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A-PSICOSSOMÁTICA-E-SUAS-LEITURAS

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1 
SUMÁRIO 
1 CORPO, MENTE E EMOÇÕES ......................................................... 2 
1.1 O Problema Mente-Corpo .................................................................... 3 
1.2 Psicossomática e Psicanálise .............................................................. 6 
2 NEUROFISIOLOGIA E AS TEORIAS SOBRE AS EMOÇÕES ....... 18 
3 O CAMPO DA PSICOSSOMÁTICA ................................................. 25 
3.1 Entre o biológico e o somático: um corpo para além do organismo ... 27 
4 TRANSTORNOS PSICOSSOMÁTICOS: UMA QUESTÃO DE LIMITES?
 31 
4.1 Experiências precoces: o papel do corpo na constituição de defesas 
precoces 33 
4.2 Stress e aspectos psicossociais nas doenças crônicas de pele ......... 37 
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................ 40 
 
 
 
2 
1 CORPO, MENTE E EMOÇÕES1 
 
Fonte: rosamix0.blogspot.com 
A compreensão do processo saúde-doença envolve as concepções adotadas 
acerca dos fatores que podem estar relacionados com a manutenção e a promoção 
da saúde, e com os determinantes do processo de adoecimento. Essas concepções 
podem estar fundamentadas numa visão materialista, que considera que os únicos 
fatores relevantes neste processo são de natureza física, ou numa visão mais ampla, 
que considere também aspectos cognitivos e emocionais como determinantes da 
saúde e da doença. 
As explicações puramente biológicas da doença, apesar de ainda serem 
predominantes na Medicina, têm sido questionadas em diversos estudos que 
evidenciam a influência da mente e das emoções nos estados de saúde. Hoje sabe-
se que o sistema nervoso autônomo, responsável pela coordenação do 
funcionamento de todos os órgãos internos, é regulado pelo sistema límbico, que por 
sua vez é afetado pelas experiências afetivas e emocionais do indivíduo em seu 
contexto social. 
A psiconeuroimunologia, que investiga as interações entre o sistema 
neuroendócrino, imune e os aspectos psicológicos e comportamentais, tem mostrado 
 
1 Texto extraído do link: http://www.ibb.unesp.br/Home/Departamentos/Educacao/Simbio-
Logias/CorpoMenteeEmocoes.pdf 
 
3 
que o sistema imune influencia e é influenciado pelo cérebro (URSIN, 2000). As 
concepções filosóficas nas quais o processo saúde-doença se fundamenta estão 
presentes no pensamento médico e, consequentemente, nas modalidades de 
diagnóstico e de intervenção, assim como na orientação das ações por parte do 
sistema de saúde para prevenção de enfermidades e a promoção da saúde. Desse 
modo, reflexões acerca da interação entre os aspectos somáticos, cognitivos e 
emocionais contribuem para o questionamento dos fundamentos a partir dos quais a 
ciência médica se constrói e se desenvolve. Este estudo se propõe a contribuir para 
esta reflexão, por meio de uma revisão teórica das principais abordagens do problema 
mente-corpo, destacando as perspectivas da psicossomática psicanalítica e da 
psicofisiologia. Serão apresentados alguns dos principais autores que se dispuseram 
à reflexão sobre as relações entre corpo, mente e emoções. 
1.1 O Problema Mente-Corpo 
 
Fonte: pt.slideshare.net 
O problema mente-corpo tem sido tema de discussão desde a antiguidade. As 
concepções sobre saúde e doença e sobre a natureza das enfermidades constroem-
se dentro de uma perspectiva dualista, que considera mente e corpo como entidades 
distintas, ou numa perspectiva monista, que considera a unicidade e indissolubilidade 
 
4 
de ambos. Ao longo da história, tem-se observado oscilações entre ambas as 
concepções que repercutem também no pensamento médico. 
Na Grécia Antiga, Aristóteles e Hipócrates consideravam o homem como uma 
unidade indivisível. Hipócrates (460 a.C.), numa tentativa de explicar os estados de 
saúde e enfermidade, postulou a existência de quatro fluidos (humores) principais no 
corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue. Desta forma, a saúde era baseada 
no equilíbrio destes elementos. Ele via o homem como uma unidade organizada e 
entendia a doença como uma desorganização deste estado. Hipócrates entendia que 
a doença não representava a vontade divina, mas surgia por antecedentes lógicos. A 
saúde, para ele, consistia de um equilíbrio harmônico com o mundo ao redor, 
enquanto a doença surgia de desafios a esse equilíbrio. 
Essa visão racionalista fundamenta a medicina moderna (VOLICH, 2000). 
Cláudio Galeno (129-199) resgatou a teoria humoral e ressaltou a importância dos 
quatro temperamentos no estado de saúde. Via a causa da doença como endógena, 
ou seja, estaria dentro do próprio homem, em sua constituição física ou em hábitos de 
vida que levassem ao desequilíbrio. 
O conceito de Galeno a respeito de saúde e doença prevaleceu por vários 
séculos, até o suíço Paracelsus (1493-1541) afirmar que as doenças eram provocadas 
por agentes externos ao organismo. Ele propôs a cura pelos semelhantes, baseada 
no princípio de que, se os processos que ocorrem no corpo humano são químicos, os 
melhores remédios para expulsar a doença seriam também químicos, e passou então 
a administrar aos doentes pequenas doses de minerais e metais (CASTRO et al., 
2006). 
Durante a Idade Média, a Igreja Católica buscou organizar o conhecimento a 
partir do paradigma da vida após a morte, exaltando a soberania da alma, refletindo 
sobre a ideia de doença e de um corpo menosprezado (VOLICH, 2001). A doença era 
atribuída ao pecado, sendo o corpo o locus dos defeitos e pecados, e a alma, o dos 
valores supremos, como espiritualidade e racionalidade (FAVA e SONINO, 2000). 
No século XVII, Descartes postulou uma disjunção entre mente e corpo, por 
considerá-los substâncias de naturezas diferentes, denominando como res extensa a 
matéria e res cogitans a alma pensante, e assim favorecendo no âmbito da ciência o 
aspecto material (VALENTE e RODRIGUES, 2010). Entretanto, o principal problema 
detectado na perspectiva dualista é a dificuldade em explicar como essas duas 
substâncias interagem. Descartes sugeriu que essa comunicação seria por meio da 
 
5 
glândula pineal. Embora esta solução pareça ser arbitrária, diversos autores, inclusive 
na época contemporânea, têm pesquisado as funções desta glândula, e alguns deles 
acreditam que ela tenha realmente funções especiais. 
 
 
Fonte: corpomenteemocao.blogspot.com 
Deste modo, seria possível interpretar a filosofia cartesiana como um dualismo 
interativo, em que ocorrem processos causais em ambas as direções (do corpo para 
a mente e da mente para o corpo - a chamada "causação mental"). Portanto, apesar 
da demasiada valorização da substância material em detrimento da substância mental 
atribuída pela ciência por influência do dualismo cartesiano, não se pode afirmar que 
na perspectiva Descartes as duas substâncias sejam completamente separadas. 
Espinosa, também no século XVII, dedicou-se à reflexão sobre o problema mente 
corpo, ao qual trouxe grandes contribuições. Ele apresentou uma perspectiva 
diferente da de Descartes quando disse que o pensamento e a extensão, embora 
distinguíveis, são produtos da mesma substância. A referência a uma única 
substância serve ao propósito de apresentar a mente como inseparável do corpo, o 
que deixava de requerer a integração ou interação desses dois aspectos. A mente e 
o corpo nasciam em paralelo da mesma substância sem que houvesse uma relação 
causal entre ambos (Damásio, 2004). 
 
6 
Para o monismo espinosiano, haveria o chamado "paralelismo psicofísico", 
doutrina segundo a qual todos os eventos corporais são também mentais e todos os 
eventos mentais são também corporais, conduzindo à conclusão de que tanto a saúde 
quanto a doença são fenômenos psicofisiológicos. 
No século XIX, a visão dualista foi fortalecida com as descobertas de Pasteur 
e Virchow (CASTRO et al., 2006), que atribuíram as causas das enfermidades a 
agentesexternos, como microorganismos, o que destaca a importância dos aspectos 
biológicos em detrimento da mente no processo saúde-doença. No início do século 
XX, Freud resgata a importância dos aspectos internos do homem com o 
desenvolvimento da teoria psicanalítica. 
Em 1917, Groddeck publica “Determinação psíquica e tratamento psicanalítico 
das afecções orgânicas”, sendo este considerado o marco da medicina 
psicossomática. 
Groddeck estendeu o campo da psicanálise a todas as doenças e atribuía a 
elas uma significação. Walter Cannon, em 1929, reforça a concepção holística com 
uma base fisiológica ao definir o conceito de homeostase, afirmando que qualquer 
estímulo, inclusive o psicossocial, que perturba o organismo, perturba-o em sua 
totalidade (CALDER, 1970). Em seu trabalho, Cannon avaliou as alterações 
fisiológicas decorrentes da excitação emocional. 
1.2 Psicossomática e Psicanálise 
 
Fonte: www.psic.com.pt/psicossomatica 
 
7 
O termo “psicossomática” foi utilizado pela primeira vez em 1818 por Heinroth, 
um psiquiatra alemão, em seus estudos sobre insônia e as influências das paixões na 
tuberculose, destacando a possibilidade de uma influência dos fatores psicológicos 
nas patologias (LIPOWSKI, 1984). A compreensão da relação mente-corpo, até então, 
era baseada numa visão dualista, tanto em relação ao princípio como em relação à 
função desses dois aspectos. 
O funcionamento de ambos era considerado quase que independente um do 
outro e a interação ocorreria numa via dupla de forma psicossomática ou somato-
psíquica. A compreensão da interação mente e corpo ganha novas perspectivas a 
partir da Psicanálise, quando ambas as dimensões são pensadas de forma conjunta 
e dinâmica, possibilitando a criação de um campo de saber denominado 
Psicossomática (VALENTE e RODRIGUES, 2010). 
 
Sigmund Freud 
 
No final do século XIX, Freud (1835-1930) resgata a importância dos aspectos 
internos do homem com o desenvolvimento da teoria psicanalítica. Não encontrando 
lesão orgânica nos corpos das histéricas que justificassem os sintomas apresentados, 
Freud (1893), em seu livro “Algumas considerações para um estudo comparativo das 
paralisias motoras orgânicas e histéricas” afirma que “a histeria se comporta como se 
a anatomia não existisse, ou como se não tivesse conhecimento desta”. Uma paralisia 
nos membros inferiores ocorria mesmo com os músculos e nervos intactos, ou uma 
afasia ocorria sem que a área de Broca estivesse comprometida. Pela hipnose, podia-
se retirar ou até alterar os sintomas momentaneamente, demonstrando que o 
organismo estava em condição de funcionamento “normal”. Exemplos como esses 
desafiaram a Medicina da época, pois não havia até então explicação para esses 
eventos, fazendo com que a histeria caísse no âmbito da encenação e teatralidade. 
 
 
8 
 
Fonte: www.verdadesdocorpo.com 
Pelo método da associação livre, que se tornou a técnica psicanalítica por 
excelência, as histéricas diziam o que lhes vinha à mente e acabavam por relembrar 
uma cena traumática e que, de certo modo, esse trauma se associava com os 
sintomas. Essa associação era tal que, ao conseguir verbalizar a situação traumática, 
os sintomas eram abrandados. Assim, eles passam a possuir um sentido que é 
construído pelo sujeito, uma motivação que é desconhecida para o indivíduo, é 
inconsciente, mas remontando a uma cadeia lógica, ao verbalizar e trazer à tona esse 
evento traumático e reprimido, os sintomas eram aliviados (FREUD, 1895). Apesar de 
não ter se aprofundado nas questões de somatização, com os estudos sobre histeria, 
Freud assinala a relevância dos aspectos psíquicos em algumas manifestações 
somáticas, fornecendo bases para se pensar na interação entre o psíquico e o 
somático a partir da psicanálise. 
 
Georg Groddeck 
 
Em 1917, Groddeck (1866-1934) publica “Condicionamento psíquico e 
tratamento de moléstias orgânicas pela psicanálise” no periódico Internationale 
Zeitschrift für Psychoanalyse, sendo este considerado o marco da medicina 
psicossomática. Neste texto já aparece o conceito de Isso, “por quem somos vividos”, 
ao qual atribui poder de ação sobre todo o organismo. Groddeck define a doença como 
uma das expressões do Isso, tal como seriam o formato do nariz, o jeito de andar, 
 
9 
enfim, como uma manifestação de vida, e não como um mal a ser combatido a 
qualquer preço. Groddeck implica o Isso até nos acidentes que nos acontecem 
(CASETTO, 2006). 
A doença não provém do exterior, o próprio ser humano a produz; o homem 
só se serve do mundo exterior como instrumento para ficar doente, 
escolhendo em seu inesgotável arsenal de acessórios ora a espiroqueta da 
sífilis, ora uma casca de banana, depois uma bala de fuzil ou um resfriado 
(Groddeck, 1923, p. 219) 
Groddeck estendeu o campo da psicanálise a todas as doenças e atribuía a 
elas uma significação. Acreditou encontrar no significado da doença o valor simbólico 
dos sintomas, já que considerava o homem como um ser inatamente predisposto à 
simbolização. Assim, dores de cabeça aplacam os pensamentos; magreza e fraqueza 
denunciam a nostalgia da condição de recém-nascido; uma barriga, o desejo de 
gravidez. Groddeck cita vários de seus próprios sintomas que fez desaparecer – 
inclusive gota – somente com a autoanálise (CASETTO, 2006). 
Sendo o sintoma uma manifestação do Isso, a doença tem um sentido próprio, 
particular do indivíduo. Um sentido impossível de determinar genericamente, pelo seu 
caráter particular porque não há limites definidos entre o saudável e o doentio, entre 
onde começa a enfermidade e onde termina a saúde. O papel do analista seria de 
decifrar esse sentido por meio da análise, pois a retomada da consciência sobre o que 
fez com que a pessoa desenvolvesse tal sintoma faz com que ela seja curada. 
 
Franz Alexander 
 
Na década de 1930, surge na cidade de Chicago, sob a direção de Franz 
Alexander (1891-1964), o Instituto Psicanalítico de Chicago. Alexander sustentava um 
modelo psicossomático de base psicofisiológica. Defendia que as doenças orgânicas 
poderiam ser entendidas basicamente como respostas fisiológicas exacerbadas 
decorrentes de estados de tensão emocional crônica motivados por processos 
mentais inconscientes desprovidos de significado simbólico (HAYNAL e PASINI, 
1983). Segundo ele, estados emocionais reprimidos provocariam a cronificação das 
alterações fisiológicas que normalmente acompanham as emoções, alterações que 
se regularizam quando tais emoções são expressas e se desfazem. Assim, por 
exemplo, a raiva é acompanhada por um aumento da pressão sanguínea; trata-se de 
 
10 
um concomitante fisiológico que não tem finalidade expressiva, sendo apenas uma 
resposta regida pelo sistema nervoso simpático preparando o organismo para a ação. 
Mas se a raiva não pode ser diretamente expressa, nem encontrar um caminho 
alternativo, as alterações neurovegetativas associadas, como as relativas à pressão, 
deverão se manter num patamar elevado (CASETTO, 2006). 
 
 
Fonte: www.blogbemestar.com.br 
Associada à psicogênese, Alexander cria a teoria da especificidade, que diz 
que as respostas fisiológicas para estímulos emocionais, tanto normais quanto 
mórbidos, variam de acordo com a natureza do estado emocional precipitante. A 
resposta vegetativa de determinado estímulo emocional varia de acordo com a 
qualidade da emoção e todo estado emocional tem sua síndrome fisiológica. Para 
Alexander, os aspectos emocionais e fisiológicos são expressões concomitantes 
diferentes de um mesmo processo. O aspecto emocional é expresso por palavras, 
enquanto o fisiológico é expresso por meio de alterações nas funções corporais, como 
por exemplo, a alteração da pressão arterial, na experiência emocional da raiva. 
O aumento da pressão arterial é o concomitante (a expressão somática) 
daquele momento de vida da pessoa que está com raiva – expressão emocional 
daquelemomento (VALENTE e RODRIGUES, 2010). Os sintomas psiconeuróticos 
corresponderiam, na visão de Alexander, à construção de caminhos alternativos, 
individuais, para a expressão de emoções reprimidas. Portanto, não seriam eles os 
responsáveis pelas organoneuroses, mas a psiconeurose seria uma forma de 
expressão alternativa do reprimido. Afirmava que a pressão sanguínea de alguns 
 
11 
hipertensos normalizava-se quando do desenvolvimento de certos sintomas 
neuróticos. Alexander rompia com a tradição que situava os males orgânicos como 
resultado direto ou indireto da psiconeurose (CASETTO, 2006). 
As proposições de Alexander foram questionadas nas décadas seguintes por 
autores que acreditavam que seu modelo psicossomático de base psicofisiológica se 
apoiava em uma visão dualista do homem. Endossando esses questionamentos, 
diversos psicanalistas franceses organizaram-se com o intuito de delinear uma nova 
via de formação das manifestações corporais do sofrimento emocional (PERES, 
2006). 
 
Pierre Marty 
 
Em 1962, Pierre Marty (1918-1993) e Michel de M’Uzan propuseram a noção 
de pensamento operatório. Tratava-se da conceituação de uma forma de atividade 
psíquica diferente da neurose e da psicose. Ela descrevia um modo de pensamento 
consciente que parecia desprovido de simbolizações, de atividades oníricas, de 
duplos sentidos, de metáforas, de atos falhos e de fantasia (VALENTE e 
RODRIGUES, 2010; CASETTO, 2006), mas excessivamente orientado para a 
realidade externa e estreitamente vinculado à materialidade dos fatos (PERES, 2006), 
o que denota a existência de uma carência funcional do psiquismo (HORN e 
ALMEIDA, 2003). A fala desses pacientes é usada mais como modo de se livrarem 
rapidamente das tensões do que para significar suas experiências (CASETTO, 2006). 
Em 1966, Marty propõe o conceito de “depressão essencial”. Esta decorreria de 
eventos traumáticos e colocaria o sujeito em posição particularmente vulnerável ao 
adoecimento. O pensamento operatório poderia se estabelecer na cronificação desse 
estado, no qual a capacidade de elaboração psíquica do impacto da vida cotidiana 
estaria bastante comprometida (CASETTO, 2006). 
Essa sintomatologia depressiva defini-se pela falta: apagamento, em toda a 
escala, da dinâmica mental (deslocamentos, condensações, introjeções, 
projeções, identificações, vida fantasmática e onírica). Não se encontra, 
nessa depressão “conveniente”, a “relação libidinal” regressiva e ruidosa das 
outras formas de depressões neuróticas ou psicóticas. Sem contrapartida 
libidinal, portanto, como a desorganização e a fragmentação ultrapassam 
sem dúvida o domínio mental, o fenômeno é comparável ao da morte, onde 
a energia vital se perde sem compensação (p. 19) 
 
12 
Marty (1993) define o psiquismo como um conjunto de funções complexas, que 
seriam evolutivamente mais recentes que as somáticas e, portanto, mais susceptíveis 
à desorganização. Ele permitiria aos organismos lidar com o impacto afetivo de 
situações da vida. O psiquismo deficiente, tanto emocionalmente como 
simbolicamente, desorganiza-se progressivamente com a introdução de um distúrbio, 
cabendo então ao somático ter de lidar com tal distúrbio (VALENTE e RODRIGUES, 
2010). Neste caso, um processo regressivo atingiria algum ponto de fixação somático, 
fazendo com que um distúrbio se estabelecesse na função correspondente a esse 
ponto, de modo a estancar o processo involutivo e permitir a reorganização posterior 
e gradual do sujeito (CASETTO, 2006). Tais pontos de fixação seriam em parte 
herdados, em parte constituídos pela história de vida do sujeito, sendo as 
manifestações somáticas ausentes de sentido próprio. Dessa forma, cada indivíduo 
apresentaria uma sintomatologia com fortes traços que lhe são próprios, particulares, 
de tal forma que a psicossomática deve ser pensada a partir do sujeito, e não a partir 
da doença (VALENTE e RODRIGUES, 2010). 
 
 
Fonte:www.altoastral.com.br 
A somatização, então, surgiria em decorrência de estruturas psíquicas 
deficitárias na capacidade de representação e elaboração simbólica. Assim, o sintoma 
ocorreria pela ausência de sentido, em virtude da incapacidade do psiquismo de lidar 
com o distúrbio. Portanto, um menor grau de atividade mental corresponde a uma 
maior vulnerabilidade somática. 
 
13 
A capacidade de elaboração simbólica, que indicaria a qualidade e a 
quantidade das representações psíquicas, Marty (1998) denominou mentalização. 
Quanto melhor a mentalização, maior a capacidade do psiquismo em sustentar os 
choques dos traumatismos no registro psíquico (VALENTE e RODRIGUES, 2010). 
Marty recomendou uma terapêutica diferente, especialmente nos casos de 
somatizações graves. Devido à negatividade simbólica e ausência de referências 
afetivas, resultantes do pensamento operatório, sua proposta era a de um trabalho 
psicoterápico, em que o papel do terapeuta seria de nomeação dos estados psíquicos 
e sobretudo afetivos, de forma a suprir a carência simbólica, que visasse “o 
estabelecimento ou o restabelecimento do melhor funcionamento possível” do 
psiquismo do paciente (1990, p. 57). Sessões face-a-face para não deixar o paciente 
no desamparo perante sua pobreza simbólica e apenas uma vez por semana, pela 
sobrecarga psíquica que representam para uma estrutura frágil (CASETTO, 2006 e 
VALENTE e RODRIGUES, 2010). 
 
Joyce McDougall 
 
McDougall (1996) propõe o conceito de desafetação para explicar o processo 
de somatização. Esse conceito corresponde a um mecanismo que ejeta do psiquismo 
percepções, pensamentos e fantasias capazes de (res)suscitar afetos insuportáveis, 
ou seja, relacionados a experiências traumáticas primitivas. Ocorre um esvaziamento 
de significação afetiva da palavra. Esse recurso exigiria novas formas de dispersão 
da energia que foi ejetada, que poderia tomar a forma de comportamentos aditivos ou 
de somatizações. O sentido da doença diz respeito a um drama não representado, e 
para sê-lo, precisa vir ao âmbito da linguagem por meio da análise. McDougall fala da 
somatização a partir de uma demanda de sentido, como uma história a ser 
reconstruída (VALENTE e RODRIGUES, 2010). 
A tendência a “ejetar” do próprio psiquismo percepções, fantasias e 
pensamentos associados a afetos se assemelha, em seus aspectos principais, a um 
mecanismo de defesa citado por Freud (1894/1996): o repúdio para fora do ego 
(Verwerfung). Tal recurso não somente promove a exclusão de sentimentos do plano 
da consciência, mas também leva o indivíduo a agir como se nunca tivesse tido acesso 
aos conteúdos repudiados. Entretanto, na concepção freudiana, o repúdio para fora 
do ego leva ao surgimento de fenômenos alucinatórios e delirantes, de maneira que 
 
14 
pode ser entendido como uma defesa específica das psicoses. McDougall (1996), por 
sua vez, propõe que os afetos “ejetados” do aparelho mental de pacientes somáticos 
não geram como subproduto alucinações ou delírios, mas, sim, se perdem sem 
qualquer espécie de compensação psíquica. Como consequência, tendem, ao 
contrário do que ocorre com os psicóticos, a ser reduzidos a sua pura expressão 
somática. Desse modo, McDougall (1996) defende que as emoções podem – ao 
contrário do que sugerem os pressupostos metapsicológicos clássicos – efetivamente 
desaparecer do aparelho psíquico mediante a expulsão do plano consciente de 
pensamentos, fantasias e representações associadas a afetos capazes de provocar 
sofrimento (PERES, 2006). 
 
 
Fonte: amemdesejoamem.blogspot.com 
O termo desafetação indica, por si só, o rompimento do indivíduo com seus 
próprios sentimentos. A desafetação leva o sujeito a encontrar dificuldades para 
apreender contrastes emocionais e discriminar tanto seus afetos quanto os das 
demais pessoas com as quais convive, conduzindo ao estabelecimento de vínculos 
pouco consistentes (BUNEMER, 1995). McDougall (1996) destaca como causa 
centralda desafetação as perturbações relacionais entre mãe e bebê. 
O bebê, como assinala McDougall, antes de ter a capacidade de representar a 
si mesmo e o mundo em palavras, é necessariamente alexitímico. As mensagens 
enviadas pelo corpo ao psiquismo, e vice-versa, eram inscritas sem representações 
de palavras no psiquismo, como no início da infância, e assim, o indivíduo reagiria a 
uma emoção angustiante com a somatização (VALENTE e RODRIGUES, 2010). Essa 
 
15 
hipótese parte do princípio de que a figura materna tem como principal tarefa a 
proteção do filho contra as tensões provenientes do mundo exterior. Para tanto, deve 
interpretar a comunicação primitiva e nomear os estados afetivos de seu bebê, 
promovendo a progressiva “dessomatização” do aparelho mental. 
O adequado desempenho dessa tarefa subsidia o acesso da criança à palavra 
e favorece o desenvolvimento da capacidade de simbolização (PERES, 2006). Marty 
e McDougall concordam que os sujeitos que apresentam processos de somatização 
se caracterizam por uma marcante restrição da capacidade de elaboração psíquica. 
Em função disso, tanto Marty quanto McDougall entendem as afecções orgânicas 
potencializadas pelo pensamento operatório ou pela desafetação como 
manifestações desprovidas de valor simbólico (PERES, 2006). Entretanto, o modelo 
de McDougall apresenta uma diferença importante em relação ao de Marty, ao dizer 
que a somatização é consequência de uma defesa do psiquismo e não um processo 
de desorganização; a desafetação seria precisamente para evitá-la. 
 
 
Fonte: psico.online 
A doença teria, portanto, um sentido, mas que por algum motivo não pôde ser 
representado em decorrência da angústia que suscitaria (VALENTE e RODRIGUES, 
2010). Marty (1993) e McDougall também concordam que a utilização do termo 
“psicossomático” como adjetivo remete ao antigo dualismo cartesiano. Seguindo esse 
raciocínio, consideram um erro afirmar que uma dada doença é psicossomática e 
 
16 
pensam que a unicidade mente-corpo faz do homem um ser psicossomático por 
definição. Ambos reconhecem a multicausalidade do adoecimento e não atribuem 
exclusivamente a determinantes psíquicos a eclosão de enfermidades somáticas. 
Em virtude da complexidade de tal processo, contudo, inegavelmente 
privilegiam a análise dos fatores emocionais associados a esse processo (PERES, 
2006). As abordagens de Marty e McDougall não se caracterizam como um 
reducionismo psicológico semelhante aos modelos apresentados nos primórdios da 
psicossomática psicanalítica, mas sim como um recorte necessário diante das 
múltiplas facetas do fenômeno que se propõem analisar. Tais abordagens são 
perfeitamente compatíveis com o modelo biopsicossocial de compreensão do 
processo saúde-doença vigente nos dias de hoje. Além disso, as proposições de 
Marty e McDougall não excluem outras tentativas de explicação da gênese de 
enfermidades orgânicas – sejam elas médicas, culturais, sociais ou de outro caráter – 
apoiadas em elementos conceituais de raciocínio distintos (PERES, 2006). 
 
Christophe Dejours 
 
Christophe Dejours, para explicar os processos de somatização, propôs o 
conceito de subversão libidinal: “processo pelo qual funções biológicas seriam 
‘colonizadas’ por jogos eróticos no contexto da relação afetiva materna. Corresponde 
à constituição do corpo erógeno a partir do corpo biológico”. (CASETTO, 2006). A 
subversão libidinal seria essencial para o trabalho psíquico das pulsões e, sobretudo, 
para a atenuação da violência que representam em estado bruto. Se diante da 
mobilização dessas forças no cotidiano não houver a possibilidade de representação, 
restam os caminhos da atuação (violenta) ou da somatização. O adoecimento 
ocorreria, portanto, para se evitar a ação destrutiva, partindo-se do veto à 
representação. Dejours questiona a visão solipsista de Marty, que dá demasiada 
ênfase aos aspectos intrasubjetivos envolvidos nos processos de traumatismo, 
fazendo análises restritas aos movimentos psíquicos interiores e dando menor 
atenção aos aspectos externos. Para Dejours, o sintoma somático aconteceria na 
relação com o outro, se “adoeceria por alguém”. Destaca, então, a importância de se 
considerar os aspectos intersubjetivos nessa discussão: “Na relação com o outro eu 
mobilizo não somente pensamentos, ideias e desejos, mas também o meu corpo para 
 
17 
expressar este pensamento e este desejo. De certa forma, eu mobilizo o corpo a 
serviço da significação”. (DEJOURS, 1998). 
Sendo dirigido a um outro, Dejours atribui ao sintoma somático um caráter de 
intencionalidade e, mais precisamente, uma intencionalidade expressiva. O sintoma 
ocorreria porque a captura libidinal não pôde ser feita e transformada em um “agir 
expressivo” dirigido a um outro. 
O corpo é convocado para produzir significações e, sobretudo, para produzir 
efeitos – sedução, medo, sono etc – no outro. Mas isso depende do corpo erógeno, 
de haver sido constituído pela gradativa “colonização” do orgânico pelo psíquico. 
Entretanto, algumas funções do corpo podem ficar fora dessa transformação, por 
dificuldade dos pais em “brincar” com ela, de modo a não se colocarem “a serviço do 
agir expressivo dos movimentos e estados afetivos (ou emocionais) do corpo” 
(DEJOURS, 1999, p. 30). 
A essa impossibilidade Dejours chama de “forclusão da função”. Quando, no 
contexto de uma dinâmica intersubjetiva, uma função não subvertida for convocada, 
estará criado o contexto mais favorável à somatização. O seu sentido, no entanto, não 
está na origem, e sim no a posteriori de seu surgimento, já que deverá ser produto 
elaborado no contexto da relação com um outro: “o sentido do sintoma somático, se é 
que ele existe, não está no sintoma, mas no trabalho de interpretação eventualmente 
desencadeado por ele” (DEJOURS, 1999, p. 40). O sentido do sintoma precisa ser 
criado, mas isto não se fará senão com alguém. Para que o analista seja esse alguém, 
diz Dejours, ele precisará se deixar questionar por esse acontecimento, revendo sua 
compreensão da transferência, repensando suas hipóteses de trabalho. Em outras 
palavras, ele deverá permitir que a surpresa – não há previsibilidade em análise – ou 
que a concretude do sintoma transforme-se em um enigma da relação – e não 
somente do paciente -; ele deverá se deixar afetar (DEJOURS, 1999). A anterior 
oposição entre doença com ou sem sentido foi transformada na admissão de que o 
sentido – e a significação – estariam no cerne do processo de adoecimento, mas não 
em sua origem (CASETTO, 2006). 
Apesar das divergências nas formas de compreender e lidar com o fenômeno 
psicossomático, percebe-se que alguns atributos se mantêm entre as propostas, de 
maneira que a noção psicanalítica de somatização vai ganhando forma. Ela se coloca 
na relação entre o psíquico e o somático, quando em decorrência de estresse 
psicossocial, o corpo experimenta sintomas e distúrbios que são influenciados pelo 
 
18 
psiquismo, seja no surgimento, manutenção ou término destes. Nessas manifestações 
corporais, havendo ou não a presença de lesão anatômica, a feição emocional é bem 
explícita. 
2 NEUROFISIOLOGIA E AS TEORIAS SOBRE AS EMOÇÕES 
 
Fonte: www.ibnbrasil.com 
No âmbito da neurofisiologia, alguns teóricos se dispuseram a explicar as inter-
relações entre os aspectos cognitivos, emocionais e os processos somáticos. 
William James (1842-1910) e Lange propuseram uma relação entre 
experiências emocionais e processos corporais e argumentaram que a experiência 
emocional surgia da percepção das mudanças no corpo. Eles definiram a emoção 
como uma sequência de eventos que começa com a ocorrência de um estímulo e 
termina com um sentimento, ou seja, uma experiência emocional consciente. 
Para James e Lange, há três passos essenciais na produção de uma emoção: 
 O primeiro passo está relacionado com as alterações somáticas 
desencadeadas pelo estímulo. No segundo passo, essas mudanças são detectadas por receptores 
sensoriais periféricos e transmitidas ao cérebro. 
 No terceiro passo, o cérebro gera a atividade que é necessária ao 
sentimento de uma emoção (JAMES, 1884; 1894). James associa 
excitações emocionais aos instintos. Objetos de raiva, amor, medo, etc, 
não apenas levam um homem a realizar atos exteriores, mas provocam 
alterações características na sua atitude e fisionomia e afetam sua 
respiração, circulação e outras funções orgânicas de forma específica. 
 
19 
Desse modo, cada objeto que excita um instinto excitaria também uma emoção 
(JAMES, 1890). De acordo com a teoria de James-Lange, emoções causam 
sentimentos diferentes de outros estados mentais porque elas estão envolvidas com 
respostas corporais que originam sensações internas e diferentes emoções causam 
sentimentos diferentes porque elas são acompanhadas por diferentes respostas 
corporais e sensações (LEDOUX, 1996). Por exemplo, numa situação de perigo, 
durante o ato de fugir, o corpo passa por alterações fisiológicas: aumento da pressão 
sanguínea e da frequência cardíaca, dilatação das pupilas, transpiração das palmas, 
contração muscular. Outros tipos de situações emocionais resultarão em diferentes 
respostas corporais. Em cada caso, as respostas retornam ao cérebro na forma de 
sensações corporais e o único padrão de feedback sensorial dá a cada emoção uma 
qualidade única. 
O medo causa sensação diferente da raiva e do amor porque tem diferentes 
sinais fisiológicos. O aspecto mental da emoção, o sentimento, é um escravo de sua 
fisiologia, não o contrário: nós não trememos porque temos medo ou choramos 
porque estamos tristes; nós temos medo porque trememos e ficamos tristes porque 
choramos. Além disso, para James e Lange, diferenças individuais na qualidade da 
representação corporal podem constituir a base de diferenças individuais na 
experiência emocional: alguém “constitucionalmente” sintonizado às sensações de 
seu coração pode experimentar algumas emoções (talvez medo e amor) com maior 
intensidade do que um outro indivíduo com uma representação mais forte do 
funcionamento do estômago. 
Damásio (1996) aponta algumas limitações sobre a perspectiva de James. 
Segundo ele, o principal problema não é tanto o fato de ele reduzir a emoção a um 
processo que envolve o corpo, mas o fato de ele ter atribuído pouca ou nenhuma 
importância ao processo de avaliação mental da situação que provoca a emoção. 
Outra questão problemática foi o fato de James não ter estipulado um mecanismo 
alternativo ou suplementar para criar o sentimento correspondente a um corpo 
excitado pela emoção. 
Na perspectiva jamesiana, o corpo encontra-se sempre interposto no processo. 
Além disso, James pouco ou nada tem a dizer sobre as possíveis funções da emoção 
na cognição e no comportamento. Em suma, James postulou a existência de um 
mecanismo básico em que determinados estímulos no meio ambiente excitam, por 
meio de um mecanismo inflexível e congênito, um padrão específico de reação do 
 
20 
corpo. Porém, no caso de seres humanos, que são essencialmente seres sociais, 
sabe-se que há emoções que são desencadeadas por um processo mental de 
avaliação que é voluntário e não automático. 
A teoria de James-Lange dominou a psicologia da emoção até ser questionada 
na década de 1920 por Walter Cannon (1871-1945), um notável fisiologista que 
pesquisava as respostas corporais que ocorriam nos estados de fome e emoções 
intensas. A pesquisa de Cannon o levou a propor o conceito de uma “reação de 
emergência”, uma resposta fisiológica específica do corpo que acompanha qualquer 
estado no qual a energia precise ser empregada. 
De acordo com a hipótese de Cannon, o fluxo do sangue é redistribuído às 
áreas do corpo que estarão ativas durante uma situação de emergência, de modo que 
o suprimento de energia, que é transportado pelo sangue, alcançará os músculos e 
órgãos críticos. Na situação de luta, por exemplo, os músculos precisarão de mais 
energia do que os órgãos internos (a energia usada para a digestão pode ser 
sacrificada em prol da energia muscular durante uma luta). 
A reação de emergência, ou resposta de “fuga ou luta”, é então uma resposta 
adaptativa que ocorre em antecipação e em serviço ao gasto de energia, como é 
frequentemente o caso nos estados emocionais (LEDOUX, 1996). 
Cannon acreditava que as respostas corporais que compõem a reação de 
emergência eram mediadas pelo sistema nervoso simpático, uma divisão do sistema 
nervoso autônomo (SNA). 
O SNA é composto por uma rede de células e fibras neurais localizadas no 
corpo que controlam a atividade dos órgãos internos e das glândulas em resposta a 
comandos do cérebro. Os sinais corporais característicos da excitação emocional – 
como corações batendo e palmas suando – eram considerados como o resultado da 
ativação da divisão simpática do SNA, que se acreditava agir de uma maneira 
uniforme, independente de como ou porque haviam sido ativados. Dada esta suposta 
singularidade do mecanismo da resposta simpática, Cannon propôs que as respostas 
fisiológicas que acompanham diferentes emoções deveriam ser independentes do 
estado emocional particular que é experimentado. 
Como um resultado, James não poderia estar certo sobre porque diferentes 
emoções causam sensações diferentes, considerando que todas as emoções, de 
acordo com Cannon, têm a mesma manifestação no SNA. Cannon também notou que 
as respostas do SNA são muito lentas para contribuir para os sentimentos – nós já 
 
21 
estamos sentindo a emoção no momento em que essas respostas ocorrem. Então 
mesmo se diferentes emoções tivessem diferentes manifestações corporais, essas 
seriam muito lentas para contribuir para o que quer que sintamos, seja amor, ódio, 
medo, alegria, raiva ou desgosto, numa situação específica. A resposta para o enigma 
da emoção, de acordo com Cannon, se encontra completamente no cérebro e não 
requer que o cérebro “leia” as respostas corporais, como James havia dito (LEDOUX, 
1996). Cannon argumentou que apesar de o feedback corporal não poder contribuir 
para diferenças nas emoções, ele desempenha um papel importante, dando às 
emoções seu senso característico de urgência e intensidade (LEDOUX, 1996). Apesar 
de James e Cannon haverem discordado sobre o que distingue diferentes emoções, 
eles parecem ter concordado que as emoções causam sensações diferentes de outros 
estados (não emocionais) da mente devido a suas respostas corporais. 
 
António Damásio 
 
Damásio revigorou o campo de estudo das emoções com testes 
neuropsicológicos de laboratório e com observação clínica de pacientes neurológicos 
com lesão em diferentes regiões no lobo frontal, que o levou a formular a Hipótese do 
Marcador-Somático, propondo uma inter-relação entre processos cognitivos e 
emocionais. Damásio (1996) compreende a emoção como a combinação de um 
processo mental de avaliação, simples ou complexo, com respostas dispositivas a 
esse processo, em sua maioria dirigidas ao corpo propriamente dito, resultando num 
estado emocional do corpo, mas também dirigidas ao próprio cérebro (núcleos 
neurotransmissores no tronco cerebral), resultando em alterações mentais adicionais. 
Em outras palavras, a emoção é simplesmente um conjunto de mudanças no estado 
corporal associado a imagens mentais específicas (pensamentos) que ativaram 
sistemas específicos no cérebro. Ele distingue emoções primárias e secundárias, 
sendo as primárias consideradas inatas, pré-organizadas e não específicas, ou seja, 
que podem ser causadas por um grande número de seres, objetos e circunstâncias 
(ex: medo, raiva, amor). As emoções secundárias provêm de representações 
dispositivas adquiridas e não inatas, que incorporam a experiência única do indivíduo 
ao longo da vida. As emoções primárias dependem da rede de circuitos do sistema 
límbico, especialmente daamígdala e do cíngulo, enquanto as secundárias envolvem 
 
22 
processamentos nos córtices frontais, embora os estímulos possam ainda atuar 
diretamente no sistema límbico. 
Na experiência da emoção, o corpo passa por mudanças significativas e é 
levado a um novo estado. O processo inicia-se com uma avaliação cognitiva do 
acontecimento, que invoca imagens cerebrais verbais e não verbais. Num nível não 
consciente, redes no córtex pré-frontal reagem automática e involuntariamente aos 
sinais resultantes do processamento de tais imagens. Essa resposta pré-frontal 
provém de representações dispositivas que incorporam informações relativas à forma 
como determinados tipos de situações têm sido habitualmente combinados com 
certas respostas emocionais na experiência do indivíduo. Ainda de forma não 
consciente, automática e involuntária, a resposta das disposições pré-frontais é 
assinalada à amígdala e ao cíngulo anterior. As disposições nessas últimas regiões 
respondem: 
 
a) ativando os núcleos do sistema nervoso autônomo e enviando os sinais ao 
corpo por meio dos nervos periféricos; 
b) enviando sinais ao sistema motor, de modo que a musculatura esquelética 
complete o quadro externo de uma emoção por meio de expressões faciais e posturas 
corporais; 
c) ativando os sistemas endócrino e peptídico, cujas ações químicas resultam 
em mudanças no estado do corpo e do cérebro; e 
d) ativando, com padrões especiais, os núcleos neurotransmissores não 
específicos no tronco cerebral e prosencéfalo basal, os quais liberam então as 
mensagens químicas em diversas regiões do telencéfalo (ex: gânglios basais e córtex 
cerebral). 
 
 
23 
 
Fonte: slideplayer.com.br 
A Hipótese do Marcador-Somático (HMS) relaciona os estados emocionais ao 
processo de tomada de decisão. Para Damásio (1996), a emoção decorrente da pré-
avaliação cognitiva (formação de imagens sensoriais) é expressa por meio de 
mudanças na representação de estados corporais, que por sua vez geram um 
feedback ao cérebro influenciando também processos cognitivos, como a tomada de 
decisão. Antes de aplicar qualquer análise de custos/benefícios às premissas e antes 
de raciocinar com vista à solução do problema, sucede algo importante. 
Quando surge um bom ou um mau resultado associado a uma dada opção de 
resposta, o indivíduo tem uma sensação visceral que pode ser agradável ou 
desagradável e essa sensação é levada em conta na tomada de decisão. Como 
fenômeno envolve sensações corporais, Damásio atribuiu o termo técnico de estado 
somático; e, porque o estado “marca” uma imagem, chamou-lhe marcador. 
A função do marcador-somático é convergir a atenção para o resultado 
negativo a que a ação pode conduzir e atua como um sinal de alarme automático que 
diz: atenção ao perigo decorrente de escolher a ação que terá esse resultado. O sinal 
pode fazer com que o indivíduo rejeite imediatamente o rumo de ação negativo, 
levando-o a escolher outras alternativas. O sinal automático protege-o de prejuízos 
futuros, sem mais hesitações, e permite-lhe depois escolher entre um número menor 
de alternativas. 
A análise custos /benefícios e a capacidade dedutiva adequada ainda têm o 
seu lugar, mas só depois de esse processo automático reduzir drasticamente o 
 
24 
número de opções. Os marcadores-somáticos são um caso especial do uso de 
sentimentos gerados a partir de emoções secundárias. Essas emoções e sentimentos 
foram ligados, pela aprendizagem, a resultados futuros previstos de determinados 
cenários. Quando um marcador-somático negativo é justaposto a um determinado 
resultado futuro, a combinação funciona como uma campainha de alarme. 
Quando, ao contrário, é justaposto um marcador-somático positivo, o resultado 
é um incentivo. A maior parte dos marcadores-somáticos que usamos para a tomada 
racional de decisão foi provavelmente criada nos nossos cérebros durante o processo 
de educação e socialização, pela associação de categorias específicas de estímulos 
a categorias específicas de estados somáticos. Os marcadores-somáticos são, 
portanto, adquiridos por meio da experiência, sob o controle de um sistema interno de 
preferências e sob a influência de um conjunto externo de circunstâncias que incluem 
não só entidades e fenômenos com os quais o organismo tem de interagir, mas 
também convenções sociais e regras éticas. 
O conjunto crítico e formativo de estímulos para os emparelhamentos 
somáticos é, sem dúvida, adquirido na infância e na adolescência. Mas o crescimento 
do número de estímulos somaticamente marcados termina apenas quando a vida 
chega ao fim, pelo que é adequado descrever esse crescimento como um processo 
contínuo de aprendizagem. 
 
25 
3 O CAMPO DA PSICOSSOMÁTICA 
 
Fonte: www.bebee.com 
No campo psicanalítico muito já se discutiu sobre o corpo no âmbito dos 
quadros histéricos. Contudo, a reflexão sobre sintomas corporais que estão fora do 
registro da representação ainda é um domínio a ser explorado. Durante boa parte do 
tempo, uma série de psicanalistas que vieram nas esteiras dos primeiros trabalhos 
freudianos insistiu em circunscrever o processo analítico numa leitura da 
representação e elaboração dos processos psíquicos, o que teria excluído da reflexão 
teórico-clínica tudo aquilo que não fosse passível de ser dito pelo discurso. O 
imperativo da palavra, para além do afeto e da dimensão corpórea nos parece 
desconsiderar os avanços teóricos que se descortinaram a partir virada teórica de 
1920. 
Neste tipo de leitura, o corpo pré-verbal, ainda em vias de elaboração psíquica, 
manteve-se “silenciado”, ignorando que pode haver algo a ser construído no processo 
analítico. Fernandes (2011) aponta para um duplo movimento em relação ao corpo: 
por um lado, as evidências das implicações da subjetividade no corpo são relegadas 
a uma espécie de esquecimento; por outro, são identificadas exclusivamente com o 
discurso psicossomático, cuja ênfase é no corpo doente e nas falhas dos mecanismos 
psíquicos. Interessada na dimensão pré-verbal e na discussão teórico-clínica sobre 
 
26 
os processos psíquicos em jogo no sintoma psicossomático, a psicanalista Joyce 
McDougall (2000) chama atenção para o silêncio que pesava sobre as dores 
somáticas. Segundo afirma, tal “silêncio” é compreensível quando verificamos como 
as origens das manifestações somáticas na maioria das vezes têm raízes muito 
precoces. 
Joel Birman (2003) também compartilha da visão de que há um corpo 
silenciado. Como observa, na tradição ocidental podemos perceber um silêncio do 
somático, no qual o mal-estar se materializa pela demanda de cuidados e alívio. 
Segundo argumenta, na cena clínica nos depararmos com um corpo ao mesmo tempo 
ruidoso e silencioso, perante o qual a medicina se vê impotente e a psiquiatria não 
pode regular pela via dos remédios. 
Fazendo uma crítica a alguns manejos clínicos que foram sendo adotados para 
lidar com as problemáticas corporais, o autor aponta para os limites de uma 
psicanálise ligada estritamente ao campo da fala e da linguagem, que parece ter 
sempre a expectativa de que o inaudível do corpo se transforme em verbo para que 
possa, então, dar forma aos cuidados. Tal situação é geradora de impasses clínicos 
e perplexidade. 
 
 
Fonte: www.equilibriumrs.com.br 
Fernandes (2003) ressalta que o fato da psicanálise usar fundamentalmente a 
linguagem como material de trabalho levou alguns críticos a insistir que ela teria 
negligenciado o corpo, privilegiando apenas a palavra. Entretanto, como vimos em 
Freud, toda a sua teoria indicou que havia diversos elementos corporais a serem 
 
27 
investigados, pois o corpo seja enquanto cenário de uma sexualidade infantil 
fragmentada ou já unificado pelo narcisismo – como fica evidente na primeira teoria 
pulsional – seja na interseção entre o transbordamento pulsional e o Eu-corporal, pode 
vir a fazer parte de uma cadeianarrativa. 
3.1 Entre o biológico e o somático: um corpo para além do organismo 
 
Fonte: psicossomaticaararaquara.blogspot.com 
Ao longo da construção de seu aparato teórico, Freud se valeu algumas vezes 
de figuras da biologia e neurologia para ilustrar os processos psíquicos que vinha 
observando e procurando descrever. Esta perseverança revela uma busca por um 
aspecto que fundamentasse o psíquico em termos biológicos. 
Ao longo da construção de seu aparato teórico, Freud se valeu algumas vezes 
de figuras da biologia e neurologia para ilustrar os processos psíquicos que vinha 
observando e procurando descrever. Esta perseverança revela uma busca por um 
aspecto que fundamentasse o psíquico em termos biológicos. 
Oposição ao pensamento organicista de sua época, a teoria psicanalítica se 
constitui como uma experiência clínica, na qual o corpo da histérica, como um corpo 
falante, é o primeiro paradigma de uma lógica para além das regras anatômicas e 
fisiológicas da medicina (BIRMAN, 2003). 
Ao destacar perspectiva de corpo-escritura (FERNANDES, 2003) para traduzir 
os sintomas histéricos, a psicanálise, em seus primórdios, revela como o corpo pode 
 
28 
se expressar por meio de uma sintomatologia multiforme, seguindo uma lei e uma 
ordem que lhe são próprios. A psicanálise perante a medicina traz uma “ruptura das 
bases sobre as quais se assenta o modelo fundamental de relação entre aquele que 
trata e aquele que é tratado” já que o “tratamento médico consiste em oferecer ao 
doente auxílio em alguma forma de tratamento que elimine a dor, anule as 
manifestações dos sintomas da doença, e faça o possível para afastar a morte” 
(ÁVILA, 2002:18). 
Tradicionalmente, a medicina é compreendida como uma prática social, 
regulada institucionalmente, cujo papel fundamental é o de assistência ao paciente 
cuja queixa gira em torno de questões de um ideal de saúde e de doença. A última 
entendida a partir de um estado negativo, de ausência de saúde. Do ponto de vista da 
medicina, indivíduo doente é aquele que não possui o que ele próprio considera 
definidor de seu bem-estar. O indivíduo, considerado puramente como um corpo 
biológico, fica restrito à perspectiva anátomo-fisiológica da medicina, visão cuja lógica 
do funcionamento somático é fixa e imutável. Já no campo psicanalítico o corpo, 
atravessado pelo erotismo, implica um trabalho incessante de elaboração, nomeação 
e significação das experiências corporais. Estas têm um caráter transitório, 
“alimentadas” por investimentos libidinais. 
O trabalho analítico, de fato, é propiciador de um processo de exploração do 
psiquismo via uma narrativa construída ou reconstruída no setting analítico. Essa 
abertura para a narração das experiências subjetivas para um outro permite um 
alargamento das possibilidades do sujeito de compreensão de si mesmo. O método 
freudiano consiste em “saber do próprio doente algo que se ignora e que também ele 
não sabia” (FREUD, 2013[1910]: 239). 
Se no modelo médico o indivíduo deve se colocar como paciente, isto é, passivo 
perante o “doutor”, no modelo psicanalítico este precisa se apropriar de sua história, 
contando-a através palavras. 
É possível avançar nesta discussão ao levarmos em consideração que na 
relação entre analista e paciente, o corpo de um e do outro pode tomar às vezes de 
uma moeda de troca que vai mediar esta relação (FERNANDES, 1997) e produzir, 
entre o par analítico, a constituição de uma narração co-construída. Neste contexto, a 
palavra circula por meio do encontro com o outro, que testemunha o sujeito em 
sofrimento. 
 
29 
Quando abordamos os quadros de adoecimento psicossomático, as fronteiras 
entre um corpo biológico e um corpo erótico ficam menos evidentes, de forma que 
este quadro situa-se no campo de interseção entre a intervenção médica e a escuta 
analítica. 
Cabe, então, evidenciar a distinção entre o corpo biológico, objeto da 
intervenção médica e o corpo pela relação com um outro, isto é, um corpo erótico. 
Esta distinção é fundamental para que possamos avançar na compreensão sobre o 
fenômeno psicossomático. Assim, cabe lembrar que o médico, atravessado por uma 
visão organicista, ocupa o lugar de portador de um saber sobre seu paciente. 
Ele é aquele que orienta, toca, indica e direciona ações visando acima de tudo 
a saúde e o bem-estar, ou seja, um ideal de funcionamento orgânico. Já o psicanalista 
se propõe, através de seu manejo clínico, pôr o psiquismo a trabalho, visando a (re) 
construção de uma narrativa sobre o sujeito. Naturalmente, o objeto de intervenção 
da medicina é o corpo anatômico, a doença em sua concretude. 
No caso da psicanálise, é o sujeito em seu sofrimento. No processo analítico, 
as questões subjetivas são consideradas, a “cura” localizada muito mais no sentido 
que é dado/ construído por meio de uma narrativa sobre si do que os fatos 
propriamente ditos. Freud, tomando o sintoma conversivo histérico como paradigma, 
evidencia como o sofrimento psíquico se revela por meio de sua teatralização 
somática. Este é um corpo com valor simbólico no qual a realidade biológica encontra-
se inserida num sistema de significação e narrativa. Entretanto, ao final de sua obra 
verificamos que diferentes aspectos corporais podem estar em jogo no processo 
analítico, inclusive aqueles que dizem respeito ao adoecimento corporal. 
Por conseguinte, faz sentido afirmar que a origem da psicanálise testemunha 
um retorno à experiência de adoecimento e sua reflexão. A partir desse movimento, 
ela desmonta a cartografia corporal estabelecida pela racionalidade médica, 
enunciando uma nova cartografia na qual a linguagem e o fantasma são fundantes. 
 Propondo um olhar e um sentido original para as manifestações somáticas, a 
psicanálise rompe com a concepção de uma medicina mecanicista e intervencionista. 
Para esclarecer a importante ruptura entre o saber psicanalítico e o saber normativo 
médico, Ávila ressalta a relevância do dualismo cartesiano na concepção moderna 
sobre o corpo e a psique. A partir deste modelo, segundo o autor, o corpo ganha um 
estatuto de “máquina” dando origem ao pensamento mecanicista na medicina. O 
sintoma histérico, como o sintoma funcional, marca uma abertura para uma nova 
 
30 
forma de investigação clínica, que busca explorar o lugar do psiquismo na produção 
do sintoma. De fato, nos primórdios de sua teorização, Freud já antecipava que seu 
método partiria “não do exame do corpo, mas dos conteúdos da mente, fazendo da 
análise do Eu [...] o seu objeto” (2013 [1910]: 67). 
Sobre esse ponto, Birman entende a ruptura com a tradição cartesiana 
promovida pela psicanálise como um movimento marcado por diversos obstáculos e 
caminhos tortuosos, exigindo que o discurso freudiano ultrapassasse o paralelismo 
psicofísico presente na psicologia científica e na racionalidade médica. Logo, pela 
ênfase atribuída à linguagem, podemos traçar uma articulação entre os polos psíquico 
e somático, estabelecendo outro nível de complexidade. 
 A formulação da noção de aparelho da linguagem vem nessa direção, 
promovendo uma amarração entre as substâncias corpórea e pensante. 
Consequentemente, como adverte Birman, no pensamento freudiano não há como 
dissociar a reflexão sobre o corpo dos movimentos pulsionais e de suas intensidades. 
A dimensão corporal arcaica, forjada no encontro com outro, carrega marcas do que 
pôde ser metabolizado das intensidades pulsionais. 
A partir da experiência de satisfação das necessidades corporais, uma 
dimensão de prazer pode se estabelecer, viabilizando a possibilidade de elaboração 
psíquica. A pulsão como força constante está sempre colocando o psiquismo a 
trabalho, mas se não existisse um outro capaz de regular a tendência à descarga total 
de excitação, transformando-a em experiência de satisfação, o caminho seria a morte, 
adverte Birman. Para este autor, o corpo teórico psicanalítico seestrutura a partir do 
entendimento de que há, efetivamente, uma impossibilidade biológica do organismo 
de realizar a autorregularão automática. 
 No bebê humano, o acolhimento e a transformação da força pulsional em 
prazer são condições de possibilidade para o nascimento do aparelho psíquico e a 
aquisição da capacidade de pensar. Indo além, podemos supor que a capacidade 
narrativa também nasce do acolhimento do outro. 
O autor defende, ainda, que no interior do discurso freudiano encontramos 
“uma outra leitura sobre o psiquismo, no qual esse se fundaria sempre no corpo” 
(2003: 14 [grifo nosso]). Segundo ele, o corpo é da ordem do artifício, da criação 
através da relação com um outro fundamental, não se identificando nem com o 
somático, nem com organismo. Diferenciando-se da ordem vital, o corpo se constitui 
por meio de diferentes territórios, regulados por diversas modalidades de 
 
31 
funcionamento. Com efeito, podemos falar de diferentes formas de subjetivação, 
forjadas a partir destes territórios corporais e a partir de, podemos pensar, diversas 
apropriações que cada um pôde fazer de tais territórios. Em última instância, o 
discurso freudiano se funda numa íntima articulação entre o corpo e formas de 
subjetivação. 
O corpo em Freud não se confunde com organismo biológico, pois ele emerge 
como espaço de inscrição do psíquico com o somático (FERNANDES, 2003b). 
Percebemos, então, a importância do corte epistemológico introduzido pela visão 
freudiana sobre os sintomas somáticos. A autora ressalta que encontramos em Freud 
uma abordagem própria do corpo que se situa no centro de construção teórica, 
fazendo com que haja uma dupla racionalidade do corpo: uma psíquica, outra 
somática. Vale ressaltar que a primeira está fundamentada na segunda, isto é, no 
encontro do indivíduo com a trama de relações parentais que se fazem presentes nos 
cuidados corporais cotidianos. Em suas palavras: 
“[...] se o corpo que a construção teórica de Freud anuncia não se confunde 
com o organismo biológico, objeto de estudo e intervenção da medicina, ele 
se apresenta, ao mesmo tempo, como palco onde se desenrola o complexo 
jogo das relações entre o psíquico e o somático, e como personagem 
integrante da trama dessas relações. Como se verá mais adiante, essa dupla 
inscrição se evidenciaria no conceito de pulsão, o conceito-limite entre o 
psíquico e o somático, ao colocar 62 o corpo ao mesmo tempo como fonte da 
pulsão e como finalidade, lugar ou meio de satisfação pulsional. Assim, a 
teoria freudiana permitiria colocar em evidência que o somático, isto é, o 
conjunto das funções orgânicas em movimento, habita um corpo que é 
também o lugar da realização de um desejo inconsciente” (FERNANDES, 
2003b: 33-34). 
Nesse sentido, a psicossomática, como um campo que emerge na interseção 
entre o saber médico e psicanalítico permanece sendo um grande desafio para a 
clínica. A discussão sobre que tipo de escuta pode ser oferecido para este corpo que 
padece é enriquecida a partir do trabalho de psicanalistas que se dedicaram a 
aprofundar a compreensão sobre os processos psíquicos subjacentes aos quadros de 
adoecimento orgânico. 
4 TRANSTORNOS PSICOSSOMÁTICOS: UMA QUESTÃO DE LIMITES? 
A problemática dos limites vem sendo tema de debates cada vez mais 
frequentes no cenário psicanalítico contemporâneo, seja devido aos impasses clínicos 
 
32 
das chamadas novas configurações psicopatológicas - que incluem perturbações na 
constituição dos limites internos e externos do aparelho psíquico (CARDOSO, 2005) 
-, seja por meio das reflexões teóricas promovidas pelo movimento definido por Luiz 
Claudio Figueiredo (2009) - como reabilitação dos ‘analistas marginais’ que se 
propuseram trabalhar pacientes “não analisáveis”. 
Em termos clínicos, os conhecidos pacientes difíceis ou, no limite do analisável, 
nos convocam a repensar nossa prática e a buscar novos fundamentos teóricos. 
Como argumenta Green (1990), a discussão dos casos-limite surge como uma 
demanda, já que o modelo clínico apresentado por Freud não estava dando conta de 
algumas problemáticas que se manifestavam no consultório. 
Green opta por discutir a questão dos limites em termos metapsicológicos, 
sustentando que estes quadros possuem uma organização própria e estável: são 
organizações-limite com uma estrutura autônoma. Segundo defende, é uma 
problemática que não se restringe aos limites do eu, mas se situa na ordem de uma 
desorganização das fronteiras no interior do aparelho psíquico. O autor julga que a 
reflexão sobre a psicossomática e dos quadros psicóticos são dois dos maiores 
avanços da psicanálise pós-freudiana, já que a primeira, por mais controvertida que 
seja, propiciou uma base de reflexão de um funcionamento psíquico distinto das 
estruturas clássicas da psicanálise. 
Diversos autores contemporâneos defendem que os quadros psicossomáticos 
estão inseridos nas chamadas problemáticas narcísico-identitárias ou organizações-
limite, cujas características marcantes são as dificuldades nos processos de 
simbolização. 
A psicanalista Joyce McDougall, ao apontar para a problemática dos limites nos 
casos de somatizações, entende-a como expressões-através-do-ato que utilizam o 
corpo como espaço de descarga. Em suas palavras: 
“Quando um adulto representa inconscientemente seus limites corporais 
como estando mal definidos ou não separados dos outros, as experiências 
afetivas com um outro que tem importância para ele [...] a consequência pode 
ser uma explosão psicossomática, como se, em tais circunstâncias, não 
existisse senão um corpo para dois” (MCDOUGALL, 2000: 11) 
Logo, cabe refletir em que medida o adoecimento psicossomático se encontra 
inserido no grupo mais extenso de quadros psicopatológicos denominados 
comumente de casos-limite também nomeados de patologias narcísico-identitárias, 
 
33 
ou se trata de um fenômeno próprio, com uma particularidade própria e etiologia 
distinta dos quadros descritos. Sabemos que assim como os casos-limite, os 
pacientes psicossomáticos têm despertado interesse dos psicanalistas 
contemporâneos. Não apenas por uma desconexão entre o afeto e o adoecimento, 
mas, sobretudo, por uma provável pobreza simbólica, expressa pela dificuldade 
associativa e uma maneira de estar no mundo extremamente funcional. Em análise, 
esses pacientes têm dificuldades em correlacionar seus sintomas com os afetos 
subjacentes, sua narrativa é árida, predominando a angústia automática como 
excitação não manejável. Este autor defende a ideia de uma estrutura mental 
específica nesses casos: a Estrutura Psicossomática, definida pela presença de 
transtorno de manifestação somática que se apresenta como uma perturbação 
predominante. 
A Estrutura Psicossomática está inserida no corpo das psicopatologias 
narcísicas cujas estruturas nosográficas contêm na sua identidade nuclear alterações 
do narcisismo, tal como na depressão e nas personalidades narcísicas. O autor 
observa, contudo, que a depressão psicossomática é bem distinta da depressão 
mentalizada da melancolia. 
A primeira está no registro da depressão essencial, tal como entende Pierre 
Marty, de forma que há um estado de indiferença, uma dificuldade de sustentar 
vínculos afetivos e, em termos econômicos, aponta para a descatexização da 
representação. Outra característica marcante nos pacientes psicossomáticos, como 
já mencionamos, é a prevalência do pensamento operatório, cuja relação com o outro 
é regulada em função da satisfação das próprias necessidades que, ao não serem 
satisfeitas, geram hostilidade. Os casos-limite, por sua vez, chamam atenção por uma 
precariedade simbólica e pela utilização de defesas arcaicas, além de intensas 
oscilações afetivas que indicam a presença de angústias básicas. 
4.1 Experiências precoces: o papel do corpo na constituição de defesas 
precoces 
Retomando a noção de apoio/desvio freudiana, lembramos que obebê tem no 
seio sua primeira fonte de satisfação. No encontro primordial com o outro – que neste 
momento ainda não pode ser reconhecido em sua alteridade – a amamentação 
associa-se não apenas ao fato de saciar a fome, mas também de obter prazer por 
 
34 
meio do contato da mucosa da boca com o seio. A partir deste encontro, como vimos, 
opera-se um desvio do instintivo para o pulsional. Os primeiros cuidados corporais 
propiciam esse desvio, funcionando como possibilidade de integração e formação de 
uma imagem corporal. Logo, a pulsão se apoia, primeiramente, na satisfação das 
necessidades vitais, para logo se desviar das funções biológicas e buscar o prazer. O 
objetivo principal da pulsão passa a ser reviver essa primeira experiência de 
satisfação para sempre perdida. 
O prazer no contato do bebê com o outro adulto é essencial para o 
estabelecimento de um corpo fantasiado, integrado, representado psiquicamente. O 
psicanalista francês, Christophe Dejours prefere chamar esse processo de subversão 
libidinal, já que entende que a noção de apoio de Freud (1905) trata de uma 
emancipação da ordem fisiológica. O autor argumenta que há um jogo entre a mãe e 
seu bebê durante os cuidados cotidianos. Esse jogo mobilizaria vários órgãos. Na 
amamentação, por exemplo, estão incluídos a boca, a língua, o estômago, o intestino, 
o ânus... Trata-se de uma brincadeira na qual ocorre uma subversão da função 
original, geradora de intenso prazer. Para que ela ocorra é necessária a presença de 
um outro que também queira jogar. Como esclarece: 
“Devagarinho, a criança pode solicitar à sua mãe brincar com diferentes 
partes de seu corpo, brincadeiras durante as quais, não somente ela brinca, 
mas também adquire o controle com relação as exigências de 
autoconservação, a urgência de satisfazer suas necessidades. Devagarinho, 
todo corpo vai sendo colonizado, até que se constitua o que se chama de 
segundo corpo, ao qual damos o nome de corpo erógeno. [...] O segundo 
corpo é o corpo que habitamos; não é mais o corpo fisiológico, é um corpo 
que foi arrancado ao corpo biológico, mas é um corpo que nos faz 
verdadeiramente humanos” (DEJOURS,1998:44) 
Para Dejours, a origem da vida psíquica se encontra no corpo erógeno. Ele é 
primordial e, de fato, o fracasso na subversão libidinal acaba se traduzindo num 
desenvolvimento psíquico que não se completa. Mas a colonização subversiva do 
corpo fisiológico tem, sempre, um caráter inacabado, pois há algo a ser conquistado, 
num processo constante que não cessa de se impor ao sujeito. O autor sustenta que 
a sexualidade psíquica e a economia erótica estão sempre sob ameaça, de se 
“desapoiar”, levando a um movimento que o autor denomina de contraevolutivo. Por 
outro lado, a conquista do corpo erótico é resultado do diálogo entre o corpo e suas 
funções que se apoiam nos primeiros cuidados. 
 
35 
Por meio do brincar com o corpo uma troca prazerosa entre o bebê e o adulto 
poderá ocorrer. Nesse processo, o funcionamento psíquico materno, convocado 
nesse cuidar, trará para a relação, não apenas sua história precoce, mas também sua 
sexualidade, marcando de maneira singular o diálogo que se instaura entre ela e seu 
filho. 
Um diálogo fantasmático, fundamental para a economia psíquica do bebê. 
Assim, os afetos que perpassam o corpo, através dos encontros, rupturas e lutos 
vividos, vão marcar a economia erótica ao longo de toda a vida. No que tange à clínica 
psicossomática, o autor sugere que a desintricação da pulsão de sua função seria 
capaz de facilitar a somatização, pois que as perturbações do funcionamento psíquico 
alteram a economia erótica. Assim, no caso dos pacientes psicossomáticos, parece 
não ter havido uma completa representação corporal. Como argumenta D’Alvia, a 
relação destes pacientes com seu próprio corpo vem marcada por exigências externas 
e uma tendência a ignorar os sinais interceptivos. As sensações corporais, não tendo 
contenção psíquica, tomam a via da descarga corporal direta. Aprofundando esta 
discussão, Joyce McDougall (2000) amplia a noção de pensamento operatório, 
propondo uma visão bastante particular sobre o adoecimento psicossomático. 
Integrando sua experiência clínica tanto no seio da escola inglesa quanto francesa de 
psicanálise, a autora opõe a neurose e a psicose de uma parte e os pacientes 
psicossomáticos de outra, e avança dando sua contribuição à discussão. 
Discutindo sobre o papel das somatizações na economia libidinal, McDougall 
(op.cit) afirma que certas formas de funcionamento mental são adquiridas nos 
primeiros meses de vida e podem predispor mais às manifestações psicossomáticas, 
do que às soluções neuróticas, por exemplo. São quadros nos quais prevalece o 
pensamento operatório com maneiras “desafetadas” de pensar e relacionar-se. A 
autora sustenta que inicialmente o infans é “alexímico”, na medida em que “as 
mensagens enviadas pelo corpo ao psiquismo, ou inversamente, eram inscritas sem 
representação de palavras” (: 26-27). O conceito de aleximia, na obra da autora, diz 
respeito à dificuldade que o sujeito encontra de entrar em contato, bem como 
expressar suas emoções. Além disso, há uma dificuldade patente de distinguir os 
afetos entre si. 
Nesse contexto, o pensamento operatório e a alexitimia são entendidos pela 
autora em sua dimensão defensiva, remetendo a um período precoce, anterior à 
aquisição da linguagem verbal. Como a autora defende, há nos quadros 
 
36 
psicossomáticos uma outra forma de lidar com o conflito. Seja nas organizações 
neuróticas e ou psicótica, a dimensão do conflito está colocada em termos psíquicos, 
podendo envolver a vida interior ou a realidade externa. Trata-se de um drama, cuja 
cena é imaginária. Nos quadros psicossomáticos há, pelo contrário, um teatro do 
corpo. Ela comenta que primeiramente entendia que os estados psicossomáticos 
eram consequência de uma reação do corpo a uma ameaça psicológica como se esta 
fosse fisiológica, perspectiva esta que leva em conta uma separação nítida entre o 
psiquismo e o corpo. 
McDougall acredita que uma parte significativa de pacientes que expõe sua 
problemática psicossomática não tem consciência de sua dor mental, chegando a 
negar a relação entre o a dor física e seu sofrimento psicológico. Para ela, devemos 
nos manter atentos às solicitações de liberação de sintomas psicológicos, pois se trata 
de um paradoxo, já que “esses sintomas constituem tentativas infantis de cura de si 
mesmo e foram inventados como solução para a dor mental insuportável [...] os 
sintomas desta natureza constituem técnicas de sobrevivência psíquica”. 
Essas defesas, constituídas num período extremamente precoce, visam criar 
um espaço de separação entre o indivíduo e a mãe que, por dificuldades internas, não 
consegue entrar em contato com aquilo que o bebê comunica em termos sensório-
afetivos. Os cuidados maternos iniciais funcionam como tela protetora contra 
estímulos transbordantes. As perturbações na relação mãe-bebê podem levar a 
rupturas nos fenômenos transicionais, fundamentais para a internalização da função 
maternante. 
Quando, por alguma razão inconsciente, a mãe não consegue escutar as 
necessidades do bebê, “este é freado em sua tentativa de construir lentamente dentro 
de si mesmo a representação de um ambiente maternante que cuida e alivia”. O 
holding materno inicialmente deve funcionar como um continente, tornando propícia a 
atividade de pensar, viável quando o continente se transforma em conteúdo (ZORNIG, 
2009: 35), sustentação fundamental para que o sujeito possa futuramente cuidar de 
si. Sem a internalização dessa função há, para McDougall (op. cit), um risco de 
explosões somáticas. 
Os acontecimentos traumáticos precoces, assim, acabam por desorganizar o 
psiquismo, determinando a presença de um vazio psíquico, tendo como consequência 
as alterações nos processos de pensamento, na atividade fantasmáticae dos afetos. 
 
37 
Nestes quadros, as relações parentais acontecem quase que de maneira 
exclusiva com o filho, visando realimentar as exigências de satisfação grandiosas, 
segundo a perfeição de ideais narcisistas. Há uma “super presença sobre 
adaptadora”, atuando de modo extremamente exigente e controlador e com visível 
déficit na decodificação das necessidades tanto físicas como emocionais da criança. 
Observamos ainda com D’Alvia que, nestes casos, há uma contradição entre um 
excesso de cuidado manifesto e uma intolerância e hostilidade latente. São pais que 
têm dificuldades de discriminar seus filhos como sujeitos separados, de forma que há 
falhas na diferenciação e na distância do objeto, visíveis através da pouca capacidade 
para investir em objetos discriminados. Eles “necessitam imperiosamente que seus 
filhos respondam com uma excessiva adaptação ao meio e cumpram à perfeição o 
que deles se espera”. Neste tipo de conformação familiar há pouco espaço para a dor 
mental, gerando na criança uma pobreza tanto nos registros corporais como afetivos, 
com a presença de “déficits estruturais na imagem corporal que se traduzem em 
alterações nos canais expressivos de descarga. 
4.2 Stress e aspectos psicossociais nas doenças crônicas de pele 
A sociedade atual possui padrões de estética e beleza bem delimitados, e a 
maioria das pessoas esforça-se, de certo modo, para alcançá-los. No caso dos 
pacientes com problemas dermatológicos, o sentimento de inadequação e o estigma 
vivenciado são evidentes diante de tais exigências externas de “normalidade” estética. 
A sensação de discriminação quanto à aparência física acompanha o portador 
constantemente, provocando grande insatisfação consigo mesmo. O processo de 
adaptação à doença de pele pode tornar-se, dessa maneira, um foco causador de 
stress, assim como também pode ser consequência do enfrentamento de fatores 
estressantes. 
Montagu (1988), um dos principais pensadores sobre o assunto, afirmou que, 
num primeiro momento, é possível refletir por que colocar o foco de atenção na pele 
e por que ainda existem tão poucos estudos em relação a ela quando comparados ao 
câncer, por exemplo. Na realidade a pele pode, muitas vezes, passar despercebida. 
Durante muitos anos, esse órgão não teve a atenção merecida, e só a partir da década 
de 1940 o assunto passou a ser estudado com mais profundidade. No entanto a pele 
está mais evidente no dia-a-dia do que na maioria das vezes é possível perceber. 
 
38 
De acordo com o mesmo autor, a pele é um órgão de comunicação e percepção 
visível. Ela é o maior órgão de percepção no momento do nascimento, tornando-se o 
meio para o contato físico e para a transmissão de sensações físicas e emoções. As 
ligações existentes com o sistema nervoso tornam a pele altamente sensível às 
emoções, independente da consciência. A pele expressa os sentimentos, mesmo 
quando não se está ciente deles, e ajuda a aprender e conhecer mais sobre o 
ambiente. É possível identificar a pele como um sistema nervoso externo que se 
mantém em conexão com o sistema nervoso interno (SNC), uma vez que o sistema 
nervoso é uma parte escondida da pele e ambos são formados pela ectoderme, que 
envolve todo o corpo embriônico. 
O processo de desenvolvimento da identidade passa também pelo 
reconhecimento do externo, e a pele, nesse ponto, desempenha um papel 
fundamental, pois uma das suas funções é representar o indivíduo como ser único. O 
descontentamento pessoal em não cumprir as exigências externas se reflete também 
em dificuldades nos relacionamentos interpessoais (Mingnorance, Loureiro & Okino, 
2002). 
Para Azambuja (2000), a partir do novo entendimento da doença proposto pela 
psicossomática e pela psiconeuroimunologia, a pele passa a dizer muito mais do que 
se está habituado a entender sobre ela, pois se acredita haver outros aspectos, muitas 
vezes não visíveis, que exercem grande influência. Considerada um órgão de 
extensão do sistema nervoso e um órgão imunitário, assim como representante da 
autoimagem do indivíduo, a pele também passa a ser expressão de sua consciência. 
A intensidade do impacto das doenças de pele depende de algumas variáveis, 
como a história natural e as implicações da desordem específica de pele. As 
características demográficas, de personalidade, caráter e valores do paciente, sua 
situação de vida e as atitudes da sociedade como um todo sobre o significado dos 
distúrbios de pele são fatores fundamentais a serem analisados. 
É de conhecimento público que o stress, físico ou emocional, tem repercussões 
em inúmeras dermatoses, que são também geradoras de stress. O prurido, 
consequência de diversas dermatoses, sofre ampla variação de intensidade, tendo 
como forte fator contribuinte o stress. Entre as doenças de pele citadas na literatura 
que demonstram a influência do stress, também chamadas de psicodermatoses, estão 
a dermatite atópica, a desidrose, o líquen simples crônico ou neurodermite, a 
dermatite seborréica, a psoríase, a acne vulgar, a rosácea, a alopécia areata, a 
 
39 
hiperidrose, a urticária, o herpes simples e o vitiligo (Amorin-Gaudêncio, Roustan & 
Sirgo, 2004; Koo, Do & Lee, 2000; Steiner & Perfeito, 2003). 
O stress envolvido no enfrentamento da doença de pele é uma evidência 
inequívoca de que os fatores emocionais são determinantes no aparecimento e 
agravamento da doença. O stress também influencia diretamente no processo 
inflamatório e proliferativo das células na psoríase. Programas especiais de cuidado 
ao paciente, que envolvem não só prescrição de medicamentos, mas também atenção 
às contribuições da sincronia da fisiologia entre mente e corpo, estão começando a 
ser desenvolvidos. Especial atenção está sendo dada, nesses programas, a uma 
completa avaliação física e psicológica para melhor elucidar os fatores implícitos, 
fatores físicos e mentais estressantes. Além disso, destacam-se também o estilo de 
vida e as práticas dos pacientes, a educação do paciente em grupos de autoajuda e 
treinamento de relaxamento do stress. 
O processo de conscientização do indivíduo sobre o que o leva a adoecer no 
plano físico, psicológico e social pode proporcionar a mudança dos aspectos 
negativos que contribuem para esse estado de desarmonia. A descoberta dos fatores 
estressantes que influenciam na doença é fundamental para que ocorram mudanças 
que também se referem à conscientização de padrões de comportamento prejudiciais 
à pessoa, tanto físicos como emocionais, e de crenças arraigadas que podem levar, 
ao longo dos anos, a um desgaste importante da qualidade de vida. 
Dentre os vários fatores que provocam o aparecimento das dermatoses, o 
aspecto emocional é citado na bibliografia em geral como um fator importante que 
influencia tanto o surgimento como o agravamento da lesão. Destaca-se a psoríase, 
uma das dermatoses crônicas mais pesquisadas, que está classificada no grupo das 
psicodermatoses, sendo o fator emocional identificado como agravante da doença. 
Além disso, a estigmatização e o tratamento difícil dessa dermatose contribuem para 
um alto nível de frustração e baixa autoestima do paciente. 
 
 
40 
BIBLIOGRAFIA 
Amorin-Gaudêncio, C., Roustan, G., & Sirgo A. (2004). Evaluation of anxiety in chronic 
dermatoses: Differences between sexes. Interamerican Journal of Psychology,38 (1), 
105-114. 
ARTHUR C. GUYTON M.D. Neurociência Básica ? Anatomia e Fisiologia. Coord. 
Trad. Charles Alfred Esbérad ... [et al.] 2º Ed.- Rio de Janeiro: Editora Guanabara 
Koogan S. A, 1991. 
Azambuja, R. (2000). Dermatologia integrativa: a pele em novo contexto. Anais 
Brasileiros de Dermatologia, 75(4), 393-420. 
AVILA, Antonio. Para Conhecer a psicologia da religiao. Sao Paulo: Loyola, 2007. 
AZAMBUJA, M. R.F. de.; FERREIRA, M. H. M. Violência sexual contra crianças e 
adolescentes. Porto Alegre: Artmed, 2011 
BARRETO, Façanha J. E.; SILVA, P. L, Sistema Límbico

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