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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA CURSO DE PSICOLOGIA DISCIPLINA: PSICODRAMA PROFESSORA: SUSANA KRAMER DE MESQUITA OLIVEIRA DAYANA MARIA PAULA DE SOUZA DÉBORA MARIA DE OLIVEIRA ALEXANDRE SARAH BRENDA NUNES LAURENTINO PSICODRAMA BIPESSOAL: A TÉCNICA DO ÁTOMO SOCIAL FORTALEZA 2021 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 3 1.1 A abordagem psicodramática e o psicodrama bipessoal ............................... 3 1.2 A técnica do átomo social .................................................................................. 4 2 DESENVOLVIMENTO .................................................................................... 7 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 10 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 11 3 1 INTRODUÇÃO 1.1 A abordagem psicodramática e o psicodrama bipessoal A socionomia é definida por Pereira (2009) como uma teoria, criada pelo psiquiatra romeno Jacob Levy Moreno, que estuda as leis naturais que regem os sistemas sociais de um modo geral, focalizando a formação psicológica do homem a partir da dinâmica vincular resultante do jogo dialético do desempenho de papéis e contrapapéis. Para a autora, a teoria traz como proposta um projeto de planificação e organização social com características auto- organizativas e auto-afirmativas (o homem é visto por Moreno como inatamente espontâneo, criativo e sensível). Através de sua visão de homem como ser permanentemente “em relação” e de sua vasta gama de recursos técnicos utilizada no trabalho com grupos, atuando sobre a vivência dos conflitos e suas potencialidades de resolução, possibilita a transformação gradual dos indivíduos e da coletividade, mostrando-se, portanto, como um forte e eficaz instrumento pedagógico e de mobilização grupal. Segundo Gonçalves, Wolff e Almeida (1988), a teoria socionômica divide-se em sociatria, sociodinâmica e sociometria. A dimensão sociátrica tem caráter compreensivo, lançando os fundamentos da proposta teórica da socionomia. Já a sociodinâmica volta-se à intervenção, compreendendo modalidades como o psicodrama (terapia individual ou grupal pela ação dramática, com um único protagonista), a psicoterapia de grupo (terapia das relações interpessoais inseridas no contexto grupal) e o sociodrama (tipo específico de psicodrama em que o protagonista é o próprio grupo). A sociometria, por sua vez, é de caráter avaliativo, tendo como método o teste sociométrico, que “mede” as relações entre as pessoas do grupo, quantificando-as, com base nos conceitos de tele e transferência (relativos ao fator inato da sensibilidade, indo a favor e contra o seu desenvolvimento, respectivamente), no chamado “sociograma”. É importante ressaltar, porém, que essa divisão é para fins didáticos, já que a prática da socionomia (genericamente chamada de prática psicodramática) integra as três dimensões concomitantemente. Um ponto importante a apontar é o tripé da prática psicodramática: contextos, instrumentos e etapas (GONÇALVES; WOLFF; ALMEIDA, 1988). Os contextos envolvidos são o social (realidade social tal “como é”), o grupal (realidade grupal tal “como é”) e o contexto dramático (realidade dramática, “como se”). Todos eles são privilegiados, em sua medida, pelo diretor, apesar de o contexto psicodramático se destacar bastante por ser o locus em si da dramatização, da manifestação dos papéis dramáticos. 4 Já os instrumentos utilizados nessa práxis são cinco: o cenário, o público, o protagonista, o diretor e o ego-auxiliar. Juntos, os dois últimos formam a unidade funcional, o subsistema responsável, tecnicamente, pelo sucesso dos objetivos propostos a nível grupal e individual (ROJAS-BERMUDEZ, 1984 apud CUKIER, 1992). As etapas, por sua vez, são, o aquecimento (inespecífico e específico), que prepara para ação dramática, resgatando a espontaneidade e a criatividade do grupo e preparando para o encontro psicodramático em si; a dramatização, locus do contexto dramático, dos papéis dramáticos e da catarse de integração; o compartilhamento, em que ocorre a participação terapêutica do grupo; a elaboração, que relaciona os conteúdos expressos com o processo terapêutico (somente ocorre em contextos de terapia, seja grupal, seja bipessoal) e o processamento, tipo de elaboração exclusivo para o ensino do psicodrama, referindo-se a aspectos técnicos da sessão. Acerca do psicodrama bipessoal, que será focalizado mais detidamente neste trabalho, Cukier (1992, p.17), coloca: Por psicodrama bipessoal se designa a abordagem terapêutica oriunda do psicodrama, que não faz uso de egos· auxiliares e atende apenas·a um paciente de cada vez, configurando uma situação de relação bipessoal, ou seja, um paciente e um terapeuta. A autora afirma que algumas polêmicas são levantadas sobre essa prática, em especial o fato de haver uma suposta descaracterização do projeto original de Moreno sobre o psicodrama (prática grupal, com uso de egos auxiliares, que se caracteriza, majoritariamente, pelo uso de atos terapêuticos, em vez de uma terapia processual). Dias (1987 apud CUKIER, 1992), aponta que um dos maiores problemas advindos do uso dessa modalidade técnica é a questão da distância terapêutica, estimulando as cargas transferencial e contratransferencial, por parte do cliente/protagonista e do terapeuta, respectivamente. 1.2 A técnica do átomo social O psicodrama foi uma das primeiras abordagens psicoterápicas a resgatar e avaliar a utilização de jogos para o tratamento de pacientes adultos. Os jogos sempre foram vistos como algo recreativo, porém, eles funcionam na psicoterapia como um meio de reaproximar o paciente de sua espontaneidade, tentando acessá-la e desencadeá-la, a fim de encontrar um sujeito criativo (CUKIER, 1992). O jogo em si possui regras e objetivos que devem ser seguidos e alcançados para que uma vitória seja estabelecida. Na psicoterapia, a lógica é a mesma, contudo, integra-se a 5 busca pela vivência traumática, para que o terapeuta a acesse através do jogo. Além de trazer resultados positivos na terapia, o jogo é, segundo Cukier (1992), utilizado como forma de aproximação sutil e leve do terapeuta ao conflito traumático, tentando transformar o clima de tensão em um ambiente mais descontraído. Os jogos dramáticos são divididos em duas categorias: explorativos e elaborativos. O primeiro tipo funciona como uma espécie de liberador de espontaneidade, ou seja, é adequado que seja utilizado para abrir uma sessão, como forma introdutória de estabelecimento e assimilação de vínculos. De acordo com Cukier (1992, p. 75), os jogos explorativos “favorecem uma espécie de desenho das diferentes partes do drama pessoal do paciente, podendo também ser utilizados como um aquecimento inespecífico, um liberador da espontaneidade para uma dramatização posterior” . Os jogos elaborativos são posteriores aos explorativos: enquanto estes são um meio de aquecimento, aqueles consistem no aprofundamento no centro do trauma vivido pelo paciente. Entre os jogos explorativos, está o átomo social, que será trabalhado no decorrer deste estudo. Para compreender o conceito de átomo social, é preciso remeter-se à ideia de matriz de identidade de Moreno, que é o local (locus) de nascimento pré-determinado onde a criança estabelece suas relações com objetos e pessoas, ou seja, é o primeiro ambiente que compõe a rede relacional da criança. Essa matriz apresenta interações entre fatores biológicos, socioculturais e psicológicos, traçando assim o desenvolvimento infantil, a formação da personalidade eo fornecimento de situações que impulsionam o reconhecimento da criança como um indivíduo com base em suas relações. É a partir da matriz de identidade que o sujeito constrói seus vínculos com as pessoas em sua volta, constituindo assim seu átomo social. O átomo social é uma técnica que consiste no reconhecimento, por parte da pessoa, dos indivíduos que estão em seu círculo de afeto e seu grau de proximidade, ou seja, é a ordenação das relações interpessoais que o sujeito constrói. As relações interpessoais começam a se formar a partir do nascimento da criança e vão sendo alteradas com o passar do tempo devido às constantes mudanças naturais na vida da pessoa. Conforme o indivíduo cresce, vão sendo ampliadas as suas relações, sua rede sociométrica, que organiza os vínculos entre as pessoas, baseando-se nos conceitos de tele e transferência. Diante disso, a mudança apresentada pelo indivíduo em relação a si mesmo muda totalmente o grupo de pessoas no qual está inserido, assim como o grupo em que ele se insere o influencia. 6 Como técnica, Cukier (1992, p. 76) entende que “a investigação dramática do átomo social visa explorar o contexto sociométrico ao qual o paciente está se referindo”. Dessa forma, o átomo é capaz de relacionar diversos aspectos e diferentes ambientes como trabalho, faculdade, família etc. Essa técnica pode ser adaptada para ser utilizada tanto em contexto grupal quanto bipessoal, podendo utilizar pessoas (grupal), objetos que o protagonista tenha a seu alcance (palco), escrita, e até mesmo ser realizada em âmbito on-line, por meio de desenhos utilizando papel e caneta ou aplicativos e softwares específicos para esse fim. Durante o uso do recurso do átomo social, o terapeuta deve observar as respostas do paciente para aplicar posteriormente técnicas e intervenções que tragam melhores resultados para aquele protagonista/grupo. 7 2 DESENVOLVIMENTO Pedro (nome fictício), 44 anos, comerciante, procurou a terapia após pedido da esposa, que disse não aguentar mais a frieza e distanciamento do marido, que costumava ser amoroso, mas tem mudado nos últimos anos. Na primeira sessão, ele falou bastante sobre o trabalho cansativo na loja de material de construção de que é dono, mas respondeu superficialmente às perguntas feitas sobre a família e os filhos. Para a segunda sessão, com o objetivo de entender mais sobre a sua dinâmica familiar, foi proposto o uso da técnica do átomo social. A seguir, a descrição de um fragmento da sessão em que a técnica foi aplicada. Pedro chegou para esta sessão com um semblante mais descontraído e me chamou pelo primeiro nome, do contrário de antes, em que me chamava de doutora. Sentou-se na poltrona como quem aguarda orientação. Perguntei como ele estava, ele me respondeu que estava bem, e menos cansado, pois contratara uma pessoa para ajudar na loja. Depois de alguns minutos me falando sobre trabalho, decidi dar início ao que havia programado. T: Pedro, fico feliz de saber que você contratou alguém para te ajudar. P: Também estou feliz! Eu sorri, e depois de uma breve pausa, continuei: T: Para a sessão de hoje, quero te propor uma coisa nova. Quero conhecer mais sobre a sua família, mas de um jeito diferente. P: Diferente como? T: Na sessão anterior apenas conversamos sobre sua família, hoje a ideia é acrescentar um pouco mais de movimento, você topa? P: Topo sim, tô aqui pra isso. Não é mesmo? T: Muito bem! Vamos começar. Primeiro, vamos ficar de pé e respirar profunda e lentamente algumas vezes, enquanto movimentamos o corpo da maneira que quisermos. P: Me mexo de qualquer jeito? Posso alongar a coluna um pouco, por exemplo? T: Pode sim! Vamos começar. Depois de mais ou menos 2 minutos entre respirações profundas e alongamentos de coluna, pescoço e braços, Pedro diz que está pronto. 8 T: Agora que estamos bem alertas, alongados e presentes, vamos começar (pego 4 almofadas e levo até próximo dele). Esta almofada aqui (coloco no chão) é você. Essas outras três são seus dois filhos e sua esposa. Quero que você coloque cada almofada na distância que você se sente desta pessoa. P: A distância física ou emocional? T: Emocional. P: Certo. Pedro pegou as almofadas menores, que representavam os filhos e colocou uma bem próxima e a outra mais distante, ao lado da almofada da esposa. T: OK, agora quero que você escolha 1 dessas pessoas, troque de lugar com ela. P: Hum, ok. Vou escolher meu filho mais velho, aqui (almofada mais próxima). Eu sou ele agora, é isso? T: Sim, isso mesmo. Agora feche os olhos, respire fundo e pense no seu filho. Veja-o. Imite a postura corporal dele e outros detalhes que achar importante. Quando achar que conseguiu, abra os olhos, e aí, começamos. P (Relaxou o corpo, respirou fundo e colocou uma mão no bolso, em seguida abriu os olhos): Estou pronto. T: Oi, Lucas, você é o filho mais velho do Pedro? P: Sim, sou eu. T: Quantos anos você tem? P (Com os olhos marejados): Teria 25. T: Como assim “teria”? P: Eu morri 2 anos atrás, num acidente de carro (Respondeu com a voz embargada). T: E o que você gostava de fazer com o Lucas? P: Eu estava estudando pra ser engenheiro civil, perto de me formar. T: Que legal! Lucas, tenho uma última pergunta pra te fazer, o que você gostaria de dizer pro seu pai? P (Chorando): Que eu o amo muito e que ele precisa ser forte e cuidar da minha mãe e do meu irmão. T: Obrigada Lucas, foi um prazer conhecer um pouco sobre você. E você, Pedro, o que gostaria de dizer pro Lucas? P: Desculpas, queria pedir perdão, porque eu não tô conseguindo cuidar da Márcia (esposa) e do Filipe (filho mais novo). 9 Pedro sentou-se e, soluçando muito, disse que tem dificuldade de falar sobre a morte do filho e que sente muito a sua falta. Relatou-me também que sabe da queixa que a esposa tem sentido, e que sua frieza não é por falta de amor, mas sim por estar ainda com muita dor devido à perda do filho. A técnica do átomo social foi muito importante nesta sessão para permitir que Pedro se abrisse para a terapia. Até aquele momento, ele não havia mencionado a morte do filho primogênito, mesmo sendo uma parte tão marcante da sua história de vida. Nesse sentido, apesar das fortes críticas que o psicodrama bipessoal recebe, pela descaracterização do projeto original de Moreno e pelos possíveis prejuízos que tal descaracterização possa trazer à relação terapêutica, as suas potencialidades continuam imensas, como um forte instrumento para a elucidação, o encaminhamento e a resolução dos conflitos do contexto social do protagonista, como ocorreu com Pedro, por exemplo. Ademais, apesar dessa suposta descaracterização, pode-se dizer que, de certa forma, o tripé da prática psicodramática permanece intacto, apesar de haver algumas mudanças: os três contextos são mantidos (a diferença é que o contexto grupal, no psicodrama bipessoal, compreende um grupo de somente duas pessoas, o cliente e o terapeuta) e as etapas também são as mesmas, assim como os instrumentos (o terapeuta intercala entre os papéis de diretor e ego-auxiliar). Cukier (1992, p. 25), aponta: Enfim, talvez a maior perda no trabalho psicodramático bipessoal se refira à perda de um referencial técnico clássico e à concomitante necessidade de se criar novas formas de abordagem. Lembro que exatamente a isto se refere Moreno, não enquanto uma perda, mas enquanto um ganho de criação e espontaneidade. Porém, alguns cuidados devem ser tomados ao utilizar-se do psicodrama bipessoal, para mantê-lo como um processo legítimo. O principal deles é que se deve continuar tratando essa prática como uma terapia da ação, e não como uma terapia verbal, como as tradicionais abordagens terapêuticas. Pois é na ação, na dramatização, que o protagonista acessa os papéis dramáticos, a criatividadee a espontaneidade. A ideia de Moreno de que a terapia verbal “mais condiciona do que liberta” é imprescindível na práxis do psicodramatista bipessoal. Além disso, também é muito importante que o terapeuta seja cauteloso ao lidar com os dois papéis que ele desempenha na sessão (diretor e ego-auxiliar), sabendo quando e como utilizar cada um, sempre muito bem orientado tecnicamente. 10 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após expor um pouco sobre o psicodrama, o psicodrama bipessoal e, especificamente, a técnica do átomo social, percebemos a notável importância do estudo desses conteúdos para a nossa formação como futuras psicólogas, para que exerçamos uma legítima prática psi, sempre ancorada numa visão do homem como sempre inserido em um contexto social mais amplo, sempre indo além das particularidades e idiossincrasias de cada sujeito com quem nos deparamos em nossa caminhada acadêmica e profissional. 11 REFERÊNCIAS CUKIER, R. Psicodrama bipessoal: Sua técnica, seu terapeuta e seu paciente. São Paulo: Ágora, 1992. GONÇALVES, C. S.; WOLFF, J. R.; ALMEIDA, W. C. Lições de psicodrama: Introdução ao pensamento de J. L. Moreno. 2. ed. São Paulo: Ágora, 1988. PEREIRA, E. Tecendo diálogos entre socionomia e psicologia comunitária. Rev. bras. psicodrama, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 69-85, 2009. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104- 53932009000100006&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 07 mar. 2021.
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