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Transexuais e a possibilidade da mudança de nome sem cirurgia de retificação sexual

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR 
FACULDADE DE DIREITO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MARIANA STROBEL ROSSITER 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TRANSEXUALIDADE E O REGISTRO CIVIL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Salvador 
2015 
 
 
MARIANA STROBEL ROSSITER 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TRANSEXUALIDADE E O REGISTRO CIVIL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Salvador 
2015 
 
Artigo Científico apresentado ao Curso de 
Direito da Universidade Católica do 
Salvador, como requisito para obtenção 
do grau de Bacharel em Direito. 
 
Orientadora: Prof.ª M.
a
 Reginalda 
Paranhos de Brito. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À minha família, pоr sua capacidade dе 
acreditar еm mіm е investir еm mim. Aos 
meus amigos, pela compreensão. À 
minha ilustre orientadora Reginalda, pela 
paciência e sabedoria. 
3 
 
TRANSEXUALIDADE E O REGISTRO CIVIL 
 
Mariana Strobel Rossiter* 
 
 
RESUMO: O presente artigo tem como tema a transexualidade e os efeitos desta no registro 
civil, abordando a possibilidade de alteração do registro antes da Cirurgia de alteração do 
sexo. Para tal, oferece uma breve visão acerca dos possíveis critérios para a designação de 
gênero e uma breve distinção entre orientação sexual e identidade de gênero. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Transexualidade. Alteração do registro civil. Cirurgia de 
transgenitalização. Dignidade da pessoa humana. 
 
 
ABSTRACT: This article talks about transexuality and its effects on the civil registry, as well 
as the possibility of it being changed before the transgenitalization surgery. To do so, offers a 
sheer vision about the plausible criteria for the designation of gender and also a short 
distinction between sexual orientation and gender identity. 
 
KEYWORDS: Transexuality. Modification in Civil Registry. Transgenitalization surgery. 
Human Dignity. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Inúmeras são as discussões acerca da temática da transexualidade, em 
vários círculos da sociedade. A discussão muitas vezes acalorada acaba por relevar 
o ponto mais importante da questão, que deve ser o bem-estar do transexual. Em 
muitas situações, as pessoas envolvidas no debate optam por impor a sua ideologia 
sem se lembrar que o transexual é um indivíduo e que este sofre com a privação dos 
seus direitos, além de sofrer com as situações vexatórias que acontecem ao 
apresentar um documento com um nome que não representa a sua identidade de 
gênero e, às vezes, a sua aparência externa. 
O Direito deve acompanhar as mudanças da sociedade e deve agir como 
ente interessado na busca pela igualdade e bem-estar dos membros da mesma. 
Deve tratar de modo igual os iguais, e os desiguais na medida da sua desigualdade, 
para garantir a justiça e o equilíbrio social. Deste modo, o Direito não pode se eximir 
 
*
 Graduanda em Direito na UCSAL, turno vespertino, campus da Federação. E-mail: 
<nanarossiter@hotmail.com>. 
 
4 
 
de evoluir, pois os problemas atinentes à sociedade evoluem também, devendo o 
primeiro adaptar-se e renovar-se para dirimir os conflitos. Entretanto, a 
transexualidade não é algo novo. O que é novo é a possibilidade de mudar de nome 
e de alterar a aparência física por meio de cirurgia e tratamento hormonal. Neste 
sentido, o sentimento de pertencer ao outro sexo presente no transexual é tão antigo 
quanto a sexualidade humana (GREEN, 1969). 
O tema em questão envolve o Direito, a Medicina e a Psicologia, pois afeta o 
ser humano transexual na área civil, médica e psicológica, sem prejuízo de afetar 
outras áreas não citadas. Negar reconhecimento a essa situação ou se mostrar 
inerte ao sofrimento do transexual é cruel e desumano, contrariando o Princípio da 
Dignidade da Pessoa Humana. Princípio este que é basilar ao nosso ordenamento 
jurídico, sendo representado pelo artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988. 
Acerca das dificuldades sofridas pelo indivíduo não redesignado, Venosa 
(2003, p. 223) observa que este “vive em situação de incerteza, angústia e conflitos 
o que lhe dificulta, senão impede de exercer as atividades inerentes aos seres 
humanos”. 
Por um lado, apresenta-se a visão, de modo geral, mais conservadora de 
alguns núcleos da sociedade. Tal visão tem sido muitas vezes arraigada pelo 
entendimento religioso, o qual compreende que o ser humano nasce do jeito que 
Deus quer que este nasça. Isto é, aquele indivíduo que nasce com a genitália 
masculina é homem, e aquele que nasce com genitália feminina é mulher, sendo o 
gênero neste caso atrelado ao viés morfológico. De outro lado, tem-se a perspectiva 
da comunidade médica, que apresenta um pensamento um pouco mais 
progressista, mas que, ao mesmo tempo, ainda categoriza a Transexualidade como 
Transtorno. E, em um lado ainda mais progressivo, estão as pessoas que lutam 
pelos direitos constitucionais dos transexuais, os quais, muitas vezes, são vistos de 
maneira distorcida. Diante dessas diferentes perspectivas, a pergunta que surge é a 
seguinte: então, afinal, qual o critério para a caracterização do sexo? 
 
2 SEXO E GÊNERO 
 
A priori, é importante conceituar em linhas gerais o que é sexo e o que é 
gênero, pois, apesar de serem usados comumente como sinônimos, na verdade não 
são. Sexo é, em verdade, uma representação de cunho físico, material e palpável. É, 
5 
 
portanto, relacionado ao próprio formato da genitália, bem como ao conjunto de 
órgãos específicos reprodutores e hormônios produzidos, isto é, aspectos 
anatômicos, morfológicos e fisiológicos. Por outro lado, afirma Henrietta Moore 
(2000), gênero é tido como uma construção social e se correlaciona com o papel 
social, cultural e histórico dos dois “sexos”. A noção de gênero é entendida aqui 
como relações estabelecidas a partir da percepção social das diferenças biológicas 
entre os sexos (SCOTT, 1995). 
De acordo com Ceccarelli (2010), a distinção entre os conceitos de sexo e 
gênero foi proposta por Robert Stoller. Utilizando como base conceitos freudianos, o 
psicanalista norte-americano fez estudos acerca das crianças chamadas de 
intersexo, que eram educadas de acordo com o sexo que lhe era designado ao 
nascimento. A conclusão do estudo traçado por Stoller foi que o gênero se 
sobrepunha ao sexo, uma vez que as crianças eram informadas que possuíam 
genitália incomum e mesmo assim insistiam em agir de acordo com o gênero que 
lhes foi conferido ao nascer (LIMA, 2011). 
Sobre o assunto, Jesus (2012, p. 6) discorre: 
 
Mulheres de países nórdicos têm características que, para nossa cultura, 
são tidas como masculinas. Ser masculino no Brasil é diferente do que é ser 
masculino no Japão ou mesmo na Argentina. Há culturas para as quais não 
é o órgão genital que define o sexo. Ser masculino ou feminino, homem ou 
mulher, é uma questão de gênero. Logo, o conceito básico para 
entendermos homens e mulheres é o de gênero. 
 
Mas afinal, o que significa ser mulher no Brasil? E o que significa ser homem? 
Essas noções de masculino e feminino são taxativas e tendem a delimitar o 
conceito. No Brasil, país que é patriarcal, “ser homem” é sinônimo de força e de 
controle, enquanto “ser mulher” é, por muitas vezes, sinônimo de fraqueza. Afinal, 
quem nunca ouviu alguma frase que se assemelha a “você faz tal coisa como uma 
mocinha”, ou “seja homem e termina logo com isso”. Essas frases demonstram as 
ideias subentendidas com relação ao gênero por uma parcela da população. Ideias 
que atribuem fragilidade à mulher e força ao homem. 
Os entendimentos que se desdobram a partir dos conceitos de gênero 
masculino e feminino são mutáveis. Eles dependem de colocação em tempo e 
espaço, bem como de inserção em um contexto específico, porque são conceitos 
que variam com o posicionamento da sociedade, com a organização política, a 
6 
 
religiosidade do povo, etc. Por outro lado, os conceitos de sexo masculino e sexo 
feminino são muito maisconstantes e rígidos, pois se baseiam em representações 
de cunho físico, como a genitália, independendo do comportamento pessoal de 
quem o carrega. 
 
3 MODOS DE IDENTIFICAÇÃO SEXUAL 
 
Acerca do tema, pode-se citar variados modos que podem ser utilizados para 
a identificação do sexo. A saber: morfológico, cromossômico, legal, psíquico, 
hormonal, gonádico, entre outros. 
De acordo com o critério genético (cromossômico), o sexo é definido pelos 
cromossomos localizados no núcleo das células. Nesse sentido, Magalhães (2010, 
p. 154) afirma que, “do ponto de vista da genética, o homem é definido por um 
cromossomo X e outro Y. A mulher, por um par de cromossomos X”. 
Ainda sobre o sexo cromossômico, vejamos a perspectiva da Procuradora de 
Justiça Maria Ignez Franco Santos que aparece no texto da Apelação Cível nº 
70022504849: 
 
Na atual fase do conhecimento científico, a identificação do sexo do ser 
humano é irreversível e ocorre no momento da concepção, dependendo do 
número dos cromossomos em cada célula. Sabe-se que todo ser humano 
recebe um cromossomo X, da mãe. Quem herde um cromossomo X do pai, 
é mulher (XX), quem herde um Y, é homem (XY) [...]. (TRIBUNAL DE 
JUSTIÇA-RS, 2009, p. 10) 
 
Com relação ao sexo legal, entende-se que ele é definido pelas relações 
sociais do indivíduo e pela sua vida civil. Para tanto, determina-se o sexo legal pela 
certidão de nascimento e o registro civil. 
O sexo morfológico é aquele que leva em consideração a aparência física da 
genitália do indivíduo. Para ser caracterizado como homem, o indivíduo precisa ter 
pênis, testículo, saco escrotal, etc. Enquanto que, para se caracterizado como 
mulher, toma-se por base a presença de órgãos femininos, como útero, vulva, 
vagina, ovários, etc. 
Por último, temos o sexo psíquico. Este é de maior relevância para o 
entendimento do tema aqui apresentado, pois o indivíduo transexual apresenta uma 
discrepância entre o sexo externalizado em seu corpo, e o gênero do qual acredita 
7 
 
pertencer. Segundo Vieira (1999, p. 117), “O sexo não é mais considerado tão 
somente como um dado fisiológico (e, portanto, geneticamente determinado) e, por 
isso, imutável, a partir de contribuição das áreas de conhecimento da psicologia, da 
biologia, da antropologia, entre outros”. Cardoso (2005), por sua vez, afirma que: 
 
O sexo psíquico ou psicossocial diz respeito à reação psicológica do 
indivíduo frente a determinados estímulos. É aquele em que o indivíduo, 
realmente, acredita pertencer, sendo resultante do intercâmbio genético, 
fisiológico e psicológico que se formou dentro de uma determinada 
atmosfera sociocultural. 
 
O sexo psíquico ou psicossocial é o único que leva em consideração o 
aspecto subjetivo, tendo em vista que a própria conceituação parte do indivíduo 
conceituado. Os outros critérios são fechados, observam-se por meio de 
representações físicas sem possibilidade de discricionariedade, são impostos pela 
natureza e se refletem na sociedade por meio dos signos utilizados. Este 
entendimento é o que mais se aproxima da noção de gênero. 
 
4 CONCEITO DE TRANSEXUALIDADE 
 
No contexto apresentado pela sociedade de modo geral, há apenas a 
possibilidade do indivíduo se enquadrar em duas categorias: masculino ou feminino. 
Esta caracterização de sexo se dá tão logo a criança nasce, sendo observada a 
genitália externa. Entretanto, alguns indivíduos percebem uma incongruência entre o 
sexo apresentado em seu registro civil e a identificação pessoal sexual. Isto é, 
sentem como se a sua identidade sexual fosse distinta daquela apresentada nos 
seus genitais externos. Daí se tem uma noção básica do que é a transexualidade, 
que pode ser retratada, em linhas restritivas, como a insatisfação entre a 
representação física e a identidade pessoal. 
Diniz (2006) conceitua o indivíduo transexual como “portador de desvio 
psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência a 
automutilação ou autoextermínio”. 
O transexual vive na prisão mais apertada e restrita possível. Vive preso 
dentro de um casco de pele que não lhe é familiar, que não lhe é íntimo. Vive em 
estado de tortura constante, constrangido dentro de um invólucro que não lhe 
agrada. Tamanha é a sua insatisfação consigo mesmo que é bastante comum que o 
8 
 
indivíduo venha a se mutilar. Os transexuais tendem a se isolar e se esconder. 
Alguns tentam o suicídio, pois não veem saída para a situação ou porque tem medo 
de sofrer represálias se assumirem para os familiares o modo como se sentem. De 
acordo com um estudo feito pela instituição BMC Public Health do Canadá, a cada 
100 transexuais 35 pensaram em suicídio em 2014. 
Diante desse sofrimento emocional tão intenso, a maioria dos transexuais tem 
vontade de adequar o seu corpo físico ao gênero ao qual entendem pertencer. Para 
terem o seu desejo realizado, muitos optam por tratamentos hormonais, cirurgias 
plásticas, pela cirurgia de transgenitalização, etc. Neste sentido, afirma Klabin (apud 
LACERDA, 2007, p. 2): 
 
O transexual é um indivíduo, anatomicamente de um sexo, que acredita 
firmemente pertencer ao outro sexo. Essa crença é tão forte que o 
transexual é obcecado pelo desejo de ter o corpo alterado a fim de ajustar-
se ao “verdadeiro” sexo, isto é, ao seu sexo psicológico. 
 
Segundo Dias (2009, p. 234), o processo de mudança de sexo: 
 
É a busca consistente de integração física, emocional, social, espiritual e 
sexual, conquistada com muito esforço e sacrifícios por pessoas que vivem 
infelizes e muitas vezes depressivas quanto ao próprio sexo. 
 
A cirurgia de transgenitalização não é um fim em si mesmo. Antes da 
intervenção cirúrgica, é necessária uma série de procedimentos que devem ser 
acompanhados por uma equipe multidisciplinar, tendo em vista que a cirurgia é 
irreversível e delicada. Os procedimentos devem demorar no mínimo dois anos para 
só assim a cirurgia de retificação de sexo ser feita. 
A cirurgia no caso de pessoas que querem adequar o seu corpo ao gênero 
feminino é menos complicada, se contraposta às cirurgias de adequação para o 
gênero masculino. Na cirurgia que parte do masculino para o feminino, há a retirada 
do pênis e há a construção de um canal vaginal. Por outro lado, nas cirurgias em 
que o corpo masculino é almejado, o processo é gradual e não imediato. Além da 
técnica empregada na cirurgia ser experimental, são necessárias cerca de 5 
cirurgias retificadoras, pois, além da retirada dos órgãos femininos (útero, ovários, 
etc.), ainda há a construção de um pênis com a pele do antebraço, para depois ser 
implantado. Ademais, ainda há a retirada das mamas e a colocação de próteses que 
se assemelham aos testículos. 
9 
 
Deste modo, podemos caracterizar, de modo resumido, o transexual como o 
indivíduo insatisfeito com o sexo que lhe foi atribuído baseado nas suas 
características físicas/morfológicas/biológicas. 
 
5 BREVE DISTINÇÃO ENTRE IDENTIDADE DE GÊNERO E ORIENTAÇÃO 
SEXUAL 
 
Apesar de serem conceitos completamente distintos, grande parte da 
população leiga ainda confunde orientação sexual e identidade de gênero, pois as 
pessoas associam a atração pelo mesmo sexo com vontade de se tornar outro sexo. 
Sobre o assunto, Jesus (2012) escreve: 
 
[A transexualidade] Não tem nada a ver com orientação sexual, como 
geralmente se pensa, não é uma escolha nem é um capricho. Ela é 
identificada ao longo de toda a História e no mundo inteiro. (JESUS, 2012, 
p. 7) 
 
Uma pessoa transexual pode ser bissexual, heterossexual ou homossexual, 
dependendo do gênero que adota e do gênero com relação ao qual se atrai 
afetivo-sexualmente, portanto, mulheres transexuais que se atraem por 
homens são heterossexuais, tal como seus parceiros, homens transexuais 
que se atraem por mulheres também; já mulheres transexuais que se 
atraem por outras mulheres são homossexuais, e vice versa. (JESUS, 2012, 
p. 8)A transexualidade, desse modo, se correlaciona exclusivamente com o 
conceito de identidade de gênero, isto é, com a insatisfação com o corpo físico e a 
crença de que este não representa a real identidade do transexual. Este é o 
entendimento de Lima (2011), que entende que a identidade de gênero pode ser 
distinta do sexo ao nascimento, podendo uma pessoa nascer do sexo feminino, mas 
se identificar com o sexo masculino. 
Acerca da identidade de gênero, esta pode ser definida como uma construção 
social de resultados mutáveis, dependendo do espaço e do tempo em que os 
conceitos estiverem inseridos. Por outro lado, a orientação sexual de alguém mostra 
por quais gêneros esta pessoa se sente atraída. A título de complementação, é 
sabido que a terminologia mais adequada é “orientação sexual”, e não “opção 
sexual”, pois a última implica uma escolha consciente. 
 
 
10 
 
6 TRANSEXUALIDADE E O DIREITO À DIGNIDADE 
 
O Direito não pode permanecer estático frente às complicações que 
acontecem na sociedade. Ele, como meio de dirimir conflitos, deve estar sempre em 
metamorfose para acompanhar as mudanças na sociedade. 
É sabido que os transexuais sofrem preconceito e passam por situações 
vexatórias ao apresentar um nome que não condiz com a sua identidade de gênero 
e, em alguns casos, com a sua própria imagem exterior modificada. Esse tipo de 
situação contraria o Princípio da Dignidade Humana, que é princípio basilar da 
Constituição Federal de 1988, pois expõe o indivíduo a um cenário vexatório e cruel, 
até mesmo nas ocorrências mais mundanas como abrir uma conta em banco ou 
assinar um contrato telefônico. De acordo com Sarlet (2007), no livro Dignidade da 
Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, este 
princípio seria intrínseco a cada ser humano, onde todos teriam direito à mesma 
consideração e respeito por parte da entidade estatal e da sociedade. Deste modo, 
esse princípio seria um conjunto de direitos e deveres que protegem o ser humano 
contra atos degradantes e/ou vexatórios, garantindo uma vivência saudável. 
Diante desses possíveis acontecimentos degradantes, o Direito não pode ficar 
estático. Entretanto, os avanços ainda não foram capazes de sanar todos os 
problemas enfrentados pelos transexuais no dia a dia, principalmente aqueles que 
ainda não foram submetidos à cirurgia. As pequenas conquistas, como a 
possibilidade de uso do nome social, ainda são insatisfatórias e incompletas. 
O nome é a reflexão daquilo que somos, seja no nível pessoal ou na esfera 
civil. O Artigo 16 do Código Civil de 2002 dispõe que todas as pessoas têm direito a 
um nome, isto é, um prenome e um sobrenome. A priori, de acordo com a antiga 
redação do Artigo 58 da Lei 6.015/73, o prenome era imutável. 
Segundo Beltrão (2005, p. 119): 
 
O nome possibilita a identificação da pessoa diante da sociedade, nos 
diversos núcleos possíveis, permitindo a individualização da pessoa 
evitando a confusão com outras. Assim, os elementos de identificação vão 
facilitar a localização da pessoa em sua família e perante o Estado, 
possibilitando a verificação de sua condição pessoal e patrimonial. 
 
No que tange ao registro civil, a mudança de prenome é vedada, exceto nos 
casos em que o indivíduo é exposto constantemente ao ridículo por conta do próprio 
11 
 
nome, como acontece muitas vezes com os transexuais. Neste caso, há a 
possibilidade de se ingressar com uma ação para a retificação do registro. 
Acerca da possibilidade do transexual retificar o nome e o gênero após a 
cirurgia, a jurisprudência majoritária tende a deferir o pedido de alteração de 
prenome e sexo, porém a ausência de legislação específica acerca do tema abre 
possibilidade para decisões em sentido contrário. Um exemplo de deferimento pode 
ser observado no texto do Recurso Especial n.º 1008398/SP, julgado no Tribunal de 
Justiça de São Paulo e publicado em 18 de novembro de 2009. Silva (2015) nos 
apresenta um trecho do julgado: 
 
TRANSEXUAL SUBMETIDO À CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL 
– ALTERAÇÃO DO PRENOME E DESIGNATIVO DE SEXO – PRINCÍPIO 
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 
A dignidade da pessoa humana deve ser resguardada, em um âmbito de 
tolerância, para que a mitigação do sofrimento humano possa ser o 
sustentáculo de decisões judiciais, no sentido de salvaguardar o bem 
supremo e foco principal do Direito: o ser humano em sua integridade física, 
psicológica, socioambiental e ético-espiritual. Afirmá-la significa para cada 
um manifestar sua verdadeira identidade, o que inclui o reconhecimento da 
real identidade sexual. […] No caso, a possibilidade de uma vida digna para 
o recorrente depende da alteração solicitada. E, tendo em vista que o autor 
vem utilizando o prenome feminino para se identificar, razoável a sua 
adoção no assento de nascimento, seguido do sobrenome familiar, 
conforme dispõe o artigo 58 da Lei n.º 6.015/73. 
 
Em sentido contrário, há o caso do processo nº 1.0000.00.296076-3/001 (1), 
julgado no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em 22 de abril de 2004. O texto da 
ementa do processo aponta o seguinte: 
 
Ementa: civil. Sexo. Estado individual. Imutabilidade. O sexo, como estado 
individual da pessoa, é informado pelo gênero biológico. A redefinição do 
sexo, da qual derivam direitos e obrigações, procede do direito e não pode 
variar de sua origem natural sem legislação própria que a acautele e 
discipline. Rejeitam- se os embargos infringentes. (TRIBUNAL DE 
JUSTIÇA-MG, 2004) 
 
A maior divergência se dá nas situações em que o transexual ainda não 
realizou a cirurgia, ou não terá condições de realizá-la no futuro, tendo em vista o 
caráter delicado e experimental da operação. Neste caso, se considerado que o 
critério definidor do gênero é biológico, isto é, que este depende da aparência da 
genitália, a conclusão lógica proveniente dessa linha de pensamento é a de 
12 
 
indeferimento das ações que pleiteiam a retificação do gênero do não operado, tal 
como ocorreu no caso da Apelação Cível Nº 70064503675: 
 
REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALIDADE. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DE 
PRENOME E DE SEXO. ALTERAÇÃO DO NOME. POSSIBILIDADE. 
AVERBAÇÃO À MARGEM. A ALTERAÇÃO DO SEXO SOMENTE SERÁ 
POSSÍVEL APÓS A CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. 
[...]4. No entanto, é descabida a alteração do registro civil para fazer constar 
dado não verdadeiro, isto é, que o autor seja do sexo feminino, quando 
inequivocamente ele é do sexo masculino, pois ostenta órgão genitais 
tipicamente masculinos. 5. A definição do sexo é ato médico e o registro 
civil de nascimento deve espelhar a verdade biológica, somente podendo 
ser corrigido quando se verifica erro. Recurso desprovido, por maioria. 
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA-RS, 2015) 
 
Em sentido contrario à utilização do critério biológico, Dias (2009, p.120) 
afirma que, “Como os fatos acabam se impondo ao Direito, a rigidez do registro 
identificatório da identidade sexual não pode deixar de curvar-se à pluralidade 
psicossomática do ser humano”. Acompanhando essa linha com nuance mais 
humanitária e progressista, cita-se a seguinte decisão, referente à Apelação Cível nº 
70011691185, julgada em 15 de setembro de 2005: 
 
APELAÇÃO CÍVEL. REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO DO REGISTRO DE 
NASCIMENTO RELATIVAMENTE AO SEXO. TRANSEXUALISMO. 
Possibilidade, embora não tenha havido a realização de todas as etapas 
cirúrgicas, tendo em vista o caso concreto. Recurso provido. (TRIBUNAL DE 
JUSTIÇA-RS, 2005) 
 
 
Neste mesmo sentido, é possível citar ainda a Apelação nº 0008539-
56.2004.8.26.0505, julgada no Tribunal de Justiça de São Paulo, em 18 de outubro 
de 2012: 
 
REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO DE PRENOME E SEXO DA 
REQUERENTE EM VIRTUDE DE SUA CONDIÇÃO DE TRANSEXUAL. 
ADMISSIBILIDADE. Hipótese em que provada, pela perícia multidisciplinar, 
a desconformidade entre o sexo biológico e o sexo psicológico da 
requerente. Registro civil que deve, nos casos em que presente prova 
definitivado transexualismo, dar prevalência ao sexo psicológico, vez que 
determinante do comportamento social do indivíduo. Aspecto secundário, 
ademais, da conformação biológica sexual, que torna despicienda a prévia 
transgenitalização. Observação, contudo, quanto à forma das alterações 
que devem ser feitas mediante ato de averbação com menção à origem da 
retificação em sentença judicial. Ressalva que não só garante eventuais 
direitos de terceiros que mantiveram relacionamento com a requerente 
antes da mudança, mas também preserva a dignidade da autora, na medida 
em que os documentos usuais a isso não farão qualquer referência. 
13 
 
Decisão de improcedência afastada. Recursos providos, com observação. 
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA-SP, 2012) 
 
Conforme o exposto acima, entende-se que ainda há muita divergência 
acerca da possibilidade do transexual retificar o gênero no registro civil. Por um lado, 
há uma corrente biológica, que atrela a genitália ao conceito de sexo, enquanto por 
outro lado há uma corrente psicológica, que leva em consideração a 
autodeterminação do indivíduo. 
 
7 CONCLUSÃO 
 
Por vivermos em uma sociedade patriarcal e conservadora, em conjunto com 
a falta de legislação específica sobre o tema e aliada à ausência de conhecimento, 
transexuais sofrem no processo de aquisição dos seus direitos e são vistos de 
maneira equivocada por parte da sociedade. 
O tema aqui proposto é delicado e perpassa por meios que transcendem o 
contexto jurídico, atingindo aspectos somáticos, psicológicos e sociais, pois o nome 
é algo muito pessoal e definidor, conforme estudado nos primórdios da faculdade 
acerca dos direitos da personalidade e do princípio da dignidade da pessoa humana. 
Além disso, a questão apresentada envolve nuances de psicologia e medicina, ao 
passo que essencialmente a transexualidade é discutida entre essas duas esferas 
de conhecimento. 
Por outro lado, o descontentamento desses indivíduos não pode ser ignorado, 
mesmo que o tema seja delicado e envolva questões que permeiem os mais 
diversos âmbitos da sociedade. 
Negar reconhecimento à possibilidade do transexual ter seu sexo retificado no 
registro, com ou sem cirurgia, é cruel e viola o princípio mais norteador do nosso 
ordenamento jurídico, o Princípio da Dignidade Humana. É sentenciar o transexual 
não operado, que muitas vezes se porta como o gênero com o qual se identifica, à 
uma vida de constrangimentos nas situações mais simples possíveis, como abrir 
uma conta em banco. Não é correto, no sentido mais humano da palavra, exigir que 
o transexual se submeta a uma cirurgia experimental, que pode não lograr êxito, 
para somente depois disso permitir que o gênero que consta no registro seja 
alterado. Portanto, considera-se aqui que o gênero se caracteriza pela identidade 
14 
 
mental e pessoal do indivíduo e que, deste modo, a cirurgia de transgenitalização 
não deve ser condição sine qua non para a mudança do prenome e do gênero no 
registro civil. 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos de Personalidade: de acordo com o Novo 
Código. São Paulo: Atlas, 2005. 
 
CARDOSO, Renata Pinto. Transexualismo e o direito à redesignação do estado 
sexual. 2005. Disponível em: 
<http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2164/Transexualismo-e-o-direito-a-
redesignacao-do-estado-sexual>. Acesso em: 27 set. 2015. 
 
CECCARELLI, Paulo Roberto. Psicanálise, sexo e gênero: algumas reflexões. In: 
RIAL, C.; PEDRO, J.; ARENDE, S. (Orgs.). Diversidades: Dimensões de Gênero e 
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<http://ceccarelli.psc.br/pt/wp-
content/uploads/artigos/portugues/doc/psicanalise_e_genero.pdf>. Acesso em: 12 
nov. 2015. 
 
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