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Prévia do material em texto

Psicologia Sociointeracionista
Autores: Profa. Mônica Cintrão França Ribeiro Prof. Rodnei Pereira
Colaboradores: Profa. Silmara Machado
Prof. Nonato Assis de Miranda
Profa. Renata Viana de Barros Thomé
 	Professores conteudistas: Mônica Cintrão França Ribeiro / Rodnei Pereira	
Mônica Cintrão França Ribeiro tem mestrado e doutorado em Psicologia pelo Programa de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP); é pós-graduada em Psicopedagogia pela Universidade Paulista (UNIP) e graduada em Psicologia pelo Instituto Unificado Paulista. É professora titular, supervisora de estágio e líder de disciplinas nos cursos de Psicologia e Pedagogia; pesquisadora e orientadora de pesquisa discente da vice-reitoria de pesquisa e pós-graduação da UNIP; docente em cursos de pós-graduação em Psicopedagogia, Acupuntura, Formação do Professor para o Ensino Superior (UNIP e INPG), Alfabetização e Letramento (Unifai); líder do Grupo de Pesquisa em Psicologia e Saúde (CNPq/UNIP); membro do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. Membro do Grupo Interinstitucional à Queixa Escolar (GIQE) e do Núcleo de Educação do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. Possui experiência em pesquisa e intervenção na área da Psicologia Escolar e Educacional, atuando em formação do psicólogo, formação de professores, políticas públicas em educação, processos e problemas de escolarização.
Rodnei Pereira é mestre e doutorando em Educação pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); licenciado em Pedagogia e Filosofia; especialista em Psicopedagogia. É professor na Universidade Paulista (UNIP) e consultor pedagógico da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação e da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Atua como docente nos cursos de pós-graduação em Alfabetização e Letramento (Unifai) e Psicopedagogia (Faculdades Drummond). Desenvolve trabalhos como formador e consultor, na implementação de Políticas Públicas de Educação e Cultura. É tutor do Programa de Mestrado Profissional em Educação: formação de Formadores da PUC-SP. Possui experiência em pesquisa e intervenção na área de Educação, Psicologia da Educação, formação de professores, alfabetização e linguagens, currículo, políticas educacionais, coordenação pedagógica, desenvolvimento profissional docente e direitos humanos e educação.
 (
R484p
Ribeiro,
 
Mônica
 
Cintrão
 
França.
Psicologia
 
sociointeracionista.
 
/
 
Mônica
 
Cintrão
 
França
 
Ribeiro;
 
Rodnei
 
Pereira.
 
–
 
São
 
Paulo:
 
Editora
 
Sol,
 
2020.
124
 
p.,
 
il.
Nota:
 
este
 
volume
 
está
 
publicado
 
nos
 
Cadernos
 
de
 
Estudos
 
e
 
Pesquisas
 
da
 
UNIP,
 
Série
 
Didática,
 
ISSN
 
1517-9230.
1.
 
Psicologia.
 
2.
 
Educação.
 
3.
 
Aprendizado.
 
I.
 
Pereira,
 
Rodnei.
 
II.
 
Título
CDU
 
159.9
)Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
U504.85 – 20
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Prof. Fábio Romeu de Carvalho
Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças
Profa. Melânia Dalla Torre
Vice-Reitora de Unidades Universitárias
Prof. Dr. Yugo Okida
Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa
Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez
Vice-Reitora de Graduação
Unip Interativa – EaD
Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli
Material Didático – EaD
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Valéria Morine Nagy Lucas Ricardi
 	Sumário	
Psicologia Sociointeracionista
APRESENTAÇÃO	7
INTRODUÇÃO	8
Unidade I
A OBRA DE LEV VYGOTSKY EM SEU MOMENTO HISTÓRICO	9
Recordando a Revolução Russa	9
Vida e obra de Vygotsky	13
O PENSAMENTO DE VYGOTSKY	15
Mediação simbólica	24
Pensamento e linguagem	26
A importância da relação entre pensamento e linguagem	31
DESENVOLVIMENTO E APRENDIZADO	34
Zona de desenvolvimento iminente	35
As relações entre o desenvolvimento e o brinquedo	38
VYGOTSKY E A EDUCAÇÃO	41
Sobre o ensino do sistema de escrita	41
A aprendizagem como promotora do desenvolvimento	41
Uma educação para todos	46
Unidade II
A OBRA DE WALLON EM SEU MOMENTO HISTÓRICO	56
Vida de Henri Wallon	56
Obra de Henri Wallon	63
O PENSAMENTO DE WALLON	64
Concepção epistemológica do conhecimento	64
Dinâmica do desenvolvimento infantil	69
PSICOGÊNESE DA PESSOA COMPLETA	74
O desenvolvimento psicológico infantil	74
Períodos do desenvolvimento psicológico	75
WALLON E A EDUCAÇÃO	98
Projeto Langevin-Wallon	98
Sobre o Projeto Langevin-Wallon	98
Por uma educação da pessoa completa	104
 (
7
)
APRESENTAÇÃO
Olá, aluno!
Iniciamos uma jornada de estudo e pesquisa juntos e, para começar, é importante que você receba orientações gerais sobre como está organizado este livro-texto.
Inicialmente serão apresentadas as competências e habilidades vinculadas à nossa disciplina. Consideramos relevante que você saiba o que é esperado na sua aprendizagem e desenvolvimento nesse curso (não apenas em termos de conteúdo, mas as ferramentas e os procedimentos necessários para sua formação acadêmica). Uma de nossas principais metas é que você possa conhecer os conceitos teóricos, para que eles se articulem com sua futura prática profissional. Além disso, ao longo do livro, você encontrará destaques com indicações de sites, artigos e outras fontes nas quais você poderá aprofundar seu conhecimento, comentários e complementos, aspectos relevantes de cada assunto e um resumo no final das unidades.
Por meio do sumário você conhecerá como a disciplina está estruturada: ela é composta por duas unidades, sendo que cada uma possui quatro tópicos e respectivos subtópicos, organizados de forma a favorecer o desenvolvimento do conteúdo e ajudar você a se localizar durante seus estudos. Lembramos que essa não é a única forma de apresentar a Psicologia Sociointeracionista para você, mas enfatizamos que ela foi pensada buscando construir uma lógica interna, coerência e organização que favoreçam sua compreensão e que torne seu percurso prazeroso no curso.
Não se esqueça de recorrer constantemente às referências no final deste livro-texto, onde indicamos as fontes (livros, artigos etc.) que serviram como base para este material e onde você encontrará novas possibilidades de busca e aprendizagem.
Queremos salientar que sua participação nas atividades on-line envolvidas neste curso de Educação a Distância é de extrema importância, porque, com elas, entendemos que sua formação será fortalecida e ampliada, valorizando a comunicação com outros alunos, compartilhando dúvidas e descobertas, consolidando seus conhecimentos.
Esta disciplina se concentra no estudo de uma importante teoria: Psicologia Sociointeracionista. Ela se baseia nas concepções e nas pesquisas elaboradas por Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) sobre a perspectiva social do desenvolvimento e da aprendizagem, e por Henri Wallon (1879-1962) e sua concepção dialética do desenvolvimento infantil. Assim como Jean Piaget (1896-1980), no final do século XIX e início do século XX, Vygotsky e Wallon realizaram investigações sobre o desenvolvimento psicológico humano. Em seus estudos buscaram compreender a cognição, enfatizando suas correlações com as dimensões afetivas e sociais, e, com isso, construíram uma teoria bastante completa, que percorre a vida do bebê, a infância e a adolescência. Embora existam diferenças entre essesautores, compartilham da perspectiva psicogenética para compreensão da origem do conhecimento humano.
Os estudos de Vygotsty e Wallon chegaram ao nosso continente no final do século XX e, desde então, vêm inspirando inúmeras pesquisas no Brasil, além de atrair o interesse de profissionais de várias áreas do conhecimento, em especial, da Pedagogia e da Psicologia.
 (
8
)
Planejamos estas páginas para que seu percurso seja bastante rico e dinâmico e, para isso, contamos com sua participação, para complementar seus estudos, recorrendo às dicas que apresentaremos a você, buscando outras fontes complementares, estando sempre atento às fontes.
Para entender melhor como será nossa disciplina, observe atentamente os itens do sumário, que indicam claramente a sequência dos nossos passos.
INTRODUÇÃO
Ao longo deste livro-texto você estudará dois importantes teóricos do campo da Psicologia Sociointeracionista: Lev Vygotsky e Henri Wallon.
É relevante, em seu processo de formação, esclarecer que, em cada uma das obras desses teóricos, lhe será apresentado um conjunto de conhecimentos importantes, que tem como função dar subsídios teóricos para auxiliar sua aplicação no âmbito da prática pedagógica durante os estágios, no desenvolvimento da prática pedagógica futura e na produção de conhecimento científico no campo da pesquisa em Psicologia e Educação.
Assim, os conteúdos abordados a seguir se inserem no âmbito de uma ciência aplicada que se volta tanto para a intencionalidade educativa quanto para o desenvolvimento humano. Nosso ponto de partida será compreender as mudanças que acontecem ao longo da vida, no psicológico e em suas relações com os processos de aprendizagem, sejam eles formais ou informais.
É importante, antes de nos aprofundarmos, que você compreenda que o sentido de desenvolvimento empregado pelos autores deste texto se refere aos processos de complexificação vividos pelos seres humanos durante seu ciclo vital. Desenvolver-se é, portanto, compreender os fatores que promovem mudanças, o processo de mudanças em si e, por fim, circunscrevê-las no âmbito das experiências vitais vividas por um indivíduo. Sendo assim, o desenvolvimento não tem metas nem etapas, ao contrário, as teorias do desenvolvimento procuram descrever o que parece geral/comum a todos os indivíduos. É por isso que se costuma afirmar que as teorias psicológicas consideram os aspectos biopsicossociais que envolvem o desenvolvimento humano.
Com base nesses pressupostos, você estudará, em primeiro lugar, o pensamento do russo Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934). Para tanto, partiremos do momento histórico no qual Vygotsky viveu e construiu seus pensamentos, para situar, nele, sua vida e obra.
Em seguida, você conhecerá a teoria do francês Henri Wallon (1879-1962), seu estudo integrado do desenvolvimento e os vários campos funcionais nos quais ocorre a atividade infantil (afetividade, motricidade e inteligência), bem como suas contribuições para a educação.
Bons estudos!
 (
9
)
PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA
 	Unidade I	
1 A OBRA DE LEV VYGOTSKY EM SEU MOMENTO HISTÓRICO
Você já ouviu falar em Vygotsky? O que você conhece sobre ele? Por que ele é considerado um dos grandes pensadores do campo da Psicologia Educacional, na contemporaneidade?
Para responder a estas e outras questões, é essencial compreender e situar o momento histórico no qual o pensamento deste autor foi elaborado. Isso é essencial, porque, como você poderá perceber, a história é um dos aspectos fundamentais de sua teoria. Mais que isso, é um respeito com este importante pensador, que deixou grande legado para a humanidade.
Figura 1 — Lev Vygotsky
1.1 Recordando a Revolução Russa
Um dos grandes desafios da humanidade é a miséria em que vivem muitas pessoas em todo o planeta, não é mesmo? O que explica a desigualdade social? O que se poderia fazer para superá-la?
Podemos afirmar que a Revolução Russa de 1917 foi uma tentativa de tratar desses problemas, sobretudo porque se opôs ao capitalismo, como modo de produção.
No início do século XX, quando Vygotsky ainda era criança, a Rússia era um país muitíssimo atrasado economicamente em relação aos demais países europeus. A maior parte da população vivia no campo,
 (
10
)
Unidade I
era analfabeta e a desigualdade social e a distribuição de recursos eram muito semelhantes às da época do Feudalismo. A riqueza estava concentrada nas mãos da nobreza russa e os camponeses passavam fome, submetidos a condições de vida muito precárias, em um país frio como é.
 (
Saiba
 
mais
Se
 
você quiser recordar o Feudalismo,
 
leia BLOCH, M. 
A sociedade feudal
.
Lisboa:
 
Edições
 
70,
 
1987.
)
Apenas em Moscou e em São Petersburgo é que se apresentava um tímido desenvolvimento industrial, sendo que os industriários, em sua maioria, eram estrangeiros. Essa condição era muito diferente da Europa Ocidental, onde algumas leis já garantiam melhores condições de vida e proteção social.
À época, o país era governo pelos czares (imperadores), que eram uma espécie de monarcas absolutistas. Na Rússia czarista não existia Constituição nem partidos políticos, de modo que qualquer pessoa que discordasse do czar era severamente punida.
Observação
Você já ouviu a expressão: “Mande-o para a Sibéria!”?
Na época da Rússia czarista, quem discordasse do czar era enviado para a Sibéria, região próxima das calotas polares, extremamente fria.
Diante dessa situação, existiam partidos políticos clandestinos, sendo o principal deles o Partido Social Democrata, que, em linhas gerais, se opunha ao que estava acontecendo na Rússia e planejava uma revolução que pudesse tornar o país uma democracia moderna e capitalista. O partido era formado por duas principais correntes:
· os mencheviques – que queriam reunir o maior número de pessoas em torno da ideia de um golpe político contra o czar;
· os bolcheviques – seguidores de Lenin, um importante líder da Revolução Russa. Pensavam que o partido precisava reunir, de uma maneira sistemática e organizada, seus militantes. No partido bolchevique, havia uma liderança central que determinava as ações de todos os que fizessem parte da organização.
Os dois grupos buscavam fundamentação no marxismo, propriamente no socialismo científico. Na obra Manifesto do partido comunista (ENGELS, F.; MARX, K. Petrópolis: Vozes, 2011), de 1848, Marx e Engels afirmaram que o capitalismo produz injustiça e desigualdade. Nesse sentido, o proletariado
 (
11
)
PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA
deveria se unir em uma revolução, para acabar com esse modo de produção e construir uma sociedade socialista, sem propriedade privada. Nela, todos os bens (terras, bancos, fábricas, indústrias) seriam de todos e seriam administradas pelos próprios trabalhadores.
A participação da Rússia na Primeira Grande Guerra (1914-1918) piorou ainda mais a situação deste país. Faltava comida, emprego e os preços eram muito altos. Com isso, a insatisfação geral reuniu a população em torno de um conjunto de passeatas contra o czar Nicolau II, que enviou suas tropas para conter mais de um milhão de pessoas em protesto. Contudo os soldados, também insatisfeitos com as condições de vida, colocaram-se ao lado do povo no protesto, de maneira que o czar foi obrigado a renunciar.
A Rússia tornou-se uma República e foi instaurado um governo provisório, apoiado pelos mencheviques, que durou seis meses.
Passado esse período, um golpe dos bolcheviques, sob a liderança de Lenin e Trotski, instaurou um governo socialista na Rússia, que teve o seu nome modificado para União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
 (
Oceano
 
Glacial
 
Ártico
União
 
Soviética
)
Figura 2 — Mapa da Formação da URSS (1923-1940)
Nos primeiros anos de governo, a política de recuperação da economia proposta por Lenin fez com que o país começasse a se recuperar. Contudo, com sua morte, em 1924, Joseph Stalin (1879-1953), um antigo militante bolchevique, chegou ao poder, instaurando uma ditadura.
Aqui, cabe retomar uma ideia muito importante: o socialismo implantadona URSS tinha algumas diferenças em relação ao socialismo científico. Assim, é muito provável que você encontre muitos livros de História que mencionem o socialismo científico em oposição ao socialismo real (aquele implementado na URSS). Para entender essa diferença, observe o quadro a seguir.
 (
12
)
Unidade I
Quadro 1 – Síntese das diferenças entre o socialismo real e o socialismo científico
	Capitalismo
(o modo de produção vigente nos dias atuais)
	Socialismo real
(aquele implementado na URSS)
	Socialismo científico (proposto por Marx e Engels)
	Terras, bancos e indústrias são propriedades privadas.
	Bancos, indústrias e terras pertenciam ao Estado.
	Indústrias, bancos e terras pertencem à coletividade.
	A economia é determinada pelo alto empresariado.
	As decisões eram tomadas pelo alto escalão do Partido Comunista.
	Decisões econômicas devem ser tomadas democraticamente pelos trabalhadores, tendo como horizonte o bem comum.
	Estímulo à concorrência e ao consumo, para gerar sempre mais eficiência, com vistas ao lucro e ao acúmulo de
riquezas.
	Os dirigentes do partido se distanciavam da ideia de bem comum, de maneira que a qualidade dos bens e serviços não era considerada.
	Tudo é produzido por quem consome, por isso a qualidade dos bens e serviços é importante para todos.
	Grandes desigualdades sociais, sendo que as elites gozam de privilégios e melhores serviços.
	Havia menos desigualdade social, mas os membros do alto escalão do Partido tinham privilégios.
	Não há elite, de modo que as desigualdades sociais são pequenas.
	Adéqua-se tanto em democracias quanto em formas de governo autoritárias.
	Não havia liberdade, nem democracia na ditadura stalinista.
	Ampla liberdade e democracia para os trabalhadores.
No governo de Stalin, o Estado passou a controlar a economia e a política soviética, até que esse controle atingiu a vida social e a cultura: nas instituições educativas, só era permitido ensinar o que o Partido Comunista determinasse; até as obras de arte modernas eram proibidas; qualquer discordância com o regime era castigada com prisão; o governo fazia propaganda maciça de Stalin e seu governo, assim, era adorado pelo povo.
Embora se possa afirmar que seu governo era comprometido com a população, por outro lado, esta era manipulada em relação aos seus erros e decisões políticas equivocadas. Em datas comemorativas, por exemplo, as pessoas entoavam canções e marchavam com retratos exaltando aquele governante.
 (
Saiba
 
mais
Os
 
filmes
 
a
 
seguir
 
podem
 
ajudá-lo
 
a
 
compreender
 
o
 
momento
 
histórico
 
tratado
 
neste
 
texto:
O
 
ENCOURAÇADO
 
Potemkin.
 
Dir.
 
Sergei
 
Eisenstein.
 
Rússia,
 
1925.
 
75
 
minutos.
 
DOUTOR
 
Jivago.
 
Dir.
 
David
 
Lean.
 
EUA,
 
1965.
 
197
 
minutos.
REDS.
 
Dir.
 
Wearren
 
Beatty.
 
EUA,
 
1981.
 
194
 
minutos.
ADEUS,
 
Lenin.
 
Dir.
 
Wolfgang
 
Becker.
 
Alemanha,
 
2003.
 
121
 
minutos.
A
 
VIDA
 
dos
 
outros.
 
Dir.
 
Florian
 
Henckel
 
von
 
Donnersmarck.
 
Alemanha,
 
2006.
 
137
 
minutos.
BÁRBARA.
 
Dir.
 
Christian
 
Petzold.
 
Alemanha,
 
2012.
 
105
 
minutos.
)
 (
13
)
PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA
Além da opressão, a autonomia e a democracia eram aspectos muito distantes na URSS. É nesse contexto que se insere a produção de Vygotsky, cuja vida e obra serão apresentadas adiante.
Figura 3 — “Salve a Infância”, obra de propaganda do governo soviético
Lembrete
A produção artística na ditadura stalinista reduziu-se à exaltação da figura do governante e à propaganda do governo.
 (
Saiba
 
mais
Para aprofundar sua compreensão sobre a Revolução Russa, consulte
 
as obras MEDVEDEV, Z.; MEDVEDEV, R. 
Um Stalin desconhecido
. Rio de
 
Janeiro: Record, 2006; e MEDVEDEV, R. 
Era inevitável a Revolução Russa?.
 
Rio
 
de
 
Janeiro:
 
Civilização
 
Brasileira,
 
1978.
)
1.2 Vida e obra de Vygotsky
Lev Semenovich Vygotsky nasceu na cidade de Orsha, Bielorrússia, em 17 de novembro de 1896.
Recebeu instrução de professores privados até aproximadamente 15 anos de idade, quando ingressou em uma escola formal. Sua família, de origem judaica, era muito culta. Seu pai era um homem de negócios e sua mãe, linguista. Era o segundo filho de oito irmãos. Sua família era muito importante na cidade e Vygotsky teve acesso a todo o conhecimento ao qual se dedicou pela vida. Formou-se no curso secundário em 1913, ingressando no curso de Medicina, estimulado pela família, na Universidade de Moscou. Como não se adaptou ao curso, transferiu-se para o curso de Direito; era muito interessado em História e Filosofia, tendo lido autores como Marx, Hegel e Espinosa, que marcaram profundamente sua obra. Frequentou aulas em uma universidade popular (Shanyavskii). Formou-se em 1917, ano da Revolução Russa, tendo discutido Shakespeare em seu trabalho de conclusão de curso.
 (
14
)
Unidade I
Viveu em Gomel, na Bielorrússia, de 1917 a 1923, exatamente no auge da Revolução Russa, onde ensinou Psicologia e Literatura. Em 1924, após sua participação no II Congresso de Psiconeurologia, em Leningrado, foi convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou. Nessa época, conheceu Alexander Romanovich Luria (1902-1977) e Alexei Nikolaievich Leontiev (1904-1979), que, assim como ele, eram importantes pensadores da Psicologia, de quem se tornou amigo.
No ano seguinte, iniciou as atividades do Instituto de Estudos das Defectologia, importantíssimo centro de estudos e pesquisas sobre deficiências, cujas contribuições são absolutamente relevantes para os estudos de inclusão social até os dias de hoje.
Lembrete
Alexander Romanovich Luria (1902-1977) e Alexei Nikolaievich Leontiev (1904-1979), principais colaboradores de Vygotsky, constituíram a “troika” – aspirações, idealismo e efervescência cultural da sociedade pós-revolucionária.
Em 1936, foi acusado de idealismo pela ditadura stalinista, ficando suas obras proibidas por mais de 20 anos na URSS. Esse fato fez com que ela fosse conhecida mundialmente, anos depois, quase ao final do século XX.
Ao lado de seus colegas Luria e Leontiev, Vygotsky lançou-se ao empreendimento de projetar uma psicologia radicalmente diferente daquela construída até então. Morreu de tuberculose, aos 37 anos, em 11 de junho de 1934.
Para retomar os principais pontos da biografia do autor, apresentamos a seguir uma linha do tempo:
· 1896 – nasceu em Orsha, Bielorrússia, no dia 5 de novembro;
· 1911 – aos 15 anos ingressou pela primeira vez numa instituição escolar, após anos de instrução com tutores particulares (Gymnasium, judeu particular, em Gomel);
· 1913 – então com 17 anos, formou-se no curso secundário com medalha de ouro. Isso lhe permitiu ingressar na Universidade de Moscou, no curso de Direito;
· 1914 – aos 18 anos, estudou na Universidade Popular de Shanyavskii História, Flosofia, Literatura, Arte, Psicologia e psicanálise;
· 1916 – (20 anos) escreveu A tragédia de Hamlet: Príncipe da Dinamarca;
· 1917 – (21 anos) formou-se em Direito na Universidade de Moscou. Revolução Russa – foi criado o Conselho dos Comissários do Povo, presidido por Lenin;
 (
15
)
PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA
· 1917-1923 – (21-27 anos) voltou para Gomel, lecionou Literatura e Psicologia;
· 1918 – (22 anos) fundou duas editoras com Semyon Dobkin e David Vygotsky;
· 1920 – (24 anos) seu irmão contraiu tuberculose e Vygotsky foi ajudá-lo, mas contraiu também a doença;
· 1922 – (26 anos) centralização do poder – Stalin foi nomeado secretário-geral do Partido Comunista; Constituição da URSS;
· 1924 – (28 anos) participou da conferência no II Congresso de Psiconeurologia de Leningrado e conheceu Luria e Leontiev, dois grandes amigos e colaboradores;
· 1924 – Vygotsky casou-se com Roza Smekhova, com quem teve duas filhas. Mudou-se para Moscou e foi lecionar no Instituto de Psicologia a convite de Kornilov. Morreu Lenin. Stalin assumiu o poder;
· 1925 – (29 anos) escreveu o livro Psicologia da Arte, que somente foi publicado em 1965, na URSS. Foi nesse ano que Vygotsky viajou pela primeira vez para a Europa e conheceu algunsdos livros de Piaget. Organizou o Instituto e Laboratório de Estudos sobre as Deficiências, que chamou de “estudos de defectologia”;
· 1925-1934 – (29-37 anos) trabalhou no departamento de educação para crianças deficientes físicas e mentais, no Instituto Pedagógico de Moscou e no Instituto Pedagógico de Leningrado (Hertzen). Estudou Medicina para compreender os problemas neurológicos e suas implicações no desenvolvimento psicológico. Considerava a Pedologia a ciência mais completa para o estudo da criança, pois integrava aspectos da Biologia, Psicologia, Antropologia e Pedagogia. Fundou o Laboratório de Psicologia na escola de formação de professores (Gomel) e reuniu jovens cientistas para estudos sobre psicologia e anormalidades;
· 1934 – morreu em Moscou, Rússia, aos 37 anos, em 11 de junho de 1934. Ao longo de sua curta, mas brilhante carreira, Vygotsky deixou 200 trabalhos científicos escritos, ditados, anotados. No ano de sua morte, foi publicado, na URSS, o livro Pensamento e Linguagem.
2 O PENSAMENTO DE VYGOTSKY
Para iniciar, cumpre esclarecer que Vygotsky se esforçou em elaborar – e se pode afirmar – uma “nova” Psicologia. Por que “nova”?
Porque no contexto da Revolução Russa – e influenciado pelas ideias de Karl Marx –, Vygotsky considerava que nenhuma teoria psicológica até então elaborada considerava o homem em seu contexto sócio-histórico.
Assim, convém esclarecer que a grande pergunta do pensador soviético pode ser sintetizada na seguinte questão: como o homem constrói cultura?
 (
16
)
Unidade I
Isso significa que para ele era fundamental compreender como o homem (por meio do trabalho e da transformação de natureza) constrói seus sistemas jurídicos, religiosos, filosóficos, artísticos, matemáticos, linguísticos, ideológicos etc.
Basicamente, ele se interessava em compreender a relação dos homens com seu ambiente (tanto físico quanto sociocultural), em desvelar as consequências psicológicas das atividades humanas (por meio dos esforços do ser humano em transformar a natureza) e em entender a relação entre os instrumentos construídos pelo homem e o desenvolvimento da linguagem e do pensamento (VYGOTSKY apud REGO, 2010).
Em seus esforços na busca da resposta para a questão mencionada anteriormente, Vygotsky constatou que, no processo civilizatório, a linguagem surgiu como uma necessidade de dividir socialmente o trabalho. Nesse raciocínio, verifica-se uma influência direta dos pensamentos de Marx e Engels, para os quais todo instrumento de trabalho interfere na natureza, modificando-a e vice-versa. A natureza modificada transforma o homem.
A dialética marxista é um dos conceitos importantes que marcaram a obra de Vygotsky. Você se lembra desse conceito? De acordo com Abbagnano (1998, p. 273):
[...] Pode-se dizer que o conceito de dialética é marcado pelas seguintes características:
1º – a dialética é a passagem de um oposto ao outro; 2º – essa passagem é a conciliação dos dois opostos;
3º – essa passagem (portanto a conciliação) é necessária.
Para que fique mais claro, vamos recorrer ao Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa. Nele, o conceito de dialética é explicado da seguinte maneira: “s.f. Arte de argumentar ou discutir. Maneira de filosofar que procura a verdade por meio de oposição e conciliação de contradições (lógicas ou históricas)” (2013, p. 421).
Para Vygotsky, os instrumentos de trabalho aos quais Marx e Engels se referem não são apenas físicos, mas simbólicos. Um desses instrumentos é a linguagem. A linguagem é um instrumento que permite ao homem comunicar, planejar e regular sua própria conduta (autorregulação).
Podemos afirmar, com base no que foi exposto até o presente momento, que o interesse de Vygotsky era compreender as funções psicológicas superiores, as quais permitem ao homem imaginar, lembrar, planejar, imaginar, supor, conjecturar, enfim, representam formas complexas de raciocinar que são movidas por uma clara intenção, pela consciência do homem sobre seus atos, comportamentos, atitudes, criações, invenções. Essas funções seriam, então, muito diferentes dos reflexos, reações automáticas e associações simplificadas, próprias dos animais e de crianças pequenas (REGO, 2010).
 (
17
)
PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA
Foi por meio da literatura que Vygotsky começou a pensar na constituição do ser humano. Ele queria compreender a psicologia da mensagem, na perspectiva de quem as recebe. Interessava-lhe investigar como o sujeito vivencia as mensagens que recebe (qual é o sentido que cada um dá a elas).
É muito importante esclarecer que, para o autor, o homem é ativo na relação com a História. Assim, em sua perspectiva, não se pode dizer que os homens são influenciados pelo ambiente e pela história, passivamente. Cada sujeito atribui diferentes sentidos para as mensagens que recebe e experiências que vive.
A compreensão de subjetividade na perspectiva desse autor parte do princípio de uma gênese social do individual. Isso significa que não é possível explicar nenhum comportamento humano “descolado” da História e da Cultura.
Outro ponto importante é que quando nos referimos a uma psicologia sócio-histórica é preciso lembrar que várias abordagens psicológicas consideram que o social influencia o sujeito, o que é um equívoco do ponto de vista da teoria de Vygotsky.
Há outro equívoco comum: comparar Vygotsky com Piaget
Embora Piaget leve a experiência social em consideração ao tratar do desenvolvimento humano, para este autor, o social passa a fazer parte do sujeito quando se apropria dele. Já para Vygotsky, o sujeito vive uma relação de mediação. Isso significa que tanto o social quanto o sujeito têm singularidades. São diferentes, não se diluem um no outro, mas, ao mesmo tempo, podem ser iguais.
Na obra de Vygotsky, mediação se refere a um processo de intervenção provocado por um elemento intermediário entre outros dois. Do ponto de vista das relações de ensino e aprendizagem, concebe-se que entre o sujeito que aprende e os objetos a serem apreendidos, há outro sujeito ou instrumento mediador.
Esse fenômeno pode ser representado pela seguinte fórmula:
S	R
X
Sendo X o elemento mediador da relação entre um estímulo (S) e uma resposta (R).
É importante esclarecer que nem sempre o elemento mediador é um ser humano. Atualmente, os artefatos tecnológicos são exemplos de elementos mediadores. Por exemplo, aprende-se por meio da televisão, do computador, de um jornal, de um livro.
 (
18
)
Unidade I
Observação
Diferença entre Piaget e Vygotsky:
Piaget – o desenvolvimento (do sujeito) promove a aprendizagem (que está contida no social);
Vygotsky – a aprendizagem (que está contida no social) promove o desenvolvimento (do sujeito).
Ambos os pensadores são muito importantes para a compreensão do desenvolvimento humano. O que queremos ressaltar é que há uma diferença fundamental na maneira como cada um explica o desenvolvimento.
Exemplo de aplicação
Retomando a ideia anterior, você já parou para pensar por que filhos de uma mesma mãe podem construir suas identidades de maneiras diferentes? Você costuma dizer ou já ouviu alguém dizer que os italianos são pessoas que falam alto, gesticulam muito? Conhece o ditado “pau que nasce torto, morre torto”?
Já ouviu frases como “Nossa, esse menino é terrível! Já nasceu com o ‘gênio’ ruim!” ou “Esse aí ‘puxou’ todinho ao pai”, ou ainda “Essa menina nasceu com o dom de ser professora!”.
Reflita.
Frases como as que você acabou de ler são consideradas naturalizantes, a partir da teoria de Vygotsky. Essas frases não tomam certas características humanas como sendo naturais, biológicas, inerentes aos sujeitos dos quais se fala?
A crítica de Vygotsky à concepção naturalizante ou inatista é que nela parece que há uma espécie de “eu verdadeiro” que é do sujeito, que teria nascido com ele, geneticamente herdado. Essa ideologia, muito forte em nossa cultura, é que a teoria sócio-histórica esforça-se para desconstruir.
Isso não significa que não possa haver semelhanças identitárias entre os sujeitos. Ao contrário, elaspodem ser parecidas (ou até iguais). Mas são também contrárias: incluem-se e excluem-se. Podem ser iguais, inclusive na diferença.
Lembrete
O que difere uma pessoa com deficiência de uma pessoa sem deficiência? Você poderá responder: “Ora, a deficiência”. Sim! Está correto, mas ambos os sujeitos são seres humanos, não é mesmo? Por isso são iguais em sua condição humana.
 (
19
)
PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA
Os sujeitos são atravessados e constituídos pelo social a todo o momento. Mas é cada um que transforma o social em singular. Por isso a subjetividade é historicamente constituída.
Observação
Você considera que o ser humano age por instinto? Por quê? Reflita.
Se tomarmos o pensamento de Vygotsky como base para responder à pergunta acima, a ideia de instinto não se sustenta, pois no primeiro momento de vida já somos afetados pelo social. A partir do nascimento, as experiências vividas é que irão constituir cada um de nós, assim como cada um também interferirá na constituição do social.
Individualmente (e na medida em que um sujeito interage com o universo social) o transforma em psicológico, o tornando complexo, aos poucos, e construindo seus sentidos subjetivos para as experiências que vive.
Exemplo de aplicação
Vamos pensar na letra de uma canção que é provável que você já tenha apreciado alguma vez. Se não, vamos analisar o texto, e, depois, não deixe de conhecê-la; é uma obra importante da nossa cultura, composta por Chico Buarque de Hollanda:
O meu guri
Quando, seu moço, Nasceu meu rebento, Não era o momento Dele rebentar.
Já foi nascendo Com cara de fome
E eu não tinha nem nome Prá lhe dar.
Como fui levando, Não sei lhe explicar, Fui, assim, levando Ele a me levar.
E na sua meninice, Ele um dia me disse Que chegava lá Olha aí! Olha aí!
 (
20
)
Unidade I
Olha aí!
Ai, o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!
Chega suado
E veloz do batente,
Traz sempre um presente Prá me encabular,
Tanta corrente de ouro, Seu moço!
Que haja pescoço Pra enfiar.
Me trouxe uma bolsa Já com tudo dentro: Chave, caderneta Terço e patuá;
Um lenço e uma penca De documentos
Pra, finalmente, Eu me identificar. Olha aí!
Olha aí!
Ai, o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!
Chega no morro, Com carregamento: Pulseira, cimento
Relógio, pneu, gravador.
Rezo até ele chegar Cá no alto;
Essa onda de assaltos Tá um horror,
Eu consolo ele, Ele me consola, Boto ele no colo Pra ele me ninar.
 (
21
)
PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA
De repente acordo Olho pro lado
E o danado já foi trabalhar Olha aí!
Olha aí!
Ai, o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!
Chega estampado Manchete, retrato, Com venda nos olhos, Legenda e as iniciais.
Eu não entendo essa gente, Seu moço,
Fazendo alvoroço demais. O guri no mato,
Acho que tá rindo, Acho que tá lindo, De papo pro ar,
Desde o começo eu não disse, Seu moço!
Ele disse que chegava lá.
Olha aí! Olha aí!
Olha aí!
Ai, o meu guri, olha aí Olha aí!
E o meu guri!...
Fonte: Hollanda (1981).
Notou que se trata de uma conversa entre a mãe do guri e um “moço”, a partir de uma foto do seu filho em uma manchete de jornal?
A mãe fala da trajetória do filho, aparentemente, sem perceber que os presentes que ganhou eram roubados.
Em sua opinião, o guri teria nascido com uma “inclinação” para roubar? Ou seu comportamento seria “reflexo” do meio em que viveu e cresceu?
 (
22
)
Unidade I
 (
Saiba
 
mais
O
 
que
 
você
 
compreendeu
 
desta
 
letra
 
de
 
música?
Se quiser ler uma interpretação do texto, consulte o texto a seguir, feito
 
pela professora Sueli de Britto Salles (mestre em Língua Portuguesa pela
 
PUC-SP).
SALLES,
 
S.
 
de
 
B.
 
A
 
inclusão
 
pela
 
morte:
 
uma
 
análise
 
da
 
canção
 
O meu guri. 
2012. Disponível em 
<http://www.uniesp.edu.br/tema/
 
tema60/05sueliBritoSalles.pdf>.
 
Acesso
 
em:
 
29
 
maio
 
2014.
)
As perguntas em relação ao que você compreendeu sobre a letra da canção “O meu guri” são importantes para que você compreenda o pensamento de Vygotsky.
Lembrete
A partir do pensamento de Vygotsky, podemos afirmar que ninguém nasce com inclinação para roubar e tampouco este ato é um reflexo direto do meio em que se vive e cresce.
Você já deve ter lido que o homem nasce uma tábula rasa, sendo corrompido pelo meio, não é mesmo?
Provavelmente você se lembrou do pensador iluminista Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) que, no século XVIII, teria afirmado que o homem nasce bom, mas é corrompido pela sociedade.
Na teoria sócio-histórica, a ideia defendida por Rousseau não procede. Ao contrário, há uma dialética interna que vai, aos poucos, dando sentido à experiência vivida pelo sujeito.
No movimento da experiência, as relações com o mundo e com as outras pessoas configuram o sujeito, transformando-o. Nessa transformação reside a novidade da subjetividade de cada um, a autoria da vida do sujeito. A partir dessa ideia, podemos constatar que não somos seres isomórficos, ou seja, não somos uma “cópia” nem do mundo, nem das outras pessoas. Isso quer dizer que a singularidade da autoria se constitui por meio da produção de sentidos por cada pessoa e não por sua reprodução.
Você já ouviu falar dos casos das crianças-lobo?
Há alguns casos registrados na literatura de crianças que sobreviveram sem o contato com outros seres humanos. Um dos mais famosos é o das gêmeas Amala e Kamala.
 (
23
)
PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA
Elas teriam sido encontradas, aproximadamente, em 1920, vivendo em uma família de lobos e foram levadas a um orfanato. Amala morreu com dois anos e meio, um ano depois de ter sido acolhida. Kamala viveu até os oito anos. As meninas se comportavam como lobos, não conseguiam expressar emoções, como sorrir ou chorar, andavam como lobos e não conseguiam permanecer em pé, bebiam e comiam como animais. Eram mais ativas à noite e costumavam uivar.
Kamala, a que sobreviveu por mais tempo, demorou muito para falar. Ainda assim tinha um repertório muito reduzido de palavras e demorou muito para receber e expressar afeto.
O caso das gêmeas permite concluir que nos tornamos humanos na e pela interação com outros seres humanos. O convívio humano é essencial não apenas para o nosso desenvolvimento físico como também para o desenvolvimento do psiquismo. Carinho, atenção, segurança são tão importantes quanto aprender a falar, a andar, a sorrir, a usar instrumentos como garfo e faca, copos, guardanapos, lápis, roupas etc.
Pela vida em sociedade, a criança aprende a pensar. O pensamento, que em princípio é mais elementar, permite que ela planeje, direcione e avalie suas ações e atitudes. Ao realizar tais ações, a criança erra, reconhece o erro e pode tentar corrigi-los.
Da mesma maneira, vive diversos sentimentos como tristeza, frustração, alegria, agitação, calma, ansiedade, segurança, dentre tantos outros.
Por meio das atividades que exerce no meio cultural e social em que vive, as crianças desenvolvem, aos poucos, a consciência. Segundo Davis e Oliveira (2010, p. 23), a consciência é ‘a capacidade de distinguir entre as propriedades objetivas e estáveis da realidade e aquilo que é vivido subjetivamente.’
Além do desenvolvimento da consciência, é importante lembrar que é pelo trabalho, que é a principal forma de transformação da natureza para garantir a sobrevivência dos seres humanos, que construímos conhecimentos que foram acumulados e transmitidos às novas gerações ao longo dos tempos, permitindo a construção de outros tantos novos conhecimentos.
A produção desses conhecimentos produz cultura, aperfeiçoando os novos modos de ser e de viver em sociedade, mas que também constitui o mundo psíquico de cada um.
Isso significa que nossas funções psicológicas básicas, como atenção, percepção, memória e raciocínio lógico são construídos social e historicamente. O mesmo acontece com a construção da nossa subjetividade – nosso modo singular de sentir, compreender e agir no mundo. Só somos o que somos e quem somos em nosso grupo social e cultural e no tempo histórico em que nos desenvolvemos, crescemose vivemos.
A história de Amala e Kamala é um exemplo concreto da construção sócio-histórica da subjetividade humana e evidencia a importância das interações sociais na obra de Vygotsky. A seguir, propomos a você alguns exercícios para ajudá-lo na articulação dos conceitos estudados até agora e auxiliá-lo na compreensão da teoria vygotskiana.
 (
24
)
Unidade I
Exemplo de aplicação
Assinale a alternativa que melhor descreve o que são as funções psicológicas superiores, na perspectiva de Vygotsky:
A) As funções psicológicas superiores referem-se a reações automáticas, reflexos e ao instinto de sobrevivência.
B) As funções psicológicas superiores referem-se à existência de um determinado potencial de aprendizagem de um indivíduo e a um caráter rígido das suas funções neurológicas e cognitivas.
C) As funções psicológicas superiores referem-se à constituição de processos mentais como memória, percepção, atenção, compreensão de sistemas simbólicos, esquemas de representação e resolução de problemas.
D) As funções psicológicas superiores referem-se exclusivamente ao desenvolvimento da capacidade de realizar ações sem a ajuda de outras pessoas.
E) As funções psicológicas superiores são possíveis de serem identificadas e conhecidas somente pela aplicação de testes psicométricos.
Alternativa correta: C
Justificativa: As funções superiores permitem ao homem imaginar, lembrar, planejar, imaginar, supor, conjecturar, enfim, representam formas complexas de raciocinar que são movidas por uma clara intenção, pela consciência do homem sobre seus atos, comportamentos, atitudes, criações, invenções.
2.1 Mediação simbólica
O desenvolvimento humano é marcado pela produção de sentidos em torno das experiências vividas na interação com o mundo, das relações com as outras pessoas. Esse processo se constitui por uma relação entre a cognição, os afetos e emoções, de maneira que cada um internaliza as experiências que vive, singularizando-as, tornando-as suas próprias.
A construção dos sentidos se dá no movimento das atividades (ações de transformação da natureza) exercidas pelos homens. Por sua vez, as atividades são mediadas pelos significados.
 (
25
)
PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA
Sobre o significado, Vygotsky (2008, p. 151) explica que:
O significado das palavras é um fenômeno de pensamento apenas na medida em que o pensamento ganha corpo por meio da fala, e só é um fenômeno da fala na medida em que esta é ligada ao pensamento verbal, ou da fala significativa – uma união da palavra e do pensamento.
Mas o sentido que cada um pode dar a esses instrumentos é muito diferente. Por exemplo, alguém pode olhar para um martelo e desejar ser marceneiro ou pensar em usá-lo para agredir alguém. Outra pessoa pode olhar para um lápis e pensar em se tornar escritora ou em escrever poemas de amor. Uma terceira pessoa pode olhar para a vassoura e pensar em bruxas ou em outra superstição que envolve esse instrumento, como colocar a vassoura atrás da porta para afugentar uma visita indesejada. Enfim, os sentidos são múltiplos, variáveis e subjetivos.
Significados e sentidos
Para que se compreenda como a consciência humana é construída, é preciso refletir sobre o desenvolvimento da linguagem.
Em primeiro lugar é preciso entender que a consciência se constrói na e pelas atividades que desempenhamos e que garantem a nossa sobrevivência e a sobrevivência da cultura. Por exemplo, costumamos cozinhar os alimentos para comer, pois isso traz não apenas mais saúde, como longevidade para o nosso organismo. Você já parou para pensar nisso?
Antes de cozer os alimentos, a expectativa de vida do homem era muito menor, pois estava mais sujeito a doenças. Os dentes duravam menos, se deterioravam mais cedo, trazendo consequências para a saúde.
A partir de um simples costume como cozinhar os alimentos, criamos um conjunto de complexos mecanismos que circundam o ato de nos alimentarmos.
Criamos instrumentos que nos auxiliam a prepará-los (panelas, colheres, garfos, recipientes); diversos modos para o preparo (cozidos, assados, fritos); rituais para fazê-los e para comê-los. Criamos jantares, formas coletivas de comer, festejar e confraternizar, por exemplo.
Esse exemplo nos ajuda a perceber que além de comer para sobreviver, produzimos cultura.
É um exemplo muito simples, mas que ilustra que a atividade de cozinhar é mediada por um conjunto de instrumentos que foram criados para atingir esse fim.
Mas um ponto muito importante: tudo o que aprendemos sobre cozinhar e sobre os instrumentos criados para isso, ou melhor, todo o conhecimento acumulado sobre esse assunto, só sobreviveu em função da existência da linguagem. A partir da oralidade e da escrita, o homem pôde transmitir seus conhecimentos de geração em geração.
 (
26
)
Unidade I
A linguagem é a principal forma de expressão do pensamento. Uma das formas mais avançadas de comunicação por esse meio é a partir do uso de palavras. Para criá-las, o ser humano aprendeu a falar, pensou sobre os sons da fala, inventou códigos que os representasse, chegando à escrita. Criou palavras que nomeassem coisas, pessoas, objetos, animais. Cada uma passou a carregar um significado.
A palavra é, pois, a principal expressão do pensamento e da linguagem. Esta última é o meio fundamental para a humanidade, pois todo o processo de socialização (e isso envolve tanto o processo de conviver em sociedade quanto de individuação) se dá a partir do uso da linguagem.
O processo de construção da consciência, além de ser mediado pela linguagem, tem uma dimensão afetiva, emocional. Todas as experiências vividas por uma pessoa passam pela afetividade. Assim, para Vygotsky, a emoção, bem como a linguagem e o pensamento, é uma dimensão muito importante da consciência.
A consciência se evidencia a partir da produção dos sentidos e significados que o homem produz sobre o mundo, sobre as pessoas, sobre as coisas, sobre si mesmo.
De acordo com Vygotsky, o significado refere-se ao que o homem já encontra “pronto” no mundo, quando nasce. Refere-se ao que já foi construído historicamente, estando, inclusive, dicionarizado. Por exemplo, quando nascemos, já existiam objetos como garfo, faca, lápis, caneta. Aprendemos os nomes desses objetos e aprendemos para que eles servem.
Já o sentido refere-se ao conjunto de fenômenos psicológicos que são provocados pelos significados.
O sentido não é compartilhado, é de cada pessoa.
Por exemplo, alguém que transcende o uso convencional de garfos e facas, utilizando esses instrumentos para criar uma obra de arte só o faz a partir dos seus sentidos subjetivos, que em confronto com a dimensão social e a história, combinadas com a emoção, permitiram que ele criasse algo novo e o colocasse em movimento no grupo social ao qual pertence.
Como você pode perceber, os significados e sentidos atribuídos pelo homem às atividades que desempenha no mundo e em um determinado grupo social do qual faz parte constituem sua consciência, ou seja, seus modos de ser, estar e agir. Cabe ressaltar que toda atividade humana é “emocionada”, ou seja, é mediada por afetos e sentimentos.
Essa é uma informação muito importante para compreender a complexidade que envolve o desenvolvimento humano, que você estudará com mais detalhes a seguir.
2.2 Pensamento e linguagem
Vygotsky, diferentemente de outros pensadores, considera que a estrutura filogenética é insuficiente para garantir o desenvolvimento humano.
 (
27
)
PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA
Como vimos, o social e a história têm um grande peso na sobrevivência e no desenvolvimento qualitativo de qualquer pessoa. Sem a cultura, não nos humanizamos.
[É preciso] romper [com] o aprisionamento biológico da psicologia e passar para o campo da psicologia histórica, humana. A palavra social, aplicada à nossa disciplina, possui um importante significado. Antes de mais nada, em seu sentido mais amplo, essa palavra indica que tudo o que é cultural é social. A cultura também é produto da vida em sociedade e da atividade social do homem e, por isso, a própriacolocação do problema do desenvolvimento cultural já nos introduz diretamente no plano social do desenvolvimento. Além disso, seria possível apontar para o fato de que o signo localizado fora do organismo, assim como o instrumento, está separado do indivíduo e consiste, em essência, num órgão da sociedade ou num meio social. Ademais, poderíamos dizer que todas as funções superiores formaram-se não na biologia, nem na história da filogênese pura – esse mecanismo, que se encontra na base das funções psíquicas superiores, tem sua matriz no social. Poderíamos indicar o resultado fundamental a que nos conduz a história do desenvolvimento cultural da criança como a sociogênese das formas superiores de comportamento (VYGOTSKY, 2011, p. 1).
 (
Saiba
 
mais
Os
 
filmes
 
a
 
seguir,
 
podem
 
ajudar
 
na
 
compreensão
 
do
 
tema:
 
NELL.
 
Dir.
 
Michael
 
Apted.
 
EUA,
 
1994.
 
113
 
minutos.
O
 
GAROTO
 
selvagem.
 
Dir.
 
François
 
Truffault.
 
França,
 
1970.
 
85
 
minutos.
 
A
 
MAÇÃ.
 
Dir.
 
Samira
 
Makhmalbaf.
 
França/Irã,
 
1998.
 
86
 
minutos.
)
A atividade psicológica de um bebê pode ser considerada inferior (ou elementar) justamente pelas limitações impostas pela motricidade e pela incapacidade em se comunicar, o que nos torna exclusivamente dependentes de outros cuidadores. Assim, o desenvolvimento é essencialmente mediado por outros seres humanos e por tudo que criaram em termos de conhecimento, tecnologia e instrumentos de ação e comunicação.
Por exemplo: nascemos em uma cultura onde dormimos em camas; comemos apoiados em mesas, com a comida colocada em pratos; utilizamos talheres para comer; usamos banheiros; vassouras para varrer; telefones; computadores; televisão; tablets; relógios para controlar o tempo; meios de transporte; cosméticos; roupas etc.
 (
28
)
Unidade I
Cada sujeito vai se apropriando desses objetos e vai compreendendo seus sentidos, complexificando seu comportamento a partir da interação com outras pessoas.
Aprendem-se normas, valores e comportamentos. Aprendem-se, inclusive, os preconceitos e estigmas enraizados nos grupos sociais; normas religiosas e costumes típicos, inicialmente pela imitação, tendo um salto qualitativo quando se aprende a falar.
A fala (também denominada signo ou instrumento de comunicação na obra de Vygotsky) é que dá sentido à atividade humana (ações do homem sobre o meio e a partir dele) e que permite que as funções superiores se desenvolvam.
Lembrete
A atividade constitui o homem na medida em que ele transforma a natureza (ou algo) e é por ela transformado. Todos os instrumentos criados pelo homem são sínteses da atividade social. O que ele passa a pensar a partir da atividade é que o diferencia dos outros animais.
É justamente na apropriação da atividade que se dá a apreensão dos significados. O significado do que é (e como se chama) um determinado ser ou objeto passa a existir para cada um.
Assim, por meio da atividade e do contato com os outros é que o homem se desenvolve. Isso que permite a cada um construir o mundo e subjetivá-lo (torná-lo próprio e ter a consciência de que se faz parte dele).
Exemplo de aplicação
Reflita: o que explica a existência de grupos sociais monogâmicos ou poligâmicos? Por que a poligamia é aceita em determinadas culturas e em outras não?
O que faz com que determinados comportamentos e costumes sejam aceitos ou não aceitos em um determinado grupo social é justamente a história das relações dos homens com outros homens, da mediação entre os instrumentos, os valores e os conhecimentos acumulados pelos homens em cada cultura.
Em Vygotsky, a história do mundo é a história da atividade humana. Nele, o homem só se constitui singular por meio das relações sociais. O que se considera essência humana é o conjunto das relações sociais.
Podemos afirmar, então, que cada sujeito é a encarnação da história e da realidade social em que se desenvolve. Isso não significa que ele é resultado pronto, direto, determinista, da realidade. Assim, um indivíduo não é a realidade, mas contém a realidade. Por isso que na teoria sócio-histórica a gênese social do individual tem grande importância. Dessa maneira, compreender as ações humanas é entender
 (
29
)
PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA
a história e a sociedade em que cada ser humano se constituiu. Isolar um fato ou uma pessoa é um equívoco nessa concepção. Qualquer fato ou pessoa tem que ser considerado no conjunto das relações sociais, que, por sua vez, são marcadas pelas contradições e por movimentos de criação e recriação de valores, normas e costumes. Na medida em que os fatos históricos são superados, dialeticamente, a memória humana se ressignifica.
Quando os conhecimentos apreendidos através da cultura são internalizados, pode-se dizer que o sujeito se singulariza, de maneira que seus pensamentos se tornam complexos, tornando possível a cada um imaginar, compreender e criar conceitos, simbolizar e criar representações mentais.
Feito isso, vamos, agora, entender com mais detalhes como se dá esse processo, a partir dos conceitos de consciência e atividade.
O desenvolvimento da consciência e da atividade
Consciência e Atividade são duas importantes categorias de análise da psicologia sócio-histórica que nos permitem compreender como o homem se relaciona com o mundo e, a partir dessa relação, constrói seu psiquismo.
O termo psiquismo refere-se aos fenômenos psicológicos que constituem os seres humanos. Tal construção se dá sempre em um contexto sociocultural, sendo uma expressão de tudo o que uma pessoa é capaz de registrar a partir das experiências que vive.
Essas experiências são vivas, dinâmicas. Na mesma medida em que somos afetados pelo mundo, também o afetamos, em um movimento dialético.
Nosso psiquismo, portanto, se constrói em um movimento no qual cada um de nós se esforça para tornar próprio aquilo que está na cultura (subjetivação do mundo objetivo) e também para projetar o que é nosso, o que nos é singular, na cultura (objetivação da subjetividade).
Para Vygotsky, caberia à Psicologia explicar a subjetividade, a partir da descrição e da explicação do que ele denominou funções psicológicas superiores: linguagem, pensamento, vontade e consciência. O autor adverte, porém, que tal explicação não é possível se não levarmos em consideração a gênese social da consciência, uma vez que só somos o que somos e quem somos em função das experiências, dos valores, das ideologias que constituem o grupo social do qual fazemos parte.
O autor afirmou ainda que o movimento de subjetivação do mundo objetivo não se dá passivamente. Ao contrário, é ativo, na medida em que cada um de nós se esforça muito para reinventar e reconstruir o que a cultura nos oferece. E, além disso, somos capazes de reconstruir o mundo e de fazer a cultura avançar.
Esse processo de internalização do mundo objetivo pela consciência é sempre único. O que significa que cada um de nós é afetado pelo mundo de um modo particular, autoral, novo e próprio. Ao mesmo tempo, colocamos nossa subjetividade no mundo dessa forma.
 (
30
)
Unidade I
Convém ressaltar que subjetividade e objetividade não estão separadas. Ao contrário, estão em constante mediação. Nós somos o que somos em função do mundo objetivo que nos cerca, mas o mundo também só é o que é em função das nossas atuações nele. Um não é o outro, mas ambos se constituem, mutuamente, sem que percam sua identidade.
Nos esforços empreendidos por cada ser humano em subjetivar a realidade, ele a transforma por meio de suas atividades. Elas anunciam a possibilidade de criar coisas novas, e, a partir delas, impulsionar novas relações, criando novos movimentos culturais e, possivelmente, novas relações sociais.
Um bom exemplo disso é a criação dos telefones celulares. A partir do momento em que o homem os criou, com ele, novos costumes, comportamentos, hábitos e valores estão em construção, constituindo nossas experiências e novos jeitos de ser e estar no mundo,
Todas as nossas atividades são mediadas pela linguagem, segundo Vygotsky. A linguagem,por sua vez, é o que media a construção da consciência por meio dos signos (que aqui podemos entender como palavra). A palavra, que contém o significado das coisas, como já vimos, é o elemento fundamental que “empurra” o desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
 (
Saiba
 
mais
Para
 
aprofundar
 
sua
 
compreensão
 
acerca
 
dos
 
conceitos
 
de
 
consciência
 
e atividade leia o texto: AGUIAR, W. M. J. Consciência e atividade: categorias
 
fundamentais
 
da
 
psicologia
 
sócio-histórica.
 
In:
 
BOCK,
 
A.
 
M.
 
B;
 
FURTADO,
 
O.;
 
GONÇALVES, M. G. M. 
Psicologia sócio-histórica
. São Paulo: Cortez, 2007,
 
p.
 
95-110.
)
Como você pôde perceber, a consciência individual do ser humano é construída, social e historicamente, por meio de um movimento dialético entre o sujeito e a cultura. Essa relação é mediada pelos signos, que são responsáveis por transmitir os significados das experiências vividas em um determinado grupo social. Brincadeiras e jogos, por exemplo, são importantes signos que estimulam o desenvolvimento do pensamento e da linguagem das crianças.
Atividades sociais, como as festas de aniversário, fazem parte de um complexo sistema de signos que marcam o desenvolvimento humano.
 (
31
)
PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA
Figura 4 — Crianças em uma festa de aniversário
2.3 A importância da relação entre pensamento e linguagem
O desenvolvimento da linguagem é uma grande conquista para o ser humano, na perspectiva de Vygotsky. Para ele, quando o pensamento e a linguagem se encontram é que as funções superiores se desenvolvem qualitativamente.
Até conquistar a linguagem, uma criança não consegue dizer o que quer, não consegue exprimir suas emoções e necessidades, a não ser por meio do choro. Vygotsky denomina esse período como estágio pré-intelectual.
Figura 5 — Bebê sendo alimentando
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Unidade I
À medida que cresce e aprende a se movimentar a criança passa a utilizar alguns instrumentos para resolver problemas de ordem prática. Por exemplo, percebe que pode usar uma vassoura para alcançar um objeto ou brinquedo que está em lugar alto, a fazer das gavetas uma escada ou usar uma cadeira para subir em um lugar mais alto, mas ainda sem usar a linguagem. A esse período Vygotsky chamou de estágio pré-linguístico.
Figura 6 — Crianças se abraçando
A linguagem é ofertada a um bebê pelos adultos. São eles que atribuem significado aos comportamentos e balbucios emitidos pelos bebês, que são educados a ouvir música, a falar alto, falar baixo, falar ao telefone, controlar expressões que indicam raiva ou alegria, a sorrir, a fazer gestos etc.
Pensamento e palavra têm raízes genéticas. Surgiram e se constituíram no processo de desenvolvimento histórico da consciência humana e vivem uma relação dialética, embora tenham características diferentes. O que marca as diferentes maneiras de o homem pensar e se comunicar é a história.
Lembrete
O aparelho fonador é uma determinação filogenética da espécie humana. Porém, os sons que produzimos são educados, assim como o ouvido humano também é educado socialmente. Não há como compreender o pensamento sem a linguagem ou vice-versa. Afinal, a fala explicita o pensamento, mas na hora de falar, se alguém não consegue expressar o que está pensando, o pensamento fracassa, não é mesmo?
A palavra é a matéria-prima do pensamento. E qualquer palavra desprovida de sentido é um som vazio. As palavras nos revelam, dizem quem somos e a qual grupo social pertencemos.
Para Vygotsky, o pensamento se complexifica a partir do momento do desenvolvimento onde o ser humano se apropria dos signos e das palavras, e que interioriza a linguagem que aprendeu a utilizar
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PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA
com aqueles que o antecederam e passa a utilizá-la como instrumento da organização do próprio pensamento. Quando pensamento e linguagem se associam, o pensamento passa a ser verbal e a fala passa a ser racional (REGO, 2010).
Observação
O significado das coisas é um fenômeno do pensamento e da linguagem. Ao saber o significado das coisas, das pessoas, a palavra que designa tudo aquilo que existe, é que se torna possível pensar de uma maneira complexa, como fazemos. Esse fenômeno também é chamado de mediação semiótica.
O pensamento seria, então, a expressão de uma linguagem interior, que se transforma em uma espécie de fala, de conversa que cada um tem consigo mesmo. Contudo trata-se de uma fala sem discurso, de um discurso sem palavras e que nem sempre é exteriorizado.
Veja o que afirma Aguiar (2007, p. 101), que ajudará a ampliar sua compreensão acerca da importância dos signos, no processo de mediação semiótica.
A importância dos signos e a mediação semiótica
Um dos autores que discutiu a importância dos signos foi Mikhail Bakhtin (1981), um linguista russo que estudou a importância dos signos. Para ele, a palavra, além de permitir a compreensão da consciência humana e da subjetividade, permite compreender as ideologias.
Quando criou palavras, a humanidade deu a luz a significados vivos e dinâmicos. Aguiar afirma que “A palavra, portanto, é arena onde se confrontam valores sociais contraditórios, conflitos, relações de dominação etc. Dessa forma, como afirma o autor “Todo signo é ideológico; a ideologia é um reflexo das estruturas sociais; assim, toda modificação da ideologia encadeia uma modificação na língua” (1981,
p. 15). A palavra (signo ideológico) aponta sempre as menores variações das relações sociais, não só as referentes aos sistemas ideológicos constituídos, mas também as que dizem respeito à “ideologia do cotidiano”, aquela que se exprime na vida corrente, em que se formam e se renovam as ideologias constituídas.”
Assim, os sistemas semióticos são carregados de ideologias e constituem a realidade que nos cerca. Tais ideologias, por sua vez, fazem parte de tudo que nos constitui como sujeitos. Da mesma maneira,
quando projetamos nossa subjetividade no mundo, também projetamos velhas ou novas ideologias.
Mais uma vez, fica claro que nosso desenvolvimento, nossas mudanças individuais encontram, explicação na cultura e no grupo social ao qual pertencemos, a partir da mediação da linguagem.
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Unidade I
Para tornar os conceitos que você acabou de ler mais claros, vamos pensar na seguinte situação:
Júlia é um bebê de aproximadamente 1 ano e 3 meses. Ela quer pegar um brinquedo que está em cima da mesa da cozinha de sua casa, mas não alcança. Júlia apenas balbucia, não domina a linguagem plenamente, mas já emite sons que a ajudam a interagir com os adultos. Ela se aproxima de sua mãe, aponta para a mesa e emite o som: “Dá-dá!”. Nesse período, Júlia não utiliza a linguagem como instrumento do seu próprio pensamento. Por isso, tomando os escritos de Vygotsky, podemos dizer que Júlia está fazendo uso de um discurso socializado.
Pensemos agora que Júlia cresceu um pouco, já tem 2 anos e meio, e domina muitas palavras. Dessa vez, para alcançar seu brinquedo que está no alto, Júlia consegue falar para si mesma: “Eu preciso alcançar esse brinquedo. Acho que vou pegar a vassoura e puxá-lo”. Esse processo também é denominado de fala egocêntrica.
A fala, que antes era socializada, agora passou a ser uma fala interiorizada. Com isso, podemos dizer que Júlia usa a linguagem como organizadora do seu pensamento, para planejar suas ações antes de executá-las. Esse processo é fundamental para o desenvolvimento de formas mais complexas de se pensar. Essa conversa que a criança trava consigo mesma a auxilia a planejar suas ações.
Quando passa a não precisar falar consigo mesma para dirigir cada uma de suas ações, ocorre uma alteração qualitativa no desenvolvimento entre o pensamento e a linguagem.
Outro salto qualitativo no desenvolvimento das funções psicológicas superiores ocorre quando a criança se apropria do sistema da escrita. Aprender a ler e a escrever é apropriar-se dos cinco mil anos de história que separam o homem do registro e da possibilidade de memorizar acontecimentos, preservar conhecimento acumulado e garantir a sobrevivênciada cultura e sua transformação. Passemos, então, a refletir sobre as contribuições da obra de Vygotsky para a Educação.
3 DESENVOLVIMENTO E APRENDIZADO
Na obra de Vygotsky, o desenvolvimento humano é objeto de preocupação e discussão constante. Contudo, não podemos, em uma perspectiva vygostkyana, compreender desenvolvimento separado da ideia de aprendizado.
Para o autor, como já foi apresentado, desenvolver-se implica, necessariamente, em aprender. É o aprendizado que promove o desenvolvimento, e que é produto das interações sociais que um sujeito vive em um determinado contexto histórico, social e cultural.
Nesse sentido, podemos afirmar que a maneira como alguém aprende e se desenvolve muda ao longo dos tempos. Por exemplo, você já ouviu alguém dizer que as crianças de hoje nascem “mais espertas” e “mais inteligentes” que as de tempos passados?
Esse é um pensamento superficial e uma afirmação generalista e questionável. Você já parou para pensar que, no século passado, em geral, as pessoas nasciam em casas e não em hospitais, que os bebês
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eram, em alguns lugares, enfaixados, para que mantivessem a coluna ereta e que não saíam de casa por 40 dias (período conhecido como quarentena)? Você já havia parado para pensar nisso?
Não parece óbvio que os bebês de atualmente são mais estimulados, do ponto de vista sensorial e motor? Atualmente não enfaixamos mais os bebês e eles são altamente estimulados do ponto de vista sensorial e motor. Só essa comparação já nos ajuda a sustentar a afirmação que a maneira como entendemos a relação entre desenvolvimento e aprendizado muda, do ponto de vista social e histórico, como afirmava Vygotsky.
Com isso, não podemos afirmar que a maturação biológica ou genética do humano é suficiente para explicar o desenvolvimento humano. Ao contrário, ela depende, dialeticamente, do contexto sócio-histórico em que um sujeito nasce, vive e se desenvolve.
Na obra de Vygotsky, a noção de desenvolvimento é sempre discutida em suas relações com a noção de aprendizado. Sem aprendizado, determinados processos não ocorreriam, na concepção do autor. Por exemplo, você já parou para pensar se não tivéssemos um sistema de escrita? Como seria nosso desenvolvimento se a escrita não existisse?
Vamos pensar em outro exemplo. Como seria nosso desenvolvimento se vivêssemos em uma sociedade que não conhece e nem usa aparelhos eletrônicos como computadores e telefones celulares? O que seria diferente, do ponto de vista do desenvolvimento humano?
Figura 7 — Bebê manipulando um computador
Com base nessas ideias, você poderá refletir um pouco mais sobre o desenvolvimento humano e suas relações com o aprendizado. Para isso, apresentaremos o conceito de zona de desenvolvimento iminente e discutiremos o papel do brinquedo como elementos culturais que promovem o aprendizado e o desenvolvimento humano.
3.1 Zona de desenvolvimento iminente
Pense em como aprendemos a andar e falar? Será que as crianças aprendem a andar e falar por si mesmas, ou seja, “sozinhas”?
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Unidade I
Ao contrário, nós andamos porque outros seres humanos andam e falam, certo? O aprendizado da fala, por exemplo, é determinado pela cultura e pelo local onde nascemos e vivemos. Só falamos língua portuguesa porque estamos no Brasil, um país colonizado por Portugal. O mesmo vale para outros aprendizados. Usamos sapatos porque nossos antepassados os inventaram e o aperfeiçoaram. O mesmo vale para outros instrumentos, como talheres, óculos, relógios, lápis, computadores e tantas outras coisas.
Retomemos o processo de aprendizado da fala? Quando uma criança aprende a falar, ela aprende a usar as palavras que correspondem a seres vivos e objetos com precisão e perfeição?
Por exemplo, em nossa cultura, é comum que tenhamos animais de estimação, como cachorros ou gatos, mas, sobretudo, cachorros. Em geral, os bebês que começam a se comunicar pela fala costumam utilizar a expressão “au-au” para se referir aos cachorros.
É muito comum que ela utilize a mesma expressão para se referir a qualquer outro animal, como gatos, elefantes, ursos, dentre outros. Não são os adultos que interferem nesses casos, dizendo, por exemplo: “Não, esse bicho não se chama au-au, o nome dele é urso”? Você conhece alguma criança que tenha se comunicado dessa forma?
Essa regra vale para outros aprendizados que as crianças constroem ao longo do seu desenvolvimento. Atividades como andar, correr, pular, comer com talheres, escrever e manipular lápis, pincéis e tantos outros instrumentos são habilidades que vão se desenvolvendo aos poucos.
Figura 8 – A importância do outro no desenvolvimento infantil
Quando afirmamos que uma criança consegue realizar quaisquer das atividades mencionadas anteriormente, estamos falando do que ela já sabe e já consegue fazer com autonomia, sem a ajuda de ninguém. A isso Vygotsky chamou de zona de desenvolvimento real.
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Para Vygotsky, é importante levar esses aspectos em consideração, mas do ponto de vista psicológico, é muito importante que estejamos atentos às atividades que as crianças só conseguem desempenhar com a ajuda de alguém mais experiente, o que corresponde ao que ele denominou zona de desenvolvimento potencial.
Esses dois conceitos nos auxiliam a pensar na importância do papel do outro no desenvolvimento humano. Como vimos no início deste livro-texto, se não fosse o contato com outros seres humanos, jamais desenvolveríamos certas características que nos são próprias, inclusive ao expressarmos emoções.
Os conceitos de zona de desenvolvimento real e potencial nos obriga a refletir ainda sobre os processos psicológicos que ocorrem “entre” ou na passagem de um nível de desenvolvimento para outro.
Para nomear esse processo, Vygotsky construiu o conceito de zona de desenvolvimento iminente. É comum que você encontre muitos textos que nomeiem esse conceito como zona de desenvolvimento proximal. Por questões de tradução, a tendência é que esse último termo caia em desuso. Essa explicação será retomada mais adiante.
A zona de desenvolvimento iminente diz respeito ao percurso trilhado pelo sujeito para aprender aquilo que ainda não sabe ou não consegue fazer. Trata-se, portanto, de um mecanismo psicológico em movimento e em contínua transformação, ou seja, diz respeito ao que uma pessoa não sabe ou não consegue fazer, mas que poderá saber ou fazer no futuro.
Isso significa que, quanto mais mediações ou interações sociais interferirem ou estimularem a zona de desenvolvimento iminente, haverá, qualitativamente, maior desenvolvimento. A noção de que o aprendizado “empurra” o desenvolvimento, que discutimos no início deste livro-texto, encontra fundamento no conceito de zona de desenvolvimento iminente desenvolvida por Vygotsky.
Esse conceito é importante para pensarmos na responsabilidade que assumimos na educação das novas gerações. Educar as crianças, em um sentido mais amplo, para além do conhecimento escolar, é assegurar a sobrevivência da nossa cultura, em toda a sua complexidade. Por isso, para o autor, um bom ensino é aquele que se antecipa ao desenvolvimento. Isso não significa que todas as intervenções educativas, sejam aquelas que aconteçam ou não na escola, devam ser diretivas, ou mecânicas.
Em tempos passados, as práticas escolares, por exemplo, eram diretivas e investiam na cópia ou na repetição de modelos. Ao contrário, Vygotsky critica fortemente esses modelos educativos.
Para ele, ainda que a imitação constitua a aprendizagem humana, sendo a forma mais elementar de aprendizado que o ser humano utiliza, não se trata da simples repetição de modelos e comportamentos já adotados e vividos pelo outro.
Ao contrário, toda imitação é uma recriação subjetiva e internalizada do que observei do comportamento e das ações do outro. Essa recriação é cultural, social e depende das capacidades de cada criança. Trata-se de uma recriação, pois, embora uma criança imite os adultos, ela cria algo novo a partir do que observou. Éum processo ativo e repleto de possibilidades de transformação das ações e dos costumes vividos pelos diferentes grupos sociais.
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Unidade I
A imitação é um mecanismo de aprendizagem bastante utilizado nas brincadeiras infantis, por exemplo. É muito comum que durante as brincadeiras, as crianças imitem os adultos. Em brincadeiras de casinha ou de escolinha, por exemplo, a imitação é muito frequente. Passemos, então, a uma discussão sobre a importância do brinquedo para Vygotsky.
Figura 9 — Crianças brincando
3.2 As relações entre o desenvolvimento e o brinquedo
O brinquedo tem uma relação estreita com o desenvolvimento humano, porém, antes de mostrar essa relação, convém expor o que é brinquedo na visão do pensador.
O termo “brinquedo”, na obra de Vygotsky, não diz respeito aos objetos com os quais uma criança pode brincar como uma boneca, um carrinho, um pião, uma pipa ou uma peteca. Brinquedo, em sua obra, diz respeito ao ato de brincar em si, mais especificamente, ao brincar de faz-de-conta.
Podemos dizer que o que o autor chama de brinquedo corresponde ao que Piaget chama de jogo simbólico.
Tomar um cabo de vassoura e fingir que ele é um cavalo, usar uma tampa de panela para simular o volante de um ônibus imaginário, fingir que uma panela é um chapéu, que uma toalha é capa de um superherói são exemplos do que Vygotsky denomina brinquedo.
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Figura 10 – Criança brincando de superherói
O ato de construir contextos de brincadeira, jogos e interações, personagens e objetos ou lugares imaginários é muito importante, pois imaginar impulsiona o desenvolvimento da capacidade de representar mentalmente objetos, situações e experiências.
O brinquedo, portanto, “empurra” o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, na concepção do autor. Os jogos e brincadeiras, além de estimularem a imaginação, fazem com que as crianças organizem seus pensamentos, recriando e internalizando regras (tanto do ponto de vista do desenvolvimento do pensamento lógico como das normas e costumes vigentes no seu contexto sociocultural).
Por exemplo, quando brincam de casinha, as crianças costumam imitar os papéis assumidos pelos adultos em um grupo familiar. Em geral, costumam determinar que uma criança é o pai, outra a mãe, outra a avó, outra o filho ou a filha, e assim por diante. Para isso, usam diversos artifícios, como usar roupas e sapatos dos adultos, comunicarem-se como eles, simular atividades e comportamentos que são típicos ou esperados dos adultos.
Na atividade de brincar, a criança se esforça para entender as atitudes dos adultos. Ao imitar os adultos, a criança pode agir de uma maneira mais complexa (ou mais avançada) do que seria esperado dela. Quando cuida de uma boneca como se fosse sua mãe, é preciso que ela construa e compreenda um conceito ou uma ideia do que é ser mãe, de como age uma mãe e do que é esperado de uma mãe em sua cultura.
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Unidade I
Figura 11 — Bebê brincando de boneca
O brinquedo impulsiona, portanto, a construção de zonas de desenvolvimento iminente no psiquismo infantil. O brincar é essencial e vital para o desenvolvimento das crianças. Assim, é fundamental que o brincar seja frequente e altamente estimulado nas mediações educativas praticadas pelos adultos, em diferentes contextos sociais e culturais, em que as crianças vivem, mas principalmente nos ambientes escolares, como você estudará adiante.
 (
Saiba
 
mais
Você
 
conhece
 
a
 
Declaração
 
Universal
 
dos
 
Direitos
 
da
 
Criança,
 
de
 
1959?
Você pode conhecê-la acessando o 
link
: DECLARAÇÃO Universal dos
 
Direitos das Crianças - Unicef. 1959. Disponível em: <http://www.dhnet.
 
org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex41.htm>.
 
Acesso
 
em:
 
27
 
jun.
 
2014.
Observe, principalmente, o que afirma o princípio VII, sobre a
 
importância do lazer e como ela se articula com as ideias defendidas
 
por
 
Vygotsky.
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PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA
4 VYGOTSKY E A EDUCAÇÃO
4.1 Sobre o ensino do sistema de escrita
Figura 12 — Letras e números
Enquanto produção sócio-histórica, a escrita pode ser considerada um sistema altamente tecnológico, desenvolvido e complexo de representação do pensamento humano. Para Vygotsky, a escrita é muito mais que um conjunto de associações mecânicas entre grafemas (letras) e fonemas (sons). Ao contrário, é produto da capacidade de representação simbólica dos pensamentos, que transforma sons em símbolos, cuja interação materializa as palavras que poderão ser lidas por outros.
Sendo assim, as tentativas de grafismo, como a imitação da escrita adulta, os desenhos, a “mistura” de desenhos, números e letras que compõem a escrita infantil é parte do processo de apropriação do sistema de escrita que, por sua vez, é mediada pelas experiências culturais vividas pelo sujeito.
Reconhecendo o sistema de escrita como um sistema altamente tecnológico e complexo de representação dos pensamentos humanos, Vygotsky critica o ensino pela repetição de sons e letras. Para ele, ao fazer isso, se nega à criança a compreensão do sentido da escrita e sua importância (2004).
É fundamental, a partir dos estudos de Vygotsky e Luria (um de seus colaboradores e amigos mais presentes em sua obra), entender as ideias construídas pelas crianças mesmo antes delas saberem ler e escrever convencionalmente, para que se consiga descobrir e desvendar os mistérios e as regras de funcionamento do sistema de escrita.
4.2 A aprendizagem como promotora do desenvolvimento
Conforme apresentamos no início deste livro-texto, o desenvolvimento humano é forjado, impulsionado pelas aprendizagens mediadas pela cultura da qual o sujeito faz parte. Isso indica o idioma
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Unidade I
que cada pessoa falará ou não; se ele escreverá da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita; se ele fará parte de uma comunidade monogâmica ou poligâmica. Tudo isso será constituído por meio da cultura do grupo a qual cada sujeito pertence.
Na obra de Vygotsky, a interação dialética entre desenvolvimento e aprendizagem é cuidadosamente tratada por ele. Embora reconheça a relevância da aprendizagem que ocorre na escola e sua função social, para o pensador, o desenvolvimento e a aprendizagem se iniciam muito antes de o sujeito frequentá-la. Isso não significa que a importância da escola seja minimizada. Ao contrário, a escola formal apresenta desafios que são cruciais para o desenvolvimento de uma criança.
Figura 13 — Escrita e escolarização
Por isso as relações entre aprendizagem e desenvolvimento são muito caras e importantes para os profissionais do campo da Psicologia e da Educação.
Vygotsky afirma que há pelo menos dois níveis de desenvolvimento que interagem, dialeticamente, no psiquismo humano, no que se refere à aprendizagem: o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial.
O nível de desenvolvimento real se refere aos conhecimentos já construídos pela criança, àquilo que ela já aprendeu e já domina (REGO, 2010). Diz respeito a tudo que a criança sabe e consegue realizar sem a ajuda de alguém mais experiente. Podemos entender, portanto, que esse nível se refere a tudo aquilo que está consolidado, estabelecido, do ponto de vista dos esquemas cognitivos e intelectuais de uma criança. Contudo é preciso que estejamos atentos àquilo que a criança está se esforçando em aprender ou se apropriar.
Tudo aquilo que a criança consegue fazer, mas que depende da ajuda de quem já sabe/conhece diz respeito ao nível de desenvolvimento potencial. A distância entre o que já está consolidado na psique da criança e aquilo que ela consegue fazer somente com ajuda é chamado de zona de desenvolvimento iminente (PRESTES, 2010). O termo “nível de desenvolvimento iminente” também é mencionado como zona de desenvolvimento proximal em muitos textos disponíveis em língua portuguesa.
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PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA
 (
Saiba
 
mais
Leia
 
a
 
obra
 
a
 
seguir:
PRESTES,
 
Z.
 
R.
 
Quando
 
não
 
é
 
quase
 
a
 
mesma
 
coisa
.
 
Análise
 
das
 
traduções

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