ambientes com baixas concentrações de oxigênio.Também é importante realizar um programa deeducação em saúde em que se discuta os riscos ocupacionais, as repercussões na saúde e as medidas preventivas. Realizar quimioprofilaxia com hidrazida, quando indicada. As pneumoconioses são doenças que devem ser notificadas ao INSS quando diagnosticadas, independentemente de o segurado apresentar limitação funcional.
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