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Caso Clínico do dia Carla é uma jovem de 18 anos, que foi trazida ao departamento de emergência no domingo pela manhã. Ela estava em uma festa de aniversário na noite anterior e nas primeiras horas da manhã, a mãe ouviu um barulho no quarto dela, e a encontrou se debatendo no chão. A mãe tentou a chamar, mas ela estava desacordada. Foi então que a mãe ligou para o SAMU para leva-la ao hospital. Durante o trajeto Carla começou a acordar, mas permaneceu sonolenta e desorientada. Quais são as características-chave da história? 1. Quando a paciente ficou desacordada, ou se o evento não foi testemunhado, quando ela foi vista bem pela última vez? 2. Havia algum sintoma de alerta antes do evento? 3. Como foi o evento? O que ela estava fazendo com os olhos, cabeça, braços e pernas? 4. Como estava a aparência de suas extremidades e da face durante o evento? Cianótica? Pálida? 5. Houve mordedura da língua ou incontinência urinária durante o evento? 6. Quanto tempo demorou para que ela recuperasse a consciência normal? 7. Ela já teve crises semelhantes anteriormente? Carla chegou ao hospital com os enfermeiros da ambulância, mas foi incapaz de fornecer qualquer história. O médico do departamento de emergência, que era muito eficiente, telefonou para a casa de Carla para falar com um familiar. O namorado dela estava na casa dela no momento do evento e testemunhou todo o evento, sendo capaz de descrevê-lo. Ela estava bem no dia anterior e foi à festa de aniversário com ele. Ela tomou algumas latas de cerveja, mas segundo o namorado, ela não ficou bêbada e a quantidade de álcool ingerida foi considerada normal, para o que ela ingeria em outras ocasiões. Eles vieram para casa ao redor da meia-noite, mas não foram dormir e resolveram assistiram um filme. Ela não se queixou de estar mal durante o filme, e após seu término, cerca de 3 horas da manhã, ela foi tomar um copo de água. Foi então que ela subitamente caiu no chão, sem aviso. Ela soltou um grito e ficou rígida (postura tônica), caiu no solo e após e teve movimentos clônicos nos braços e pernas por alguns minutos. O namorado não conseguiu acordá-la durante o evento. Seus olhos se viravam para trás e sua mandíbula ficou cerrada, e a sua face e extremidades ficaram roxas. Ele não acha que ela tenha perdido urina durante o evento, mas percebeu que ela mordeu sua língua, pois viu sangue na boca. Ela estava ainda muito sonolenta no momento em que a ambulância chegou no hospital, embora durante os 20 minutos de trajeto até o hospital, ela começou a acordar. Ela não se lembrou do evento e negou que tenha sentido qualquer sintoma antes de colapsar. O exame neurológico foi normal. Qual o diagnóstico diferencial mais provável? Há um grande número de potenciais diagnósticos diferenciais a serem considerados em casos de perda transitória da consciência, como o de Carla: - Convulsões. - Síncope (vasovagal, cardiogênica, hipotensão postural), em especial, a síncope convulsiva. - Hipoglicemia. - Crises funcionais não epilépticas/psicogênicas. - Ataques isquêmicos transitórios. - Amnésia global transitória - Crises de pânico - Distúrbios do sono (terror noturno, sonambulismo) - Delírium Em uma mulher jovem da idade de Carla, os diagnósticos mais prováveis devem ser convulsão e síncope vasovagal. A história passada pela testemunha é bem detalhada e sugere fortemente a possibilidade de convulsão. As principais características que diferenciam convulsão de síncope são: Convulsão Síncope Fatores desencadeantes Privação de sono Bebida alcoólica Abstinência alcoólica TCE Doenças do SNC Insulto metabólico Flashes de luz Tempo prolongado em pé Calor excessivo Dor excessiva Fatores emocionais Doença concomitante Cor da face Normal ou cianótica Pode ser pálida Braços e pernas Podem ficar rígidos e seguidos de abalos clônicos Geralmente imóveis, porém podem ter abalos (síncope convulsiva) Duração 1-3 minutos, Quando > 5 minutos considerar estado de mal epiléptico < 30 segundos – resolve com a posição deitada. Mordedura de língua Frequentemente na lateral Raramente Incontinência Algumas vezes Algumas vezes Recuperação 30-60 minutos, com confusão e sonolência Poucos minutos se o paciente deitar. Sem confusão e sonolência Então Carla teve uma crise epiléptica? Esse evento, aparentemente, foi a primeira crise epiléptica de Carla. Ele pode ter sido um evento isolado (cerca de 5% da população tem uma crise convulsiva isolada ao longo da vida), ou pode ser parte de uma tendência a crises epilépticas recorrentes, que define epilepsia. Crises provocadas, também conhecidas como crises agudas sintomáticas, são crises epilépticas com claro fator desencadeante (hiponatremia, hipoglicemia, uremia, uso de cefepime, intoxicação exógena, febre, etc), geralmente dentro dos primeiros sete dias do início do fator desencadeante. Nesses casos, tudo o que é preciso é a correção do fator causal. Portanto, é importante tomar uma história adicional para tentar estabelecer a probabilidade de eventos recorrentes no futuro e o impacto do diagnóstico na vida futura de Carla. É necessária uma história clínica detalhada do paciente e de uma testemunha, sendo esse um processo que exige tempo, paciência e habilidade por parte do médico. Quando a história não ficar clara, pode-se orientar os familiares a filmarem uma próxima crise com a câmera do celular. Qual a definição de epilepsia? Em 2005 a Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE) propôs uma definição conceitual para a epilepsia, como um distúrbio cerebral em que há uma predisposição persistente para gerar crises epilépticas, tendo consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais. Em 2014 a ILAE propôs uma definição operacional (prática) de epilepsia como uma doença do cérebro caracterizada por: - Pelo menos duas crises não provocadas (ou duas crises reflexas) ocorrendo em um intervalo superior a 24 horas. Uma crise é chamada reflexa quando está claramente associada a um estímulo externo (ex. lampejos luminosos ou música) ou a uma atividade do indivíduo (ex. movimento, jogar xadrez, ler em voz alta, fazer cálculos matemáticos). - Apenas uma crise não provocada (ou uma crise reflexa) e chance de ocorrência de uma nova crise, estimada em pelo menos 60%, ocorrendo nos próximos 10 anos. Não há como determinar esse risco com precisão na prática clínica, pois o risco é individual de cada pessoa. Portanto, utiliza-se a demonstração de uma lesão estrutural na neuroimagem que justifique a crise e/ou a presença de uma anormalidade indubitavelmente epileptiforme no EEG como critérios para definir epilepsia. - Diagnóstico inequívoco de uma síndrome epiléptica bem definida. Nota-se que de 2005 para 2014, a epilepsia passou de distúrbio cerebral para doença, implicando que há uma desestruturação duradoura da função cerebral normal, assim como ocorre nas arritmias cardíacas, que se manifestam sob várias formas e exigem múltiplos diferentes tratamentos, com prognósticos variados. Há qualquer evento adicional na história? 1. Ela tem outros tipos de crises? - Ausências (5 a 10 segundos de parada comportamental, ocasionalmente acompanhado de piscamento ou abalos mioclônicos, com nenhuma memória do evento). - Abalos mioclônicos (abalos involuntários de um ou mas membros, durando 1 a 2 segundos, com preservação da consciência, frequentemente durante a manhã) – podem ocorrer no início do sono (mioclonias fisiológicas do sono). - Crises focais com alteração da consciência (episódios de consciência alterada por 1 a 2 minutos, frequentemente com automatismos orolinguais ou manuais). 2. Há história familiar de convulsões ou epilepsia? 3. Ela está tomando medicamentos que possam induzir crises epilépticas? 4. Houve qualquer outro precipitante para a crise? 5. Ela teve algum fator de risco para convulsõesno início da vida? - Convulsões febris - TCE - Prematuridade - Infecção prévia do SNC 6. Particularmente na infância, há qualquer história de atraso do desenvolvimento neuropsicomotor? 7. Como o diagnóstico da crise afeta sua vida? - Direção de veículos - Trabalho - Atividades/hobbies - Gestação e contracepção Carla negou qualquer evento similar prévio. O astuto médico da emergência perguntou sobre a ocorrência de crises menos óbvias, em particular ausências e abalos mioclônicos matinais, mas ela negou esses eventos também. Ela disse que sua prima materna costumava ter crises convulsivas durante a infância, mas não teve mais após a vida adulta. Ela não estava tomando nenhuma medicação além do anticoncepcional oral. Os únicos fatores provocadores de crises que foram identificados foram privação de sono e o consumo de álcool. Não havia outros fatores de risco, assim como outros sintomas neurológicos. Ela tinha acabado de obter sua carteira de motorista e tinha ganhado um carro de seus pais no aniversário de 18 anos. Ela trabalha como cabeleireira e dirige para o salão em uma cidade vizinha, pois não há transporte no horário que ela trabalha. Seus principais hobbies são escalar montanhas e natação. Ela não está planejando ficar grávida no curto prazo. Qual investigação é necessária neste caso? A investigação depende do contexto clínico. Exames de laboratório de rotina como creatinina, eletrólitos e glicose devem ser realizados em todos os pacientes com convulsão, pois anormalidades metabólicas como uremia, hipoglicemia ou hiponatremia podem causar crises convulsivas. Exames de imagem são realizados para descartar lesões estruturais, principalmente após a primeira crise em pacientes com mais de 40 anos, achados neurológicos focais no exame físico, febre, cefaleia persistente, confusão mental ou história recente de trauma de crânio. A tomografia de crânio é o exame mais rápido e disponível na maioria das emergências, sendo ainda mais prática em pacientes agitados e com rebaixamento da consciência. Porém, a tomografia não descarta muitas causas de epilepsia. As diretrizes atuais sugerem que todos os pacientes com epilepsia de início no adulto necessitam uma ressonância magnética, a menos que haja um diagnóstico inequívoco de epilepsia generalizada idiopática (ex. epilepsia mioclônica juvenil, epilepsia de ausência infantil) ou de epilepsia focal autolimitada (epilepsia benigna da infância com ondas centrotemporais), que não são causadas por lesões focais do cérebro. A ressonância magnética ideal de pacientes com epilepsia deve incluir um protocolo específico para epilepsia, com aquisição volumétrica (3D), cortes finos coronais (1 mm) em T1 e FLAIR e perpendiculares ao eixo do hipocampo. Portanto, é fundamental constar no pedido que o paciente teve crises epilépticas, para que o radiologista possa escolher o protocolo adequado de exame. Um eletroencefalograma (EEG) pode ser extremamente útil quando anormal, embora um EEG interictal (entre as crises) normal, certamente não descarta a possibilidade de epilepsia. Além disso, um EEG interictal com anormalidades epileptiformes (presença de pontas ou ondas agudas), não é suficiente para determinar o diagnóstico de epilepsia, caso o paciente não tenha manifestações clínicas de epilepsia, pois uma pequena parcela da população tem EEG epileptiforme, e nunca desenvolve epilepsia. O EEG pode ser útil em determinar o tipo de crise (focal x generalizada) e o risco de recorrência. O poder diagnóstico do EEG é maior quando realizado mais próximo da crise epiléptica (nas primeiras 24 horas após o evento). A realização de múltiplos exames, com intervalos de dias a semanas, ou a realização de exames prolongados (24 a 48 horas de registro) podem aumentar a chance de se encontrar uma anormalidade. Um eletrocardiograma (ECG) deve ser realizado em todos os pacientes que se apresentam com crise convulsiva, pois síncope cardiogênica é um diagnóstico diferencial. Nos casos em que ficar dúvida se é uma crise epiléptica ou uma síncope vasovagal convulsiva, um tilt test pode ser muito útil. No contexto da emergência, quando houver suspeita de infecção do sistema nervoso central como causa da crise, o exame do líquor é mandatório. Qual a fisiopatologia da epilepsia? As crises epilépticas ocorrem por descargas síncronas e excessivas de neurônios corticais. Os pacientes apresentam predisposição contínua para gerar crises. O conceito de epileptogênese consiste na sequência de eventos que transformam uma rede neuronal normal em uma rede hiperexcitável. Acredita-se que a epileptogênese seja uma processo contínuo, favorecendo a piora das crises ao longo do tempo. A despolarização paroxística que dá origem a uma crise epiléptica é ativada pela despolarização dos canais de cálcio. Com a entrada do cálcio na célula, há a abertura dos canais de sódio, que vai causar despolarização excessiva, seguida por uma hiperpolarização mediada pelos canais de potássio. Sempre que ocorre esse processo em uma pequena região do córtex cerebral, o eletroencefalograma registra uma descarga epileptiforme, na forma de pontas (também chamadas de espículas), ondas agudas ou complexos ponta-ondas. Para que uma crise epiléptica seja induzida, esse fenômeno precisa ocorrer numa área maior do córtex. Para que isso ocorra, pelo menos um dos mecanismos devem ocorrer: (1) diminuição das vias inibitórias mediadas pelo GABA (ácido gama-amino-butírico ou (2) ativação aumentada das vias excitatórias mediadas pelo glutamato. Quais são os diferentes tipos de crises? As crises podem ser classificadas de acordo com Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE), em sua atualização de 2017, como: - Crises focais = se originam em redes neuronais limitadas a apenas um hemisfério cerebral, podendo ser restritas ou distribuídas de forma mais ampla. Elas podem ser motoras (automatismos, atônicas, clônicas, espasmos epilépticos, hipercinéticas, mioclônicas, tônicas) ou não motoras (autonômicas, parada comportamental, cognitivas, emocionais, sensoriais) e ambos os tipos podem evoluir para crises tônico-clônicas bilaterais. São subdivididas em: • Perceptivas: quando a percepção de si próprio e do ambiente é preservada. • Disperceptivas: quando há comprometimento da percepção de si próprio e do ambiente. - Crises generalizadas = se originam em algum ponto de uma rede neuronal e rapidamente se distribuem em redes neuronais bilaterais. Também são divididas em crises motoras (tônico-clônicas, clônicas, tônicas, mioclônicas, mioclono-tônico-clônicas, mioclono-atônicas, atônicas e espasmos epilépticos) e não-motoras (ausências típicas, ausências atípicas, mioclônicas e mioclonias palpebrais). - Crises de início desconhecido = são crises que não podem ser totalmente caracterizadas, devido ao paciente não ter a percepção preservada e por não terem sido testemunhadas por ninguém. Também são divididas em motoras (tonico-clônicas e espasmos epilépticos) e não-motoras (parada comportamental). Essas crises podem posteriormente ser classificadas como focais ou generalizadas, à medida que novas informações clínicas e de exames complementares (EEG, neuroimagem, genética) sejam conhecidas. - Crises não classificadas: quando é impossível classificar a crise, devido a informações incompletas ou pela natureza incomum da crise. Deve ser excepcional e usada apenas quando todos os esforços para tentar classificar as crises não tenham tido sucesso. 5 perturbação do estado de consciência em qualquer fase da crise torna-a classificável como focal com perturbação do estado de consciência. Adicionalmente, as crises focais subdividem-se nas que têm, desde o seu início, sinais e sintomas motores e não motores.Se há sinais motores e não motores no início da crise, os sinais motores geralmente predominam, a menos que os sintomas e sinais não motores (por exemplo, sensoriais) sejam muito proeminentes. Classificação das Crises1 , ILAE 2017 – versão expandida Inicio Focal Inicio Generalizado Inicio Desconhecido Com perturbação da consciência Sem perturbação da consciência Inicio motor Automatismos Atónica2 Clónica Espasmos epiléticos2 Hipercinética Mioclónica Tónica Inicio não motor Autonómica Paragem de atividade Cognitiva Emocionais Sensoriais Focal para tónico-clónica bilateral Motor Tónico-clónica Clónica Tónica Mioclónica Mioclónica-tónica-clónica Atónica Espasmos epiléticos Não motor (Ausência) Típica Atípica Mioclónica Mioclonia palpebral Motor Tónico-clónico Espasmos epiléticos Não motor Paragem de atividade Não Classificável3 Figura 2: Classificação Operacional expandida das Crises, ILAE 2017. As seguintes clarificações devem orientar a escolha do tipo de crise. Para crises focais, a especificação do nível de consciência é opcional. A manutenção da consciência significa que a pessoa durante a crise está consciente de si e do meio envolvente, mesmo que imóvel. Uma crise focal sem perturbação da consciência corresponde ao que era designado crise parcial simples. Uma crise focal com perturbação da consciência corresponde ao que era designado como crise parcial complexa, sendo que a presença de alteração do estado de consciência em qualquer fase da crise torna-a classificável como focal com perturbação do estado de consciência. As crises focais sem ou com perturbação do estado de consciência podem ser caraterizadas adicionalmente e de forma opcional por um dos sinais/sintomas motores ou não motores acima descritos, refletindo o primeiro e mais proeminente sinal ou sintoma. As crises devem ser classificadas de acordo com a primeira e mais proeminente caraterística, exceto no respeitante às crises focais com paragem de atividade em que a cessação de atividade é o aspeto dominante ao longo de toda a crise. Nas crises focais pode omitir-se o estado de consciência quando este não é conhecido ou não aplicável, classificando-se a crise a partir das suas caraterísticas motoras ou não motoras. Por regra, nas crises atónicas e espasmos epiléticos não se especifica o estado de consciência. Crises cognitivas implicam alterações da linguagem ou de outras funções no domínio da cognição ou a presença de sintomas positivos como déjà vu, alucinações, ilusões ou distorções da perceção. Crises emocionais envolvem ansiedade, medo, alegria e outras emoções ou aparência de efeito sem emoções subjetivas associadas. A ausência é atípica quando tem um início ou terminação lenta ou alterações significativas do tónus, sendo estas coincidentes com alterações no EEG por uma ponta-onda lenta generalizada. Uma crise pode ser não classificável devido a informação insuficiente ou incapacidade de lhe atribuir uma das outras categorias. 1 No artigo que acompanha este relatório e no glossário encontram-se as definições, outros tipos de crises e a sua descrição. 2 A gravidade da perturbação do estado de consciência não é especificada. 3 Devido a informação inadequada ou incapacidade para a localizar noutras categorias. 1 Classificação Operacional das Crises da ILAE: Artigo de Consenso da Comissão da ILAE para a Classificação e Terminologia Robert S. Fisher1, J. Helen Cross2, Jacqueline A. French3, Norimichi Higurashi4, Edouard Hirsch5, Floor E. Jansen6, Lieven Lagae7, Solomon L. Moshé8, Jukka Peltola9, Eliane Roulet Perez10, Ingrid E. Scheffer11, Sameer M. Zuberi12 Epilepsia, 58(4):522-530, 2017 doi:10.1111/epi.13670 1 Stanford Department of Neurology & Neurological Sciences, Stanford, California, EUA 2 UCL-Institute of Child Health, & Great Ormond Street Hospital for Children, Londres, Reino Unido 3 Department of Neurology, NYU Langone School of Medicine, Nova Iorque, EUA 4 Department of Pediatrics, Jikei University School of Medicine, Tóquio, Japão 5 Unite Francis Rohmer, Strasbourg, França 6 Department of Pediatric Neurology, Brain Center Rudolf Magnus, University Medical Center, Utrecht, Holanda 7 Pediatric Neurology, University Hospitals KULeuven, Leuven, Bélgica 8 Saul R. Korey Department of Neurology, Department of Pediatrics and Dominick P. Purupura Depart- ment Neuroscience, Einstein College of Medicine and Montefiore Medical Center, Bronx, Nova Iorque, EUA 9 Department of Neurology, Tampere University Hospital, Tampere, Finlândia 10 Pediatric Neurology and Rehabilition Unit, CHUV, Lausanne, Suíça 11 Florey Institute and University of Melbourne, Austin Health and Royal Children’s Hospital, Melbourne, Victoria, Austrália 12 The Paediatric Neurosciences Research Group, Royal Hospital for Children, Glasgow, Reino Unido & College of Medicine, Veterinary & Life Sciences, University of Glasgow, Reino Unido Autor correspondente: Robert S. Fisher, Neurology, Stanford Hospital, Room 4865,213 Quarry Road, Palo Alto, CA 94304, U.S.A. E-mail: robert.fisher@stanford.edu Palavras-chave: classificação, crises, focal, generalizada, epilepsia, taxonomia Resumo A Liga Internacional contra a Epilepsia (ILAE) apresenta uma revisão da classificação operacional das crises epiléticas. O objetivo desta revisão é reconhecer que alguns tipos de crises podem ter um início tanto focal como generalizado, permitir uma classificação quando não se conhece o seu início, incluir alguns tipos que faltavam e adotar nomes mais claros. Atendendo a que os conhecimentos atuais são insuficientes para formar uma classificação cientificamente fundamentada, a classificação de 2017 é operacional (prática) e baseia-se na Classificação de 1981, expandida em 2010. As alterações são: 1. O termo “parcial” passa a “focal”; 2. A consciência usa-se como classificador de crises focais; 3. Os termos discognitivo, parcial simples, parcial complexo, psíquico e secundariamente generalizado são eliminados; 4. Incluem-se novos tipos de crises focais: automatismos, paragem de atividade, hipercinética, autonómica, cognitiva e emocional; 5. As crises atónicas, clónicas, espasmos epiléticos, mioclónicas e tónicas podem ter um início focal ou generalizado; 6. As crises focais com progressão para tónico-clónicas bilaterais substituem as crises secundariamente generalizadas; 7. Acrescentam-se novos tipos de crises generalizadas: ausências com mioclonias palpebrais, ausências mioclónicas, mioclónico-atónicas, mioclónica-tónico-clónicas; 8. As crises de início desconhecido podem ter caraterísticas que permitem que sejam classificadas. A nova classificação não representa uma modificação fundamental, mas permite maior flexibilidade e clareza na designação das crises. Dependendo dos tipos de crise, como podemos classificar as epilepsias? A classificação das epilepsias pretende unificar dados clínicos (idade de início e remissão, desencadeantes de crises, variação diurna ou noturna das crises, prognóstico, comorbidades, como deficiência intelectual ou sintomas psiquiátricos), eletroencefalográficos, de neuroimagem e etiológicos (genética, estrutural, metabólica, imune-mediada, infecciosa e desconhecida) para reunir certos pacientes em uma síndrome epiléptica específica. A presença de comorbidades também ajuda a definir uma síndrome epiléptica. Esse diagnóstico é fundamental para o tratamento adequado e a definição do prognóstico. A nova classificação das síndromes epilépticas da ILAE de 2017 exige que o médico inicialmente classifique o tipo de crise que o paciente tem como focal, generalizada, focal e generalizada e desconhecida. Há várias síndromes epilépticas bem reconhecidas, como a epilepsia de ausência da infância, a epilepsia mioclônicajuvenil, a epilepsia do lobo temporal, a epilepsia do lobo frontal, a epilepsia da infância com descargas centrotemporais (epilepsia rolândica), a epilepsia da infância com descargas occipitais (síndrome de Payanotopoulos) e as encefalopatias epilépticas da infância (síndrome de West, síndrome de Lennox-Gastaut, síndrome de Dravet, encefalopatia epiléptica com ponta-ondas contínuas durante o sono, síndrome de Landau-Kleffner). Para maiores detalhes da classificação das síndromes epilépticas, recomendamos o excelente site www.epilepsydiagnosis.org da ILAE, ,que inclui vídeos ilustrativos. O que são convulsões febris? São crises associadas a episódios febris que ocorrem em crianças de 3 meses a 5 anos de idade, sem evidência de infecção do sistema nervoso central. Elas são consideradas crises sintomáticas agudas, portanto, não caracterizando epilepsia. 7 que novamente convidava a comunidade global a se expressar 30. Outros comentários e discussões foram ponderados e considerados na finalização deste documento posicional que define a Classificação das Epilepsias em 2017. Classificação das epilepsias A nova Classificação das Epilepsias é uma classificação de múltiplos níveis, designados para permitir a classificação das epilepsias em ambientes clínicos diferentes (Figura 1). Este reconhece a ampla variação de recursos ao redor do mundo, significando que diferentes níveis de classificação serão possíveis dependendo dos recursos disponibilizados ao clínico no momento do diagnóstico. Quando for possível, um diagnóstico em todos os três níveis deverá ser buscado bem como a etiologia de epilepsia de um indivíduo. Figura 1. Esquema diagnóstico para a classificação das epilepsias. Os tipos de crises * denotam o início das crises epilépticas. Os principais fatores de risco para convulsões febris incluem: história familiar de crises febris em parentes de primeiro grau, idade menor que 18 meses, tempo decorrido entre o início da febre e a crise < 1 hora e temperatura < 40graus. Podem ser simples (80% dos casos) ou complexas (quando focais e/ou prolongadas e/ou que se repetem no mesmo processo infeccioso). Crises febris complexas são um fator de risco para esclerose hipocampal, principal causa de epilepsia no adulto. Outros fatores de risco para epilepsia no adulto são exame neurológico anormal e histórico familiar de epilepsia. A investigação com EEG e neuroimagem não é necessária em crises febris simples, apenas sendo necessário exames laboratoriais para elucidar a infecção subjacente. O líquor pode ser necessário na primeira crise de convulsão febril nas seguintes condições: • suspeita de meningite, principalmente em lactentes < 6 meses. • em crianças não imunizadas ou quando não se conhece o estado de imunização para H. influenzae tipo b, N. meningitidis e S. pneumoniae. • Em crianças em tratamento com antibióticos que podem mascarar meningite bacteriana. O EEG e a ressonância magnética estão recomendadas apenas em pacientes com crises febris complexas recorrentes, com exame neurológico anormal ou que desenvolvem estado de mal epiléptico febril (cerca de 20% dos casos). O tratamento consiste no esclarecimento dos pais quanto à benignidade da maioria das crises febris, e orientações de medidas adequadas a serem tomadas em possíveis recorrências. A administração profilática de antitérmicos não é recomendada, pois não previne as crises. O uso contínuo de anticonvulsivantes também não é recomendado. Nas crises febris complexas, o tratamento profilático intermitente com diazepam ou clobazam nos episódios febris, pode ser recomendado. Uma condição herdada geneticamente, a epilepsia genética com crises febris- plus, tipicamente se inicia entre 3 meses e 6 anos de idade, as crises são desencadeadas por febre, sendo geralmente generalizadas (mas podem ser focais) e de curta duração. Ao contrário das crises febris tradicionais, as crianças continuam tendo crises febris ou não febris após os 6 anos. Muitos genes (SCNA1, SCNA2, SCN1B, SCN9A, GABRG2, STXBP1, FGF13) têm sido associados com essa condição, com herança geralmente autossômica dominante e penetrância incompleta. O tratamento pode ser intermitente, com diazepam retal nas crises febris ou tratamento preventivo com ácido valpróico, lamotrigina, levetiracetam ou topiramato, quando também há crises não-febris. As crises geralmente param no final da infância ou adolescência e os medicamentos podem ser interrompidos. O desenvolvimento é geralmente normal. Uma condição bem mais rara (1 caso em cada milhão de crianças) é a síndrome epiléptica relacionada à infecção febril (FIRES – febrile infection related epilepsy syndrome) que afeta escolares com média de 8 anos, previamente saudáveis, em que uma síndrome febril desencadeia uma epilepsia grave após 24 horas a 2 semanas da doença febril. As crises geralmente são focais e repetitivas, com consciência alterada entre as crises, podendo evoluir com frequência para o estado de mal epiléptico. Obviamente que infecções do sistema nervoso central e encefalopatias auto-imunes devem ser descartadas. A ressonância geralmente é normal. O tratamento é semelhante ao do estado de mal epiléptico. Nos casos refratários, que são frequentes, dieta cetogênica e canabidiol podem ser tentados. Cerca de 10% morrem e quase todos os sobreviventes evoluem para epilepsia crônica, com variados graus de disfunção cognitiva. O que é epilepsia reflexa? É um grupo de epilepsias que são induzidas por determinados estímulos, como toque, luz, músicas, movimentos, leitura, escrita, cálculo e cores específicas. Desencadeantes sensoriais podem causar crises epilépticas dentro de segundos, enquanto desencadeantes mais complexos podem levar alguns minutos para causar crises. Tipos comuns de epilepsia reflexa incluem a fotosensibilidade (sensibilidade a certos tipos de frequência luminosa), o piscamento ocular frequente, a leitura ou a fala e certas músicas. A síndrome do girassol é um termo frequentemente usado para descrever a epilepsia fotossensível. As crises podem ser variadas, mas a maioria dos pacientes têm crises tônico-clônicas bilaterais. A epilepsia fotossensível geralmente inicia na infância e melhora antes da idade adulta. História familiar é comum. Outras epilepsias reflexas podem ocorrer em qualquer idade, mas são mais raras. A melhor forma de evitar a epilepsia reflexa é evitando seus desencadeantes. Na epilepsia fotossensível, isso pode ser impossível, pois estímulos triviais, como passar em uma estrada com o sol brilhando entre as árvores, já pode ser um desencadeante. Nesses casos, recomenda-se que o paciente feche um dos olhos até que o flash de luz termine. O uso de anticonvulsivantes é recomendado nos casos onde a eliminação do desencadeante é impossível. O ácido valpróico é a droga de escolha, mas outros medicamentos como clonazepam, clobazam, lamotrigina e fenobarbital são opções. O que é epilepsia da infância com pontas occipitais? Também conhecida como síndrome de Panayiotopoulos, inicia geralmente entre 3 e 6 anos, em crianças cognitivamente normais. As crises são focais e se tornam bilaterais. Durante a crise, a criança fica pálida e tem náuseas, e eventualmente pode perder a consciência. As pupilas dilatam, os olhos podem virar para um lado e movimentos tônico-clônicos podem ocorrer em algumas crianças. Durante a crise, as crianças são incapazes de falar e podem perder a visão temporariamente, ver flashes coloridos ou brilhantes, ou ter a visão borrada. As crises podem ocorrer em qualquer momento do dia, mas com frequência ocorrem no início do sono, tendem a ser prolongadas e são frequentemente confundidas com síncope, migrânea, síndrome dos vômitos cíclicos, distúrbios do sono e distúrbios gastrintestinais. O EEG mostra pontas occipitais e em outras regiões do cérebro, com atividade de fundo normal. Registro do EEG durante o sono aumenta a chance de encontraranormalidades. A ressonância é normal. Como as crises são infrequentes, o tratamento nem sempre é necessário. Quando frequentes, a carbamazepina e a oxcarbazepina são as drogas de escolha, mas levetiracetam, gabapentina e lacosamida também podem ser usadas. Crises prolongadas devem ser tratadas como estado de mal epiléptico. A maioria das crianças não tem mais crises após 2-3 anos do início das epilepsia. O que é epilepsia benigna da infância com pontas centrotemporais? Também conhecida como epilepsia rolândica, pois se origina da área de mesmo nome no cérebro, responsável pelo controle dos movimentos. É uma síndrome epiléptica geneticamente determinada e autolimitada. Como pode haver comorbidade com dificuldades de aprendizagem e espectro autista, sugeriu-se o abandono do termo benigno em 2010, com preferência pelo termo auto-limitada. Seu início geralmente ocorre entre 6 e 8 anos de idade, mas pode ser vista desde os 3 até o 13 anos, sendo mais frequente em meninos, com curta duração e geralmente ocorrendo durante o sono não REM (75% das crises). Tipicamente, a epilepsia rolândica se manifesta com sintomas orofaringolaríngeos (formigamentos, parestesias e contrações da boca, língua ou faringe), bloqueios de vocalização, contrações faciais unilaterais e hipersalivação. A criança permanece totalmente consciente durante a crise, mas as crises durante o sono podem se generalizar. A duração das crises é curta, sendo menor que 2 minutos na maioria das vezes. A maioria das crianças fica livre de crises após 2 a 4 anos do início da epilepsia. O EEG mostra atividade de base normal e presença de pontas centrotemporais (geralmente bilaterais), ativadas pelo sono. Essas anormalidades geralmente remitem após o fim da doença. Pontas centrotemporais à esquerda em criança com epilepsia rolândica. A ressonância magnética não é necessária nos casos típicos. O prognóstico é excelente, com 10-30% das crianças tendo apenas uma crise, a maioria tendo menos de 10 crises ao longo da vida, e apenas 10-20% dos pacientes tendo crises frequentes. A remissão total da doença ocorre até os 16 anos de idade. Nos casos leves, com poucas crises, o tratamento pode ser dispensado. Nos casos em que se opta pelo tratamento, a carbamazepina ou a oxcarbazepina são as drogas de escolha, sendo o valproato e o levetiracetam as drogas de segunda escolha. O que é epilepsia do lobo temporal? Aproximadamente 60-70% das epilepsias de início focal no adulto se originam no lobo temporal, sendo a causa mais comum de epilepsia de difícil controle (refratária) nessa população. A marca registrada anatomopatológica da epilepsia do lobo temporal é a esclerose mesial temporal. Outras anormalidades menos frequentes em pacientes com epilepsia do lobo temporal incluem tumores benignos (ex. tumores neuroepiteliais disembrioplásticos), angiomas cavernosos, gliomas malignos, malformações do desenvolvimento cortical (ex. displasias corticais) ou gliose secundária à meningoencefalite. As crises febris complexas prolongadas são um forte fator de risco. Os sintomas durante as crises epilépticas podem ser subjetivos, com crises perceptivas e disperceptivas, além da possibilidade de evolução para crises bilaterais generalizadas. As crises que se originam do lobo temporal, tipicamente têm uma evolução relativamente gradual (quando comparadas com as crises extratemporais), desenvolvendo-se em 1 a 2 minutos, com preservação parcial da consciência no início e duração entre 2 e 10 minutos. As crises que se originam do lobo temporal mesial se iniciam com uma aura (crise perceptiva focal), definida como uma sensação subjetiva. tipicamente envolvendo um fenômeno sensorial ou psíquico. Ela pode se apresentar como um fenômeno olfatório (paciente sente cheiro que ninguém está sentindo) ou gustatório, sensação epigástrica ascendente (aura mais comum), medo ou pânico, sensação de “deja-vu” ou “jama-vu”, fenômenos autonômicos (alteração da cor da pele, oscilações da pressão arterial e da frequência cardíaca, tamanho da pupila e piloereção). Parada da fala, ou ocasionalmente, vocalizações repetidas, podem ocorrer. Sintomas psiquiátricos como estados alucinatórios ou delirantes também podem ser ocasionalmente vistos. Após a fase de aura, a crise torna-se disperceptiva, caracterizando uma parada motora, onde o paciente pode apresentar automatismos, geralmente oroalimentares (estalar de lábios, mastigação, deglutição) ou gestos (atos motores repetitivos, principalmente das mãos, retirada da roupa, caminhada pela sala). Os automatismos manuais ocorrem somente. ou predominantemente, em um lado do corpo, ipsilateral ao lobo temporal que origina a crise. Movimentos distônicos da mão também podem ocorrer, porém contralaterais ao lobo temporal que origina a crise. Vocalizações são comuns durante a crise, e quando se pode reconhecer as palavras (fala ictal), sugere que o lobo temporal não-dominante é que está originando a crise. Confusão e cefaleia pós-ictal são comuns. Quando ocorre afasia temporária pós-ictal, o lobo temporal dominante para a fala (geralmente o esquerdo) é o afetado. Gestos de esfregar o nariz no pós-ictal ocorrem em 90% dos pacientes, sendo sempre ipsilateral ao foco epiléptico. Portanto, os automatismos manuais, a postura distonica manual, a fala ictal, a disfasia pós- ictal e esfregar o nariz no pós-ictal são importantes dados clínicos na ajuda para se encontrar qual o lobo temporal afetado. Amnésia para a crise é a regra. Generalização secundária é muito menos comum que nas epilepsias extra- temporais. Os pacientes geralmente se queixam de problemas com a memória recente, e isso pode ir piorando com a evolução da epilepsia. As crises que se originam do lobo temporal lateral (neocorticais) cursam com auras alucinatórias estruturadas (visual, auditiva, olfatória ou gustatória) ou ilusões de tamanho (macropsia ou micropsia), de forma, de distância ou sonoras. Auras afetivas, viscerais (sensação epigástrica ascendente) ou psíquicas também ocorrem, porém com menor frequência que nas crises do lobo temporal mesial. O restante das crises é bastante semelhante às crises do lobo temporal mesial. A epilepsia do lobo temporal é investigada com eletroencefalograma de rotina (muitas vezes é necessário repetir o exame várias vezes para detectar anormalidades, assim como a utilização de eletrodos invasivos esfenoidais) e com ressonância magnética de alta resolução, com protocolo específico para epilepsia. O achado típico da ressonância é a esclerose hipocampal. O tratamento de primeira linha é com carbamazepina ou oxcarbazepina, mas lamotrigina, lacosamida, levetiracetam e ácido valproico são alternativas viáveis. Clobazam ou clonazepam são frequentemente usados como terapia adjunta. As crises originárias do lobo temporal são frequentemente refratárias ao tratamento farmacológico. Define-se epilepsia resistente ao tratamento aquela em que não há controle completo e sustentado das crises após o uso de dois anticonvulsivantes apropriadamente indicados, em monoterapia ou em combinação, e em doses adequadas. Esses pacientes devem ser encaminhados sem demora para centros especializados em cirurgia de epilepsia, para avaliação cirúrgica. A avaliação pré-cirúrgica inclui a realização de vídeo-EEG prolongados com eletrodos de superfície ou invasivos (subdurais), a fim de localizar a zona de início ictal, para posterior programação cirúrgica. A ressonância magnética de alta resolução (1.5 a 3 Tesla) também é crucial, além de métodos de imagem funcionais, como SPECT e PET-scan, sobretudo nos casos em que a RM não identificou a lesão, ou quando os achados eletroencefalográficos e radiológicos não são concordantes. Na esclerose mesial temporal, a cirurgia de escolha é a corticoamígdalo- hipocampectomia em quase todos os casos, e amigdalohipocampectomia nos casos com esclerose mesial temporal esquerda, para evitar sequelas de memória no pós-operatório.Quando a causa das crises é um tumor, carvernomas ou displasias corticais, lesionectomias são indicadas. O que é epilepsia do lobo frontal? Caracteriza-se por crises recorrentes originadas no lobo frontal. Geralmente são crises focais, com preservação ou comprometimento da consciência, e frequentemente, progridem para crises tônico-clônicas bilaterais. O momento do dia em que as crises ocorrem é característico, com a maioria das crises ocorrendo entre duas horas da manhã e o meio dia. As crises do lobo frontal são geralmente as mais difíceis de diagnosticar, pois podem ser facilmente confundidas com eventos não epilépticos, como parasônias ou crises funcionais. As seguintes características ajudam a diferenciar as crises do lobo frontal de eventos não epilépticos, como semiologia estereotipada, ocorrência durante o sono, curta duração (frequentemente < 30 segundos), rápida generalização secundária, manifestações motoras proeminentes e automatismos complexos. As crises do lobo frontal podem ter diferentes características, dependendo do local do lobo frontal em que se originam. Quando na área motora suplementar, pode- se observar posturas tônicas unilaterais ou bilaterais assimétricas, caretas faciais, vocalização ou bloqueio da fala, presença de automatismos complexos (chutes, gargalhada, báscula pélvica), com a consciência geralmente preservada. As crises que se originam do córtex motor primário, geralmente provocam crises clônicas contralaterais, podendo haver marcha jacksoniana (disseminação progressiva de áreas corticais adjacentes no homúnculo de Penfield motor). As crises que se originam das porções mediais dos lobos frontais, giro do cíngulo, polo orbitofrontal e região frontopolar se caracterizam por comportamentos complexos, como agitação motora, báscula do quadril, movimentos de pedalar e automatismos gestuais. Essas crises são frequentemente bizarras, sendo algumas vezes confundidas com crises funcionais. As crises operculares se caracterizam por salivação, deglutição, mastigação, aura epigástrica, medo e bloqueio de fala. Algumas pessoas com epilepsia do lobo frontal têm um padrão de herança autossômico dominante, uma entidade conhecida como epilepsia hipermotora relacionada ao sono, anteriormente chamada de epilepsia do lobo frontal noturna autossômica-dominante. Elas têm crises caracterizadas por movimentos violentos dos braços e pernas associadas a posturas estranhas, também chamadas de crises hipermotoras. Podem ocorrer várias crises por noite, com média de oito. As crises duram de poucos segundos até alguns minutos, com média de 30 segundos. Elas podem iniciar entre 1 e 60 anos de idade, porém 85% dos casos iniciam antes dos 20 anos, sendo 9 anos, a idade média de início. Tanto os homens como as mulheres podem ser afetados. O desenvolvimento neuropsicomotor é normal. Mutações genéticas nos genes CHRNA4, CHRNB2, CHRNA2, KCNT1 e DEPDC5 podem ser encontradas. A ressonância magnética é o exame de escolha para investigar possíveis lesões estruturais, presentes em metade dos casos. O EEG também está indicado e quando os eventos são exclusivamente noturnos, a polissonografia com montagem estendida de EEG deve ser realizada. O EEG interictal pode ser normal. O tratamento de escolha é com carbamazepina ou oxcarbazepina. Drogas alternativas incluem lamotrigina, lacosamida e levetiracetam. O que é epilepsia de ausência infantil? É uma forma de epilepsia generalizada de natureza genética, embora não haja um teste genético específico para seu diagnóstico. Tipicamente inicia entre os 4 e 8 anos de idade, tendo as crises de ausência como sua marca registrada. Essas crises se caracterizam por breves paradas com olhar vago, durante as quais a criança não está consciente e não responde aos chamados. Os olhos da criança podem se desviar para cima brevemente, ou podem piscar incessantemente durante a crise. Algumas crianças podem ter movimentos repetitivos durante a crise, como mastigação. Cada crise dura entre 10 e 20 segundos e tem início e fim abruptos. Não há sintomas pós-ictais, como nas crises disperceptivas do lobo temporal. Portanto, as crianças reassumem suas atividades imediatamente após o término da crise, como se nada tivesse acontecido. Sem tratamento, as crises podem ocorrer muitas vezes por dia. O desenvolvimento neuropsicomotor é normal, embora as crianças possam ter problemas com atenção e dificuldade de aprendizagem. O diagnóstico é confirmado pelo EEG, que mostra os típicos achados de ponta-onda generalizada a 3Hz. A manobra de hiperventilação pode precipitar as crises, tanto clínica como eletrograficamente. Ponta onda generalizada 3 Hz induzida por hiperventilação na epilepsia de ausência infantil Os exames de neuroimagem são normais, não estando indicados nos casos típicos. A maioria das crianças responde bem ao tratamento com etossuximida, ácido valpróico ou lamotrigina. A etossuximida é a droga de primeira escolha, desde que não haja outros tipos de crise, pois ela é específica para ausências, não sendo efetiva contra crises tônico-clônicas ou mioclônicas. Ela é preferida ao ácido valpróico por causar menos problemas de atenção nas crianças. As crises de ausência geralmente pioram com uso de fenitoína, fenobarbital e carbamazepina, portanto, essas drogas devem ser evitadas. As crises geralmente remitem no meio da adolescência, com os medicamentos podendo ser suspensos. Cerca de 10-15% das crianças afetadas podem desenvolver outros tipos de crises na adolescência, geralmente tônico-clônicas e mioclônicas. O que é epilepsia mioclônica juvenil? É a síndrome epiléptica generalizada mais comum, geralmente iniciando na adolescência e, menos frequentemente, na infância, como evolução da epilepsia de ausência infantil. As crises mioclônicas são a marca desta síndrome. Tipicamente os abalos mioclônicos ocorrem cerca de 1 a 2 horas após o despertar, pela manhã ou após um cochilo durante o dia. As mioclonias são descritas como movimentos irregulares semelhantes a choques em ambos os braços. Algumas vezes, os movimentos ocorrem somente nos dedos e o paciente deixa os objetos caírem das mãos. Eventualmente, as mioclonias podem ser unilaterais, embora normalmente sejam bilaterais. Os abalos mioclônicos podem ser desencadeados por privação de sono, estresse, bebidas alcoólicas e por flashes de luz. Cerca de metade dos pacientes refere uma história familiar de epilepsia. Crises tônico-clônicas bilaterais são vistas em quase todos os pacientes, ocorrendo alguns meses após o início dos abalos mioclônicos. Crises de ausência podem ocorrer em menos da metade dos pacientes. O EEG mostra um padrão típico conhecido como poliponta-onda generalizada 3- 6 Hz, e cerca de 1/3 dos pacientes podem ter resposta fotoparoxística no EEG, um padrão anormal desencadeado pela estimulação luminosa. Padrão de poliponta-onda generalizada 3-6 Hz na epilepsia mioclônica juvenil A ressonância magnética é normal, não sendo indicada nos casos típicos. O tratamento da epilepsia mioclônica juvenil consiste em evitar os fatores precipitantes mais comuns, como privação do sono, uso de bebida alcoólica e manejo do estresse. A droga de escolha para o tratamento é o ácido valpróico. Entretanto, essa droga não é aconselhável em mulheres em idade reprodutiva, pelo risco teratogênico. Nas mulheres e nos homens que não respondem ou não toleram o ácido valpróico, o levetiracetam e a lamotrigina são as drogas de segunda escolha, com o cuidado de que a lamotrigina pode piorar as crises mioclônicas. Topiramato e clonazepam também podem ser usados. Alguns medicamentos como a carbamazepina, a oxcarbazepina, a fenitoína, a pregabalina e a gabapentina podem piorar as crises. As crises geralmente são facilmente controladas com o tratamento e tendem a melhorar em muitos pacientes após a quarta década de vida. Mesmo assim, a maioria dos pacientes necessitarátratamento para o resto da vida, desde que a retirada pode ocasionar recorrência das crises, mesmo em pacientes que estão sem crises há vários anos. O que é uma encefalopatia epiléptica? Em algumas epilepsias, a atividade epileptiforme contribui para a deterioração cognitiva e comportamental, além do que seria esperado pela própria doença, podendo piorar com o passar do tempo. Com isso, o tratamento da epilepsia e das anormalidades eletroencefalográficas pode potencialmente prevenir a piora cognitiva e melhorar o prognóstico dos pacientes. Isso é particularmente verdadeiro na síndrome de West e na síndrome de Lennox-Gastaut. O que é síndrome de West? Também conhecida como espasmos infantis, se caracteriza por crises sutis, que podem ser confundidas com outros comportamentos normais do bebê ou com cólicas abdominais. Os espasmos consistem em abalos súbitos dos braços e pernas, com o corpo se inclinando para frente. Os bebês podem chorar durante ou após os abalos. Cada crise dura somente um ou dois segundos, mas geralmente ocorrem em série. Eles são mais frequentes após o despertar e raramente ocorrem durante o sono. O desenvolvimento neuropsicomotor geralmente interrompe, podendo mesmo haver regressão, e os bebês perdem o interesse no ambiente ao seu redor. As crises tipicamente iniciam entre 3 e 8 meses de vida, e geralmente param entre 2 e 4 anos. A maioria dos afetados têm alguma doença de base, como encefalopatia hipóxico-isquêmica, sequelas de meningite, malformações do desenvolvimento cortical, doenças genéticas (a esclerose tuberosa é a mais conhecida), causas metabólicas, mas também pode ocorrer de forma idiopática. O EEG interictal mostra o típico padrão de hipsarritmia. A ressonância magnética é mandatória para descartar as causas secundárias. O tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível, pelo potencial de melhorar o prognóstico da criança. As drogas de primeira linha são a prednisolona ou o ACTH, seguida pela vigabatrina, especialmente em pacientes com esclerose tuberosa (onde ela é a primeira escolha). Como a vigabatrina têm sido associada com perda permanente da visão periférica, seu uso prolongado deve ser acompanhado periodicamente por um oftalmologista. A maioria das crianças com espasmos infantis desenvolvem deficiência intelectual e algumas desenvolvem autismo. Mesmo se os espasmos melhoram, muitas crianças desenvolvem outros tipos de epilepsia, principalmente a síndrome de Lennox-Gastaut. O tratamento precoce das crises é fundamental para permitir um melhor desenvolvimento intelectual da criança. O que é síndrome de Lennox-Gastaut? É um tipo de encefalopatia epiléptica com múltiplos diferentes tipos de crises, particularmente tônicas e atônicas (crises de queda ou drop attacks). O desenvolvimento intelectual é comprometido e piora com o tempo. Muitos sintomas comportamentais também podem ser vistos, como hiperatividade, agitação, agressão e autismo. As crises são refratárias ao tratamento e persistem durante a vida. O início da doença geralmente ocorre nos anos pré-escolares, mas a síndrome pode levar anos para tomar um aspecto típico. Em muitos casos, a síndrome de Lennox-Gastaut pode se originar de um outro tipo de epilepsia como síndrome de West, síndrome de Ohtahara ou epilepsia da infância com crises focais migratórias. As características fundamentais da síndrome de Lennox-Gastaut são: • presença de múltiplos tipos de crises (tônicas, atônicas, ausência atípica, mioclônicas, tônico-clônicas generalizadas) iniciando na infância. Na idade adulta pode haver crises focais também. • padrão eletroencefalográfico característico: lentificação difusa do ritmo de base com surtos de ponta-onda, além da presença do característico padrão de atividade rápida paroxística generalizada durante o sono. • Comprometimento cognitivo e comportamental, que pode iniciar antes mesmo do inicio das crises em 70-80% das crianças. Esses sintomas infelizmente pioram ao longo do tempo. Cerca de ¾ dos pacientes têm um causa estrutural, como malformações congênitas do cérebro ou doenças adquiridas, como encefalopatia anóxico- isquêmica, AVC, meningites e trauma de crânio. O tratamento da síndrome de Lennox-Gastaut é extremamente difícil, geralmente necessitando a combinação de duas ou mais drogas. O ácido valpróico é a principal droga, mas lamotrigina, topiramato, clobazam e canabidiol são usados em diferentes combinações. As crises de queda (drop attacks) podem ser controladas com a combinação de ácido valpróico com lamotrigina e clobazam. Como o tratamento medicamentoso geralmente não é suficiente para o controle total das crises, outras alternativas terapêuticas são frequentemente usadas como: • dieta cetogênica e dieta de Atkins modificada: são dietas que restringem carboidratos, provocando cetose, que pode ajudar no controle das crises. A maior limitação dessas dietas é a aderência no longo prazo. • estimulação do nervo vago: um estimulador é implantado no nervo vago esquerdo. • calosotomia: procedimento cirúrgico que desconecta os dois lados do cérebro. O que é síndrome de Dravet? É uma encefalopatia epiléptica rara (1:20.000 a 1:40.000 pessoas) de origem genética, que inicia no primeiro ano de vida, em crianças previamente normais. Com o passar do tempo, as crianças vão comprometendo progressivamente o intelecto. Cerca de 8 em cada 10 pacientes com síndrome de Dravet têm mutação do gene do canal de sódio SCN1A, geralmente não herdada dos pais, sendo uma mutação nova na maioria dos casos. As primeiras crises geralmente ocorrem com febre e podem ser tônico-clônicas, ou algumas vezes clônicas. Elas duram mais de 5 minutos e podem evoluir para estado de mal epiléptico. Outros tipos de crise, como mioclônicas, ausências atípicas, atônicas, tônicas e crises focais também são descritas. Após a primeira crise febril, as crises podem ocorrer sem febre, porém as crianças são muito sensíveis à infecções febris. Muitas crianças tem crises fotossensíveis, além de clima muito quente ou banhos quentes poderem desencadear crises. Crises que duram mais de 10 minutos, crises ocorrendo em apenas um lado do corpo e crises desencadeadas por banho ou clima quente são pistas para o diagnóstico da síndrome de Dravet. O diagnóstico é confirmado pelo teste genético. As medicações utilizadas para o tratamento incluem o ácido valpróico, o clobazam, o topiramato, o estiripentol (não disponível no Brasil), a fenfluramina (não disponível no Brasil) e o canabidiol. Bloqueadores de canais de sódio (carbamazepina, fenitoína, lamotrigina, oxcarbazepina, lacosamida) devem ser evitados, pois essas drogas pioram as crises na síndrome de Dravet. A dieta cetogênica pode ser útil nos casos refratários, assim como a estimulação do nervo vago. Com o que o médico da emergência precisa se preocupar? O diagnóstico de uma primeira crise epiléptica parece estar bem definido. É fundamental que o médico diferencie crise epiléptica de síncope e de crise funcional não-epiléptica, pois a investigação e o tratamento serão diferentes. Após o diagnóstico da primeira crise epiléptica, recomenda-se que o paciente seja encaminhado para avaliação neurológica ambulatorial, onde questões mais complexas de Carla serão resolvidas. Eu tive uma crise doutor. Quais são as chances de eu vir a ter outras? Esse risco depende se as crises foram provocadas ou não-provocadas. Uma crise provocada é aquela causada por um insulto cerebral agudo (ex. hipoglicemia, hiponatremia, abstinência de álcool, encefalite, hemorragia cerebral, etc.). Se o fator provocador puder ser identificado e devidamente corrigido, futuras crises são improváveis e o paciente não precisa receber tratamento crônico com anticonvulsivantes. O risco de recorrência é ao redor de 3% para insultos metabólicos, como hipoglicemia ou hiponatremia, e ao redor de 10% quando resultado de lesões neurológicas estruturais agudas (TCE, AVC, encefalite).Em geral, o risco de recorrência após uma crise não-provocada é de 40%, embora isso varie de acordo com o tipo de crise e os resultados dos exames de EEG e RM (quando anormais aumentam bastante esse risco). O risco de recorrência é maior nos primeiros 2 anos após a primeira crise, caindo para < 10% após esse período. Entretanto, após uma segunda crise, o risco de recorrência aumenta significativamente, chegando a 60-87%, portanto aumentado muito o risco de novas crises após um segundo evento. Eu preciso tomar medicamentos para prevenir novas crises? Em geral, os pacientes com uma única crise epiléptica não são iniciados rotineiramente em tratamento anticonvulsivante, a menos que se julgue que eles sejam de alto risco para desenvolver epilepsia. Os seguintes fatores aumentam o risco de recorrência, e quando presentes, o tratamento pode ser iniciado após o primeiro episódio: - história prévia de outros tipos de crises (mioclonias, ausências, focais disperceptivas, etc.). - presença de insulto neurológico prévio (AVC, TCE, tumor, etc.). - diagnóstico de deficiência intelectual. - lesão estrutural na RM que justifique a crise epiléptica. - descargas epileptiformes no EEG. - desejo do paciente, por considerar recorrência inaceitável. Como o tratamento com drogas anticonvulsivantes pode ser longo e associado com efeitos adversos potencialmente graves, se houver qualquer dúvida quanto ao diagnóstico, é melhor aguardar até que haja certeza diagnóstica, antes de colocar o paciente em um tratamento que pode ser fácil de iniciar, mas não tão simples de interromper. Caso se decida iniciar o tratamento após a primeira crise, ou haja uma segunda crise e essa decisão seja mandatória, a medicação selecionada depende do tipo de crise, das comorbidades do paciente, da disponibilidade local dos medicamentos anticonvulsivantes e suas interações com outras drogas. Para crises focais, as drogas de escolha são a carbamazepina, a oxcarbazepina, a lamotrigina, o topiramato, a lacosamida e o levetiracetam. Fenitoína e fenobarbital também são úteis e muito baratos (sendo muito utilizados em países em desenvolvimento), mas seus efeitos adversos geralmente os deixam como drogas de segunda linha nos dias de hoje). Para as crises generalizadas, as drogas de escolha são o ácido valpróico, o levetiracetam, a lamotrigina e o topiramato. Como alguns tipos de síndromes epilépticas generalizadas podem piorar com o uso de medicamentos para crises focais (carbamazepina, oxcarbazepina, fenitoína, fenobarbital), quando não temos certeza se uma crise é focal ou generalizada, recomenda-se iniciar o tratamento com drogas de amplo espectro, até que se defina melhor o tipo de crise do paciente. O tratamento da epilepsia sempre deve se basear no uso de apenas uma droga antiepiléptica (monoterapia), com aumento progressivo das doses até a dose máxima recomendada ou tolerada. Caso a primeira monoterapia não tenha êxito em controlar as crises, uma segunda monoterapia pode ser tentada. Apenas após a falha da segunda monoterapia é que devemos combinar uma segunda droga, de preferência com um mecanismo de ação diferente da primeira, visando efeitos sinérgicos. Cerca de 60% dos pacientes com epilepsia têm bom controle das crises com monoterapia ou com a combinação de duas drogas. Estudos mostram que quando as crises não são controladas com duas medicações, a combinação de um terceiro agente controla as crises em apenas 2-4% dos casos. Portanto, o uso de múltiplas drogas raramente beneficia o paciente, o que significa que não deve ser tentado, a menos que temporariamente. Pacientes que não respondem a pelo menos duas drogas anticonvulsivantes bem indicadas para o tipo de crises e em doses adequadas são considerados refratários ao tratamento e devem ser precocemente encaminhados para centros de referência em epilepsia, para consideração de tratamento cirúrgico, estimulação do nervo vago, dieta cetogênica, uso de canabidiol (casos específicos) e outras modalidades de tratamento avançado. Eu posso trabalhar doutor? Conselhos sobre trabalho dependem da ocupação do paciente. Certos trabalhos têm maior risco, caso o paciente tenha uma crise durante essas atividades (operador de máquinas, trabalhos dentro da água, trabalhos em altura). Nessas situações, quando possível, o paciente deve ser readaptado em trabalhos mais seguros. Caso contrário, o trabalho deve ser proibido. Eu posso engravidar, amamentar ou meus filhos podem ter a doença? Mulheres com epilepsia podem engravidar normalmente. É sempre importante orientar as pacientes que alguns anticonvulsivantes (indutores do sistema microssomal hepático – fenitoína, carbamazepina, fenobarbital, primidona, e em doses elevadas, oxcarbazepina e topiramato) podem interferir na ação dos anticoncepcionais orais, podendo diminuir seus efeitos e contribuir para uma gravidez indesejada. Nesses casos deve-se recomendar outros métodos anticoncepcionais (barreira, DIU, pílula com altas dosagens de estrogênio). Quando a mulher epiléptica deseja engravidar, ela deve ser alertada de que algumas drogas anticonvulsivantes estão associadas com aumento do risco de malformações fetais (4 a 8%, comparado com 1 a 3% da população geral). Politerapia e doses elevadas dos anticonvulsivantes podem aumentar ainda mais o risco, portanto, recomenda-se, quando possível, sempre o uso de monoterapia na menor dose capaz de controlar as crises na gestação. A administração do medicamento anticonvulsivante em 4 tomadas diárias para reduzir o pico plasmático do fármaco pode ajudar na prevenção de malformações. O ácido valpróico é de longe a droga mais arriscada na gestação (10-15% de risco) e deve ser evitado em mulheres que planejam engravidar. Toda mulher em idade fértil que use anticonvulsivantes deve usar ácido fólico na dose de 1 a 5 mg ao dia para prevenir algumas malformações fetais. Entretanto, é importante frisar à mulher que o efeito protetor do ácido fólico ocorre nas duas primeiras semanas da gestação, ou seja, antes da confirmação da gravidez. Portanto, não adianta começar a usar apenas quando descobrir que está grávida. O valproato, a fenitoína e o fenobarbital podem causar problemas cognitivos nas crianças expostas intra-útero. As drogas consideradas mais seguras na gestação (embora não exista uma droga 100% segura) são a lamotrigina e o levetiracetam. De forma geral, o risco de malformações é menor do que o risco das crises durante a gravidez. Com exceção do valproato, e talvez do fenobarbital, não costumamos alterar o esquema anticonvulsivante em caso de gestação inadvertida, caso as crises estejam bem controladas. Como há profundas alterações da farmacocinética das drogas antiepilépticas durante a gestação, recomenda-se o controle periódico dos níveis séricos das drogas. A lamotrigina é a droga que mais sofre queda dos níveis séricos na gestação, principalmente no terceiro trimestre. A amamentação é recomendada para todas as mulheres epilépticas usando anticonvulsivantes. Com relação à hereditariedade da epilepsia, isso depende muito da causa subjacente. Algumas formas de epilepsia são parcialmente herdáveis (ex. epilepsias generalizadas idiopáticas), outras são claramente hereditárias (ex. esclerose tuberosa, epilepsia hipermotora relacionada ao sono), mas a maioria ocorre como consequência de eventos adquiridos (ex. AVC, tumor, neurocisticercose, esclerose mesial temporal) e não são hereditárias. Doutor, eu posso morrer tendo uma crise epiléptica? Embora as crises epilépticas geralmente sejam eventos paroxísticos, com início e fim abruptos, e a maioria das pessoas com epilepsia tenham vidas saudáveis e normais, é importante ter em mente que algumas pessoas podem morrer em virtude da epilepsia. Isso pode ocorrer devido ao risco de acidentes induzidos pelas crises, suicídio devido à depressão comórbida ou pela própria doença que gerou as crises epilépticas, como um tumor cerebralou uma meningite. Além disso, algumas pessoas podem morrer devido ao estado de mal epiléptico hiperefratário. Finalmente, a causa mais intrigante de morte em pessoas com epilepsia é a morte súbita e inesperada, também conhecida como SUDEP (sudden unexpected death in epilepsy). Em casos de SUDEP, nenhuma outra causa de morte é encontrada na autopsia. Cerca de 1 em cada 1000 pessoas com epilepsia morre de SUDEP, sendo a principal causa de morte em pacientes com epilepsia refratária. A pessoa é encontrada morta na cama, frequentemente com a face para baixo. Não se sabe ainda exatamente qual a causa da SUDEP, existindo teorias de que são causadas por arritmias cardíacas e outras teoria de que seriam provocadas por apneia. Os pacientes de maior risco para SUDEP são aqueles que sofrem crises tônico-clônicas sem controle adequado com o tratamento. É muito importante que o médico alerte os pacientes sobre esses riscos de uma forma cuidadosa, para não alarmar, mas sim para ajudar no processo de compreensão da doença, melhorar a aderência ao tratamento e ajudar na prevenção da SUDEP. Doutor, eu tenho > 65 anos. Tem alguma recomendação especial para o meu tratamento? A epilepsia tem maior incidência em idosos. Drogas sedativas ou com efeitos negativos na cognição (fenobarbital, primidona, benzodiazepínicos, topiramato) devem ser evitadas nessa faixa etária, pela maior incidência de problemas cognitivos nessa população. O princípio da monoterapia com a menor dose possível que controle as crises se aplica ainda mais nos idosos. Pela maior sensibilidade aos medicamentos anticonvulsivantes, a titulação da dose deve ser mais lenta. Como é comum que idosos utilizem diversos outros medicamentos para outras doenças (polifarmácia), recomenda-se evitar drogas indutoras do sistema microssomal hepático (carbamazepina, fenobarbital, fenitoína, primidona, oxcarbazepina, topiramato > 200 mg ao dia), pela interação adversa entre elas. Essas drogas também têm um efeito deletério sobre a massa óssea, que já está diminuída em idosos. Outro problema comum nos idosos usando carbamazepina e oxcarbazepina é a hiponatremia, portanto, o sódio deve ser monitorado periodicamente nesses pacientes. O ácido valpróico aumenta o risco de quedas em idosos, e em doses elevadas pode causar tremor e parkinsonismo. As drogas anticonvulsivantes mais seguras e recomendadas em idosos são a lamotrigina e a gabapentina. Levetiracetam e lacosamida também são alternativas adequadas. Doutor, eu tenho infecção pelo HIV, que anticonvulsivante devo usar? Devido à interação farmacocinética entre anticonvulsivantes e anti-retrovirais, levando à falha no controle da infecção viral, várias drogas devem ser evitadas, particularmente as indutoras do sistema microssomal. O levetiracetam é a droga de escolha, podendo também ser utilizada a gabapentina, a lacosamida e, menos frequentemente, o ácido valpróico. A lamotrigina não altera os níveis dos antirretrovirais, entretanto pode ter seus níveis séricos reduzidos por esses fármacos, necessitando controle de níveis séricos. Que medicamentos anticonvulsivantes devem ser utilizados em casos de insuficiência renal ou hepática? Na insuficiência renal, a fenitoína, a gabapentina, a vigabatrina, o topiramato, o levetiracetam e a lacosamida devem ter suas doses ajustadas. A lamotrigina, a carbamazepina, a oxcarbazepina, o ácido valpróico e os benzodiazepínicos não necessitam ajuste de dose, exceto em casos de insuficiência renal grave. Drogas com alta ligação proteica, como a carbamazepina, a fenitoína e ácido valpróico são pouco dialisáveis. Já o fenobarbital, o topiramato, o levetiracetam, a vigabatrina e a gabapentina têm baixa ligação proteica, sofrendo redução do nível sérico após a hemodiálise, necessitando suplementação de dose após a sessão de diálise. Na insuficiência hepática, devido à toxicidade hepática, o ácido valpróico deve ser evitado. O fenobarbital e os benzodiazepínicos devem ser evitados em pacientes com encefalopatia hepática, pois exacerbam o quadro. A fenitoína, a lamotrigina, a carbamazepina e a oxcarbazepina devem ser usadas com precaução. As drogas de escolha na insuficiência hepática são o levetiracetam, a gabapentina e o topiramato. Doutor, eu vou poder parar o tratamento um dia? O prognóstico da epilepsia depende, na maioria das vezes, da etiologia e do diagnóstico sindrômico. Um dos principais fatores preditores do prognóstico das epilepsias é a resposta de controle das crises com o uso da primeira medicação antiepiléptica. Não há uma regra universal quando aos critérios de parada dos medicamentos. Alguns tipos de síndromes epilépticas geralmente são mais refratários do que outros. Algumas epilepsias são auto-limitadas, como a epilepsia rolândica (epilepsia da infância com ondas centrotemporais) e a epilepsia de ausência da infância. Nessas situações é consenso que o tratamento deve ser retirado após a adolescência. A epilepsia do lobo temporal, por exemplo, geralmente não é bem controlada com medicamentos, e cirurgia com frequência é necessária. As encefalopatias epilépticas (síndrome de West, síndrome de Lennox-Gastaut, síndrome de Dravet, etc.) ocorrem quando a atividade epiléptica contínua e grave compromete o desenvolvimento intelectual da criança e geralmente são altamente refratárias ao tratamento. A epilepsia mioclônica juvenil geralmente tem fácil controle com medicamentos para crises generalizadas, entretanto recorre após a retirada do tratamento, e necessita uso dos medicamentos ao longo da vida. Pacientes com crises secundárias a lesões estruturais também apresentam maior risco de recorrência após a retirada do tratamento. Entretanto, na maioria dos pacientes com crises bem controladas por pelo menos 3 a 5 anos, uma discussão sobre a tentativa de retirada do medicamento deve ser feita com o paciente, sempre alertando para o risco de possível recorrência após a retirada. Uma epilepsia pode ser considerada resolvida, quando indivíduos com epilepsia relacionada a uma determinada faixa etária ultrapassam essa idade (ex. epilepsia da infância com ondas centrotemporais, epilepsia de ausência infantil) ou se os indivíduos tiveram a última crise há mais de 10 anos e estão há mais de 5 anos sem tratamento com drogas anticonvulsivantes. Isso significa que os indivíduos estão curados da epilepsia, com redução do estigma relacionado à doença, bem como repercussões no trabalho, na direção de veículos (principalmente para motoristas profissionais) e nas atividades de lazer. Doutor, eu preciso do meu carro para trabalhar. Posso dirigir? No Brasil, a legislação diz que pessoas que tiveram uma crise devem ficar pelo menos 1 ano sem dirigir automóveis ou motocicletas. O médico assistente não é obrigado a notificar as autoridades de trânsito, fato que deve ser feito pelo próprio paciente. As pessoas com epilepsia podem dirigir, desde que suas crises estejam tratadas e controladas por um médico. Os acidentes causados por motoristas com epilepsia controlada são apenas discretamente aumentados em relação à população saudável, e muito similares aos acidentes causados por motoristas com outras doenças médicas, e muito menores que os acidentes causados pela ingesta de álcool ou por morte súbita cardíaca ao volante. Para obter a carteira de motorista, o paciente deve se submeter ao exame de aptidão física e mental (artigo 147 da lei 9.503, de 23 de setembro de 1997). O candidato deverá passar por uma avaliação do médico assistente que o acompanhe há pelo menos 1 ano, que deve preencher um formulário padronizado, fornecido pela autoridade de trânsito, informando dados sobre o tipo de crise epiléptica, o número de crises nos últimos 6, 12, 18 e 24 meses, o grau de confiança na informação prestada pelo paciente, a ocorrência de crises exclusivas durante o sono, os fatores precipitantes conhecidos para as crises, o tipo de síndrome epiléptica do motorista, oresultado do último EEG e do exame de neuroimagem, a medicação ou medicações em uso, a duração do uso desses medicamentos, a retirada da medicação quando for o caso, a especialidade do médico assistente, o início do tratamento e o parecer favorável ou não à liberação para direção de veículos. Para a aprovação da carteira de motorista, os candidatos epilépticos deverão preencher os seguintes requisitos: • Pelo menos 1 ano sem crises (por isso ele precisa de acompanhamento de pelo menos 1 ano com o mesmo médico). • Parecer do médico assistente. • Plena aderência ao tratamento. Em pacientes em processo de retirada dos medicamentos, por controle adequado das crises, as seguintes condições são necessárias: • não ter diagnóstico de epilepsia mioclônica juvenil (que tem alto índice de recorrência após a retirada dos medicamentos). • estar pelo menos há 2 anos sem crises. • retirada da medicação com duração mínima de 6 meses. • estar há pelo menos 6 meses sem crises após a retirada da medicação • parecer favorável do médico assistente. Além disso, pessoas com epilepsia somente podem obter habilitação da categoria B (veículos cujo peso bruto total não exceda 3.500 kg e cuja lotação não exceda 8 lugares, excluído o motorista). A critério do médico perito da autoridade de trânsito, poderá haver uma restrição do prazo de validade da habilitação. Caso a pessoa com epilepsia não revele sua condição à autoridade de trânsito, no momento da obtenção ou renovação da habilitação, ela poderá ser responsabilizada penalmente por crime de falsidade ideológica, tipificada no artigo 299 do Código Penal Brasileiro, e administrativamente, através da cassação da carteira nacional de habilitação. Caso cause dano patrimonial ou contra a saúde e a vida de outras pessoas, responderá civil (indenização, lucros cessantes, danos morais) e penalmente (lesões corporais, homicídio culposo). Carla fez um EEG que mostrou descargas epileptiformes generalizadas e a RM do encéfalo foi normal. Ela recebeu um diagnóstico de epilepsia generalizada idiopática. Como ela tinha tido apenas uma crise, foi decidido não iniciar o tratamento anticonvulsivante. Entretanto, após 6 meses ela teve uma segunda crise e o tratamento foi então iniciado. Para epilepsias generalizadas, a droga de primeira escolha devido à eficácia é o ácido valpróico. Entretanto sabemos que essa droga é teratogênica. Mesmo que ela não tivesse planos de engravidar no curto ou médio prazo, tendo em vista que metade das gestações são acidentais, o médico assistente optou por usar uma droga de segunda linha como a lamotrigina, que é mais segura na gestação. Ela não teve mais crises e foi autorizada a voltar a dirigir após 1 ano de controle das crises. Como utilizar os anticonvulsivantes de forma racional? A escolha do fármaco anticonvulsivante nem sempre é simples, pois a epilepsia não é uma única doença, e sim um conjunto de muitas doenças com diferentes origens e histórias naturais. Além da clássica dicotomia entre os riscos x benefícios do tratamento, deve-se avaliar a eficácia do fármaco escolhido para a epilepsia do paciente sendo tratado, as propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas desse fármaco, a sua segurança, a tolerabilidade do paciente ao medicamento e as comorbidades do paciente. Como já comentado anteriormente, um princípio básico do tratamento da epilepsia é a utilização de monoterapia, até a atingir a maior dose tolerada capaz de controlar as crises. Isso é especialmente importante para idosos (mais sensíveis aos efeitos adversos e à interação medicamentosa com outros medicamentos usados para outras doenças) e gestantes e mulheres em idade reprodutiva (pelo risco potencial de teratogenicidade ser mais elevado em politerapia que em monoterapia). Além disso, as doses do medicamento escolhido devem ser aumentadas de forma gradual para minimizar efeitos adversos e abandono do tratamento. No mercado brasileiro há 3 tipos de fármacos anticonvulsivantes disponíveis: • os medicamentos de referência: também conhecidos como marca original, foram os primeiros a serem pesquisados e desenvolvidos, apresentando eficácia, segurança e qualidade comprovadas por estudos randomizados, duplo-cegos e controlados com placebo. • os medicamentos genéricos: são medicamentos desenvolvidos por outros laboratórios farmacêuticos, à partir da molécula original, após a perda da patente dos medicamentos de referência. Apresentam propriedades farmacocinéticas ligeiramente diferentes da molécula original. • os medicamentos similares: são medicamentos desenvolvidos por outros laboratórios farmacêuticos diferentes do original, com nome de marca, porém também com propriedades farmacocinéticas ligeiramente diferentes da molécula original. Uma das maiores dificuldades encontradas no tratamento da epilepsia, principalmente no SUS, é que nem sempre os medicamentos genéricos ou similares utilizados pelo sistema púbico são uniformes. Em uma licitação o anticonvulsivante pode ser de uma marca, e na licitação seguinte pode ser de outra, dependendo do preço ofertado ao governo. Portanto, podem haver variações significativas dos níveis séricos do anticonvulsivante quando se troca uma marca pela outra, mesmo que se mantenha o mesmo medicamento. Isso pode ocasionar descontrole das crises quando os níveis séricos caem, ou sintomas de toxicidade quando os níveis séricos aumentam. Portanto, como princípio, recomenda-se manter a mesma marca de medicamento (seja original, genérico ou similar), durante todo o tratamento de um paciente. Quando um paciente está sendo tratado em monoterapia, com doses máximas toleradas, de um fármaco antiepiléptico bem indicado para a sua epilepsia e continua tendo crises (falha terapêutica), vários fatores devem ser considerados, entre eles a acurácia diagnóstica, a falta de tolerabilidade e a falta de eficácia. A acurácia diagnóstica é uma causa comum de falha terapêutica, pois pacientes com síncope não respondem aos anticonvulsivantes, ou pacientes com epilepsia mioclônica juvenil não respondem, e as vezes pioram com a carbamazepina. Portanto, o diagnóstico da epilepsia deve ser preciso para que o tratamento possa ser efetivo. A falta de tolerabilidade aos efeitos adversos do anticonvulsivante pode impedir a aderência de forma adequada, devendo-se neste caso o médico optar por trocar o medicamento por outra monoterapia. Já a falta de eficácia pode ser de duas formas, a falta de eficácia parcial e total. Na falta de eficácia parcial, onde as crises diminuem de frequência ou intensidade, porém continuam ocorrendo, uma segunda monoterapia pode ser tentada ou um segundo fármaco pode ser adicionado. Na falta de eficácia total, onde as crises não melhoram nada com a primeira monoterapia, deve-se trocar o anticonvulsivante para outra monoterapia. Quando se opta pela combinação de duas drogas anticonvulsivantes, a escolha deve ser bem feita, para evitar drogas com o mesmo mecanismo de ação ou que interagem negativamente entre si, ou seja, uma droga diminui o efeito terapêutico da outra. A única combinação comprovadamente sinérgica em estudos clínicos e experimentais é entre ácido valpróico e lamotrigina. Quais são as drogas anticonvulsivantes mais utilizadas no Brasil? Carbamazepina (CBZ): seu mecanismo de ação é o antagonismo dos canais de sódio. É indicada para crises focais e crises focais que evoluem para crises tônico- clônicas bilaterais. Pode piorar as crises das epilepsias generalizadas primárias, como a epilepsia de ausência infantil e a epilepsia mioclônica juvenil. Como todo bloqueador de canais de sódio, não deve ser utilizada na síndrome de Dravet. Usada na dose total de 800 a 1200 mg ao dia, com dose máxima de 2000 mg ao dia. Deve ser iniciada com 200 mg ao dia e aumentada em 200 mg por semana em intervalos de 8/8 horas para as apresentações tradicionais e 12/12 h para as apresentações de liberação
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