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Augusto Sampaio Strohhaecker RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM Rio de Janeiro 2023 Augusto Sampaio Strohhaecker Reconhecimento de paternidade e maternidade socioafetiva post mortem Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade Digital Descomplica, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de bacharel tecnólogo em Direito da Família e Sucessões. Rio de Janeiro 2023 RESUMO O presente trabalho teve como objetivo o estudo da paternidade e maternidade socioafetiva post mortem, assim como sua previsão no direito civil brasileiro. Deste modo, foi abordado a filiação e seus desdobramentos. Versando sobre a evolução do conceito familiar, seus requisitos perante o âmbito jurídico e as previsões legais acerca do tema. Por conseguinte, abordou-se a socioafetividade na esfera judicial e extrajudicial, as maneiras como são abordadas em cada viés e as noções doutrinarias acerca do tema. A partir destas análises, foi discorrido sobre os requisitos essenciais para o reconhecimento da parentalidade socioafetiva com ênfase nas situações post mortem, passando pelo principal requisito, isto é, a posse do estado de filho. Nesse cenário, elencou-se também questões jurídicas e morais acerca do tratamento desigual entre os filhos, sendo uma vedação constitucional. Palavras-chave: parentalidade socioafetiva; paternidade; maternidade; filiação socioafetiva; post mortem. INTRODUÇÃO O direito das famílias sofre mudanças drásticas com o passar do tempo e consecutivamente com a evolução da sociedade e seus conceitos de família, afetividade, vínculos biológicos ou não biológicos. A principal evolução destes conceitos se detém a questão do afeto. Os vínculos afetivos, isto é, aqueles criados através dos sentimentos humanos e não somente por fatores biológicos, são os principais pontos que impactam a esfera jurídica. Através da ênfase nos laços afetivos, o judiciário se depara com uma demanda considerável de ações requerendo reconhecimento destes vínculos a título de uniões estáveis, reconhecimento de filiações e outros. Esta demanda recebida pelo judiciário sobre o tema exemplifica objetivamente a importância no estudo acerca do tema e seus principais desdobramentos. A presente tese tem como objetivo averiguar a parentalidade socioafetiva, ou seja, a paternidade e maternidade gerada por vínculos afetivos, com ênfase na situação do reconhecimento destes vínculos diante do fato post mortem. Será assim, analisados quais os conceitos adotados, os requisitos trazidos pela doutrina e pela jurisprudência e os impactos consequentes dos mesmos. Além disto, serão analisados especificamente, com exemplos claros, os requisitos essenciais para o reconhecimento das filiações. O consentimento como critério de avaliação para reconhecimento dos vínculos, o estado de posse como método para qualificação da maternidade ou paternidade socioafetiva. Esta tese tem como objetivo principal esclarecer e explicar a pergunta: Existe a possibilidade de reconhecimento destes vínculos post mortem? Quando este reconhecimento pode ocorrer e quais as formas legais para se obter tal reconhecimento? METODOLOGIA O método de abordagem utilizado no referido trabalho foi a dedutiva, isto é, partimos de um sentido geral de afirmação feitas com base em um fenômeno específico baseando-se nas repetições de observações neste sentido. Trazendo como ideia que a partir de uma verdade geral descrita pode-se chegar a uma conclusão geral. Quanto ao método de procedimento foi usado o comparativo, ou seja, toda a investigação é realizada por verificação de dois ou mais fenômenos sociais, analisando-se as diferenças e compatibilidades. Assim como, foi utilizado o método histórico, pois foram feitas análise sobre a evolução dos termos, sentidos e adequações sociais sofridas com o passar do tempo trazendo-as para a atualidade. O método de pesquisa utilizado foi o bibliográfico. A pesquisa bibliográfica, para FONSECA (2002) é realizada: [...] a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto. Existem, porém, pesquisas científicas que se baseiam unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas com o objetivo de recolher informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a resposta. A presente pesquisa baseou-se em teorias já publicadas, assim como doutrinas relevantes e jurisprudências pacificadas. Pautando-se no estudo preliminar do combinado destas referencias para a elaboração de tese própria e conclusão geral pautada na teoria criada com base nestas. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA E SEUS DESDOBRAMENTOS O termo “socioafetivo” etimologicamente é formado pela junção do prefixo sócio, que neste contexto possui o significado de companheiro, e afetivo, que tem o sentido de afeição e sentimentos. Assim, socioafetivo diz respeito as relações sociais pautadas na afetividade, no vínculo sentimental e não somente no fator genético. Portanto, relações familiares socioafetivas são aquelas pautadas na afinidade, no reconhecimento sentimental e, principalmente, no consentimento entre ambas as partes acerca do vínculo existente. As relações familiares passaram por diversas e notáveis transformações ao longo dos anos e o direito de família precisou adaptar-se para compreender a realidade social. Através das mudanças sociais o direito passou a perceber as relações socioafetivas sob um novo prisma. É por este motivo que as normas que regem estas relações sofreram ampliações significativas no decorrer dos últimos anos, especificamente o Código Civil de 2002. Um exemplo simples sobre estas mudanças é a alteração no texto quanto a denominação dos filhos entre o Código Civil de 1916 e o Código Civil de 2002, ou seja, não se utiliza mais a distinção de filhos legítimos e ilegítimos, pois não há desigualdade entre seus direitos, consoante artigo 227§6º que efetiva o princípio de igualdade entre os filhos (OTONI, 2010). A Constituição Federal de 1988 trouxe uma transformação para todo o sistema jurídico brasileiro ao evidenciar ditames já reconhecidos internacionalmente, mas outrora esquecidos no Brasil. O princípio máximo da dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade entre as pessoas e são exemplos claros desta inovação legal. Desta forma, os demais compilados legais precisaram adaptar-se as novas concepções expressas na Carta Magna. A partir dos novos princípios constitucionais que embasam todo o modo de operação e aplicação do direito, o Código Civil passou a pessoa humana, sua dignidade e sua igualdade perante os demais, como o centro de todo seu texto, especialmente ao versar sobre o Direito de Família. Foi a partir dessa pequena, mas significativa, mudança que se abriu possibilidade para efetivar garantias independente de fatores biológicos, como é o caso da parentalidade e filiação socioafetiva (SANTOS, 2021). Importante salientar que a partir do texto constitucional e dos princípios intrínsecos a este, a “socioafetividade”, ou ainda, apenas, “afetividade”, possuem embasamento e diferenciação dos parâmetros da psicologia. Sobre o assunto, LÔBO (2006) explica: A afetividade familiar é, pois, distinta do vínculo de natureza obrigacional, patrimonial ou societária. Na relação familiar não há fim econômico, cujas dimensões sempre derivadas (por exemplo,dever de alimentos, ou regime matrimonial de bens), nem seus integrantes são sócios ou associados. Por outro lado, a afetividade, sob o ponto de vista jurídico, não se confunde com o afeto, como fato psicológico ou anímico, este de ocorrência real necessária. O Direito, todavia, converteu a afetividade em princípio jurídico, com força normativa, impondo dever e obrigação aos membros da família, ainda que na realidade existencial destes tenha desaparecido o afeto. Assim, pode haver desafeto entre pai e filho, mas o Direito impõe o dever de afetividade. Além dos fundamentos contidos nos arts. 266 e seguintes da Constituição, ressalta o dever de solidariedade entre os membros da família (art. 3º, I, da Constituição), reciprocamente entre pais e filhos (art. 229) e de todos em relação aos idosos (art. 230). A afetividade é um princípio jurídico que peculiariza, no âmbito da família, o princípio da solidariedade. Esclarecido este ponto, é relevante, antecipadamente, abordar também o que tange, por sua vez, a própria filiação. Filiação é aquela relação jurídica factual de primeiro grau, ascendentes e descendentes, em outros termos, pais e filhos. Apesar do Código Civil de 2002 não trazer expressamente um dispositivo acerca da filiação socioafetiva pode-se perceber sua vinculação quando refere o “parentesco natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem” (art. 1593). Além disso, o enunciado 256 da III Jornada de Direito Civil elucida que a posse de estado de filho, que neste caso se refere a percepção de terceiros sobre o vínculo parental ou ainda o ânimo paterno-filial, é uma espécie de parentesco civil (OTONI, 2010). A filiação socioafetiva pressupõe três requisitos para serem analisados. O primeiro deles é o tractus que se refere ao tratamento de uma pessoa para com a outra. Neste núcleo em específico seria o exercício real da parentalidade através das práticas sociais comuns, como por exemplo se ocorre a criação, o cuidado, a educação e, principalmente a apresentação pública da pessoa para com o filho(a). O segundo pressuposto é o reputatio que se relaciona com o reconhecimento da sociedade sobre aquela relação. No contexto em tela, seria a percepção de outrem quanto ao laço existente ou ainda, quanto ao pertencimento do filho(a) naquela determinada família. Por último, o nominatio, que versa sobre a nominação, isto é, o uso do nome familiar pelo filho(a) (COSTA, 2023). Existem duas modalidades reconhecidas pelo direito de filiação socioafetivas: a adoção e a criação. A primeira é uma forma de reconhecimento da filiação pela esfera jurídica, pois o vínculo só pode ser reconhecido pelo meio de sentença judicial. A adoção ainda exige requisitos previamente estipulados pelo ordenamento jurídico. Por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que para a concretização da adoção é necessária uma convivência por até 180 (cento e oitenta) dias quando não existe uma prévia convivência entre as partes, entre outros requisitos (PEREIRA, 2020). Para PEREIRA (2020): A filiação socioafetiva exige que uma situação fática prévia esteja concretizada para que o vínculo possa ser estabelecido. [...] A filiação socioafetiva, de outro turno, não pressupõe a extinção do vínculo biológico. Ao contrário, na maioria das vezes, ambos os vínculos conviverão lado a lado, ensejando inclusive o surgimento da multiparentalidade. Isso ocorrerá nas situações em que o vínculo socioafetivo envolver indivíduos que já tenham pai e mãe biológicos conhecidos. Tal não se verifica, contudo, na adoção, uma vez que, não sendo ela unilateral, o vínculo com os pais biológicos sempre desaparecerá. Nesta redação o autor utiliza-se do termo filiação socioafetiva para falar sobre a modalidade criação. Diante do exposto acima, podemos visualizar a real diferença entre as modalidades de filiação socioafetivas reconhecidas no ordenamento jurídico brasileiro. Quanto a filiação por criação, percebe-se uma relação jurídica atípica onde desponta uma modalidade consuetudinária. A filiação por criação, citando COSTA (2023), explica-se como uma modalidade “quase sempre despida de juridicidade, mas revestida de sólidos laços afetivos”. SOCIOAFETIVIDADE NO ÂMBITO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL Conforme elucidado até aqui, é possível compreender que a filiação não é mais tratada unicamente como um elo sanguíneo. A autora COSTA (2023) explica que “a existência do pai biológico e identificamos a existência do pai socioafetivo, o que torna imperioso separar a figura do “pai” da figura do “genitor””. As figuras distintas abordadas pela autora, em algumas situações, podem estar concentradas no mesmo individuo ou não. É importante explicar que a figura do genitor não anula a figura do pai socioafetivo e vice-versa. Podem existir, para uma mesma criança ou adulto, a coexistência entre ambas as figuras, o que nos levaria para uma família multiparental. O autor MADALENO (2000) aborda esses conceitos de uma maneira mais especifica, vejamos: A paternidade tem um significado mais profundo do que a verdade biológica, onde o zelo, o amor paterno e a natural dedicação ao filho revelam uma verdade afetiva, uma paternidade que vai sendo construída pelo livre desejo de atuar em interação paterno-filial, formando verdadeiros laços de afeto que nem sempre estão presentes na filiação biológica, até porque, a paternidade real não é biológica, e sim cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimento que vão sendo cultivados durante a convivência com a criança. É válido frisar que essa mesma especificação vale também para mãe socioafetiva e genitora, ou, mãe biológica. Não há diferenciação entre estes postos sociais para o direito, pois uma determinada criança pode ter duas mães, dois pais, pai e mãe, entre outros. O rol de tipos de composição familiares pode ser bastante extenso, mas não cabe demorar-se nesta dissertação. Sabendo que existe diferença entre filiação biológica (genitor ou genitora) e filiação socioafetiva (parentalidade afetiva), é preciso compreender como funciona o reconhecimento legal destes vínculos. Preliminarmente é indispensável esclarecer que o reconhecimento dos vínculos socioafetivos pode ser feito através da esfera judicial ou extrajudicial. Na primeira opção, neste caso, o reconhecimento pela esfera judicial, como já mencionado anteriormente possui amparo no Código Civil de 2002 que expõe as formas de parentesco como “natural, civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Apesar do Código Civil ter sido instituído em 2002, o judiciário somente foi aplicar o tema a partir de uma análise doutrinaria do direito de família, após quase dez anos após o advento do compilado de normas. Para que ocorra, através da via judicial, o reconhecimento da parentalidade socioafetiva, o pai ou a mãe socioafetiva deve ajuizar o requerimento de registro em face dos genitores, pois estes podem declaração oposição ao eventual reconhecimento. Neste caso, o judiciário deve sempre averiguar qual o melhor interesse da criança ou adolescente. A ação em questão é de reconhecimento de paternidade ou maternidade, onde a afetividade será a principal questão a ser verificada pelo juiz(a), pois reconhecer o laço socioafetivo é reconhecer os direitos e deveres implícitos a eles (SANTOS, 2021). Quando o pedido de reconhecimento chega ao judiciário, além da questão da afetividade, o juiz(a) também deverá observar os requisitos já tratados anterior. Isto é, se existe na relação o tractus, nominatio e reputatio. Além destes requisitos, do mesmo modo é preciso compreender a existência da posse de filho pelo período de 5 (cinco) anos contínuos e ininterruptos (TARTUCE, 2019). A segunda hipótese de reconhecimento da parentalidade socioafetiva é feita de forma extrajudicial, ou seja, diretamente nocartório. Essa opção tornou-se possível a partir do Provimento Nº 63/2017 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) cuja ementa declara: Institui modelos únicos de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, a serem adotados pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais, e dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A” e sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida (grifo nosso). O Provimento supramencionado surgiu após pedido de providencias feito pelo Instituto Brasileiro de Direito das Famílias – IBDFAM que requeria uma unificação nacional acerca do tema, pois, segundo GENTIL (2022) “muitos Estados já possuíam regulamentação acerca da matéria, tendo sido iniciado pelo Estado de Pernambuco”. O Instituo Brasileiro de Direito das Famílias já possuía Enunciado próprio acerca do tema, cujo teor: Enunciado 21 - O reconhecimento voluntário da parentalidade socioafetiva de pessoa que não possua parentalidade registral estabelecida poderá ser realizado diretamente no ofício de registro civil, desde que não haja demanda em curso e independentemente de homologação judicial. Através do Provimento 63/2017 CNJ, houve uma unificação do procedimento em todo o território nacional e evidenciou-se a existência da socioafetividade e multiparentalidade para todo o ordenamento jurídico brasileiro. Logo em seguida o CNJ editou o Provimento 83/2019 CNJ que elucidou questões conflituosas que surgiram após o provimento anterior. Neste segundo provimento acerca do tema, o Conselho Nacional de Justiça trás requisitos necessários para o reconhecimento da parentalidade socioafetiva em âmbito extrajudicial. Os requisitos exigidos são: Existência do Vínculo Socioafetivo da Filiação, Inexistência de Discussão Judicial, Idade do(a) Requerente, Inexistência de Vínculo de Ascendentes ou Irmãos, Diferença de Idade, Consentimento e Local do Pedido. Quanto aos presentes requisitos, abordaremos em tópicos distintos para uma melhor compreensão. A existência do vínculo socioafetivo da filiação, isto é, a maternidade ou paternidade, deve ser regular e exteriorizada socialmente, consoante o art. 10-A do Provimento 63/2017, que foi incluído através do Provimento 83/2019. Este vínculo precisa ser atestado pelo registrador após apurar de maneira concreta acerca do caso específico. O segundo requisito, a inexistência de discussão judicial, é bastante elucidativo. Não pode existir processo judicial prévio que verse sobre reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva. A inexistência de discussão judicial é auto declaratória, em outros termos, são as próprias partes que informam o registrador. A idade mínima do requerente para o reconhecimento por via extrajudicial é 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil da parte. O quarto requisito é a inexistência do vínculo de ascendente ou irmão, o que quer dizer que não pode existir o reconhecimento de paternidade ou maternidade socioafetiva entre genitores e prole ou ainda entre irmãos. Assim como também é preciso ser comprovado a existência da diferença de idade de no mínimo 16 anos entre as partes. Quanto ao consentimento, critério para reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva, GENTIL (2022) elucida: Caso o (a) filho (a) possua entre doze anos e dezoito anos incompletos, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva exigirá o seu consentimento, conforme prevê o artigo 11, §§ 4º e 5º do Provimento nº 63/2017 do CNJ. A coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe do filho maior de doze anos deverá ser feita pessoalmente perante o RCPN ou escrevente autorizado. Na falta da mãe ou do pai do adolescente, na impossibilidade de manifestação de validade destes ou do filho, quando exigido, o caso será apresentado ao juiz competente, nos termos da legislação local. Por último, é indispensável que o pedido de reconhecimento seja feito ante o oficial responsável no cartório de registro civil de pessoas naturais, mesmo que em local diverso do original de assentamento. Caso qualquer dos requisitos mencionados anteriormente não seja atendido, não há o que se falar em recurso extrajudicial, portanto, as partes deverão buscar o amparo do judiciário para suscitar a questão. Preenchidos os requisitos, o oficial responsável deverá enviar o expediente para o Ministério Público (MP), que se manifestará através de parecer favorável ou desfavorável. Na hipótese de parecer do MP desfavorável, o registrador não poderá realizar o registo da parentalidade socioafetiva devendo encaminhar ao juiz competente ou arquivar o expediente (GENTIL, 2022). O RECONHECIMENTO DA SOCIOAFETIVIDADE POST MORTEM O reconhecimento da socioafetividade, conforme explanado anteriormente, necessita de uma série de fatores objetivos para ser efetivada e pode ser feito por duas vias: a judicial e a extrajudicial. Para o reconhecimento post mortem, ou seja, quando a tentativa de reconhecimento do vínculo é feita após o óbito de uma das partes, só é admitida a declaração de parentalidade socioafetiva pelo âmbito judicial e para isto, os requisitos exigidos são analisados de uma perspectiva mais rígida. Isto porque a partir do reconhecimento do vínculo passa-se a usufruir dos direitos sucessórios inerentes aquele parentesco. A viabilidade do reconhecimento da socioafetividade depois da morte do parente socioafetivo pode, ou deve ser fundada no próprio direito constitucional como pilar para todos os demais direitos e especialmente na ausência de dispositivo especifico sobre o tema. No caso de omissão do legislador pode ser aplicado princípios que supram esses hiatos legais, pois não há pretextos para não reconhecer essa parentalidade. Frisa-se, mais uma vez, que o reconhecimento da socioafetividade não visa retirar do registro a parentalidade já existente, seja ela biológica ou não. Dito isto, a partir da premissa de um reconhecimento deste vinculo pós óbito do parente, aparecem diversos conflitos quanto aos efeitos deste vinculo, principalmente quando se trata do direito sucessório do de cujus. Quanto ao assunto, os autores RONDON e PISSANTI (2021) complementam: O disposto no artigo 227, §6º, da CRFB/88, conforme já exposto, revela-se amplo, abrangendo todas e quaisquer relações parentais, impedindo que haja fundamento que obste a consideração do filho socioafetivo como um herdeiro legítimo; o Código Civil deve, portanto, exercer tratamento igualitário entre os filhos, sejam eles biológicos, adotivos, etc. A doutrinadora Maria Helena DINIZ (2011) discorre sobre o tema em seu trabalho, esclarecendo que “o reconhecimento da paternidade socioafetiva produz os efeitos pessoais e patrimoniais que lhe são inerentes”. Para a autora o vínculo socioafetivo após seu reconhecimento legal gera resultados legais para todos os fins, nas limitações do direito civil e também esclarece que os princípios constitucionais são essenciais para a interpretação de tais direitos. São exemplos claros o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da solidariedade, que são aplicados conforme as peculiaridades de cada caso. O falecimento do parente socioafetivo antes do reconhecimento deste vinculo legalmente não pode obstar os direitos daquele ente que ficou desamparado e que deseja o reconhecimento da socioafetividade. A jurisprudência é consolidada quanto ao assunto. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) já decidiu neste sentido diversas vezes. Um dos julgados, REsp 1.500.999-RJ, cujo relator foi o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, possui a seguinte ementa: Agravo interno no recurso especial. Ação declaratória. Reconhecimento de filiação socioafetiva. Adoção póstuma. Possibilidade jurídica do pedido.Inequívoca manifestação de vontade do adotante falecido. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial. 1. Em que pese o art. 42, § 6º, do ECA estabelecer ser possível a adoção ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento de adoção, a jurisprudência evoluiu progressivamente para, em situações excepcionais, reconhecer a possibilidade jurídica do pedido de adoção póstuma, quando, embora não tenha ajuizado a ação em vida, ficar demonstrado, de forma inequívoca, que, diante de longa relação de afetividade, o falecido pretendia realizar o procedimento. REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 552 2. Segundo os precedentes desta Corte, a comprovação da inequívoca vontade do falecido em adotar segue as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do adotando como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição. Nesse sentido: REsp 1.663.137/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15.08.2017, DJe de 22.08.2017; REsp 1.500.999/RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12.04.2016, DJe de 19.04.2016. 3. A posse do estado de fi lho, que consiste no desfrute público e contínuo da condição de filho legítimo, foi atestada pelo Tribunal de origem diante das inúmeras fotos de família e eventos sociais, boletins escolares, convites de formatura e casamento, além da robusta prova testemunhal, cujos relatos foram uníssonos em demonstrar que os adotandos eram reconhecidos como filhos, tanto no tratamento como no sobrenome que ostentavam, e assim eram apresentados ao meio social. 4. Afastada a impossibilidade jurídica do pedido, na situação concreta o pedido de adoção post mortem deve ser apreciado, mesmo na ausência de expresso início de formalização do processo em vida, já que é possível extrair dos autos, dentro do contexto de uma sólida relação socioafetiva construída, que a real intenção do de cujus era assumir os adotandos como filhos. 5. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial. São inegáveis a existência e o reconhecimento jurídico do instituto de parentalidade socioafetivo mesmo post mortem. Assim, para a área sucessória, não há distinção entre os gêneros de parentalidade por força do artigo 227, § 6º que traz a igualdade entre as filiações. Desta maneira o filho socioafetivo é herdeiro necessário e concorre igualmente com os demais filhos e cônjuge. É exatamente neste ponto que começa a divergência e onde deve recair a maior atenção do judiciário, pois a posse do estado de filho precisa ser enfaticamente comprovada através de provas testemunhais e demais admitidas em direito, para que não haja fraude quanto ao vínculo socioafetivo para fins de apropriação do patrimônio do de cujus. Quanto a divergência sobre esse reconhecimento post mortem se baseia na violação do instituto através do número de ações postuladas por supostos filhos (as) contra o espólio do indivíduo alvo da pretensa parentalidade socioafetiva. O receio de que o instituto da paternidade ou maternidade afetiva possa se tornar disfarce para busca por patrimônio indevido é a maior preocupação do judiciário e do legislador. Deste modo, torna-se mais difícil para aqueles que realmente buscam apenas pelo reconhecimento do vínculo existente antes da morte comprovar e obter êxito na demanda judicial. Assim, o judiciário tem requerido que se demonstre a vontade inequívoca do possível pai ou mãe sobre o reconhecimento daquele vinculo. Assim, o apelo existente é de que o judiciário tenha cautela quanto as ações de parentalidade socioafetiva post mortem, em especial com os pedidos e as postulações das ações advindas do instituto, para que, desta forma, o poder judiciário não sirva como ferramenta para prováveis enriquecimentos sem causas. CONCLUSÃO O presente trabalho abordou o tema da maternidade e paternidade socioafetiva e as possibilidades do seu reconhecimento post mortem. Diante do elucidado ficou claro que as relações familiares passaram por diversas transformações ao longo da história e com isto, o direito de família precisou adaptar-se para compreender as novas noções e realidades trazidas pela sociedade. Através dessas mudanças sociais, o direito passou a perceber as relações socioafetivas com um novo olhar. A Constituição Federal de 1988 trouxe diversas novidades legais para acompanhar o momento em que a sociedade vivenciava e evidenciando princípios e procedimentos que já eram reconhecidos internacionalmente, mas que estavam deflagrados no Brasil. Com essas mudanças, os demais diplomas legais precisaram adaptar-se a Carta Magna. A partir dos novos princípios e direitos elencados na constituição, especialmente o princípio da dignidade da pessoa humana, fez com que o Direito Civil levasse a pessoa humana para o centro de seu texto. O Código Civil passou a efetivar garantias que independiam de fatores biológicos que é o caso da parentalidade e filiação socioafetiva. Como já esclarecido, o reconhecimento dessas parentalidades e filiações são feitas através da esfera judicial e extrajudicial, mas em ambos os casos, precisa-se ser demonstrados alguns requisitos. Os requisitos exigidos são: Existência do Vínculo Socioafetivo da Filiação, Inexistência de Discussão Judicial, Idade do(a) Requerente, Inexistência de Vínculo de Ascendentes ou Irmãos, Diferença de Idade, Consentimento e Local do Pedido. Para o reconhecimento post mortem, ou seja, quando a tentativa de reconhecimento do vínculo é feita após o óbito de uma das partes, só é admitida a declaração de parentalidade socioafetiva pelo âmbito judicial e para isto, os requisitos exigidos são analisados de uma perspectiva mais rígida. Isto porque a partir do reconhecimento do vínculo passa-se a usufruir dos direitos sucessórios inerentes aquele parentesco. Dessa forma concluímos que a possibilidade do reconhecimento da maternidade e paternidade socioafetivas post mortem é plausível desde que atendidos os critérios acima elencados. Entretanto, a comprovação dos requisitos neste caráter de demanda é mais onerosa para as partes, principalmente quando se refere a comprovação do estado de posse de filho. As provas trazidas ao juízo precisam ser incontestáveis, pois, no caso do falecimento de uma das partes, não como ficar evidente a sua declaração de vontade e o judiciário precisa tomar cuidado com esta questão. Conclui-se que a ausência de uma legislação infraconstitucional especifica ou ainda de dispositivo específico no Código Civil faz com que se crie uma lacuna grande no direito de família, ficando as decisões baseadas em doutrinas ou ainda a mercê de entendimentos pacíficos das cortes superiores, o que pode levar mais tempo que o recomendado para acontecer. O direito de família evolui rápido demais e o sistema judiciário e os diplomas legais precisam ser atualizados na mesma proporção, pois não pode os direitos familiares inerentes as pessoas ficarem completamente à mercê de um terceiro interpretá-los como efetivo direito ou não. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA FRANCO, K.; EHRHARDT JÚNIOR, M. Reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva e multiparentalidade: comentários ao provimento no 63, de 14.11.17, do CNJ. Revista Brasileira de Direito Civil, [S. l.], v. 17, p. 223, 2018. Disponível em: https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/article/view/279. Acesso em: 24 ago. 2023. BARBOZA, Heloísa Helena. Efeitos jurídicos do parentesco socioafetivo. Revista da Faculdade de Direito da UERJ – RFD, [S.I.], n.24, p. 111-126, dez. 2013. ISSN 2236-3475. Disponível em: https://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/view/7284. Acesso em: 23 ago. 2023. FONSECA, J. J. S. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002. 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