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58 Unidade II Unidade II 5 A OBRA DE WALLON EM SEU MOMENTO HISTÓRICO 5.1 Vida de Henri Wallon Henri Wallon nasceu em Paris, França, em 1879. Em sua formação recebeu forte influência de sua família, de tradição universitária, republicana e de atmosfera humanista. Sua maior referência foi seu avô. Ele foi um grande historiador, discípulo de Michelet e político de oposição ao Império. De acordo com Galvão (2013): “Seu avô foi deputado da Assembleia Constituinte, autor da emenda conhecida como ‘emenda Wallon’ que introduziu a palavra ‘república’ na Constituição de 1875”. Dessa forma, Wallon foi criado em um ambiente repleto de discussões sobre política e sobre a construção de uma sociedade justa e igualitária. Isso contribuiu para sua inclinação e preocupação sobre as causas sociais traduzida numa trajetória de compromisso ético e engajamento político. Observação Jules Michelet (1798‑1874) tornou‑se conhecido como o primeiro historiador a afirmar que não eram as grandes personalidades, e sim as massas, o único agente de transformação histórica. Figura 20 – Retrato de Wallon Disponível em: https://bit.ly/3a82pGA. Acesso em: 23 maio 2022. 59 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA De acordo com Galvão (2013): Foi uma vida marcada por intensa produção intelectual e ativa participação nos acontecimentos que marcaram sua época. Sua biografia nos apresenta o perfil de um homem que buscou integrar a atividade cientifica à ação social, numa atitude de coerência e engajamento. Formou‑se na Escola Normal Superior em 1902, ano em que iniciou na docência, como professor de Filosofia. Entre 1903 e 1908 estudou Medicina em Paris, e, ao final do curso, defendeu sua primeira tese sobre delírio de perseguição. Ao longo de sua formação e atuação profissional, suas áreas de interesse foram Filosofia, Medicina, Psiquiatria e Psicologia. Ainda de acordo com Galvão (2013): Como professor, discordava dos autoritários métodos empregados para controle disciplinar, bem como do patrulhamento clerical exercido sobre o ensino, o qual levava, segundo suas palavras, ao obscurantismo e à desconfiança. Em 1914 realizou pesquisas sobre psicopatologia, observou crianças de 2 a 15 anos internadas com profundas perturbações de comportamento (instabilidade, delinquência, perversidade) e estes estudos foram a base para posteriores investigações sobre o funcionamento psicológico humano. Ao mesmo tempo, Wallon viveu um momento histórico marcado por instabilidade social e turbulência política. Participou ativamente na Primeira Guerra Mundial (1914‑1918) como soldado, lutou e prestou atendimento médico aos soldados feridos. Durante esse período de guerra, como médico do exército francês, teve a oportunidade de cuidar de pessoas com distúrbios psiquiátricos e, ao lidar constantemente com ex‑combatentes portadores de lesões cerebrais, pôde rever seus estudos sobre lesões neurológicas em crianças deficientes. Com isso pôde observar relações entre lesões orgânicas (neurológicas) e seus efeitos sobre os processos psíquicos (MAHONEY, 2000). As crises sociais e as instabilidades políticas foram fundamentais para Wallon construir sua compreensão sobre o funcionamento psicológico humano, pois serviram de estímulo para que ele organizasse suas ideias. Isso explica, em parte, a visão marxista de sua obra e por que aderiu, no período anterior à Primeira Guerra, aos movimentos de esquerda e ao Partido Socialista. De acordo com Galvão (2013): É provável que, caso tivesse vivido numa época de menor instabilidade social, não tivesse tido a necessidade de ser tão claro nas suas posições, nem tampouco lhe tivesse ficado tão evidente a influencia fundamental que o meio social exerce sobre o desenvolvimento da pessoa humana, influência que, como veremos mais adiante, recebe lugar de destaque em sua teoria. 60 Unidade II Lembrete Karl Heinrich Marx (1818‑1883), intelectual e revolucionário alemão, foi o fundador da doutrina comunista moderna, conhecida como marxismo. Figura 21 – Retrato de Karl Heinrich Marx Fonte: Feracine (2012, capa). Observação O pensamento de Wallon alinhava‑se aos intelectuais e políticos de esquerda, manifestando simpatia pelos regimes socialistas. Paralelamente às atividades de médico e psiquiatra, Wallon demonstrou grande interesse pela Psicologia da Criança, e isso, aliado aos seus conhecimentos no campo da neurologia e da psicopatologia, terá importante papel na constituição de sua teoria psicológica. Em 1925, fundou o Laboratório de Psicobiologia da Criança, destinado à pesquisa e ao atendimento clínico de crianças deficientes. Este laboratório ficava localizado perto de uma escola na periferia, o que permitia ter acesso ao contexto social da criança. A proximidade da escola não foi somente uma adaptação a limitações circunstanciais, mas um recurso para ter acesso à criança contextualizada, isto é, inserida no seu meio. Essa proximidade possibilitou ainda, ao psicólogo, contato com as questões da educação (GALVÃO, 2013). 61 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA No mesmo ano, Wallon publicou sua tese de doutorado: A Criança Turbulenta. Inicia‑se um período de intensa produção científica com livros voltados para a Psicologia da Criança. De acordo com Mahoney (2000): Wallon considerava o comportamento patológico como o laboratório natural para os estudos da psicologia, pois nessas circunstâncias é possível observar os fenômenos se transformando mais lentamente e, assim, permitindo observações mais precisas. Em 1929, Wallon realizou conferências sobre a Psicologia da Criança como professor na Universidade de Sorbonne e em outras instituições de ensino superior. Atuou como médico em instituições psiquiátricas e, nesse período, consolidou seu interesse pela Psicologia da Criança. Em 1931, viajou para Moscou e foi convidado a integrar o Círculo da Rússia Nova, grupo formado por intelectuais que se reuniam com o objetivo de aprofundar o estudo sobre o materialismo dialético e examinar as possibilidades oferecidas por este referencial aos vários campos da ciência. Neste grupo, o marxismo que se discutia não era o sistema de governo, mas a corrente filosófica. De 1939 a 1945, período marcado pela Segunda Guerra Mundial, a França foi ocupada pelos alemães e Wallon participou do movimento de Resistência Francesa contra os invasores; foi perseguido pela Gestapo (polícia nazista); viveu clandestinamente; e teve que interromper suas atividades acadêmicas. No entanto, não interrompeu suas atividades científicas, dando continuidade à pesquisa em seu laboratório e, nessa época, escreveu e publicou o livro Do Ato ao Pensamento. Nesse período também viveu e combateu o avanço do fascismo, as revoluções socialistas e as guerras pela libertação das colônias na África. Foi deputado na Assembleia Constituinte de Paris, em 1946. Sua participação ativa nesse momento histórico “reforçou ainda mais a sua crença na necessidade da escola assumir valores de solidariedade, justiça social, antirracismo como condições para a reconstrução de uma sociedade justa” (MAHONEY, 2000). Em 1948, Wallon cria e lança a Revista Enfance, periódico que ainda hoje é utilizado como fonte de pesquisa por estudiosos na área da Psicologia do Desenvolvimento. Entre 1937 e 1962, lecionou Psicologia e Educação no Colégio de França (berço da Psicologia francesa) e integrou a Sociedade Francesa de Pedagogia. Além disso, no período de 1944 a 1946, participou, em Paris, da Comissão do Ministério da Educação Nacional para reformulação do sistema de ensino francês. Considerava uma relação recíproca entre Psicologia e Educação e criticou o ensino tradicional, participando do Movimento da Escola Nova. No período entre 1946 e 1962, tornou‑se vice‑presidente do Grupo Francês da Educação Nova, instituição que ajudou a revolucionar o sistema de ensino daquele país e da qual foi presidente de 1946 até sua morte. Sua experiência e interesse voltados à área pedagógica fizeram com que elaborasse juntamentecom o físico Paul Langevin, e um grupo de educadores, um projeto para a Reforma do Sistema do Ensino Francês, o “Projeto Langevin‑Wallon”, uma série de propostas similares à nossa Lei de Diretrizes e Bases (LDB). 62 Unidade II Nesse projeto são discutidas questões para uma mudança profunda no ensino francês, visando ao fim da seletividade perversa do sistema. A justiça social era um dos pilares que sustentavam as ideias desse plano, que carregava implicitamente grande parte da teoria construída por Wallon ao longo de sua vida profissional e acadêmica. Uma das propostas do projeto, por exemplo, é de que nenhum aluno deve ser reprovado numa avaliação escolar. Nas palavras de Galvão (2013): [...] o plano representa a esperança em uma educação mais justa para uma sociedade mais justa. A reforma proposta (que não chegou a ser implantada) deveria operar‑se no sentido de adequar o sistema às necessidades de uma sociedade democrática e às possibilidades e características psicológicas do indivíduo, favorecendo o máximo desenvolvimento das aptidões individuais e a formação do cidadão. Lembrete Wallon criticou o ensino tradicional e participou do Movimento da Escola Nova no inicio do século XX. Afirmou: “Reprovar é sinônimo de expulsar, negar, excluir. É a própria negação do ensino” (WALLON, 2007). Ao longo de toda a vida, Wallon dedicou‑se a conhecer a infância e o funcionamento psicológico da criança para, com isso, entender os distúrbios do desenvolvimento. De acordo com seus pressupostos, o meio exerce influência fundamental sobre o desenvolvimento da pessoa humana, considerado o alimento cultural. Morreu em Paris, França, em 1962, aos 83 anos. Observação “É a cultura e a linguagem que fornecem ao pensamento os instrumentos para sua evolução” (WALLON, 2007). Depois que você conheceu os aspectos importantes da vida de Wallon e como estes fatos orientaram sua compreensão sobre o desenvolvimento psicológico, apresentamos a seguir, de maneira esquemática, estas informações para facilitar seus estudos. Vida e obra de Henri Wallon • 1879 – nasceu em Paris, França. • 1902 – formou‑se em Filosofia aos 23 anos pela Escola Normal Superior. 63 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA • 1903‑1908 – estudou Medicina em Paris. • 1914 – realizou pesquisas sobre psicopatologia, sendo estes estudos a base para posteriores investigações sobre o funcionamento psicológico humano. • 1914‑1918 – atuou como médico do exército francês na Primeira Guerra Mundial; permaneceu vários meses na frente de combate, ajudando a cuidar de pessoas com distúrbios psiquiátricos, o que permitiu observar a relação entre as lesões neurológicas e seus reflexos nos processos psíquicos. • 1925 – fundou o Laboratório de Psicobiologia da Criança, destinado à pesquisa e ao atendimento de crianças deficientes. Publica sua tese de doutorado A Criança Turbulenta. • 1929 – ministrou conferências sobre a Psicologia da Criança como professor na Universidade de Sorbonne e em outras instituições de ensino superior. • 1931 – atuou como médico em instituições psiquiátricas e, nesse período, consolidou seu interesse pela Psicologia da Criança. Viaja para Moscou e é convidado para integrar o Círculo da Rússia Nova. • 1935 – viajou para o Brasil. • 1937 a 1949 – leciona Psicologia e Educação no Colégio de França (berço da Psicologia francesa). Integrou a Sociedade Francesa de Pedagogia (1937 a 1962). • 1939‑1945 – participou, na Segunda Guerra Mundial, do movimento de Resistência Francesa contra os alemães; foi perseguido pela Gestapo (polícia nazista), viveu clandestinamente e escreveu o livro Origens do Pensamento na Criança. • 1944 a 1946 – integra a Comissão do Ministério da Educação Nacional para reformulação do sistema de ensino francês. Torna‑se vice‑presidente do Grupo Francês de Educação Nova (1946 a 1962), instituição que ajudou a revolucionar o sistema de ensino daquele país e da qual foi presidente de 1946 até sua morte. • 1947 – participa do Projeto Langevin‑Wallon, projeto de reformulação do sistema de ensino francês, que nunca foi implementado. • 1948 – lançou a Revista Enfance, periódico que ainda hoje é utilizado como fonte de pesquisa por estudiosos na área da Psicologia do Desenvolvimento. • 1962 – Morre em Paris, França, aos 83 anos. 64 Unidade II Exemplo de aplicação Em relação à vida de Henri Wallon, leia as afirmativas a seguir e responda à questão: I. Importante pensador alemão, sua teoria revolucionou a maneira de compreender o desenvolvimento infantil, porque compreendia que os processos cognitivos são essenciais na formação do eu como pessoa. II. Formado em Medicina, Psicologia e Filosofia, participou da Primeira Guerra Mundial como médico, cuidando das lesões dos soldados em combate. Durante a Segunda Guerra Mundial participou de forças de resistência contra o nazismo; foi perseguido pela Gestapo e desenvolveu suas atividades científicas na clandestinidade. III. Como educador, defendeu o método de controle disciplinar no ensino, como maneira de lidar com as questões afetivas dos alunos. Estudou crianças em laboratório, diferenciando as normas das anormais, enfatizando que a anormalidade é responsável pela inadaptação do aluno ao ensino, resultando em sua tese de doutorado A Criança Turbulenta. IV. Militante de esquerda, identificava‑se com as ideias marxistas, buscando a transformação do ensino francês através do Projeto Langevin‑Wallon, que propunha o desenvolvimento das habilidades individuais conjuntamente à formação do cidadão. V. A Revista Enfance, lançada em 1948, foi um importante veículo de comunicação das ideias de Wallon com professores e pesquisadores da época. Nela, propunha novas ideias para a Educação como estudos sobre Biologia, formação do professor, interação das crianças na escola, adaptação escolar, ideias compartilhadas por membros do Grupo Francês de Educação Nova, que presidiu de 1946 a 1962. Assinale a alternativa correta: A) Apenas I e II são verdadeiras. B) Apenas II, III e IV são verdadeiras. C) Apenas I, III e V são verdadeiras. D) Apenas II, IV e V são verdadeiras. E) Apenas I, II e III são verdadeiras. A alternativa correta é a D. Formado em Medicina, Psicologia e Filosofia, participou da Primeira Guerra Mundial como médico, cuidando das lesões dos soldados em combate. Durante a Segunda Guerra Mundial participou de forças de resistência contra o nazismo; foi perseguido pela Gestapo e desenvolveu suas atividades científicas na clandestinidade. Militante de esquerda, identificava‑se com as ideias marxistas, buscando a 65 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA transformação do ensino francês através do Projeto Langevin‑Wallon, que propunha o desenvolvimento das habilidades individuais conjuntamente à formação do cidadão. A Revista Enfance, lançada em 1948, foi um importante veículo de comunicação das ideias de Wallon com professores e pesquisadores da época. Nela, propunha novas ideias para a Educação como estudos sobre Biologia, formação do professor, interação das crianças na escola, adaptação escolar, ideias compartilhadas por membros do Grupo Francês de Educação Nova, que presidiu de 1946 a 1962. Wallon foi um importante pensador francês (e não alemão); sua teoria revolucionou a maneira de compreender o desenvolvimento infantil, porque compreendia que os processos afetivos, cognitivos e motores (e não apenas cognitivos) são essenciais na formação do eu como pessoa. Como educador, defendeu o método dialético (e não de controle disciplinar) no ensino como maneira de lidar com as questões afetivas dos alunos. Estudou crianças em laboratório, diferenciando as normas das anormais, enfatizando que a anormalidade é uma das referências para estudar o desenvolvimento infantil (e não como sendo responsável pela inadaptação do aluno ao ensino, resultando em sua tese de doutorado A Criança Turbulenta). 5.2 Obra de Henri Wallon A obra de Wallon, sob a forma de livro, não é numerosa, mas suaprodução é densa e de difícil compreensão. Listamos a seguir, de forma cronológica, algumas de suas obras mais significativas, fazendo um breve comentário sobre cada uma delas e, para isso, utilizamos como referência a listagem apresentada por Galvão (2013). Ao longo do nosso curso, alguns dos diversos temas aqui listados serão mais desenvolvidos. • 1923 – Delírios de Perseguição (Délire de Persecution): esta publicação apresenta a tese na qual Wallon conclui o curso de Medicina, em que descreve a origem biológica de vários tipos de delírio, com base nos primeiros indícios do materialismo dialético. • 1925 – A Criança Turbulenta (L’Enfant Turbulent): apresenta sua tese de doutorado e a base de sua concepção psicogenética do desenvolvimento, com os fundamentos de sua metodologia genético‑comparativa. Na primeira parte, apresenta os estágios do desenvolvimento infantil e, na segunda parte, descreve síndromes psicomotoras na interface entre os fatores orgânicos (deficiências neurológicas) e os fatores sociais (interações com o meio). • 1941 – Evolução Psicológica da Criança (L’Évolution Psychologique de l’Enfant): apresenta uma síntese dos aspectos centrais da psicogenética walloniana, não pela estrutura cronológica, mas pelos vários campos da atividade infantil. • 1942 – Do Ato ao Pensamento (De l’Acte à la Pensée): este livro foi escrito por Wallon no período em que trabalhava na Resistência Francesa e vivia na clandestinidade. Apresenta seu pensamento interdisciplinar, fazendo uso de dados da Antropologia e da Psicologia Animal. Demonstra as raízes sensório‑motoras da função intelectual, indicando que entre o ato motor e o ato mental há uma complexa relação de interdependência e de conflito. 66 Unidade II • 1945 – Origens do Pensamento na Criança (Origenes de la Pensée de l’Enfant): essa publicação reúne o conteúdo dos cursos ministrados por Wallon no Colégio de França, em que apresenta os diálogos realizados com crianças de 6 a 9 anos que frequentaram o Laboratório de Psicobiologia da Criança. Realiza análise do pensamento infantil, suas características e processos na compreensão da realidade; mostra como o desenvolvimento da inteligência depende da linguagem e do meio social. Saiba mais A teoria de Wallon vem sendo utilizada como referencial teórico em muitas pesquisas na interface Psicologia e Educação. Indicamos os sites a seguir como fonte de pesquisa para aprofundamento dos seus estudos. Divirta‑se! Disponível em: http://www.bvs.br. Acesso em: 23 maio 2022. Disponível em: http://www.bvs‑psi.org.br. Acesso em: 23 maio 2022. Disponível em: http://www.pol.org.br. Acesso em: 23 maio 2022. Disponível em: http://www.portaldapesquisa.com.br. Acesso em: 23 maio 2022. Disponível em: http://portal.revistas.bvs.br. Acesso em: 23 maio 2022. Disponível em: http://portalteses.cict.fiocruz.br/index.php. Acesso em: 23 maio 2022. Disponível em: http://www.scielo.org. Acesso em: 23 maio 2022. Disponível em: http://www.teses.usp.br/. Acesso em: 23 maio 2022. Disponível em: http://www.unifesp.br/dis/bibliotecas. Acesso em: 23 maio 2022. Disponível em: https://bit.ly/3GhkSg3. Acesso em: 23 maio 2022. Disponível em: http://www.usp.br/sibi. Acesso em: 23 maio 2022. 67 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA 6 O PENSAMENTO DE WALLON 6.1 Concepção epistemológica do conhecimento Wallon, da mesma forma que Vygotsky, foi adepto da corrente epistemológica materialista histórica e dialética. Parte do princípio de que é no início da vida que a história de um sujeito começa a se constituir, por isso, constrói uma teoria psicogenética para compreender o psiquismo humano. Nesse sentido, para que haja compreensão sobre o comportamento de uma pessoa, deve‑se investigar a sua gênese. Afirma que, do nascimento à idade adulta, o desenvolvimento dos processos psicológicos recebe influência direta do ambiente sócio‑histórico no qual o sujeito está inserido. Observação Wallon apresenta uma concepção de desenvolvimento psicológico muito semelhante às ideias de Vygotsky, isso porque, talvez, ambos viveram em contextos sócio‑históricos de muita turbulência. Para fundamentar suas concepções, Wallon busca dialogar com as principais correntes do pensamento filosófico ocidental, opondo‑se às concepções reducionistas (inatismo, empirismo, interacionismo) que, segundo ele, limitam a compreensão do psiquismo humano. Após vigorosas críticas a estas concepções, opta pelo materialismo dialético, para fundamentar sua compreensão sobre o funcionamento psicológico humano. Afirma que existe uma fronteira tênue entre os fatores de natureza orgânica e os de natureza social e, entre ambos, há complexa relação de determinação recíproca. Em função disso o homem é determinado fisiológica e socialmente sujeito, portanto a uma dupla história, a de suas disposições internas e a das situações exteriores que encontra ao longo de sua existência. No excerto a seguir, temos uma boa explicação sobre isso. Faça a leitura do texto para melhor compreender este pressuposto epistemológico e a teoria de Wallon. Segundo nosso autor, o materialismo dialético, ao coordenar pontos de vista apresentados sob forma exclusiva e absoluta pelas diferentes doutrinas filosóficas, é a única abordagem que permite a superação das antinomias que entravam a objetiva compreensão da realidade. Buscando a compreensão dos fenômenos a partir dos vários conjuntos dos quais participa e admitindo a contradição como constitutiva do sujeito e do objeto, este referencial apresenta‑se como particularmente fecundo para o estudo de uma realidade híbrida, como é a da psicologia. A existência do homem, ser indissociavelmente biológico e social, se dá entre as exigências do organismo e as da sociedade, entre os mundos contraditórios da matéria viva e da consciência. O estudo do psiquismo não deve, portanto, desconsiderar nenhum 68 Unidade II desses fatores nem tampouco tratá‑los como termos independentes; deve ser situado entre o campo das ciências naturais e sociais. Para constituir‑se como ciência, a psicologia precisa dar um passo decisivo no sentido de unir o espírito e a matéria, o orgânico e o psíquico. Para Wallon, o estudo dessa realidade movediça e contraditória, que é o homem e seu psiquismo, beneficia‑se enormemente do recurso ao materialismo dialético, perspectiva filosófica especialmente capaz de captar a realidade em suas permanentes mudanças e transformações. Devido à adequação às características do seu objeto, Wallon adota o materialismo dialético como método de análise e fundamento epistemológico de sua teoria psicológica, uma Psicologia Genética. Fonte: Galvão (2013, p. 30). A partir da leitura deste excerto, podemos compreender que, para Wallon, é no encontro do orgânico com o social que os sujeitos se desenvolvem. Isso significa que, por um lado, existem os aspectos biologicamente determinantes, que são de natureza orgânica, genética, que herdamos no nascimento, e, por outro lado, existem os fatores do meio, do contexto em que vivemos, que nos impõem uma série de desafios e nos obrigam a nos desenvolver para uma adaptação. Você pode se perguntar: “Mas esta não é a premissa na qual Jean Piaget (1896‑1980) estrutura sua compreensão sobre o funcionamento psicológico humano?”. Sim, você está correto, mas, tanto para Wallon como para Vygotsky, a constituição humana não depende somente da natureza orgânica e dos fatores do meio para seu funcionamento, e sim, dos acontecimentos históricos que vão surgindo diariamente em nossa vida, modificando e determinando nossa relação conosco mesmo e com o ambiente social no qual estamos inseridos. Portanto, de acordo com o materialismo histórico e dialético, o homem transforma o mundo em que habita e é transformado pelas condições que ele mesmo produz. Com isso, na teoria walloniana não há como compreender o ser humano longe de suas condições sociais de existência. Essas condições são fatores que implicam diretamente no ritmo de seu desenvolvimento.A relação organismo‑meio constitui‑se em um par indissociável e complementar, onde as disposições genéticas são potenciais que somente irão desenvolver‑se se encontrarem possibilidades no meio em que habitam. Lembrete As escolas do ensino básico brasileiro têm recebido, em sua ação pedagógica, influência da concepção epistemológica materialismo dialético, especialmente denominado, neste contexto, de sociointeracionismo. 69 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Para Wallon, portanto, para compreender e estudar o desenvolvimento humano, é fundamental levarmos em consideração o contexto sócio‑histórico no qual o sujeito está inserido. O contexto pode propiciar o aparecimento ou não de formas de ações que modificam e são modificadas dialeticamente, como via de mão dupla, pelas condições que o meio oferece. Observação De acordo com Wallon, a Psicologia, para ser considerada ciência, precisa dar um passo decisivo no sentido de unir o espírito e a matéria, o organismo e o psíquico. Assim, o desenvolvimento se dá pela união entre o orgânico e o social. Por exemplo, digamos que o sujeito tenha nascido com um potencial genético para ser um grande artista plástico, como Claude Monet (1840‑1926) ou como Pablo Picasso (1881‑1973). No entanto, se o contexto social e histórico não lhe oportunizar condições para isso, esse sujeito nunca desenvolverá essa capacidade artística. Nesse sentido, o ser humano é geneticamente social e está inserido em um meio constituído por três tipos: • meio físico‑químico – oferece as condições do ambiente, como oxigênio, água etc.; • meio biológico – se sobrepõe ao físico‑químico e diz respeito à interrelação que nós, humanos, temos com outras espécies vivas (os micro‑organismos, os vegetais e os animais de todas as espécies); • meio social – reúne‑se aos outros dois para também estabelecer condições de existência coletivas, mas muito mais variadas. Wallon afirma que essas condições do meio social são mais móveis e frequentemente transitórias onde podem se destacar diferenciações individuais. Além dos meios que determinam as condições de interação do indivíduo, existem também os grupos que são indispensáveis à criança, não apenas para a sua aprendizagem social, como também para o desenvolvimento da personalidade e da consciência. Um exemplo disso é o papel do grupo no período da adolescência, onde o sentimento de pertencimento a um grupo possibilita o desenvolvimento psíquico e social do sujeito, a passagem da infância para a vida adulta. Observação Wallon afirma que o grupo tem papel importante no desenvolvimento psicológico do sujeito humano, uma vez que é o veículo ou iniciador de práticas sociais. 70 Unidade II Ainda em relação às concepções metodológicas que respaldam os estudos de Wallon, sua teoria está alicerçada na perspectiva genética e na análise comparativa, por isso, para compreensão do desenvolvimento infantil, recorre à Psicologia Genética e a outros campos do conhecimento, como Neurologia, Psicopatologia, Antropologia e Psicologia Animal. Não obstante foi intensa a sua interlocução no campo da Psicologia da Criança com autores como Stern, Preyer, C. Buhler, Guillaume, Freud e Piaget. Observação Foi intensa a interlocução de Wallon com as teorias de Piaget e Freud, um diálogo com tom de polêmica, de interesse e de reserva. Nas palavras de Galvão (2013): Concordes quanto à utilidade da análise genética para a compreensão dos processos psíquicos, utilizavam‑se para projetos teóricos distintos: Wallon pretendia realizar uma psicogênese da pessoa e Piaget uma psicogênese da inteligência. Nesta perspectiva e com os recursos do materialismo dialético, Wallon elaborou seu próprio método de investigação: a análise genética comparativa multidimensional. Neste método propõe realizar uma série de comparações para melhor compreender o processo de desenvolvimento psicológico: comparações entre crianças normais e patológicas, crianças com adultos, adultos de hoje com civilizações primitivas etc. Com essas comparações, pode‑se analisar os fenômenos em suas determinações orgânicas, neurofisiológicas e sociais. Ainda em relação aos procedimentos metodológicos, o autor utiliza a observação como recurso para ter acesso à criança, instrumento privilegiado da Psicologia Genética, no entanto, adverte para que a observação seja totalmente objetiva, um decalque exato da realidade, devendo o pesquisador subjulgar qualquer manifestação subjetiva. A seguir apresentamos uma parte do texto, em que o materialismo dialético e suas concepções epistemológicas são novamente referenciados, como proposta de exercício de reflexão para melhor compreensão da teoria desse grande autor. Propomos que você faça uma leitura atenta desse excerto sobre os argumentos de Wallon a respeito desta concepção epistemológica e, com isso, concluímos este tópico. Boa leitura! Psicologia e materialismo dialético A Psicologia é uma ciência? Esta pergunta foi colocada frequentemente pelos teóricos burgueses. Ela tem dois possíveis significados: a Psicologia tem um objeto correspondente no mundo real? O objeto da Psicologia é compatível com o determinismo científico? 71 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Auguste Comte, o pai do positivismo, respondeu à primeira pergunta negativamente. Para ele o indivíduo não era mais que um ser biológico cujo estudo era de propriedade da Fisiologia, e um ser social, explicável coletivamente pela Sociologia – dois determinismos nos quais a pessoa humana é reduzida a nada. A segunda resposta é aquela de Bergson e seus adeptos e, em nossos dias, dos existencialistas. A ciência, eles sustentam, é uma coleção de construtos que bem pode ter certa utilidade prática, mas que distorce, adultera, e perverte a realidade. A realidade é o imediatamente experimentado, ou vivido, por cada pessoa; a percepção, nos revelando a nós mesmos, também revela o mundo a nós. O universo que nós nos imaginamos capazes de reconstruir com base nesta percepção não seria mais que uma coleção de sistemas arbitrários que sufocam nossa espontaneidade. Deste modo, nós somos alienados de nossa liberdade. A única verdade é aquela que expressa a essência de nosso ser – quer dizer, a perpétua, imprevisível, única, e incomparável recorrência de impressões, sentimentos, ou imagens que aparecem em uma sucessão interminável em nossa consciência. Como esta sucessão engana qualquer forma de determinismo, o irracional se torna a fundação mesma da existência. Em nome da liberdade absoluta, cada pessoa é abandonada ao destino‑ um destino ligado, bem entendido, ao ser particular de cada um, mas nem por isso menos inevitável. Esta posição também insinua um tipo de participação passiva na existência das coisas que emanam da nossa própria existência‑ um tipo de responsabilidade desamparada e terrível por tudo aquilo poderia ser o resultado de nossas ações sob as quais nós não temos nenhum controle definitivo. Estas consequências desesperadoras do existencialismo foram desenvolvidas particularmente pelo escritor francês Sartre. Elas são uma indicação da autonegação do declínio da classe burguesa e evidência de sua decadência final. A autonegação é relacionada a ideias de grandeza: na patologia da mente, entram sempre de mãos dadas ideias de negação pessoal e grandeza pessoal. A característica comum à concepção positivista e à existencialista é a noção da ineficácia do indivíduo, esmagado debaixo das necessidades duais da ordem natural e da ordem social, dotado de certa grandeza com respeito ao universo, mas sem poder mudá‑lo. Embora o indivíduo o contenha e o contemple, ele também é governado por este universo e não pode intervir sobre ele como uma força ativa dentre todas as outras forças das quais o universo está composto. As pretensões do individualismo burguês se afundam assim finalmente em uma impotência absoluta. [...] Foi a dialética que forneceu à Psicologia sua estabilidade e seu significado, e que a libertou de terde optar entre o materialismo elementar ou o idealismo choco, o substancialismo cru ou o irracionalismo desesperado. Com o auxílio da dialética a Psicologia pode ser simultaneamente uma ciência natural e uma ciência humana, abolindo a divisão entre a consciência e as coisas que o espiritualismo buscou impor ao universo. A Dialética Marxista permitiu à Psicologia compreender o organismo e seu ambiente em interação constante, como uma totalidade unificada. E finalmente, na Dialética Marxista, a Psicologia 72 Unidade II encontra uma ferramenta para explicar os conflitos nos quais o indivíduo tem que evoluir seu comportamento e desenvolver sua personalidade. A Psicologia de forma alguma está sozinha nesse respeito. O Materialismo Dialético é pertinente a todo domínio de conhecimento, como também a todo domínio de ação. Mas a Psicologia, a fonte principal das ilusões antropomórficas e metafísicas, deve mais que qualquer outra ciência, encontrar no materialismo dialético sua base e princípios‑guia. Fonte: Wallon (2004). 6.2 Dinâmica do desenvolvimento infantil Como Wallon apresenta o desenvolvimento psicológico na criança? Qual sua compreensão sobre o funcionamento psíquico e sua relação com o meio? A teoria walloniana considera tanto as condições orgânicas como as condições sociais determinantes na constituição psicológica. O sujeito humano mergulhado em um contexto sócio‑histórico (determinada época, determinada cultura) irá desenvolver‑se em estágios, sendo que “a existência individual e a estrutura orgânica e fisiológica estão enquadradas na existência social de sua época” (MAHONEY, 2000). Lembrete Para Wallon, é a cultura e a linguagem que fornecem ao pensamento os instrumentos para sua evolução. Para a construção de seu método de análise, Wallon utilizou como perspectiva a Psicologia Genética, uma vez que considera esse procedimento o mais adequado para compreender o funcionamento psicológico humano. A Psicologia Genética estuda as origens, a gênese dos processos psíquicos, constitui‑se no método de uma Psicologia geral, concebida como conhecimento sobre o adulto por meio do estudo da criança. Em seus estudos, recusou‑se a priorizar apenas uma dimensão do desenvolvimento e isolá‑la do conjunto, por isso propôs o estudo integrado do desenvolvimento e que este abarcasse os vários campos funcionais nos quais ocorre a atividade infantil, quais sejam: afetividade, inteligência e motricidade. Dessa forma, compreende o desenvolvimento do homem como geneticamente social, um processo individual em relação direta com o meio. Por isso a teoria de Wallon é chamada de Psicogênese da Pessoa Completa. 73 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Figura 22 – Crianças Disponível em: https://bit.ly/3LAHNUw. Acesso em: 23 maio 2022. O desenvolvimento psicológico walloniano, portanto, é dividido em estágios (não rígidos, mas contínuos, marcados por rupturas, retrocessos e reviravoltas) inicialmente biológicos, depois sociais. Não é possível definir um limite terminal para o desenvolvimento da inteligência, pois isso depende das condições oferecidas pelo meio. Estágios do desenvolvimento segundo Wallon • impulsivo‑emocional (0 a 1 ano); • sensório‑motor e projetivo (1 a 3 anos); • personalismo (3 a 6 anos); • categorial (6 a 11 anos); • puberdade e adolescência (11 anos em diante). Observação As idades que foram propostas por Wallon dizem respeito às crianças de sua época e precisam ser revistas para nossa cultura nos dias atuais. Por isso devem ser consideradas como referencias relativas e variáveis. Embora o desenvolvimento seja apresentado em uma sequência de etapas, não há uma linearidade na evolutiva infantil. Em uma perspectiva walloniana, o processo é dinâmico, ocorrem idas e vindas, 74 Unidade II como foi mencionado anteriormente, repleto de rupturas, retrocessos e reviravoltas. Os fatores orgânicos (biológicos) determinam a sequência fixa dos estágios do desenvolvimento, que se tornam flexíveis pela influência dos fatores sociais. Por isso, mais uma vez, retomamos uma afirmação walloniana: o alimento cultural do desenvolvimento é a linguagem e o conhecimento. Em outras palavras, a gênese da inteligência para Wallon é genética e organicamente social. Nesse sentido, a Teoria do Desenvolvimento Cognitivo, como foi dito anteriormente, é centrada na psicogênese da pessoa completa, onde, em cada estágio, temos uma pessoa inteira, completa e em transformação constante, a partir das dimensões afetiva, cognitiva e motora. Lembrete Wallon foi o primeiro a levar não só o corpo da criança, mas suas emoções para dentro da sala de aula. Vale ressaltar que durante o processo de desenvolvimento psicológico, os três campos funcionais nos quais ocorre a atividade infantil estarão presentes. Por isso a constituição psíquica do sujeito será a partir das atividades concomitantes da dimensão emocional (afetividade), dimensão cognitiva (inteligência) e dimensão motora (movimento), determinados também pelos fatores orgânicos e sociais. No entanto, em cada fase do desenvolvimento, há sempre a predominância funcional de uma dimensão do desenvolvimento, sendo que no final do processo se espera uma integração funcional. Da mesma forma, como foi dito antes, o desenvolvimento infantil não é linear, mas pontuado por crises ou conflitos chamados fatores dinamogênicos, que podem ser de natureza endógena/interna (maturação nervosa) e de natureza exógena/externa (cultural). A toda essa dinâmica do desenvolvimento psicológico, Wallon chamou de Lei de Alternância Funcional: ora a predominância funcional é afetiva, ora cognitiva; ora o conflito é interno, ora é externo, tudo isso constituindo‑se num motor propulsor ao desenvolvimento. A seguir fazemos um destaque destes conceitos para que você possa melhor identificá‑los e reconhecê‑los em cada fase do desenvolvimento proposto por Wallon. Leis reguladoras do desenvolvimento segundo Wallon: • Lei da Alternância Funcional: alternância de direções opostas em cada estágio: o movimento predominante ou é para dentro, para conhecimento de si (impulsivo, emocional, personalismo, puberdade, adolescência) ou é para fora, para conhecimento do mundo exterior (sensório‑motor, projetivo e categorial). Para ilustrar, no primeiro estágio de desenvolvimento descrito por Wallon, o impulsivo‑emocional, o sujeito se volta a maior parte do tempo para si próprio, suas sensações vivenciadas em vários momentos dessa fase. Quando passa para o estágio seguinte, o sensório‑motor e projetivo, o sujeito se volta para conhecer as coisas exteriores a ele, como os objetos, as pessoas, as cores, as formas, os sons etc. 75 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA • Lei de Sucessão de Predominância Funcional: alternância na predominância de conjuntos diferentes a cada estágio: a configuração das relações entre eles mostra que o mais funcional ou é afetivo (impulsivo, emocional, personalismo, puberdade, adolescência) ou é cognitivo (sensório‑motor, projetivo e categorial), sendo que o motor nunca será predominante, dependerá do afetivo e cognitivo para se desenvolver. Cada um deles predomina em um estágio e se nutre mutuamente. O exercício e o amadurecimento de um interferem no amadurecimento dos outros. • Fatores Dinamogênicos: quando o movimento predominante é para dentro, para conhecimento de si mesmo, a predominância funcional é afetiva (impulsivo, emocional, personalismo, puberdade, adolescência), o conflito é de ordem centrípeta (para dentro, endógeno) – quando resultantes dos desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior, estruturado pelos adultos e pela cultura. Quando o movimento predominante é para fora, para conhecimento do mundo exterior, a predominância funcional é cognitiva (sensório‑motor, projetivo e categorial), o conflito é de ordem centrífuga (para fora, exógeno) – quando gerado pelos efeitos da maturação nervosa. O motor é suporte do afetivo e do cognitivo em sua expressão exterior (deslocamentosno espaço) e em sua expressão plástica (forma do corpo mediante o tônus). • Lei da Integração Funcional: existe uma relação hierarquizada entre os estágios do desenvolvimento: no início, estágios mais simples que vão sendo integrados aos estágios mais complexos seguintes, conforme as relações do sujeito com o meio e as possibilidades de seu sistema nervoso central. Por isso, no final do desenvolvimento, ocorre a integração funcional, ou seja, a integração das dimensões motora‑afetiva‑cognitiva na estruturação e funcionamento psicológico do sujeito. O quadro a seguir apresenta uma síntese sobre o desenvolvimento segundo Wallon: Quadro 2 – Psicogênese da pessoa completa Estágios do desenvolvimento/idade Fatores dinamogênicos Predominância funcional/campos funcionais Impulsivo‑emocional (0‑1) Endógeno Afetivo Personalismo (3‑6) Endógeno Afetivo Puberdade e adolescência (11‑15) Endógeno Afetivo Sensório‑motor e projetivo (1‑3) Exógeno Cognitivo Categorial (6‑11) Exógeno Cognitivo Exemplo de aplicação Leia com atenção a situação a seguir e responda à questão: “Penso que é maravilhoso tudo que me acontece – não só o que aparece em meu corpo, mas o que se realiza por dentro... Cada vez que tenho menstruação – e isso só aconteceu três vezes! – sinto que, apesar de toda dor, desconforto e sujeira, possuo um segredo delicado e é por isso que, embora de certo modo não passe de uma maçada, eu anseio pelo tempo em que sentirei dentro de mim aquele segredo... 76 Unidade II Depois que vim para cá, logo ao fazer 14 anos, comecei a pensar em mim mais cedo que a maioria das meninas e a perceber que era uma ‘pessoa’...” Anne Frank (apud OSÓRIO, 1998). Responda qual lei funcional sugerida por Wallon aparece no relato: A) Lei de Alternância Funcional, força centrífuga, afetividade. B) Lei de Alternância Funcional, força centrípeta, afetividade. C) Lei da Predominância Funcional, força centrípeta, cognição. D) Lei da Alternância Funcional, força centrípeta, cognição. E) Lei da Integração Funcional, força centrípeta, cognição. A alternativa correta é a B. A menina encontra‑se no estágio da puberdade e adolescência, e, pela Lei da Alternância Funcional, o campo funcional predominante é a afetividade e os fatores dinamogênicos (conflitos) que impulsionam esse período são endógenos (força centrípeta). 77 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA Resumo Henri Wallon construiu sua teoria com base no materialismo histórico e dialético e buscou na psicogênese da pessoa completa uma forma de caracterizar melhor os comportamentos dos seres humanos desde o nascimento até a idade adulta. É no encontro do orgânico com o social que o desenvolvimento humano acontece. Por um lado, os aspectos orgânicos (biológicos, genéticos) que predispõem o sujeito a determinadas características, mas que, por outro lado, só se desenvolvem se o social (seu meio, contexto em que vive e que determina sua condição de existência) lhe permitir. Nessa valorização das condições de existência no encontro com o orgânico do sujeito, Wallon destaca o papel dos grupos na formação desse sujeito. Como iniciador de práticas sociais, os grupos exercem um papel de exercício de sociabilidade importante para o desenvolvimento do sujeito. O conflito também é visto como mola propulsora do desenvolvimento, uma vez que, para superá‑lo, o esforço dinâmico do sujeito propicia aprendizagens e desenvolvimento. Wallon destaca três leis reguladoras do desenvolvimento humano que guiam sua forma de compreender e construir toda sua teoria. São elas: a alternância funcional, que determina o sujeito, ora voltada para o conhecimento de si própria (direção centrípeta), ora voltada para o conhecimento do mundo exterior (direção centrífuga); a alternância da predominância, que revela cada conjunto funcional predominando em um estágio diferente e em todos os momentos de interação do sujeito em seu contexto de existência; e a integração funcional, que diz respeito a todos os conjuntos funcionais estarem integrados todo o tempo, o cognitivo, afetivo e motor, sempre fazendo parte de todos os momentos do sujeito, expressando‑se no quarto conjunto, a pessoa, resultado dessa integração. 78 Unidade II Exercícios Questão 1. O resgate de importantes contribuições teóricas para a Psicologia e a Educação tem sido um fenômeno significativo nas últimas décadas. A teoria de Wallon, bem como as ideias e reflexões de Vygotsky, é um alicerce para um olhar mais amplo sobre os fenômenos psicopedagógicos. Neste sentido, quando pensamos em Vygotsky e Wallon, com relação à concepção de conhecimento, à análise genética e a psicogênese da inteligência, e a base conceitual e perspectiva teórica que lhes são comuns, podemos afirmar que: I ‑ O contexto sócio‑histórico no qual viveram os teóricos influenciou na concepção de conhecimento e na teoria construída. II ‑ A Psicologia Genética é referencia para o estudo dos processos psicológicos. III ‑ O materialismo dialético faz parte da base conceitual. É verdadeiro o que se afirma em: A) I apenas. B) II apenas. C) I e II apenas. D) II e III apenas. E) I, II e III. Resposta correta: alternativa E. Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: Vygotsky teve uma vida marcada por conflitos sociais. De família judaica e rica, sofreu preconceito especialmente durante e após a Revolução Russa (1917). Outro fator de exclusão social foi ter contraído tuberculose em uma época em que não havia cura para tal doença. Wallon participou das duas guerras mundiais, na primeira atuou como médico e soldado no front de batalha e na segunda na Resistência Francesa. Por isso, o contexto socio‑histórico no qual viveram os teóricos influenciou na concepção de conhecimento, na teoria construída e na compreensão dos processos psíquicos, uma vez que compreendem a origem do conhecimento humano a partir das influências sócio‑históricas. 79 PSICOLOGIA SOCIOINTERACIONISTA II – Afirmativa correta. Justificativa: a Psicologia Genética estuda as origens, a gênese dos processos psíquicos. Partindo desse pressuposto, ambos os teóricos consideram a análise genética o único procedimento que não dissolve em elementos estanques e abstratos a totalidade da vida psíquica. Assim sendo, possibilita o conhecimento sobre o funcionamento psicológico do adulto a partir do estudo do desenvolvimento da criança. III – Afirmativa correta. Justificativa: para ambos os autores a única abordagem que permite a superação das contradições do pensamento dualista é o materialismo dialético, pois auxilia na coordenação de pontos de vista apresentados sob a forma exclusiva e absoluta por diferentes doutrinas filosóficas. Este referencial apresenta‑se como fecundo uma vez que busca a compreensão dos fenômenos a partir dos vários conjuntos dos quais participa e porque admite a contradição como constitutiva do sujeito e do objeto. Questão 2. Em relação às concepções do pensador francês Henri Paul Hyacinthe Wallon (1879‑1962), avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas. I ‑ Wallon, de forma antagônica ao pensamento de Vygotsky, tem como premissa a ideia de que o estudo do psiquismo humano está desvinculado de teorias psicogenéticas. porque II ‑ Para Wallon, no estudo do comportamento humano, prevê‑se a distinção entre corpo e mente, que devem ser tratados de maneira independente. Assinale a alternativa correta: A) As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II justifica a I. B) As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II não justifica a I. C) A asserção I é verdadeira, e a asserção II é falsa. D) A asserção I é falsa, e a asserção II é verdadeira. E) As asserções I e II são falsas. Resposta correta: alternativa E. 80 Unidade II Análise das asserções I – Asserção falsa. Justificativa: como vimos no livro‑texto, “Wallon, da mesma forma que Vygotsky, foi adepto da corrente epistemológica materialista histórica e dialética”. Ele “parte do princípio de queé no início da vida que a história de um sujeito começa a se constituir e, por isso, constrói uma teoria psicogenética para compreender o psiquismo humano”. Além disso, “para que haja compreensão sobre o comportamento de uma pessoa, deve‑se investigar a sua gênese”. II – Asserção falsa. Justificativa: a concepção psicogenética dialética do desenvolvimento de Wallon apresenta uma grande contribuição para a compreensão do humano como pessoa integral, ajudando na superação da clássica divisão mente/corpo presente na cultura ocidental e dos seus múltiplos desdobramentos. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104‑40602010000100003. Acesso em 13 set. 2022.
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