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62 Transtornos do pensamento e da volição: a esquizofrenia O diagnóstico de esquizofrenia baseia-se em critérios cl ínicos padronizados Os sintomas da esquizofrenia podem ser agrupados em positivos, negativos e cognitivos A esquizofrenia caracteriza-se por episódios psicóticos Fatores de risco tanto genéticos quanto não genéticos contribuem para a esquizofrenia Anormalidades neuroanatômicas podem ser um fator causador da esquizofrenia A perda da substância cinzenta no córtex cerebral parece resultar da perda de contatos sinápticos e não da perda de células Anormalidades no desenvolvimento cerebral durante a adolescência podem contribuir para a esquizofrenia Fármacos antipsicóticos atuam nos sistemas dopaminérgicos do encéfalo Visão geral O SUCESSO DA NEUROBIOLOGIA EM FORNECER informa-ções acerca da percepção, da cognição e, mais recen-temente, da emoção tem inspirado investigações biológicas cada vez mais sofisticadas sobre os transtornos do pensamento e do humor. Neste capítulo e no próximo, são examinados os quatro transtornos mais graves do pen- samento e do humor: esquizofrenia, depressão, mania e os estados de ansiedade. Esses transtornos envolvem pertur- bações de pensamento, autoconsciência, percepção, afeto, volição e interação social. Somado ao fato de ser cientificamente desafiador, um transtorno mental como a esquizofrenia tem um grande impacto social. Essa doença resulta em trágica incapaci- dade permanente. A Organização Mundial da Saúde con- sidera a esquizofrenia como um dos contribuidores mais significativos para a carga de doença (definida como anos saudáveis de vida perdidos para doença) no mundo. Cinco por cento das pessoas com esquizofrenia cometem suicídio, e uma porcentagem muito maior é formada por moradores de rua. A maioria é incapaz de ter sucesso na escola ou no trabalho. Antes do advento de terapêuticas com psicofár- macos, a esquizofrenia e os transtornos do humor repre- sentavam mais da metade de todas as baixas hospitalares nos Estados Unidos. Mesmo nos dias de hoje, a esquizo- frenia representa cerca de 30°/o de todas as hospitalizações. O padrão de sintomas da esquizofrenia é notavelmen- te semelhante em todos os países e culturas. A prevalência média mundial varia entre 0,5 e 1 °/o. A proporção homem- -mulher é de 1,4:1. O diagnóstico normalmente é feito du- rante o final da adolescência ou no inicio da fase adulta com o surgimento do quadro completo dos sintomas. Con- tudo, observando-se em retrospecto, a doença inicia bem mais cedo com sintomas prodrômicos. O diagnóstico de esquizofrenia baseia-se em critérios clínicos padronizados Na medicina, o entendimento de uma doença e, portanto, de seu diagnóstico baseiam-se fundamentalmente na iden- tificação de (1) fatores etiológicos, como microrganismos, toxinas ou riscos genéticos, e (2) patogênese, ou seja, os mecanismos pelos quais os agentes etiológicos produzem a doença. Infelizmente, a etiologia e a patogênese de muitos transtornos mentais não foram determinadas. Por isso, os diagnósticos psiquiátricos ainda têm como base a descrição dos sintomas pelo paciente, as observações do examinador, uma história natural detalhada (o curso da doença no de- correr do tempo) e a resposta ao tratamento. Essa abordagem para o diagnóstico psiquiátrico iniciou na virada do século XX com o trabalho de Emil Kraepelin, na Alemanha. Influenciado pelo alemão Rudolf Virchow, pioneiro na patologia celular, e por Thomas Sydenham, clínico inglês que focou a atenção na história natural das doenças médicas, Kraepelin estudou transtornos mentais como processos patológicos específicos. Mesmo sem conhe- cimento sobre a etiologia e a patogênese dos transtornos que afetam o pensamento, a emoção e o comportamento, ele defendeu que, ainda assim, eles poderiam ser distingui- dos com base nos sinais, nos sintomas e na história natural. 1212 Eric R. Kandel, James H. Schwartz, Thomas M. Jessell, Steven A. Siegelbaum & A. J. Hudspeth É claro, a apresentação de um único sinal ou sintoma não é em si evidência da doença, podendo ocorrer em pes- soas saudáveis. Porém, quando certos sinais e sintomas ocorrem juntos, formam uma síndrome, condição que pode ser distinguida de um comportamento normal ou de outros conjuntos de sinais e sintomas. A história natural de uma doença é estudada traçando-se o início dos sinais e sintomas na vida dos pacientes e observando-se de que maneira se modificam com o decorrer do tempo. Portanto, uma síndrome pode surgir em uma idade característica ou seguir um curso clínico característico. Por exemplo, Krae- pelin reconheceu que a maioria dos pacientes com esqui- zofrenia (que ele denominou dementia praecox) não recupe- ra o nível de funcionamento que tinha antes do início da doença, enquanto a maioria dos pacientes com transtornos do humor apresenta ciclos de recaída e recuperação pelo menos parcial. Desde a década de 1980, o diagnóstico de transtor- nos psiquiátricos tem tido como base critérios padroniza- dos que o tomam mais confiável. Dois clínicos diferentes aplicando critérios padronizados para esquizofrenia têm grande probabilidade de chegar ao mesmo diagnóstico. Mesmo assim, sem dados etiológicos ou fisiopatológicos e exames objetivos, os sistemas atuais de diagnóstico, como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 4ª Edição (DSM-IV), da American Psychiatric Association, não podem definir estados de doenças em termos que possibi- litem uma verificação científica. Contudo, com o progresso em áreas como a genética e a neuroimagem, será finalmen- te possível chegar a critérios diagnósticos para transtornos mentais objetivamente verificáveis e, portanto, válidos. Os sintomas da esquizofrenia podem ser agrupados em positivos, negativos e cognitivos A subdivisão dos sintomas de esquizofrenia em três grupos é útil, pois cada um reflete diferentes aspectos da fisiopato- logia e responde diferentemente às medicações atualmente usadas. Os sintomas positivos ou psicóticos incluem fenô- menos mentais que não ocorrem em pessoas saudáveis, como alucinações e delírios. Os sintomas negativos (ou "déficits") resultam de prejuízo de funções normais e po- dem incluir respostas emocionais embotadas, afastamento de interações sociais, conteúdo empobrecido de pensamen- to e discurso (Quadro 62-1) e falta de motivação. Um terceiro grupo de sintomas inclui anormalidades cognitivas, algumas vezes descritas como "sintomas de desorganização". Esses sintomas prejudicam a memória de trabalho e as funções executivas - a capacidade de or- ganizar a própria vida. Os sintomas cognitivos geralmente persistem mesmo durante o tratamento bem-sucedido com medicação e são considerados importantes contribuintes para a incapacidade a longo prazo. Curiosamente, esses sintomas são encontrados, em algum grau, em pessoas com risco muito alto para o desenvolvimento de esquizofrenia, mas que ainda não apresentam alucinações e delírios, e em parentes saudáveis de pacientes esquizofrênicos, sugerin- do que os sintomas cognitivos refletem predisposições ge- néticas à esquizofrenia. As medicações usadas para tratar a esquizofrenia são chamadas de fármacos antipsicóticos, bastante eficazes para diminuir os sintomas positivos, bem como os sinto- mas psicóticos que ocorrem em transtornos do humor. Ne- nhuma das medicações fornece algum benefício confiável no tratamento dos sintomas cognitivos. A esquizofrenia caracteriza-se por episódios psicóticos As manifestações mais notáveis da esquizofrenia são os sin- tomas psicóticos, incluindo alucinações e delírios. Alucina- ções são percepções que ocorrem na ausência de estímulos sensoriais reais e podem acontecer em qualquer modalida- de sensorial. Na esquizofrenia, as alucinações mais comuns são as auditivas. É comum o paciente escutar vozes, mas também podem ser ruídos ou música. Algumas vezes, as vozes mantêm um diálogo e com frequência são percebidas como bullying, porserem depreciativas. Ocasionalmente, as vozes dão comandos ao paciente, gerando um alto risco de dano, inclusive suicídio. Estudos com neuroimagem de indivíduos durante alucinações auditivas sugerem que as áreas normalmente envolvidas no processamento da lin- guagem são recrutadas durante esse estado, sendo elas a área de Broca no lobo frontal e a área de Wernicke no lobo temporal superior do córtex cerebral (ver Capítulo 60). Delírios são crenças firmes, mas fora do contexto real e não explicadas pela cultura do paciente, podendo ser tão poderosas que ele não consegue ou se recusa a comparar suas crenças com o que realmente está acontecendo à sua volta. Os delírios podem ser muito variados quanto à for- ma. Para alguns, a realidade fica distorcida: o mundo está cheio de sinais escondidos com significados direcionados apenas a eles (delírios de referência), ou sentem que estão sendo observados ou perseguidos de perto (delírios para- noicos). Outros têm delírios bizarros. Por exemplo, sentem que alguma entidade está inserindo ou extraindo pensa- mentos de seus cérebros ou que suas obturações dentárias são transmissores de rádio transmitindo o que falam para grupos do mal. Os sintomas psicóticos também podem ocorrer nos transtornos do humor e em caso de delírio in- duzido por drogas, mas os outros sintomas e o decurso clí- nico desses estados não condizem com esquizofrenia. A manifestação completa da esquizofrenia com fre- quência é precedida por um período de sintomas iniciais. Nesse período prodrômico, o paciente pode comportar-se de maneira excêntrica, tomar-se socialmente isolado, exi- bir um afeto embotado, pobreza de discurso, capacidade limitada de atenção e falta de motivação. No momento em que a doença se manifesta totalmente, ocorrem períodos de psicose plena acompanhados por pensamento marca- damente desordenado e alteração da regulação das emo- ções. Esses períodos de psicose notória são entremeados de períodos de sintomas residuais. Após os primeiros epi- sódios, o paciente raras vezes retorna ao funcionamento normal completo. Fatores de risco tanto genéticos quanto não genéticos contribuem para a esquizofrenia A esquizofrenia, assim como muitas outras doenças men- tais, ocorre em famílias. Já em 1930, Franz Kalman, na Ale- manha, estudou padrões familiares de transmissão e con- Quadro 62-1 Discurso esquizofrênico O distúrbio de linguagem é uma característica central da esquizofrenia e um dos principais comportamentos pelos quais ela é diagnosticada. A gramática fica razoavelmente intacta, mas o conteúdo pode se perder ou ser incoerente - um sintoma referido comumente como "afrouxamento de associações''. Padrões de discurso mais bizarros, porém menos comuns, incluem neologismos (palavras criadas de modo peculiar), bloqueio (interrupções espontâneas repentinas) ou associação ressonante - associações com base nos sons e não nos significados das palavras, como "lf you can make sense out of nonsense, we/1, have fun. l'm trying to make cents out of sense. l'm not making cents anymore. / have to make dollars". * Exemplos de afrouxamento de associações são: "Eu deveria estar fazendo um fi lme, mas não sei qual será o fina l dele. Jesus Cristo está escrevendo um livro so- bre mim'.' "Eu não acredito que eles se importem comigo só por dois milhões de camelos ... 10 milhões de táxis ... Papai Noel no rebote'.' • N. de. T. · se você dá sentido para o que é absurdo, bem, d ivirta-se. Eu estou tentando fazer centavos do que faz sentido. Não estou fazendo mais centavos. Tenho que fazer dólares''. cluiu que os genes contribuem significativamente para a doença. Três importantes estratégias têm sido usadas para quantificar a contribuição da hereditariedade para o risco da esquizofrenia e compreender como o risco genético é transmitido. Em uma estratégia, compara-se o índice de concordân- cia para esquizofrenia em gêmeos monozigóticos, cujas sequências de DNA são 100°/o idênticas, com o de gêmeos dizigóticos, cujas sequências de DNA são em média SO'Yo idênticas. Supondo-se que o ambiente familiar é mais ou menos idêntico para ambos os gêmeos, se os genes desem- penham um papel importante, os índices de concordância devem ser mais altos entre gêmeos monozigóticos do que entre dizigóticos. De fato, gêmeos monozigóticos possuem um índice de concordância de cerca de 50% para esquizo- frenia, enquanto, para gêmeos dizigóticos, esse índice é de cerca de 15% (ligeiramente mais alto do que para irmãos comuns, que também têm em média 50% de identidade genética). Embora esses índices sugiram um papel importante da genética na esquizofrenia, também demonstram que os genes não são completamente determinantes. Do contrá- rio, o índice de concordância para gêmeos monozigóticos seria de 100%, como ocorre, por exemplo, na doença de Huntington. Portanto, outros fatores que não a sequência herdada de DNA, como novas mutações, modificações epigenéticas no DNA, fatores ambientais e ao acaso du- rante o desenvolvimento encefálico, desempenham um papel na conversão de vulnerabilidade genética herdada em doença. Para separar fatores genéticos e influências ambientais mais claramente, Seymour Kety, David Rosenthal e Paul Princípios de Neurociências 1213 Pergunta: "Como sua cabeça está?" Resposta: "Mi- nha cabeça, bem, essa é a pior parte do trabalho. M inha memória está tão boa quanto a dos outros. Tenho que lhe dizer qual é o meu problema, eu não sei ler. Você não pode aprender coisa alguma se não puder ler ou escrever ade- quadamente. Você não pode pegar um bom livro, não que- ro dizer que seja de sexo. Um de l iteratura ou de história, ou alguma coisa assim. Você não pode pegar e ler e encon- trar coisas por si mesmo''. Vários tipos diferentes de afrouxamento de associa- ções foram propostos (como descarri lhamento, incoerên- cia, tangenciabi lidade ou perda de objetivo). Entretanto, não está claro se esses tipos refletem perturbações em mecanismos f undamentalmente diferentes ou manifesta- ções diferentes de uma perturbação subjacente comum, como a incapacidade de representar um "plano de fa la" para conduzir um d iscurso coerente. Uma perturbação de ta l mecanismo seria condizente com um prejuízo do con- t role de outras f unções cognitivas na esquizofrenia, como déficits na memória de trabalho, podendo ser paralela a esse prejuízo. Wender examinaram crianças adotadas ao nascimento ou logo depois, na Dinamarca, um país onde são mantidos re- gistros familiares e de saúde muito acurados. Eles verifica- ram que a taxa de esquizofrenia na família biológica de um adotado era bem mais preditiva de esquizofrenia do que o índice na família adotiva. Kety e colaboradores também observaram que alguns familiares de sangue de adotados esquizofrênicos exibiam sintomas de esquizofrenia, como isolamento social, desconfiança, crenças excêntricas e pen- samento mágico, embora não sendo esquizofrenia plena. Esses sirttomas são parte do que hoje é chamado de trans- torno de personalidade esquizotípica. Kety e colaboradores não tinham o entendimento atual sobre memória de tra- balho, porém teria sido interessante saber se sua amostra também exibia as anormalidades cognitivas hoje documen- tadas em alguns parentes de pessoas com esquizofrenia. Em geral, os sirttomas esquizoides são considerados uma forma leve, não psicótica da doença. Mais recentemente, verificou-se que gêmeos monozi- góticos não afetados e até mesmo irmãos de pacientes com esquizofrenia exibem algumas anormalidades neuroana- tômicas semelhantes àquelas observadas em indivíduos com a doença. Em um estudo de imagem por ressonância magnética (RM), gêmeos monozigóticos discordantes para esquizofrenia tinham déficits semelhantes no córtex pré- -frontal dorsolateral e no giro temporal superior. Estudos de Irving Gottesman de genealogias de pa- cientes dinamarqueses com esquizofrenia também re- forçam a importância dos genes. Gottesman observou as correlaçõesentre o risco de esquizofrenia em parentes e a porcentagem do material genético total que cada parente compartilhava com o paciente. Ele verificou um risco de 1214 Eric R. Kandel, James H. Schwartz, Thomas M. Jessell, Steven A. Siegelbaum & A. J. Hudspeth esquizofrenia maior ao longo da vida entre parentes de pri- meiro grau* (pais, irmãos e filhos), que compartilham 50% das sequências de DNA, do que entre familiares de segun- do grau (tios, sobrinhos e netos), que compartilham 25°/o de suas sequências de DNA com o paciente. Até mesmo fami- liares de terceiro grau, que compartilham apenas 12,5% das sequências de DNA dos pacientes, tinham maior risco para esquizofrenia comparado ao risco de 1 °/o da população em geral para essa doença (Figura 62-1). Com o advento, na última década, das modernas tec- nologias genômicas, houve progresso na identificação das variações nas sequências de DNA que contribuem para o risco de esquizofrenia. Assim como em muitos transtornos, o risco de esquizofrenia provou ser geneticamente hetero- gêneo, não existindo um gene único que seja necessário ou suficiente. Duas formas de variação genética estão associa- das à esquizofrenia: variações em uma única base nucleo- tídica e variações maiores, como deleções, duplicações ou translocações cromossômicas. Na maioria dos casos, a es- quizofrenia parece resultar da ação de um grande número de genes, juntamente com fatores de risco ambientais. Em um pequeno número de casos, o risco de esquizofrenia é marcadamente elevado por anormalidades cromossômi- cas, como uma microdeleção no cromossomo 22qll.2. Como em qualquer doença em que há influência gené- tica, compreender como certas sequências em Zoei particu- lares no genoma conferem risco deve fornecer importantes pistas para a fisiopatologia e, portanto, para o desenvolvi- mento de terapias. Também por ser resultado de processos anormais do desenvolvimento encefálico, seria de grande valia conhecer o momento em que os genes que predis- põem à esquizofrenia são expressos no encéfalo durante o desenvolvimento e na vida adulta, dado que apontaria di- • N. de R T. Neste texto, o autor classifica graus de parentesco em função do compartilhamento de material genético entre os indiví- duos (ver Figura 62-1). Observar que sistemas legais de diferentes países podem utilizar uma classificação diferente daquela aqui apresentada para graus de parentesco. Figura 62-1 Risco de esquizofrenia ao longo da vida em função do parentesco genético com uma pessoa esquizofrênica. Observa-se que o risco é maior com o aumento do parentes- co genético, mas varia dentro de categorias de parentesco. refletindo efeitos epigenéticos ou novas mutações. (Reproduzida, com permissão. de Gottesman, 1991 .) Genes compartilhados 12.5% (familiares de terceiro grau) 25% (familiares de segundo grau) 50% (familiares de primeiro grau) 100% ferentes caminhos para a investigação, sinalizando os mo- mentos mais apropriados para a intervenção terapêutica. A complexidade genética da esquizofrenia é ilustra- da a partir do achado de uma translocação cromossômica muito estudada, descoberta em uma numerosa família es- cocesa. Essa translocação entre os cromossomos 1 e 11 ina- tiva um gene que veio a ser chamado de Disc-l (Disrupted in Schizophrenia-l), com uma função provavelmente impor- tante no desenvolvimento do encéfalo. Dentro dessa famí- lia, ao longo de várias gerações, indivíduos que herdaram a translocação exibiam alguma doença mental grave, mas não necessariamente esquizofrenia. Alguns apresentavam transtorno bipolar, e outros, depressão maior. Portanto, a existência de um Disc-l truncado deve interagir com ou- tros genes e com fatores não genéticos para determinar o fenótipo definitivo. As tentativas para identificar componentes objetivos mensuráveis de esquizofrenia e de outros transtornos psi- quiátricos têm sido concentradas nos chamados fenótipos intermediários ou endofenótipos. Fenótipos intermediários podem representar anormalidades mensuráveis na estru- tura encefálica - anormalidades cognitivas (como déficits na memória de trabalho), medidas por seus correlatos neu- rais nas neuroimagens funcionais - ou podem representar alterações neuroquímicas mensuráveis. Ao serem identifi- cados com êxito, fenótipos intermediários poderão simpli- ficar a busca por genes de risco, auxiliando a identificação de populações mais homogêneas que aquelas identificadas apenas por sintomas e entrevistas clínicas. A procura por fatores de risco ambientais e que po- dem ser modificados também se revelou difícil, porque alguns fatores correlacionados com a doença podem ser consequência em vez de causa de esquizofrenia, e outros podem representar riscos reais, ainda não descobertos. Por exemplo, uma associação consistente tem sido observada entre esquizofrenia e nivel socioeconômico mais baixo. En- tretanto, as evidências sugerem que a esquizofrenia per se prejudica o desempenho social e ocupacional, causando Parentesco com o indivíduo esquizofrênico Nenhum (população 1 % em geral) Primos-irmãos 2% Tio/lia 2% Sobrinho/sobrinha 1---' 4 % Neto/neta 1----J 5% Mei<rirmão 6% '----' Pai/mãe 6% Irmão Filho Gêmeo dizigótico Gêmeo monozigótico 9% o 10 13% 17% 20 30 40 Risco ao longo da vida de desenvolver esquizofrenia (%1 48% 50 um declínio socioeconômico, e não a noção alternativa, de que os estressares associados à pobreza contribuem para a doença. Outros fatores de risco ambientais, incluindo a estação do ano em que o indivíduo nasceu, nascimento em zona urbana, exposição materna a doença viral, idade pa- terna e complicações perinatais, foram identificados em es- tudos populacionais. Um desafio significativo é compreen- der os aspectos relativos ao nascimento em zona urbana que podem contribuir para o risco de esquizofrenia. Anormalidades neuroanatômicas podem ser um fator causador da esquizofrenia A esquizofrenia caracteriza-se por certas alterações na ana- tomia encefálica observadas com imagem por ressonância magnética estrutural e funcional (fMRI). Em muitos estu- dos, foi visto um afinamento de áreas específicas do córtex cerebral pré-frontal, temporal e parietal (Figura 62-2). O afinamento é mais pronunciado no córtex pré-frontal dor- solateral, a região cerebral mais importante para a memória de trabalho. O afinamento no lobo temporal é atribuído a uma per- da de substância cinzenta no giro temporal superior, no polo temporal, na amígdala (reduções da amígdala podem ser limitadas ao sexo masculino) e no hipocampo - regiões envolvidas na integração da cognição e na emoção. A perda da substância cinzenta é contrabalançada por um aumento no volume dos ventrículos cerebrais (Figura 62-3). Anormalidades estruturais no cérebro, como a perda da substância cinzenta cortical, têm sido correlacionadas a anormalidades funcionais, tanto em testes de desem- Figura 62·2 Perda da substância cinzenta na esquizofrenia. A perda da substância cinzenta é bem documentada na esquizofrenia. Familia- res de primeiro grau não afetados também apre- sentam alguma perda de substância cinzenta cortical. Um estudo com pares de gêmeos mo- nozigóticos e dizigóticos discordantes para es- quizofrenia e gêmeos saudáveis como controle mostrou que há uma deficiência significativa de substância cinzenta naqueles com risco genéti- co para esquizofrenia. Entretanto, entre os mem- bros afetados dos pares gêmeos, há deficiências adicionais específicas da doença nas áreas de associação pré-frontal dorsolateral, temporal superior e parietal superior. refletindo a influên- cia de fatores não genéticos (p. ex .. fatores de desenvolvimento ou ambientais). Essa perda de substância cinzenta específica da doença corre- laciona-se mais com a gravidade dos sintomas e o grau de disfunção cognitiva que com a duração da doença ou com o tratamento farmacológico. As imagens aqui mostram déficits regionais de substânciacinzenta em gêmeos monozigóticos em comparação com seus cogêmeos saudáveis (n = 1 O pares), observados a partir das perspec- tivas dire ita, esquerda e oblíquo-direita. As dife- renças dos gêmeos são ilustradas pela escala em cores falsas sobreposta em mapas da super- fície cortical . com cor-de-rosa e vermelho in- dicando a maior significância estatística. (Repro- duzida. com permissão. de Cannon et ai., 2002.l Princípios de Neurociências 1215 penha cognitivo quanto em estudos com tomografia por emissão de pósitrons (PET) ou fMRI. O comprometimento de funções ligadas ao córtex pré-frontal tem sido particu- larmente bem documentado. Por exemplo, pacientes com esquizofrenia apresentam déficits na memória de trabalho e no controle cognitivo, características que foram correla- cionadas, em estudos com neuroimagem funcional, à falta de atividade no córtex pré-frontal dorsolateral. A perda da substância cinzenta no córtex cerebral parece resultar da perda de contatos sinápticos e não da perda de células A perda de volume observada nas regiões corticais frontais e temporais não é resultado da morte de células (perda de corpo celular), mas, sim, da redução de processos dendrí- ticos, axonais e sinápticos (neurópilo). Como consequên- cia, a densidade das células no córtex cerebral aumenta. Mais células por unidade de volume e menos substância cinzenta total contribuem para o alargamento dos espaços ventriculares. Assim como os córtices pré-frontal e temporal, o tála- mo também parece menor em pacientes com esquizofrenia comparado ao de indivíduos não afetados. Porém, as con- tagens celulares em tecido post-mortem sugerem que, dife- rentemente do córtex cerebral, pode haver perda de corpos celulares no núcleo medial dorsal do tálamo. Pelo fato de as células do núcleo medial dorsal enviarem seus axônios para o córtex pré-frontal dorsolateral, a perda desses termi- nais axonais pode, por sua vez, contribuir para a redução dos dendrites corticais e seus espinhos dendríticos que ge- ralmente recebem essas conexões talamocorticais. 1216 Eric R. Kandel, James H. Schwartz, Thomas M. Jessell, Steven A. Siegelbaum & A. J. Hudspeth Figura 62-3 Alargamento de ventrículos late- rais na esquizofrenia. Esta RM compara gêmeos monozigóticos discordantes para esquizofrenia. O irmão afetado do par de gêmeos possui ventrícu- los alargados característicos da esquizofrenia. Por haver uma grande variação nos volumes ventricu- lares normais na população, um gêmeo monozi- gótico não afetado serve como um controle parti- cularmente adequado. Como na Figura 62-2, esta comparação também ilustra o papel de fatores não genéticos na esquizofrenia, pois gêmeos monozi- góticos possuem genomas idênticos. Neurônios piramidais, o tipo mais comum de neurô- nio excitatório no neocórtex, recebem, em seus espinhos dendríticos, as aferências excitatórias provenientes do tála- mo. Portanto, a redução de dendritos e espinhos dendríti- cos (Figura 62-4) provavelmente signifique uma perda de contatos sinápticos no córtex pré-frontal dorsolateral, o que pode explicar o prejuízo na memória de trabalho e na fun- ção executiva, característico da esquizofrenia (Figura 62-5). Anormalidades no desenvolvimento cerebral durante a adolescência podem contribuir para a esquizofrenia Pelo fato de a esquizofrenia, em geral, ser inicialmente ob- servada no final da adolescência ou em torno dos 20 anos, os sintomas podem ser desencadeados por anormalidades nos estágios finais do desenvolvimento encefálico. O início Figura 62-4 Diminuição da densidade de espinhos den- dríticos na esquizofrenia. As fotomicrografias de Brightfield ilustram os dendrites basilares e os espinhos dos neurônios piramidais impregnados pela técnica de Golgi, na camada 111 do córtex pré-frontal dorsolateral, em um indivíduo controle normal e em dois indivíduos com esquizofrenia. Observa-se a perda de espinhos dendríticos nos indivíduos esquizofrênicos. (Reproduzida, com permissão, de Glantz e Lewis. 2000.l Gêmeo não afetado Gêmeo esquizofrênico da idade adulta é um período importante do desenvolvi- mento, quando o encéfalo amadurece em resposta a uma variedade de influências. Essas influências variam dos esteroides gonadais na adolescência até experiências es- tressantes da vida, como a separação dos pais e irmãos, a época da entrada na universidade ou no serviço militar, ou o momento de tornar-se independente, tendo que assumir responsabilidades de adulto, como emprego e relaciona- mentos sexuais. Durante esse período, eventos significativos na vida do indivíduo são acompanhados de poda sináptica como parte da manutenção seletiva das conexões sinápticas usa- das efetivamente durante o desenvolvimento normal do encéfalo. Essa poda pode ser particularmente importante no córtex pré-frontal. Além disso, ela coincide com mudan- ças cruciais na neurotransmissão doparninérgica nessa área Controle Sujeitos esquizofrênicos • • • • f "lilas a 4 ( , • • • 10 µ.m Atividade encefálica de indivíduos esquizofrênicos rea lizando uma tarefa de memória de trabalho A Córtex pré-frontal posterior inferior Atividade normal B Córtex pré-frontal dorsolateral Princípios de Neurociências Atividade CPFDL diminuída -i-_,-.,. Atividade _...!..-..-.,; CPFPI normal '# ir 0,2 "' e 15 e ·.; O, 1 a, "O ri. e "' o "O :, :? "' e O, 1 15 .!; "' a, Curto Longo Intervalo o --- - ---"' e {!l :, :? -0, 1 e._ _______ _ Cuno Longo -+- Controles saudáveis -+- Sujeitos esquizofrênicos 1217 Atividade diminuída lnteNalo Figura 62-5 Déficits na função do córtex pré-frontal na esquizofrenia. RM funcional (fMRI) foi usada para examinar a atividade no córtex pré-frontal de pacientes com esquizofrenia (pacientes com o primeiro episódio e que nunca haviam utilizado fármacos antipsicóticos) e controles saudáveis durante a rea liza- ção de uma tarefa de memória de trabalho. Uma sequência de letras era mostrada aos sujeitos. instruídos a responder a uma letra em particular (a letra de " sondagem") somente se ela se- guisse imediatamente outra letra especificada (a letra de "pista contextual"}. A demanda sobre a memória de trabalho aumen- tava quanto maior o intervalo entre as letras de sondagem e de pista contextual. Supõe-se que um maior intervalo requeira maior ativação dos circuitos corticais pré-frontais. (Reproduzida, com permissão, de Barch et ai., 2001.) A. Tanto nos pacientes esquizofrênicos quanto nos controles. a atividade da área 44/46 de Brodmann é maior com o aumento da demanda sobre a memória de trabalho, sugerindo que essas re- giões do córtex pré-frontal posterior inferior (CPFPI) mantenham sua função intacta na esquizofrenia. O gráfico mostra a mudança cerebral durante o final da adolescência. A sincronização desses processos é consistente com o envolvimento tanto do córtex pré-frontal como do sistema dopaminérgico na patogênese da esquizofrenia (Figura 62-5). Embora a perda lenta e gradual da substância cinzen- ta no córtex pré-frontal e temporal seja observada após o diagnóstico, na ocasião do primeiro diagnóstico geralmen- te já são verificadas alterações corticais e alargamento ven- tricular, sugerindo que os processos patogênicos subjacen- tes à esquizofrenia estão ativos muito antes de os sintomas psicóticos surgirem. de sinal nas condições de " intervalo longo" e de " intervalo cur- to" em controles saudáveis e pacientes com esquizofrenia. na atividade do lado direito do córtex pré-frontal por fMRI. Efeitos similares foram observados para a atividade do lado esquerdo. B. Há menor atividade na área 46/49 de Brodmann. uma região do córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL). em pacientes com esquizofrenia em relação a controles saudáveis. Diferentemente das áreas do córtex pré-frontal apresentadas na parte A, a área 46/49 de Brodmann não é ativada normalmente em indivíduos com esquizofrenia . O gráfico mostra que, diferentemente do CPFPI, o CPFDLem indivíduos esquizofrênicos não é ativado na condição " intervalo longo" em comparação com " intervalo curto", condizente com o déficit na função da memória de tra- balho típico desse transtorno. O prejuízo seletivo de uma região do córtex pré-frontal, ao lado de outras regiões aparentemente funcionais, sugere que o comprometimento seja causado por um processo fisiopatológico regionalmente específico. em vez de di- fuso e inespecífico. Comparações entre gêmeos monozigóticos de meia- -idade e mais velhos, discordantes para esquizofrenia (em que o gêmeo não afetado serve como controle), mostram que a gravidade da deficiência de substância cinzenta no córtex pré-frontal se correlaciona com a gravidade dos sintomas e não com a duração da doença. Obviamente, tais estudos não podem informar se a deficiência estava completamente presente no inicio dos sintomas. Para tra- tar dessa questão, Judith Rapoport conduziu um estudo longitudinal com aqueles raros indivíduos cujo início da esquizofrenia tenha ocorrido na infância e verificou uma 1218 Eric R. Kandel, James H. Schwartz, Thomas M. Jessell, Steven A. Siegelbaum & A. J. Hudspeth correlação da progressão da deficiência de substância cin- zenta e do alargamento ventricular com o início e a du- ração da doença. Nesses indivíduos, a perda normal da substância cinzenta durante a adolescência, presumivel- mente relativa a processos de poda sináptica, era exagera- da (Figura 62-6). Fármacos antipsicóticos atuam nos sistemas dopaminérgicos do encéfalo Todos os fármacos antipsicóticos usados para tratar a esqui- zofrenia agem nas vias dopaminérgicas do prosencéfalo. O primeiro fármaco antipsicótico eficaz, a clorpromazina, foi desenvolvido por seus efeitos sedativos e anti-histamínicos e não por seus efeitos como tratamento psiquiátrico. Foi verificado posteriormente que a clorpromazina é eficaz no tratamento da agitação de pacientes com esquizofrenia e transtorno bipolar. Com base nesses efeitos calmantes for- tes, a clorpromazina e muitos fármacos relacionados foram inicialmente descritos como tranquilizantes maiores. Em meados da década de 1960, entretanto, ficou claro que es- ses fármacos não agem simplesmente como tranquilizan- Normal Esquizofrênico Figura 62-6 A perda normal de substância cinzenta na ado- lescência é acelerada em adolescentes com esquizofrenia. O volume de substância cinzenta nas áreas parietal, motora, motora suplementar e frontal superior do córtex cerebral reduz progressivamente durante a adolescência, devido a processos normais de poda sináptica. Em adolescentes esquizofrênicos, a perda da substância cinzenta é mais pronunciada em regiões tes, mas reduzem especificamente os sintomas positivos da esquizofrenia, como as alucinações e os delírios, sendo também eficazes no tratamento de sintomas psicóticos que podem ocorrer nos transtornos do humor, como a mania e a depressão grave. Os fármacos antipsicóticos tiveram menos impacto nos sintomas negativos da esquizofrenia e pouco ou nenhum impacto nos déficits cognitivos. Os pacientes realmente melhoravam o suficiente para receberem alta hospitalar. De fato, o uso difundido dos fármacos antipsicóticos abriu o caminho para a liberação, em larga escala, de pacientes com esquizofrenia dos hospitais psiquiátricos. Infelizmen- te, esses pacientes não retomavam ao nível pré-mórbido de funcionamento. O reconhecimento de que as proprie- dades sedativas dos primeiros antipsicóticos eram efeitos colaterais indesejáveis levou ao desenvolvimento de novos compostos antipsicóticos menos sedativos. Além disso, to- dos os fármacos antipsicóticos de primeira geração, com exceção da clozapina, produziam efeitos colaterais relati- vos ao trato extrapiramidal, semelhantes aos da doença de Parkinson, como rigidez, tremor e dificuldade para iniciar movimentos. Diferença Perda acelerada da substancia cinzenta em adolescentes esquizofrênicos Valor de p 0,00002 0,0001 0,0005 0,001 0,005 0,01 0,05 amplas do córtex temporal, incluindo o giro temporal superior. A perda de substância cinzenta atribuível à esquizofrenia (coluna à direita) pode ser determinada comparando-se a taxa média de perda de substância cinzenta em adolescentes normais e esqui- zofrênicos. Diferenças significativas são apresentadas na escala em cores falsas sobreposta aos mapas corticais. (Reproduzida, com permissão, de Thompson et ai., 2001.l A doença de Parkinson é causada pela perda de neu- rônios dopaminérgicos no mesencéfalo e, por isso, a ocor- rência de sintomas semelhantes aos dessa doença com o uso de antipsicóticos sugeriu a Arvid Carlsson que esses fármacos diminuem a transmissão dopaminérgica. Seguin- do essa ideia, Carlsson estabeleceu sua ação como bloquea- dores de receptores dopaminérgicos. São conhecidas duas famílias de receptores de dopamina. A família Dv que em humanos inclui D1 e D51 é acoplada a proteínas G estimula- doras que ativam a adenilato-ciclase. A família D2, que in- clui D2, D3 e D41 é ligada à proteína G inibidora (G), que ini- be a adenilato-ciclase. A família de receptores D2 também atua por uma via independente envolvendo J3-arrestina2 (f3-arr2) e Akt, uma proteína-quinase, antigamente conhe- cida como proteína-quinase B. A família de receptores D1 é expressa no estriado e é o principal tipo de receptor de dopamina no córtex cerebral e no hipocampo, enquanto a família de receptores D2 é expressa em maior densidade no estriado, mas também no córtex cerebral, na amígdala e no hipocampo. Correlações entre estudos de ligação em recep- tores e a eficácia clínica na redução de sintomas psicóticos positivos indicam que a família D2 é o principal alvo das ações terapêuticas dos fármacos antipsicóticos sobre esses sintomas (Figura 62-7). Os fármacos antipsicóticos não apenas tratam as recaídas agudas da esquizofrenia e outros transtornos psicóticos, mas também seu uso contínuo reduz a hospi- talização, pois aumenta notavelmente o período entre as recaídas. Infelizmente, os efeitos colaterais limitam sua uti- lização a longo prazo. Uma segunda geração de medicações antipsicóticas foi desenvolvida com base na observaç.ão de que a clozapina possui menor probabilidade de causar efei- tos colaterais parkinsonianos do que os outros fármacos. Ela também é capaz de produzir respostas terapêuticas em alguns pacientes esquizofrênicos para os quais outros fár- macos não têm efeito. (Infelizmente, a clozapina apresenta outros sérios efeitos colaterais que limitam seu uso.) Com base nas propriedades da clozapina, alguns fár- macos de segunda geração foram projetados para ter uma afinidade um pouco menor com relação aos receptores D2 do que os fármacos de primeira geração. Alguns deles tam- bém bloqueiam os receptores 5-HT2A da serotonina, uma ação que se pensava ser protetora contra os efeitos colate- rais motores. Contudo, ensaios clínicos recentes de larga escala com os fármacos mais novos têm sido desapontado- res, mostrando pouco benefício em relação aos antipsicóti- cos mais antigos. Nenhum dos fármacos mais recentes se iguala à clozapina em eficácia. Pelo fato de os fármacos que reduzem os sintomas positivos bloquearem os receptores D21 os pesquisadores têm perguntado qual o papel da dopamina nos sintomas da esquizofrenia. Fármacos bloqueadores de receptores D2 reduzem os sintomas psicóticos, e outros fármacos que aumentam a dopamina em sinapses (como a anfetamina e a cocaína) são capazes de produzir sintomas psicóticos, em especial sintomas paranoicos. Assim, Carlsson suge- riu que os sistemas dopaminérgicos estejam hiperativos na esquizofrenia. A evidência mais direta para essa ideia vem de estudos de meados dos anos de 1990, quando se verificou que o au- Princípios de Neurociências 1219 1.000 • Transmissão 100 10 1 0.1 d · é · Remoxíprída , • • / opam,n rg,ca . • bloqueada Clozap,na - , 1 Proclorperazína • Molíndona · Receptor dopamínérgíco D2 ! ' • . 1 ; : .. . ' " . . . . . • 1 ' 1 : 1 i l ,. J ' r . . . l . f 1 • r ' . 1 ,::,: , ;: . . . ... :. . : : . • 1 ' , ·:: · : · • Tíorídazínâ I • • . S-sulpírída :' : 1 Clorpromazína . :: Moperona · - 1 ; Trífluoperazína , Racloprída Tiotixeno (+)Butaclamol Haloperídol Dropendol Flufenazína Pím ozída Flupentíxol-C/S Trífluperídol Benperídol Espíperona 0,01 '---'-.L..LL.L.LLI.L.----L-'-.L..LI..U..U--'-.L..L.L.L.LLI.L.----L-'-.L..LI..U..U--' O, 1 1 10 100 1.000 Dose antípsícótíca (mg/día) Figura 62-7 A potência dos fármacos antipsicóticos de pri- meira geração no tratamento de sintomas positivos é for- temente correlacionada à sua afinidade com receptores do- paminérgicos D2 • No eixo horizontal está a dose média diária necessária para atingir níveis semelhantes de eficácia clínica. No eixo vert ical está K,, a concentração do fá rmaco necessária para ligar 50% dos receptores D2 in vitro. Quanto mais al ta a concen- tração do fármaco exigida. menor a afinidade do fármaco pelo receptor. As medidas nos dois eixos não são totalmente indepen- dentes entre si, pois a capacidade de um fármaco de bloquear os receptores dopaminérgicos 0 2 in vitro com frequência é usa- da para ajudar a determinar as doses a serem testadas em en- saios clínicos. A clozapina. que não se enquadra na linha. possui uma eficácia significativamente maior que os demais fá rmacos, embora seu mecanismo de ação não seja bem compreendido. (Adaptada, com permissão, de Seeman et ai. , 1976.) mento produzido pela anfetamina na liberação da dopami- na é maior em pacientes esquizofrênicos do que em indiví- duos saudáveis. Esses estudos sugerem que alterações em processos sensíveis à anfetamina, como armazenamento de dopamina, transporte vesicular, liberação de dopamina oure- captação de dopamina por neurônios pré-sinápticos, podem levar à hiperatividade nos sistemas dopaminérgicos subcorti- cais e contribuir para os sintomas positivos da esquizofrenia, aqueles que respondem a fármacos antipsicóticos. Embora a atividade dopaminérgica possa aumen- tar nas regiões subcorticais na esquizofrenia, há também evidências de que ela pode diminuir nas regiões corticais, podendo isso contribuir com os sintomas cognitivos. Em particular, acredita-se que o número de receptores D1 no córtex pré-frontal esteja reduzido no transtorno, uma ideia interessante, já que é constatado um papel dos receptores D1 na memória de trabalho e nas funções executivas, de- pendentes do córtex pré-frontal. O glutamato, principal neurotransmissor excitatório do encéfalo, também tem implicações na esquizofrenia, embora indiretamente. A fenciclidina e a cetamina, que, 1220 Eric R. Kandel, James H. Schwartz, Thomas M. Jessell, Steven A. Siegelbaum & A. J. Hudspeth no princípio, foram desenvolvidas como agentes anestési- cos, são bloqueadoras do receptor glutamatérgico NMDA e produzem sintomas psicóticos. Em indivíduos saudá- veis, a cetamina também produz disfunção cognitiva que imita, ao menos até certo ponto, as alterações observadas na esquizofrenia. Isso levou vários investigadores a con- siderar a ideia de que a função diminuída dos receptores glutamatérgicos tipo NMDA poderia desempenhar um papel na produção de alguns dos sintomas positivos e cognitivos da doença. Esses estudos indicam que sinto- mas positivos e cognitivos provavelmente sejam o resul- tado de alterações em vários sistemas transmissores que atuam tanto paralelamente quanto em combinação com adopamina. Visão geral A esquizofrenia é um transtorno crônico, profundamen- te incapacitante, caracterizado por importantes sintomas psicóticos, bem como déficits na emoção, na motivação e na cognição. Os déficits cognitivos prejudicam a capa- cidade dos pacientes esquizofrênicos de controlar seu comportamento de acordo com metas razoáveis e es- táveis. O resultado é que as pessoas com esquizofrenia são, na maioria das vezes, incapazes de manter trabalhos simples, até mesmo em períodos em que os fármacos an- tipsicóticos efetivamente controlam suas alucinações e delírios. Antigamente considerada uma reação puramente psi- cológica ao ambiente familiar, está claro agora que a esqui- zofrenia é marcadamente influenciada por fatores de risco genéticos. De fato, é com as modernas tecnologias genéti- cas que os primeiros genes de risco convincentes estão sen- do identificados. Estudos post-mortem e com neuroimagem comprovam a perda da substância cinzenta no córtex cerebral pré-fron- tal e temporal. A neuroimagem funcional tem revelado a base dos sintomas cognitivos incapacitantes. Apesar desse progresso, os fármacos existentes para tratar a esquizofre- nia, tão úteis quanto possam ser, ainda deixam os pacientes seriamente sintomáticos aguardando novas descobertas da 'A ' neuroc1enc1a. Leituras selecionadas Steven E. Hyman Jonathan D. 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Science 320:539-543. 63 Transtornos do humor e de ansiedade Os transtornos do humor mais comuns são a depressão unipolar e o transtorno bipolar A depressão unipolar muitas vezes tem inicio precoce O transtorno bipolar inclui episódios de mania Os transtornos do humor são comuns e incapacitantes Fatores de risco genéticos e não genéticos desempenham um papel importante nos transtornos do humor Regiões e circuitos encefálicos específicos estão envolvidos nos transtornos do humor A depressão e o estresse estão inter-relacionados A depressão maior pode ser tratada efetivamente Os fármacos antidepressivos têm como alvo sistemas . . , . neurais monoarrunergicos A psicoterapia é efetiva no tratamento da depressão maior A terapia eletroconvulsiva é um tratamento muito eficaz contra a depressão O transtorno bipolar pode ser tratado com lítio e com vários fármacos inicialmente desenvolvidos como anticonvulsivantes Os transtornos de ansiedade resultam de uma regulação anormal do medo Os transtornos de ansiedade têm um componente genético Os modelos animais de medo podem ajudar a esclarecer os transtornos de ansiedade em seres humanos Técnicas de neuroimagem apontam o envolvimento dos circuitos da amígdala no medo e na ansiedade em seres humanos Os transtornos de ansiedade podem ser tratados efetivamente com medicamentos e psicoterapia Visão geral E MOÇÕES SÃO RESPOSTAS TRANSITÓRIAS a um estímulo específico no ambiente (p. ex., a presença de uma ameaça), no corpo (p. ex., dor) ou, para seres huma- nos, na mente (p. ex., um pensamento). Quando um esta- do emocional é prolongado e toma-se dominante ao longo do tempo, pode-se chamá-lo de humor. Portanto, o humor pode ser independente das circunstâncias pessoais ou am- bientais imediatas. Os transtornos do humor e de ansiedade são os mais comuns entre os transtornos mentais sérios. Os transtor- nos do humor geralmente envolvem depressão ou euforia. Transtornos de ansiedade envolvem a regulação anormal de uma poderosa emoção, o medo. Em ambas as condições, os sintomas principais possuem um componente emocio- nal fundamental e são acompanhados por alterações fisio- lógicas, cognitivas e comportamentais. Neste capítulo, são discutidos os transtornos do hu- mor e de ansiedade juntos, pois ambos envolvem estados emocionais negativos e parecem abranger circuitos neurais sobrepostos, que incluem a amígdala e o córtex cingulado anterior. Há evidências também da presença de fatores de risco comuns entre alguns transtornos de ansiedade e a depressão maior. Os circuitos neurais e os fatores de risco genéticos compartilhados, bem como os efeitos negativos da ansiedade a longo prazo nas pessoas com transtornos do humor, podem explicar a constatação de que aproxi- madamente 60°/o dos pacientes com depressão maior tam- bém sofrem de um transtorno de ansiedade. Muitas vezes, transtornos de ansiedade precedem o inicio da depressão. Em razão de as emoções serem respostas transitórias a estímulos que podem ser reproduzidos em laboratório, elas são mais facilmente estudadas do que o humor em estudos neurocientíficos. Avaliar objetivamente o humor é difícil, em comparação com a maior padronização dos componentes fisiológicos e comportamentais das respostas emocionais (ver Capítulo 48), e os estudos experimentais de regulação do humor têm tido sucesso limitado. Há bons modelos animais para certas emoções, como para o medo e para o prazer, e como muitos aspectos desses estados parecem ter sido conservados ao longo da evoluç.ão, esses modelos animais são relevantes para os seres humanos (ver Capítulo 48). Modelos animais têm permitido estudos detalhados dos circuitos neurais, da fisiologia e da bioquímica dos es- tados emocionais. Por exemplo, estudos com modelos em roedores com medo inato (não aprendido) e medo aprendi- do (no qual o animal aprende a associar uma pista previa- mente neutra a uma ameaça) têm elucidado os II circuitos do medo", destacando a amígdala e o hipotálamo. Esses cir- cuitos ativam o sistema nervoso simpático, alterando a fre- quência cardíaca e a pressão arterial, estimulam a secreção de hormônios do estresse e evocam respostas defensivas espécie-específicas, como a imobilidade (" congelamento") e a fuga, em diferentes espécies. Tais investigações básicas fornecem hipóteses que podem ser testadas para estudos do medo e da ansiedade e de seus transtornos em humanos.Por outro lado, os estudos neurobiológicos do humor estão menos avançados. Embora muitas evidências apon- tem que animais possuem humor, o desenvolvimento de métodos empíricos que avaliem o que são esses humores e qual o equivalente deles nas experiências humanas ainda é um desafio. A maioria dos modelos animais de depressão não foi desenvolvida para investigar a fisiopatologia da doença humana, mas sim para testar o efeito antidepressi- vo dos fármacos. Muitos modelos animais têm como base o estresse crônico; apesar de o estresse crônico e o humor de- pressivo apresentarem muitas características em comum, eles não são idênticos. A falta de modelos animais bem validados dos dife- rentes humores ou dos transtornos do humor tem tomado difícil identificar os circuitos neurais responsáveis pela re- gulação e pela manutenção do humor. Dessa forma, muitas pesquisas são realizadas em seres humanos com técnicas não invasivas, como a neuroimagem. Os transtornos do humor mais comuns são a depressão unipolar e o transtorno bipolar Cinco séculos antes da era cristã, pensava-se que os humo- res resultassem do equilíbrio de quatro fluidos corporais (ou humores) básicos - sangue, fleuma, bile amarela e bile preta. Acreditava-se que um excesso de bile preta causasse depressão. De fato, na Grécia antiga, o termo para depres- são era melancolia, que significa bile preta. Embora essa ex- plicação para a depressão pareça inconsistente atualmente, a ideia básica de que os transtornos psicológicos refletem processos físicos está correta. Somente nas últimas três décadas, critérios relati- vamente precisos foram descritos para categorizar os transtornos do humor, em paralelo aos propostos para os transtornos mentais e cognitivos (ver Capítulo 61). A clas- sificação dos transtornos do humor atualmente tem como base os sintomas, a história pregressa do transtorno (época do início, curso e evolução), o padrão de transmissão fa- miliar e a resposta ao tratamento. Com base nesses dados, os pacientes com depressão podem ser classificados em duas grandes categorias: depressão unipolar e transtorno bipolar. A depressão unipolar é diagnosticada em pessoas que apresentam somente episódios depressivos, enquan- to o transtorno bipolar é diagnosticado em pessoas com episódios depressivos alternados com episódios de mania (Tabela 63-1). Princípios de Neurociências 1223 Outra classificação importante é distinguir se o trans- torno é primário ou secundário. Transtornos do humor induzidos por fármacos (p. ex., fármacos usados para tra- tamentos contra hipertensão) ou por processos fisiopato- lógicos que afetam o encéfalo (p. ex., hipotireoidismo) são considerados secundários a outra condição. O início da depressão em pessoas idosas também pode ser secundário a um processo fisiopatológico, como a doença de Parkin- son ou as doenças vasculares encefálicas. Embora esses ca- sos sejam importantes, a discussão apresentada aqui tem como foco os transtornos do humor, transtornos unipolar e bipolar, que surgem como processos fisiopatológicos in- dependentes. A depressão unipolar muitas vezes tem . , . 1n1c10 precoce As principais características clínicas da depressão unipolar podem ser resumidas nas palavras de Hamlet: "Como me afiguram fastidiosas, fúteis e vãs as coisas deste mundo!". Quando não tratado, um episódio de depressão costuma se estender por 4 a 12 meses. O traço principal da depres- são é um desânimo (disforia) presente na maior parte do dia, em quase todos os dias, frequentemente acompanha- do por um sentimento intenso de angústia, incapacidade de sentir prazer (anedonia) e uma perda de interesse ge- neralizada em relação ao mundo. Tristeza é o sentimen- to mais comum; contudo raiva, irritabilidade e perda de interesse pelas atividades diárias podem predominar em alguns pacientes. A depressão maior diferencia-se da tristeza normal ou do luto por sua gravidade, onipresença, duração e associa- ção com outros sintomas fisiológicos, comportamentais e cognitivos (Tabela 63-1). Os sintomas fisiológicos incluem distúrbios do sono (com frequência insônia, com despertar no início da manhã; ocasionalmente, pode ocorrer excesso de sonolência), alterações do apetite (mais comumente per- da do apetite, podendo ocorrer também aumento do ape- tite), perda de peso e falta de energia. Em relação aos sin- tomas comportamentais, alguns pacientes com depressão exibem lentidão nos movimentos, o que também é conheci- do como retardo psicomotor; já outros podem ser extrema- mente agitados. Os sintomas cognitivos são evidentes no conteúdo dos pensamentos ( desesperança, pensamento de inutilidade, culpa, com impulsos e ideação suicidas) e nos processos cognitivos (dificuldade de concentração, pensa- mentos lentos e prejuízos de memória). Nas formas mais graves da depressão, podem ocor- rer sintomas psicóticos, incluindo delírios (falsas crenças inabaláveis que não podem ser explicadas considerando- -se a cultura do indivíduo) e alucinações. Os sintomas psicóticos da depressão geralmente refletem o sentimento pessoal de inutilidade e inferioridade. Uma pessoa com depressão grave pode, por exemplo, acreditar que exala um odor forte porque imagina que está apodrecendo por dentro. O desfecho mais nefasto da depressão é o suicídio. O suicídio é a oitava causa de morte nos Estados Unidos, sen- do a terceira causa de morte entre jovens de 15 a 24 anos. Mais de 90°/o dos suicídios estão associados a transtornos mentais, sendo a depressão a principal causa. 1224 Eric R. Kandel, James H. Schwartz, Thomas M. Jessell, Steven A. Siegelbaum & A. J. Hudspeth Tabela 63-1 Sintomas dos transtornos do humor Depressão maior A. Humor depressivo (1) ou perda de interesse ou prazer (2) 1. Humor depressivo durante a maior parte do dia, quase todos os dias, indicado tanto por um relato pessoal (p. ex., " Sinto-me triste ou vazio" ) quanto por relatos de outras pessoas (p. ex., " Ele parece triste") 2. Redução marcante do interesse ou prazer por todas, ou quase todas, as atividades diárias, quase todos os dias (sinalizado tanto por relatos subjetivos do indivíduo quanto por observações de outros) 8. Presença de pelo menos quatro dos seguintes sintomas, quase todos os dias. durante pelo menos duas semanas: 1. Perda de peso significante sem dieta, ou ganho de peso (p. ex., alteração de mais que 50/o do peso corporal em um mês), ou mudança do apetite quase todos os dias 2. Insônia ou aumento da sonolência quase todos os dias 3. Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observados por outros, não meramente o sentimento subjetivo de in- quietação ou de estar muito lento) 4. Fadiga ou perda de energia quase todos os dias 5. Sentimento de inutilidade ou de culpa excessiva ou inapropriada (a qual pode ser delirante) quase todos os dias (não apenas autocrítica ou culpa por estar doente) 6. Habilidade reduzida para pensar ou para se concentrar, ou insegurança, quase todos os dias (tanto relatada pelo indivíduo quanto observada pelos outros) 7. Pensamento recorrente de morte (não apenas medo de morrer). ideação suicida recorrente sem um plano específico, ou uma tentativa de suicídio ou um plano específico para cometer suicídio Episódio de mania A. Um período distinto de humor persistente e anormalmente elevado, expansivo ou irritado com duração de pelo menos uma se- mana (ou com qualquer duração caso a hospitalização seja necessária) 8. Durante o período da alteração do humor, três (ou mais) dos sintomas seguintes são persistentes ou estão presentes em níveis elevados (ou quatro, se o quadro de humor mostrar apenas irritabilidade) 1. Ideias de grandeza e superestima 2. Redução da necessidade de sono (p. ex., sentir-se descansado após apenas 3 horas de sono) 3. Mais falante que o usual ou desejo de continuar falando 4. Fuga de ideias ou experiências subjetivas com pensamentos acelerados 5. Distração (i .e .. atenção facilmente desviada para estímulos externossem importância ou irrelevantes) 6. Aumento de atividade direcionada a objetivos (tanto socialmente quanto no trabalho ou na escola ou sexualmente) ou agita- ção psicomotora 7. Excesso de envolvimento em atividades prazerosas com consequências potencialmente perigosas (p. ex., engajar-se em um surto desenfreado de compras, indiscrição sexual ou investimentos econômicos insensatos) Adaptada do Manual Diagnóstico e Esta tístico de Transtornos Mentais, 4' ed. Em uma classificação padronizada dos transtornos psiquiátricos realizada nos Estados Unidos - o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, Quarta Edi- ção (DSM-IV), da American Psychiatric Association - a de- pressão unipolar, episódica, primária, que tem pelo menos duas semanas de duração, é classificada como depressão maior. A depressão maior em geral começa cedo na vida; aproximadamente metade dos casos acomete jovens com menos de 25 anos, mas primeiros episódios podem ser ob- servados ao longo de toda a vida. Além disso, os pacientes que apresentaram o primeiro episódio na infância ou ado- lescência têm alta probabilidade de recorrência. Uma vez que o segundo episódio tenha ocorrido, um padrão de re- caídas e remissões comumente se instala. Algumas pessoas não se recuperam completamente de um episódio agudo e passam a apresentar uma depressão crônica e constante, embora mais amena, podendo ser pontilhada por exacer- bações agudas. Depressões crônicas mais leves, que se es- tendem por mais de dois anos, são chamadas de distimias. Embora os sintomas da distirnia sejam menos graves que os observados nos episódios de depressão maior, sua longa duração toma esse transtorno muito incapacitante. O transtorno bipolar inclui episódios de mania O transtorno bipolar é conhecido por seu sintoma primor- dial, a oscilação do humor entre mania e depressão. Os episódios de mania são caracterizados por euforia ou irri- tabilidade, aumento significativo das atividades, redução da necessidade de dormir, impulsividade e envolvimento excessivo em vários projetos, frequentemente com pouco bom-senso e caracterizado por um otimismo extremo. Por exemplo, a pessoa acaba gastando muito além do que pode pagar. Durante o episódio de mania, a autoestima é inflada, comumente chegando a proporções delirantes, e os indi- víduos podem designar-se da realeza, profetas ou mesmo divindades. A mania afeta a cognição. No decorrer do episódio de mania, a pessoa não consegue ater-se a um tema e pode trocar rapidamente de assunto, dificultando a compreen- são. A fala costuma ser rápida e difícil de ser interrom- pida. Sintomas psicóticos comumente ocorrem durante os episódios de mania e em geral são consistentes com o humor elevado do indivíduo. Por exemplo, pessoas com mania podem ter delírios de que possuem um poder es- pecial. Os sintomas que caracterizam os episódios de de- pressão no transtorno bipolar são indistinguíveis dos ob- servados na depressão unipolar. Pacientes que tiveram pelo menos um episódio de ma- nia são diagnosticados com transtorno bipolar, mesmo que ainda não tenham experimentado um episódio depressivo. O início do episódio de mania tende a ser relativamente rápido, ocorrendo dentro de um período de poucos dias a poucas semanas. O transtorno bipolar em geral começa no início da vida adulta, raramente durante a infância. A maioria dos episódios não possui um precipitante claro, mas a privação de sono pode desencadear um episódio de mania, sugerindo uma relação entre os sistemas neu- rais que regulam os ritmos circadianos e o humor. Pessoas com transtorno bipolar apresentam episódios recorrentes de mania e depressão. Entretanto, a frequência dos perío- dos de mania, depressão e humor normal (eutirnia) varia amplamente. Nos períodos entre os episódios de mania ou de depressão, algumas pessoas com transtorno bipolar são relativamente livres de sintomas, mas uma grande parcela apresenta sintomas residuais. Uns poucos pacientes apre- sentam sintomas crônicos e graves apesar do tratamento. Os transtornos do humor são comuns e incapacitantes Estima-se que o risco de desenvolver depressão maior ao longo da vida, nos Estados Unidos, seja de 16,2°/o. A cada ano, 6,6o/o da população sofre com depressão maior. Apre- valência de depressão difere entre os países e as culturas, mas a essência dos sintomas é notavelmente similar em todo o mundo. Na infância, a depressão maior ocorre na mesma pro- porção entre meninos e meninas. Após a puberdade, entre- tanto, a depressão acomete mais comumente o sexo femini- no, independentemente da cultura. Nos Estados Unidos, a proporção entre mulheres e homens com depressão maior é de 1,7:1. A depressão é a maior causa de incapacidade em todo o mundo. Em contraste com a alta frequência da depressão uni- polar, o transtorno bipolar é menos comum, possuindo uma prevalência de 1 %, relativamente pouco variável entre os países. Assim como para a depressão maior, os sintomas do transtorno bipolar são os mesmos nos diferentes países e culturas. O risco de desenvolver o transtorno bipolar é mundialmente equivalente entre homens e mulheres. Fatores de risco genéticos e não genéticos desempenham um papel importante nos transtornos do humor Assim como a esquizofrenia, o padrão de transmissão h ereditária, tanto do transtorno bipolar quanto da de- pressão maior, é inconsistente com uma simples herança mendeliana (gene único) dominante, recessiva ou ligada ao sexo. Uma forma de estimar a influência dos genes no fenótipo da doença é relacionar o grau de parentesco com um indivíduo doente com o risco de desenvolver a doença. Esse aumento no risco pode ser expresso como a razão do risco de ocorrência, a qual fornece uma medi- da aproximada da influência genética em um traço da doença, porém não fornece informações sobre quantos genes podem estar envolvidos. Princípios de Neurociências 1225 A razão do risco de ocorrência demonstra que os genes contribuem para o risco de desenvolver a depressão unipo- lar, mas exercem uma influência bem mais forte sobre o ris- co para o transtorno bipolar (Tabela 63-2). Assim como na esquizofrenia (ver Capítulo 62), as taxas de concordância para a doença entre pares de gêmeos monozigóticos (gene- ticamente idênticos) são menores que 100%. Dessa forma, os genes não são os únicos responsáveis pelos transtornos do humor, podendo interagir com fatores do desenvolvi- mento ou fatores ambientais para produzir a doença. No conjunto, o risco genético para desenvolver trans- tornos do humor, como na esquizofrenia, é geneticamen- te complexo. Os estudos de ligação e associação genética sugerem a existência de múltiplas vias de risco genéticos para desenvolver transtornos do humor, não havendo um gene único com probabilidade de provar ser necessário ou suficiente. Do ponto de vista da prevenção, é importante enten- der os papéis relativos de fatores de risco genéticos e am- bientais, já que estes últimos podem ser modificados. Mui- tas evidências sugerem que eventos adversos e estressantes aumentam o risco de depressão maior. Contudo, mesmo aqui os genes podem exercer um papel duplo sobre o risco de desenvolver o transtorno, pois eles modelam o tempe- ramento das pessoas. Primeiro, o temperamento influencia o tipo de situações em que as pessoas se colocam; segun- do, os fatores genéticos podem influenciar as respostas das pessoas às experiências adversas, quando ocorrem. Assim, interações entre fatores genéticos e ambientais complicam a tarefa de isolar os fatores de risco. Regiões e circuitos encefálicos específicos estão envolvidos nos transtornos do humor Os estudos dos circuitos neurais envolvidos nos transtornos do humor vêm tornando-se mais confiáveis com as análises das imagens funcionais e estruturais do encéfalo humano e, em menor grau, do tecido encefálico post-mortem, uma vez que as pesquisas com modelos animais de humor ou de transtornos do humor não são completamente conclu- sivas.Dados de neuroimagens de pacientes com depressão maior e transtorno bipolar mostram alterações semelhantes nas regiões encefálicas implicadas nas emoções e na cog- Tabela 63·2 Razão do risco de ocorrência (>d para transtornos do humor e esquizofrenia Transtorno Irmãos Gêmeos idênticos Esquizofrenia 9 48 Transtorno bipolar 7 60 Depressão maior 2-3 16 O li. informa o risco ao longo da vida de desenvolver um transtorno, depen- dendo do grau de parentesco com uma pessoa que possui o transtorno. como múltiplo do risco da população em geral. Assim. para a esquizofre- nia, a taxa básica de incidência na população é de l o/o . Possuir um irmão com esquizofrenia aumenta em nove vezes o risco (neste caso, o risco é igual a 9%). Possuir um irmão gêmeo idêntico com esquizofrenia torna o risco relativo de desenvolver o transtorno 48 vezes maior do que na po- pulação em geral. A esquizofrenia e o transtorno bipolar são altamente in- fluenciados pela genética, enquanto a depressão maior é moderadamente influenciada. 1226 Eric R. Kandel, James H. Schwartz, Thomas M. Jessell, Steven A. Siegelbaum & A. J. Hudspet h nição (Figura 63-1). Apesar d o avanço dos estudos, essas imagens ainda não identificam alterações específicas no sistema neural que possam ser usadas como critério d iag- nóstico para depressão maior ou transtorno bipolar. Uma região cerebral que vem sendo consistentemente implicada na depressão maior e no transtorno bipolar é o giro do córtex cingulado anterior. Essa estrutura, disposta paralelamente ao corpo caloso, está situada na face medial de cada hemisfério cerebral (Figura 63-1) e apresenta duas subdivisões funcionais. Acredita-se que as subdivisões ros- trais e ventrais estejam envolvidas nos processos emocio- nais e nas funções autônomas, uma vez que estabelecem extensas conexões com o hipocampo, a amígdala, o córtex pré-frontal orbital, a ínsula anterior e o nucleus accumbens. A subdivisão caudal parece estar envolvida com processos cognitivos e o controle do comportamento, conectando-se com a porção dorsal do córtex pré-frontal, o córtex motor secundário e o córtex cingulado posterior. Alterações funcionais em ambas as subdivisões do córtex cingulado anterior foram observadas em pessoas com transtorno do humor (Figura 63-2). Entretanto, as alterações funcionais durante os episódios de depressão maior e na fase depressiva do transtorno bipolar são en- contradas com maior consistência na subdivisão rostral, que está relacionada com as emoções, e, especialmente, na região subgenual (a porção ventral do joelho do corpo caloso). Além disso, a redução na atividade do giro cingu- lado anterior subgenual após tratamento com antidepres- sivos está correlacionada com o sucesso no tratamento (Figura 63-3). Córtex pré-frontal Orbital lateral Orbital medial ~;-:) Amlgdala Hipocampo Figura 63-1 Centros encefál icos de alterações emocionais em pacientes com depressão. Cada uma destas estruturas in- terconectadas desempenha um papel na regulação das emoções e das respostas fisiológicas e comportamentais a um estímulo Estudos de neuroimagens também apontam a partici- pação da amígdala e do hipocampo nos transtornos do hu- mor. O papel da amígdala não é surpreendente, tendo em vista a abundância de evidências que mostram sua atua- ção no processamento das emoções negativas, incluindo o medo (ver Capítulo 48). O aumento da amígdala foi encon- trado na depressão, e o aumento dos níveis basais da ati- vidade na amígdala foi observado na depressão, no trans- torno bipolar e nos transtornos de ansiedade. Assim como em muitos transtornos, o volume do hipocampo pode estar reduzido na depressão. Essas mudanças correlacionam- -se com a duração dos primeiros episódios de depressão, e não com a idade da pessoa, o que é consistente com a ideia de que um episódio prolongado de depressão maior pode produzir atrofia hipocampal. Mesmo assim, até que estudos longitudinais sejam conduzidos, não se pode ter certeza de que um volume hipocampal menor seja um fator de risco para a depressão ou seja resultante do transtorno. Apesar dos achados descritos anteriormente, o uso de neuroimagem para estudar a depressão ainda está nos es- tágios iniciais. A maioria dos estudos até o momento apre- senta restrições quanto a medidas anatômicas das estrutu- ras encefálicas ou à avaliação da atividade encefálica basal (sem sofrer estimulação) nos pacientes deprimidos com- parados com os indivíduos saudáveis. Os pesquisadores atualmente estão começando a usar o paradigma de ativação, no qual a atividade encefálica é medida em resposta a estí- mulos cognitivos ou emocionais específicos. O paradigma de ativação pode ser uma maneira po- derosa de identificar o circuito encefálico associado a uma emocional. Anormalidades em uma ou mais destas regiões. ou na interconexão entre elas, estão associadas com falhas na regu- lação das emoções. (Reproduzida. com permissão, de Davidson, Putnam e Larson, 2000.) ô o " • o Figura 63-2 Participação do córtex ci ngulado anterior na depressão. A figura resume os achados de vários estudos que utilizaram imageamento encefálico. Os círculos coloridos mos- tram os lugares ativados ou desativados antes e após o tratamen- to de pacientes com depressão. Os círculos pretos indicam a hipera tividade antes do tratamento entre os pacientes que res- ponderam ao tratamento; os círculos verdes indicam a ativida- de diminuída após o tratamento naqueles que responderam; os círcu los cor-de-rosa indicam hipoatividade em indivíduos com função específica, bem como à alteração dessa função. Por exemplo, em indivíduos saudáveis, o córtex cingulado an- terior é ativado pela experiência de dor, por conflito cogni- tivo e por erros cometidos durante testes de desempenho. Então, o córtex cingulado anterior pode verificar se um comportamento foi realizado com sucesso para a obtenção de um objetivo, e a percepção de discrepâncias entre objeti- vos e desfechos pode contribuir para a depressão. Aumento do metabolismo no córtex cingulado anterior Respondem ao tratamento Figura 63-3 Aumento da ativ idade no córtex cingulado an- terior prediz responsividade ao tratamento com fármacos antidepressivos. O metabolismo regional cerebral de glicose foi aval iado por tomografia por emissão de pósitrons (PET) como um índice de atividade cerebral. Pacientes deprimidos com me- tabol ismo elevado na porção rostral do córtex cingulado anterior Princípios de Neurociências Antes do tratamento O Hipoat ividade e Hiperatividade Remissão O Aumento da atividade e Redução da atividade Pós-tratamento e Redução da atividade Estudos O Emocionais e Cognit ivos • Resposta ao t ratamento em um estudo com EEG 1227 depressão; os círculos amarelos indicam aumento da ativida- de em pacientes com remissão da depressão; o único círcu lo marrom indica atividade reduzida em pacientes com remissão da depressão. Também são mostrados estudos envolvendo tes- tes emocionais (círculos azuis) e testes cognitivos (círculos ro- xos) em indivíduos sem transtornos psiquiátricos. Uma grande área vermelha mostra a localização da resposta ao tratamento, observada em um estudo com eletrencefalograma (EEG} na de- pressão. (Adaptada, com permissão, de Pizzagalli et ai., 2001.) A depressão e o estresse estão inter-relacionados Em alguns casos, a depressão resulta de uma experiência estressante; por outro lado, a experiência de depressão é por si só estressante. Ainda, a depressão compartilha várias características com o estresse crônico, incluindo mudan- ças no apetite, no sono e na disposição. Depressão maior e estresse crônico também podem compartilhar alterações Não respondem ao tratamento ' Escore Z +4 -4 apresentam melhores respostas ao tratamento com antidepres- sivos que pacientes sem essa ativação. Portanto, o aumento no metabolismo do córtex cingulado pode representar uma resposta adaptativa à depressão que prevê a resposta
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