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FUNDAMENTOS E HISTÓRIA DA GEOGRAFIA ROSANE RUDNICK Código Logístico 58618 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6486-1 9 788538 764861 Fundamentos e história da Geografia IESDE BRASIL S/A 2019 Rosane Rudnick Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ R854f Rudnick, Rosane Fundamentos e história da geografia / Rosane Rudnick. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2019. 102 p. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6486-1 1. Geografia - Filosofia. 2. Geografia - História. I. Título. 19-56087 CDD: 910.01 CDU: 910.1 © 2019 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: ISOVECTOR/Shutterstock Rosane Rudnick Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e graduada em Geografia. É professora de graduação, pós-graduação e ensino médio em Geografia e coordenadora de Geografia no ensino fundamental, além de autora de livros didáticos e didático- -científicos da área. Tem experiência na área de geografia, com ênfase em geografia escolar, atuando principalmente nos seguintes temas: geografia escolar, geografia física, estágio curricular, educação e criatividade, práticas em geografia e suas linguagens e currículo. Sumário Apresentação 7 1 Construção do pensamento geográfico: da Pré-História à atualidade 9 1.1 Geografia desde a Pré-História 9 1.2 Evolução do pensamento geográfico: alguns pensadores 14 1.3 O determinismo geográfico e a geopolítica na Idade Contemporânea 21 2 Escolas do pensamento geográfico e princípios metodológicos 27 2.1 Escolas do pensamento geográfico: do tradicional ao moderno 27 2.2 Escolas do pensamento geográfico: da crítica à percepção 31 2.3 Importância da geografia na compreensão do mundo 35 3 Ciência humana e da natureza: características próprias da geografia 43 3.1 Espaço e tempo na escala de valores da geografia 43 3.2 Ampliação da noção de espaço 44 3.3 Objeto de estudo da geografia atual 51 4 Geografia e perspectivas contemporâneas no espaço mundial 57 4.1 Perspectivas da geografia contemporânea 57 4.2 Geografia e globalização 60 4.3 Para onde seguirá o estudo da geografia? 63 5 Geografia na prática 69 5.1 Geografia como ciência prática 69 5.2 Métodos: considerações importantes sobre a pesquisa geográfica 71 5.3 Técnicas utilizadas pela geografia 76 6 Dimensão pedagógica da geografia 85 6.1 Geografia em uma abordagem pedagógica 85 6.2 Leitura do mundo: alfabetização geográfica 88 6.3 Educação geográfica 93 Gabarito 97 Apresentação Esta obra tem o propósito de levar você, leitor, à compreensão de como se deu o desenvol- vimento da geografia ao longo do tempo e à percepção de que antes mesmo de se organizar como ciência ela marcava sua presença no espaço e na vida das pessoas. A geografia já estava presente em situações aparentemente distintas, mas que se conectavam de alguma forma, evidenciando a geografia que pode estar restrita ao nosso lugar de vivência ou a que permeia um espaço maior, como o mundo em que vivemos. Assim, o Capítulo 1 trata da evolução do pensamento geográfico do ser humano, da Pré-História até os dias atuais. No Capítulo 2, passamos pelas correntes filosóficas que influencia- ram a formação da geografia como ciência, e no Capítulo 3, o destaque se dá às peculiaridades da geografia, constituídas na busca do seu objeto de estudo. No Capítulo 4, tratamos das perspectivas do desenvolvimento da geografia na contemporaneidade, e no Capítulo 5 a ênfase se dá na geo- grafia que fazemos em nosso dia a dia e na compreensão de como essa ciência se relaciona com os acontecimentos do mundo e das pessoas. Para finalizar a obra, no Capítulo 6, analisamos a dimen- são pedagógica da geografia e seu desenvolvimento com base nesse ponto de vista. Esperamos que, por meio da leitura e das reflexões que possam surgir, possamos transfor- mar este livro naquilo que ele realmente é: uma ferramenta, que contribuirá para que possamos ir além do que aqui se propõe, produzindo ainda mais conhecimentos. 1 Construção do pensamento geográfico: da Pré-História à atualidade Podemos dizer que a geografia sempre existiu? A resposta a essa pergunta é positiva, pois, desde o surgimento da humanidade, a relação com o espaço em que se vive também sempre existiu. Os seres humanos fazem parte da construção desse espaço e dos conhecimentos geográficos ao longo do tempo. Um aspecto bastante evidenciado é que, desde a Pré-História, os conhecimentos de fenôme- nos que atualmente sabemos que são universais quase sempre foram obtidos em cenários restritos. Exemplo disso são saberes que foram construídos na Europa Antiga e nos mares próximos a esse continente. Assim, neste capítulo, veremos os elementos que fizeram parte da construção do pen- samento geográfico e da geografia como a conhecemos atualmente. 1.1 Geografia desde a Pré-História Primeiramente, é importante saber que a Pré-História foi um dos períodos do tempo da hu- manidade em que ainda não havia a escrita. Historiadores do século XIX1 denominaram-no como um momento anterior ao da História, por considerarem que para “ser” História, deveria haver, necessariamente, um documento compro- batório, registrado por meio da escrita. Assim, não poderia haver História, pois seu repertório de conhecimentos jamais poderia ser recuperado ou resgatado sem que houvesse esse tipo de registro. Esse ponto de vista é bastante criticado atualmente, afinal o fato de a humanidade não ler nem escrever não a deixa sem História. Havia hábitos, objetos construídos e comunicação. Com base nisso, podemos perceber que esse pensamento mudou. Historiadores da atualidade consideram que não há a necessidade somente de registros escritos para pesquisar a História. A cultu- ra oral, material e a pictórica também são importantes elementos para conhecermos uma sociedade. Desse modo, a história da humanidade costuma ser dividida em cinco momentos ou perío- dos. Veja o gráfico a seguir. 1 Nesse período, havia uma visão evolucionista da História. Por isso, sociedades que não tinham registrado o seu idioma ou seu repertório de conhecimentos por meio da escrita eram tidas como “pertencentes” à Pré-História. O registro por escrito era considerado como única fonte confiável. As pinturas, objetos do dia a dia da humanidade ou os conhecimentos transmitidos oralmente eram fontes secundárias de pesquisa. Fundamentos e história da Geografia10 Figura 1 – Períodos da história da humanidade PRÉ-HISTÓRIA 99,880% IDADE ANTIGA 0,088% IDADE MÉDIA 0,020% IDADE MODERNA 0,007% IDADE CONTEMPORÂNEA 0,005% Fonte: Elaborada pela autora. Pelo gráfico podemos perceber que a história da humanidade foi basicamente a Pré-História, ou seja, 99,8%. Longos períodos foram necessários para chegarmos às características que temos, hoje, na Idade Contemporânea, como podemos identificar no quadro a seguir: Quadro 1 – Períodos da história da humanidade Período da História da humanidade Pré-História Idade Antiga Idade Média Idade Moderna Idade Contemporânea Duração 2.500.000 a.C. a 4.000 a.C. 4.000 a.C. a 476 d.C. 476 d.C. a 1453 1453 a 1789 1789 à atualidade Evento que marca seu início Origem da espé- cie humana Invenção da escrita Queda do Império Romano Queda de Constantinopla Revolução Francesa Fonte: Adaptado de WDL, 2019. Considerando as características que o ser humano apresenta atualmente, é possível imaginar que sua interferência no espaço geográfico ocorreu em cada um desses momentos, assim como as condições impostas pela natureza também interferiram nas relações com o espaço em que vivia. Foi na Pré-História, portanto, que os primeiros conhecimentosgeográficos surgiram e ti- nham como base as necessidades mais essenciais das pessoas, sendo a principal delas a de se ali- mentar. Deslocar-se pelo espaço em que vivia em busca de alimentos e de água deu ao homem condições de observar e, assim, conhecer esse espaço, dando-lhe condições de escolher áreas que fossem mais propícias de acordo com suas necessidades ao longo do tempo. Mas, nem sempre foi assim no período da Pré-História. No início desse período, denomina- do de Idade da Pedra, o ser humano era nômade e sua alimentação dependia da coleta de vegetais e da caça que o espaço em que vivia lhes proporcionava. A observação do espaço à sua volta fez com que percebesse a necessidade de abrigo e, para isso, procurava as cavernas. Além disso, notou que era preciso construir instrumentos de caça – feitos de madeira, ossos de animais ou de pedras que eram lascadas até atingirem a forma alme- jada, como a de objetos cortantes –, o que permitiu que seu domínio sobre o espaço natural fosse Construção do pensamento geográfico: da Pré-História à atualidade 11 ampliado, diferenciando-o dos outros animais. Seus deslocamentos eram curtos e, por isso, os ca- minhos que fazia eram facilmente memorizados. Ao longo do tempo, houve a necessidade de ir mais longe no espaço geográfico. Assim, na busca de seus meios de subsistência, produziu caminhos mais longos e que precisavam de alguma sistematização. Dessa forma, surgiram os primeiros “mapas”, em geral feitos em argila, desenhados sobre folhas ou cascas de vegetais, nas paredes, nos tetos ou em outra superfície das cavernas, bem como em objetos que utilizava em seu dia a dia. Figura 2 – Pintura rupestre em caverna feita por homem pré-histórico EV EL YN S AM PA IO /i St oc k. co m Parque Nacional da Serra da Capivara, UF Piauí. Você pode estar se perguntando agora se o ser humano primitivo seria capaz de fazer um esboço (mapa) de um trecho da superfície terrestre – como da área em que vivia – sem mesmo sa- ber ler ou escrever. A comprovação disso pode ser obtida perguntando a uma pessoa ou criança que não tenha sido alfabetizada qual é o melhor caminho ou quais são as construções, objetos ou obstáculos que encontra em um determinado trajeto, que comumente faça: como o de casa até a praça, até o parque ou até o supermercado. Em geral, ela será capaz de desenhar esse trajeto indicando inclusive elemen- tos de referência ao longo dele. Há pesquisadores, como Erwin Josephus Raisz (1969), um cartógrafo americano de nacionalidade húngara, que afirmam que elaborar mapas é inato ao ser humano. A seguir, você poderá perceber como isso acontece na prática. Em uma escola de educação infantil, a professora sugeriu que as crianças fizessem um desenho do caminho de casa até a escola e dos elementos que encontram nesse caminho. Partindo do pressuposto de que as primeiras análises que o ser humano fez em relação ao espaço em que vivia eram bastante elementares e restritas ao espaço mais próximo, os desenhos desses alunos podem confirmar o pressuposto. Fundamentos e história da Geografia12 Os esboços obtidos caracterizam o espaço vivido no cotidiano e refletem as vivências do dia a dia. Veja um exemplo, o desenho de Mariana, com cinco anos de idade. Figura 3 – Trajeto de casa à escola Fonte: Acervo da autora. Aqui, podemos relacionar Paulo Freire (1992, p. 77). Ele mostra que perceber o espaço em que se vive enriquece o ser humano com experiências e conhecimentos, além do fato de que a in- terferência da natureza do espaço vivido e das relações entre as pessoas contribuem fortemente nesse processo. Desse modo, quanto mais experiências, mais detalhadas tendem a ser as suas repre- sentações. A criança em seu desenho, por exemplo, faz tentativas de escrita, fruto das observações que realiza do espaço em que está inserida. Voltando ao contexto da Pré-História, a análise do espaço geográfico também fez o homem pré-histórico passar por diferentes experiências e, assim, passar a escolher áreas para assentamen- tos estacionais, pois percebeu que existiam épocas mais frias e, portanto, precisava se deslocar para outras mais quentes, onde encontrava maior facilidade em obter alimentos. Desse modo, os primeiros assentamentos permanentes foram surgindo com a percepção de que algumas áreas do espaço geográfico permitiam períodos mais longos de permanência. São provavelmente os primeiros indícios da preocupação da humanidade com a distribuição dos fenô- menos geográficos na superfície terrestre, como por exemplo a percepção de que a temperatura e a umidade eram diferentes, dependendo do lugar e das épocas. A presença do homem pré-histórico em um determinado lugar por períodos mais longos e o aumento na população das aldeias pode tê-los levado a domesticar animais, pois a caça praticada nas proximidades do povoamento possivelmente não supria mais suas necessidades de alimentação. Podemos dizer então, que esse foi um dos motivos do homem pré-histórico tornar-se sedentário. Construção do pensamento geográfico: da Pré-História à atualidade 13 A geografia da Terra e do homem pré-histórico apresenta algumas ca- racterísticas importantes: • alterações de clima, aumento do nível dos oceanos, formação de grandes rios e desertos resultantes do aquecimento da litosfera; • significativo aumento populacional em algumas regiões da Terra pro- duzido pelo domínio de técnicas agrícolas, de estocagem de alimen- tos e de domesticação de animais. O desenvolvimento do ser humano pré-histórico e a ampliação dos domínios geográficos do nosso planeta não ocorreram de forma homogênea. Isso quer dizer que, enquanto alguns povos viviam sob as condições desenvolvidas na Idade da Pedra, outros já utilizavam metais para aperfei- çoar seus instrumentos de guerra, de caça e de trabalho na agricultura. Figura 4 – Ferramenta lítica (feita em pedra) com cabo em madeira jg au ni on /i St oc k. co m O cobre foi um dos primeiros metais utilizados para substituir a pedra, depois o estanho, o chumbo e o bronze. Segundo Braick e Motta: A princípio o cobre, por ser muito maleável, era moldado a frio [...]. Tempos depois os metais passaram a ser aquecidos [...]. Entre os metais, o ferro foi o mais difícil de manusear [...]. Em razão de sua durabilidade e flexibilidade, ele foi capaz de substituir os outros metais na confecção de numerosos artigos. (BRAICK; MOTA, 2010, p. 25) Evidências da metalurgia do homem pré-histórico foram encontradas em vários sítios ar- queológicos do mundo – a primeira delas, na Sérvia (sítios de Majdanpek, Yarmovac e Plocnik), onde foram descobertos objetos de metal e entre eles um de cobre, moldado em forma de machado atribuído aos povos da cultura Vincha, os primeiros dessa região da Europa. Por outro lado, as características dos metais não eram muito conhecidas, a ponto de se uti- lizar o chumbo – metal com alto nível de toxidade – na construção de sistemas de canalização de água. Segundo Hoffman (1970), a água que passava por esses sistemas era contaminada pelo chum- bo e ingerida pelas pessoas, produzindo graves consequências como distúrbios mentais e intoxica- ções variadas que levavam à morte. Fundamentos e história da Geografia14 Hoffman explica que os romanos, por exemplo, martelavam o chumbo até formar folhas de pequena espessura que eram enroladas formando tubos que eram colados uns aos outros com chumbo derretido. Podemos perceber que o fundamento do conhecimento geográfico do homem pré-histórico foi obtido por meio de suas experiências, localização espacial e observações dos fenômenos terres- tres desse período. Sob esse ponto de vista, a geografia surge junto com a humanidade e sua curiosidade em co- nhecer o seu espaço, saber o que existe além do lugar onde vive, identificar os elementos e fenôme- nos que ocorrem, descrever e registrar seus conhecimentos. Então se a humanidade tem História, desde o início dessa história a geografia esteve sempre presente. Vamos continuar o estudo dos demaisperíodos da história da humanidade por meio da ca- racterização da evolução do pensamento geográfico – da Antiguidade aos dias atuais – com base nas ideias dos principais pensadores da história da geografia. 1.2 Evolução do pensamento geográfico: alguns pensadores Foi na Idade Antiga, ou Antiguidade, que a Geografia começou oficialmente e também foi batizada com esse nome. Esse período vai de 4.000 a.C. – quando surge a escrita – até 476 d.C., com a Queda do Império Romano do Ocidente. É importante saber que, por convenção, o estudo da História é iniciado com o surgimento da escrita – a aproximadamente 3.000 a.C. e se caracteriza pela representação do pensamento e da linguagem do ser humano por meio de signos linguísticos. Nesse período, o ser humano já havia se distanciado do nomadismo e várias civilizações se formaram e se destacaram, como os sumérios, os gregos, os egípcios, os romanos e os mesopotâ- micos. Vamos destacar pensadores de duas delas: gregos e romanos. 1.2.1 Herança intelectual dos gregos antigos Entre os conhecimentos obtidos, cabe aos gregos um legado maior, pois foram eles que re- gistraram e sistematizaram diversos saberes a respeito da Terra e denominaram isso de geografia. Os pensadores gregos se destacaram também por causa da posição privilegiada da Grécia: ao lado da Ásia, em frente à África e entre o Mar Mediterrâneo e o Mar Negro. Essa posição facilitava os contatos e confrontos entre culturas. Dessa posição acompanha- vam a fusão ou o desmembramento de culturas e povos. Segundo Sodré, Heródoto2 é um marco da geografia na Antiguidade: Nessas distantes origens, os conhecimentos geográficos são objetos da aten- ção, particularmente de navegadores, militares, comerciantes e, em outro pla- no, de matemáticos, historiadores e filósofos. Heródoto não foi apenas o “pai da História”, como ficou mais conhecido; ele foi também o primeiro entre os mais conhecidos, que tratou de aspectos geográficos em sua obra. Seus conhe- cimentos da área de influência dos gregos eram amplos: ele viajou pelas ilhas 2 Heródoto foi geógrafo e historiador. Nasceu na Grécia (em Halicarmasso, atualmente chamada de Bodrum e perten- cente à Turquia) e viveu de 485 a.C. até 425 a.C. Construção do pensamento geográfico: da Pré-História à atualidade 15 do Egeu e ampliou seus horizontes conhecendo o sul da Itália, a Cirenaica3, o Egito, a Babilônia, o Mar Negro. Heródoto subiu o Nilo e chegou à orla do Saara, tomando contato com os caravaneiros que vinham do interior da África e de Cartago. Suas descrições históricas são enxameadas de informações geográficas. (SODRÉ, 1992, p. 15) Sodré, em sua obra, destaca também Hipócrates4 – que viveu no mesmo período de Heródoto –, e que efetivou registros que estabeleciam distinções entre os habitantes da montanha e os que habitavam as planícies, caracterizando o determinismo geográfico que será comentado adiante e, além dele, Hecateu5 de Mileto, que realizou o que foi chamado de verdadeiro levantamento geral do mundo, organizando, assim, o conhecimento a respeito dos lugares e das pessoas daquela época. A Antiguidade teve também o pensador Erastótenes6, considerado um dos mais modernos geógrafos daquele tempo. Ele procurou sempre oferecer dados precisos, como determinar as di- mensões do planeta, por meio de cálculos astronômicos e geométricos, que praticamente coinci- dem com o que sabemos atualmente, dando, assim, às pessoas daquela época uma clareza maior em relação à ideia de grandeza da Terra. Além disso, localizou a direção de mares, rios, cadeias de montanhas, entre outros, por meio do primeiro sistema de coordenadas geográficas com notável precisão. Erastótenes também estudou questões relacionadas à hidrografia e à climatologia, que traziam uma abordagem regional (SODRÉ, 1992). 1.2.2 Herança intelectual da Roma Antiga Aos romanos cabe a ampliação do conhecimento geográfico herdado dos gregos. Em razão das conquistas de terras, realizaram produtivas descrições, principalmente das áreas devastadas, sistematizando esses saberes. Entre os principais pensadores estão: Estrabão e Claudio Ptolomeu. Considerado mais historia- dor e viajante do que geógrafo, Estrabão viveu de 64 a.C. a 20 a.C. Foi um grande compilador de dados de suas viagens – um enciclopedista. Destaca-se por salientar em suas descrições o caráter filosófico e transdisciplinar da geografia. Defendia que a geografia devia relacionar-se tanto com questões humanas quanto divinas e, ainda, que devia se ater apenas às partes do mundo que eram habitadas. Estrabão utilizava a metodologia que previa a localização e a delimitação dos aspectos físicos de uma área seguidos da descrição de seus habitantes, objetivando tratar de suas lendas, identificar seus costumes e atividades econômicas, por exemplo. Cláudio Ptolomeu era geógrafo, astrônomo e matemático e, em seus estudos, tratou das di- ferenças de luminosidade. Viveu de 90 a 168 d.C. e foi considerado o último grande geógrafo da 3 Região que corresponde atualmente à costa oriental da Líbia, no continente africano. 4 Hipócrates viveu de 460 a.C. a 370 a.C., em Tessália, na área central da Grécia, e foi importante pesquisador na área da medicina, sendo até considerado o pai dessa ciência e grande responsável pelo desenvolvimento intelectual grego. Em suas obras, fazia descrições clínicas relacionadas a doenças como malária, papeira, pneumonia e tuberculose e relacionava várias delas aos fatores climáticos. 5 Hecateu de Mileto viveu de 546 a.C. a 480 a.C. Era geógrafo, historiador e viajante grego. Escrevia racionalmente a respeito da superfície da Terra. Sua obra, denominada Geografia, caracterizava-se por sintetizar os conhecimentos geográficos dos gregos da época e revisar os dados históricos, tornando-os mais precisos. 6 Eratóstenes de Cirene viveu de 276 a.C. até 194 a.C. A matemática, a astronomia e a geografia foram seus estudos, além de ser poeta e bibliotecário. Seu principal legado foi o cálculo da circunferência da Terra. Fundamentos e história da Geografia16 Antiguidade. Dedicou-se amplamente à cartografia e à elaboração de mapas, indicando os prin- cípios de projeção e de construção de globos. Elencou, ao longo de suas viagens, o nome de 8.000 lugares, localizando-os com base em cálculos de latitude e de longitude. Suas obras geraram grande riqueza para o conhecimento geográfico. Em razão das sistematizações produzidas, junto com o método utilizado para documentar esses saberes, seus estudos foram, por muitos séculos, as bases para o pensamento geográfico, tornando Ptolomeu autoridade no que se refere ao conhecimento a respeito da Terra. É importante levar em consideração que os elementos do conhecimento geográfico na Antiguidade estavam misturados e até mesmo subordinados aos de outras ciências, e estes últimos eram tidos como principais. Desse modo, não havia geografia e nem geógrafos como conhecemos atualmente. Eram os filósofos, historiadores e cientistas em geral que se dedicavam a esses estudos, só que, em segundo plano. Antes de definir seu campo de atuação, métodos e técnicas, a geografia era secundária e desimportante. No período da Idade Média – subsequente ao da Antiguidade –, a geografia ficou estagnada e, segundo Sodré (1992), ocorreu o que foi tido como um retrocesso do conhecimento produzido por essa ciência, tendo como marco a Queda do Império Romano do Ocidente7, em 476 d.C., e a difusão do cristianismo. Para entendermos melhor essa questão, Andrade (2006), ao longo do capítulo três de sua obra, destaca que é importante sabermos que o Império Romano entrou em crise já no século II d.C. por meio de deficiências na economia, atos de corrupção, golpes e assassinatos contra imperadores e invasões germânicas (ou invasões bárbaras8) no território grego. Desse modo, o século seguinte mostrou governos instáveis e sucessivas trocas de governantes. Para se ter uma ideia, em um perío- do de 50 anos, o império teve 16 governos derrubados, o que foi motivado, comodito anteriormen- te, por conspirações ou assassinatos. As invasões germânicas mostraram a deficiência em controlar as fronteiras do território que o Império Romano havia conquistado. A economia foi bastante afetada com as tentativas de controle, como o pagamento dos soldados que se recusavam a defender o território –, afinal esse império era mantido também pelos prisioneiros de guerra, tratados como escravos, que trabalha- vam no exército e na agricultura principalmente e, consequentemente, geravam lucro sem grandes despesas. Desse modo, com as fronteiras mais vulneráveis, as terras conquistadas pelos germânicos davam aos prisioneiros dessa área o direito da cidadania romana e assim a produção também co- meçava a sentir as consequências das invasões. Com isso, houve a diminuição da produção e alta na inflação. Assim, os alimentos ficaram mais caros e, desse modo, menos pessoas tinham acesso a eles, desencadeando uma situação de fome e revoltas em algumas regiões. 7 O Império Romano do Ocidente corresponde à parte do Império Romano com sede em Roma. A porção oriental desse império, com sede em Bizâncio (e depois Constantinopla), prevaleceu até 1453. 8 Os germânicos eram chamados de bárbaros porque não falavam o idioma latim (e sim o idioma anglo-saxão) e não compartilhavam da mesma cultura que os romanos. Habitavam as áreas de região de fronteira norte e leste do Império Romano. Essas áreas eram chamadas de Germânia pelos romanos. Construção do pensamento geográfico: da Pré-História à atualidade 17 Como a maior parte do povo germânico (os invasores) era formada de pagãos, estes passaram a fazer parte do cristianismo arianista9. Por negarem a divindade de Jesus Cristo, ato condenado pela Igreja católica como heresia, a rivalidade entre romanos e germânicos aumentou a passos largos. Com uma situação generalizada de guerra no Império Romano, o que também condizia com o cenário de boa parte do continente europeu, houve isolamento espacial dos povos e, com isso, a instalação do sistema feudal. Figura 5 – Ruínas do Fórum Romano ou o Fórum de César an ya iv an ov a/ iS to ck .c om Roma Antiga era alvo das invasões bárbaras. Essas ruínas se localizam onde atualmente é a Itália. 1.2.3 Influências da Idade das Trevas Podemos perceber, portanto, diante dessa situação de guerra, por que ocorreu estagnação na produção científica e como a produção do conhecimento foi afetada nesse período. Era o fim da Idade Antiga e o início da Idade Média. A Europa que se materializa a partir de então estava divi- dida em áreas menores e politicamente individualizadas, tomando o espaço da política homogênea que vigorava até então. A Europa estava desarticulada em termos de comunicação e seu território praticamente es- tava despovoado. Nesse contexto, ficaram significativamente reduzidos o tráfego de pessoas e, con- sequentemente, a circulação de informações, ideias e capital entre as diferentes regiões. Tornou-se, assim, uma região isolada que buscou a autossubsistência, o que é típico do sistema de feudos que se instaurou, deixando para trás toda a ampliação de mobilidade da sociedade, as trocas comerciais e a expansão do horizonte geográfico que ainda se verificou na Antiguidade. 9 Arianismo é a doutrina de Ário (250-336) padre cristão de Alexandria (Egito), que afirmava ser Cristo a essência in- termediária entre a divindade e a humanidade, negava-lhe o caráter divino e ainda desacreditava a Santíssima Trindade. Fundamentos e história da Geografia18 Até aproximadamente o ano de 1100, a Idade Média foi considerada a Idade das Trevas, se considerarmos o progresso científico e intelectual. Alguns pensadores fizeram uso de escritos da Antiguidade e outros tentaram explicar a geo- logia ou a astronomia de forma muito superficial, apesar de serem capazes de aprofundarem seus conhecimentos. Houve destaque para os enciclopedistas como Orosius, um padre espanhol do sé- culo V, que, apesar de escrever uma enciclopédia, sempre tentava mostrar por meio de seus escritos que a cristandade não tinha culpa das calamidades que ocorriam na época. Nessa obra, há uma in- trodução com dados geográficos que tem como base textos de Estrabão, apesar de não citar a fonte. Outro enciclopedista, Isidoro de Sevilla, bispo do século VII, escreveu a obra Etymologiae, de 20 volumes, sendo dois deles destinados a tratar de aspectos geográficos da Terra e sua descrição política. A descrição de Isidoro sobre a Terra é denominada de Orbis ou roda, por causa de seu for- mato (KIMBLE, 2013, p. 28). Chama a atenção porque menciona que os oceanos cercam todos os lados e constituem a fronteira da Terra, além de estimar que tivesse o tamanho de 252 mil estádios da época ou 87,5 milhas (cada milha equivalia a mil passos) e se dividia em três partes: Europa, Ásia e África. Veja a representação do mundo feita por Isidoro. Na percepção de Isidoro, a Europa e a África ocupam metade do mundo e a Ásia a outra me- tade. Nessa descrição, a Ásia é limitada a Leste pelo Sol nascente, a Oeste pelo Mediterrâneo e ao Norte pelo lago Maeotis (atual Mar de Azov) e pelo rio Tanais (atual rio Don). O trabalho de Isidoro corresponde ao que foi verdadeiramente a Idade das Trevas, pois são praticamente saberes que já haviam sido escritos e, em muitos momentos, são có- pias de escritos da Antiguidade. Na metade do século VII, o geógra- fo Anônimo de Ravena, utilizando predo- minantemente obras de filósofos pagãos, descreveu a Terra como “quase” redonda e circundada por um oceano que apresenta- va descontinuidades. Ainda, ao contrário do que se escrevia até então, tentou mos- trar os limites orientais, pois, para os enci- clopedistas cristãos, isso seria considerado uma blasfêmia – era onde estava o Paraíso de Deus. Suas descrições mostram que, na parte setentrional (Norte) da Terra, ha- via montanhas erguidas por Deus, as W ik im ed ia C om m on s No mapa origem de Isidoro de Sevilha (século XII), o mundo é dividido em “T” dentro de um “O”. O Leste é retratado para cima. Figura 6 – Mapa T e O Construção do pensamento geográfico: da Pré-História à atualidade 19 quais estavam, portanto, no fim do mundo e escondiam o Sol e a Lua, explicando assim a existência do dia e da noite. Essas duas obras citadas, a de Isidoro e a de Ravena, nos dão uma noção da tentativa de uma escrita com representações ou uma escrita mais representativa, tipificando uma escola de pensa- mento geográfico da época. Não é possível reconhecer nela a oposição entre ciência e religião, mas mostra a influência da cultura pagã para explicar aquilo que não tinha sido descrito até então. Na Idade Média, a observação do espaço geográfico era praticamente rejeitada e o que tive- mos foi um conhecimento enciclopédico, talvez na maioria das obras, resgatado da Antiguidade, porém, que poderia ter sido melhor ou mais criticamente aproveitado. Ainda nesse período, há influência da civilização árabe-muçulmana baseada em uma reli- gião desconhecida até então, o islamismo, fundado por Maomé. Vivendo em um período em que a maior parte do povo árabe tinha crenças em deuses tri- bais, Maomé se autodeclarou o escolhido pela visão que teve do anjo Gabriel, transformando-se em um profeta do islã. O Deus único anunciado por Maomé atingiu principalmente a parte da po- pulação que vivia nos grandes centros, a qual havia tido contato com o judaísmo e o cristianismo. Dentro do islamismo – religião caracterizada por Maomé como um aperfeiçoamento do ju- daísmo e do cristianismo, já que ele foi chamado a restaurar os ensinamentos mal compreendidos ou esquecidos das duas religiões – as normas de regulamentação da vida são dadas pelo Alcorão, o livro sagrado no qual estão as palavras de Alá, seu Deus. A civilização árabe-muçulmana alcançou seu apogeu entre os séculos VIII e IX, com a con- quista de novas áreas e a unificação de tribos árabes que modificaram as configurações territoriais, os limites das terras e, assim, o espaço geográfico da época.Nesse período, foram ampliados alguns conhecimentos e desenvolvidos outros com base nas traduções que faziam dos livros gregos. Essa civilização dominou uma ampla área – que corresponderia atualmente do Afeganistão até o oceano Atlântico, excluindo-se as terras da Itália, França, Balcãs e Turquia. Porém, a necessi- dade de conhecer o mundo, motivada por questões militares e religiosas (como o fato de que todo o muçulmano precisa ir a Meca pelo menos uma vez ao longo de sua vida), deu impulso à atividade comercial, às viagens e, consequentemente, ao desenvolvimento dos estudos geográficos. Entre esses viajantes está Ibn Battuta, que fez extensos relatos dos lugares por onde passou, e Idrisi, que produziu o mapa árabe mais completo de que se tem conhecimento, porém não utiliza- ram dados referentes à latitude e à longitude, pois para eles esses cálculos seriam objeto de pesquisa dos astrônomos. Surge então uma separação entre geógrafos e astrônomos, que, na Antiguidade, não havia. 1.2.4 Os conhecimentos da Idade Moderna Na Idade Moderna – período que vai do século XV, com a tomada de Constantinopla pelos turcos-otomanos, ao século XVIII, com a queda da bastilha e a Revolução Francesa –, fortalece- ram-se as monarquias europeias que espalharam seu poder nos cinco continentes e promoveram uma espécie de integração entre as diversas partes do planeta por meio das grandes navegações. Fundamentos e história da Geografia20 Algumas outras marcas podem ser destacadas na Idade Moderna, como o Renascimento Cultural, uma revolução que ocorreu nas artes e nas ciências. Com as grandes navegações e a apropriação das terras da América e as rotas comerciais pela África e Ásia, criou-se uma base econômica e acúmulo de capital, resultando no desenvolvimento do capitalismo no período histórico seguinte. Além disso, os navegadores eram acompanhados por pesquisadores que analisavam o litoral dos continentes, fazendo correção de erros e distorções que os mapas apresentavam até então. Além disso, descreviam as paisagens e os povos por onde passavam. O navegador Sebastião Elcano concluiu a primeira viagem de circum-navegação da Terra por volta de 1522, provando que o planeta era mesmo redondo. Para a geografia, esse período da História foi revolucionário, com a expansão do espaço territorial. A cartografia foi transformada e aperfeiçoada, desenvolvendo os conhecimentos marítimos, meteorológicos e astronômicos. A geografia na modernidade desponta com alguns geógrafos importantes. Podemos iniciar com Karl Ritter, com mais base histórica e com uso de revisões bibliográficas para suas obras, e Alexander Von Humboldt, que buscava dados por meio de observações descritivas de suas viagens, voltando-se para os aspectos naturais. Em comum, eles tinham a linha humanista da geografia, ou seja, faziam uso da razão para descrever as características físicas e humanas da Terra, deixando de lado os mitos, superstições e crenças que eram utilizados para explicar alguns fenômenos. Segundo Gomes (1996, p. 162): A geografia proposta por Humboldt engloba, portanto, uma reflexão sobre o homem e uma reflexão sobre a natureza, as duas tomadas sob um mesmo pa- tamar de inteligibilidade. Por este programa Humboldt legou à posteridade as bases de uma nova ciência, rica em tradições e, ao mesmo tempo, moderna e sistemática. Ele legou também [...] o papel talvez maior da geografia dos novos tempos, o de produzir um discurso e uma imagem coerente e científica do mun- do moderno. Para os estudiosos, Humboldt foi o primeiro a estabelecer as regras do pensamento geográ- fico moderno e, apesar de retomar a observação direta e a descrição detalhada, juntou a preocupa- ção de realizar comparações e raciocínios gerais e evolutivos, mostrando a relação que existe entre os fenômenos, sem deixar de lado a sociedade em que vivia. Em seus descritos, é impressionante perceber como cada fenômeno é estudado separadamente e depois recolocado em conexão com os outros, a fim de explicar a cadeia em que se encontrava. Ao lado de Humboldt está Carl Ritter, conhecido por muitos pesquisadores como funda- dor da geografia moderna. Ritter tinha o objetivo de estabelecer as novas bases para o pensamen- to geográfico, pois o que existia e que se dizia que era geografia, para esse pesquisador, era apenas um conjunto de dados confusos, desorganizados e sem preocupação científica. Para ele, a geogra- fia seria a única ciência a estabelecer uma relação lógica entre o todo e suas partes e bastaria ape- nas descobrir, em meio à desordem aparente dos fenômenos no espaço geográfico, os elementos de uma harmonia e simetria superior. Em seus estudos e publicações, Ritter levava em considera- ção as formas geométricas, os tamanhos e os elementos da natureza presentes em cada continente como primordiais no estudo da Geografia. Nesse contexto e com base na geometria continental, Construção do pensamento geográfico: da Pré-História à atualidade 21 por exemplo, descrevia a África como uma elipse, a Europa um triângulo retângulo e as Américas dois triângulos. Esses dois pensadores, autores da geografia moderna, caracterizam uma dualidade, ou seja, a presença simultânea da razão e do que é imaginário em suas obras. Assim, ao longo do tempo e à medida que são reconhecidos, pelos demais autores, como fundadores do saber geográfico cien- tífico e moderno, essa dualidade torna-se a principal característica de seus legados. Um exemplo disso é a característica que é própria da geografia: pautada em um discurso de uma ciência que é ao mesmo tempo global (cosmológica, como seria dito naquela época) e regional. Essas duas escalas de análise se encadeiam e se complementam, pois a Terra, sendo um sistema global, também é um sistema particular – em diversas partes – que remetem ao todo. A respeito do que foi dito anteriormente, segue trecho escrito por Carl Ritter em seu livro Introduction à la géographie générale comparée, traduzido por Nicolas-Obadia (RITTER, 1974, p. 45): Toda reflexão sobre o homem e sobre a natureza nos leva a considerar o particular e o Todo e nos conduz daquilo que parece senão fortuito ao que obedece funda- mentalmente a uma lei. O conhecimento total do Todo não pode, portanto, vir do particular se o Todo, ele mesmo, não é conhecido em um mesmo tempo. Da mes- ma forma que é o Todo que faz a parte, o particular só tem existência própria na medida que é observado em função de lei que o constitui como indivíduo. Ao longo da história da Geografia na modernidade, essas duas categorias de análise do espaço geográfico ficarão conhecidas como geografia geral (ou geografia sistemática) e geografia regional. A Idade Contemporânea e o pensamento geográfico serão tópicos tratados na próxima se- ção, atrelados ao determinismo geográfico e à geopolítica, característicos do nosso tempo. 1.3 O determinismo geográfico e a geopolítica na Idade Contemporânea Como foi tratado anteriormente, Humboldt relacionava o ser humano e suas características em sociedade aos aspectos físicos, biológicos e naturais do nosso planeta. Esse estudioso utilizava essa associação para descrever as relações de espaço e tempo entre o homem e a natureza. Esse também foi o modelo utilizado por Friedrich Ratzel (geógrafo alemão), um dos elabo- radores da teoria do determinismo geográfico. Porém, exemplos de pensadores deterministas são bastante numerosos e, entre eles, figuram La Mettrie, Buffon e Montesquieu. Antes de prosseguir no determinismo geográfico, é importante saber que a Idade Contemporânea vai do século XVIII aos dias atuais. Esse período, que não tem ainda tanta expres- sividade na escala temporal, já demonstrou transformações bastante significativas no mundo. Entre elas, podemos citar o desenvolvimento do capitalismo e sua consolidação como sistema vigente no ocidente, as disputas europeias por territórios, matéria-prima e mercado consumidor. Porém, foi nele também que o progresso da civilização foi ameaçado com a ocorrência de duasgrandes Guerras Mundiais, revelando as limitações tanto de nações desenvolvidas quanto das em desenvolvimento. Fundamentos e história da Geografia22 Voltando ao determinismo geográfico, é importante deixar claro que apesar de destacá-lo na contemporaneidade, ele é considerado tão antigo quanto o ato de refletir do ser humano. Afinal, atribuir o desenvolvimento, características ou potencialidades do ser humano às condições naturais de uma área – como o tipo de clima, de solo ou de vegetação –, que foram as ideias que nortearam o método de Ratzel, parece ser algo óbvio nas sociedades e tal reflexão ocorre quase que de forma au- tomática e inconsciente, como se fosse algo inerente ao pensamento e à linguagem do ser humano. Charles Montesquieu, um dos mais importantes filósofos e pensadores da França, que viveu na fase de transição entre a modernidade e a contemporaneidade, apresenta reflexões a respeito da personalidade das pessoas com base nas condições climáticas em que vivem – são os primeiros si- nais do determinismo geográfico. Sendo assim, para ele, os indivíduos que vivem em regiões mais frias são mais dinâmicos e ativos e, consequentemente, “superiores” aos das regiões mais quentes, sendo classificados como apáticos e até preguiçosos. Para Montesquieu, também dependeriam do clima os costumes e a política de uma população. Friedrich Ratzel, considerado o criador do determinismo geográfico, em sua obra denomi- nada de Antropogeografia, traduz o ser humano como um produto do meio em que vive, ou seja, um escravo do seu próprio espaço. Acreditava que o calor excessivo diminuía a força e a coragem dos homens e que, em áreas de clima frio, o ser humano tinha mais força muscular e de espírito, dando-lhe capacidade de realizar ações mais duradouras, grandes e ousadas. Afirmava que os po- vos dos climas quentes estavam quase sempre fadados à escravidão. O determinismo proposto por Ratzel foi alvo de críticas, principalmente em relação à falta de conteúdo histórico das populações, como costumes e tradições, que aos olhares críticos deve- ria ser levado em consideração. Ratzel entende o determinismo como algo imutável, sujeito a leis e sem exceção; praticamente queria encontrar um critério para explicar o comportamento do ser humano tão claramente quanto o critério encontrado para explicar o movimento dos astros no céu. Dessa forma, sua proposta foi até considerada senso comum, já que relacionava o clima ape- nas à temperatura. Além das influências diretas de Ritter e Humboldt, há a contribuição das teorias de Charles Darwin aplicadas à sociedade e as de Oskar Peschel e Ernest Haeckel na interpretação das relações entre o território e o Estado, para que a obra de Ratzel tivesse um acabamento geopolítico dentro do determinismo geográfico. Um exemplo característico é o conceito de “espaço vital”, um dos principais legados de Ratzel. Em sua obra, traduzida do italiano por Fátima Murad, encontramos em vários trechos a intenção de Ratzel em mostrar que o desenvolvimento da geopolítica ainda es- tava por vir e muito aquém do desenvolvimento que outras ciências políticas já tinham alcançado. Nesse contexto, portanto, o Estado, é conceituado como um organismo que é em parte hu- mano e em parte físico. O Estado, como espaço de estudo, tem, portanto, aspectos geográficos, os quais estão rela- cionados à interação necessária de quem nele vive com o solo, com a água ou com a vegetação, por exemplo, e à posição geográfica, que irá determinar seu impulso econômico, de acordo com os re- cursos naturais que essa posição pode disponibilizar. Construção do pensamento geográfico: da Pré-História à atualidade 23 Segundo Sodré (1992, p. 50): O fator espaço merece destaque especial, é uma das categorias que melhor defi- nem a concepção de Ratzel: semelhante à luta pela vida, cuja finalidade básica é obter espaço, as lutas dos povos são quase sempre lutas pelo mesmo objeto. Na história moderna a recompensa da vitória sempre foi – ou tem pretendido ser – um proveito territorial. Para Ratzel, portanto, o espaço tem conexão direta com o caráter nacional adquirido pelo expansionismo mundial e o solo serve de suporte para regular o destino da humanidade. Atualmente poderíamos lançar mão do determinismo geográfico para explicar, por exem- plo, com base no território brasileiro, por que os nordestinos são um povo mais comunicativo e “caloroso” quando comparados aos brasileiros que vivem ao sul do Trópico de Capricórnio. Nesse contexto, as diferenças de temperatura explicariam tudo. O calor e o frio seriam, portanto, deter- minantes para o comportamento dos brasileiros em diferentes regiões do país. Assim, o determi- nismo geográfico explicaria a diversidade que se observa na população brasileira. Considerando que o ser humano tem capacidade de adaptar-se a diferentes condições natu- rais e até de modificar-se para chegar a essa adaptação para, assim, atender às suas necessidades, rompendo as suas limitações e as climáticas, outros aspectos relacionados ao ser humano se opõem ao determinismo geográfico, como a cultura, a moral, as leis, os costumes, as capacidades e as habi- lidades em constante desenvolvimento. Esses fatores evoluem ou modificam-se independentemen- te dos fatores naturais geográficos. Assim, ideias de que a relação do ser humano com a natureza pode ser identificada também na observação ou na interpretação da paisagem em que vive passam a ficar cada vez mais fortes. Sob esse ponto de vista, surge, na França, o possibilismo, uma nova forma de pensar idea- lizada por Paul Vidal de La Blache, deslocando para esse país a discussão geográfica que tinha até então como palco a Alemanha. Assim, sob essa nova forma de se observar a relação homem-natureza, ao contrário do de- terminismo geográfico que pregava que o sucesso ou o fracasso do ser humano era ditado pela na- tureza, no possibilismo, o ser humano é considerado ativo e apto a desenvolver técnicas, métodos ou até mesmo simples ações em seu dia a dia, o que dava abertura para uma gama de possibilidades a serem percebidas pela observação da paisagem ao seu redor e, assim, preconizando uma mudan- ça de comportamento com base nela. Um espaço para viver ou espaço vital poderia ser conquistado pelo ser humano por meio do equilíbrio de suas ações em relação aos recursos ou condições naturais disponíveis, permitindo assim a sua sobrevivência e até mesmo o seu desenvolvimento. Assim, o conceito de possibilismo é um ampliador dos fundamentos da geopolítica. Segundo Vidal de La Blache, o desenvolvimento de uma população deve-se ao que ela con- quista em termos de técnica ou de adaptação natural ao longo do tempo. Além dele, à época, mui- tos pensadores declaravam suas críticas em relação às ideias de Ratzel, consideradas generalizações extremas dos fenômenos deterministas ambientais. Ao defender o possibilismo, os pensadores Fundamentos e história da Geografia24 calcavam-se na ideia de que o ser humano era ativo (e não passivo como defendido por Ratzel) e, entre eles, destaca-se Lucien Febre. Segundo Moraes (1986) algumas críticas de La Blache feitas a Ratzel construíram a estrutura do possibilismo. Nesses termos, o possibilismo se estabeleceu com um discurso menos politizado, difundindo o argumento da neutralidade do discurso científico. Além disso, o caráter naturalista, que era claramente adotado por Ratzel, não dava ao ser humano a importância devida, excluindo componentes como a criatividade na relação do ser humano com a natureza. Como historiador, Vidal de La Blache se valeu de sua formação acadêmica para fundamentar o possibilismo no desenvolvimento do pensamento geográfico. Sendo assim, propôs que “tudo que se refere ao homem é mediado pela contingência” (MORAES, 1986, p. 67). Dessa forma, Vidal de La Blache e seus seguidores tomam posicionamento de regionalizar e não de generalizar a análise do espaço. Assim, a natureza passou a ser entendida com base nas possibilidades para a ação humana,destacando-se a premissa de que o objeto de estudo da geografia era a superfície terrestre e os fenô- menos que nela são produzidos. Com isso, caberia à geografia integrar os fatos que outras ciências analisam separadamente. Para o possibilismo, não haveria necessidade de criação de novos mecanismos de análise da estru- tura do espaço em que se vive, bastava apenas observar o que se mostra. Voltando às ideias do determinismo, uma análise mais ampla dos pensamentos de Ratzel nos mostra que ele ignora os problemas que determinados espaços tinham ou poderiam vir a ter, pois era fascinado pela ideia do papel predominante do espaço natural na geopolítica. É uma teoria que futuramente o próprio Ratzel critica e a desconstrói em seus próximos estudos. Podemos perceber que o desenvolvimento das ciências da natureza foi bastante influencia- do pela forma como o ser humano foi apreendendo o mundo em que vivia. Uma delas, bastante importante, foi elaborada por meio dos estudos de Física de Newton, que utilizava a observação, cálculos e comparações de resultados com a finalidade de produzir leis, ou seja, produzir uma ciên- cia positivista, aplicada também às ciências humanas e sociais e, nesse caso, também à geografia. A geopolítica se fez valer de vários momentos da história contemporânea para crescer e tentar se manter como a consciência geográfica do Estado. Para se ter uma ideia, em 1933, quando Hitler assume o poder na Alemanha, o princípio básico pregado pelos geopolíticos da época era: espaço é poder. Assim, a geopolítica alemã encontrou adeptos e estendeu sua influência principalmente na porção norte-americana e inglesa do mundo. Assim, a ideia de mundo e de determinismo de Ratzel foi levada às últimas consequências, dando à geopolítica o papel de fornecer material às ações políticas, servir de guia para a vida prática, permitir ao ser humano passar do saber ao poder e, finalmente, ser a consciência geográfica do Estado. Muitos estudiosos afirmam que, sem o nazismo de Hitler, a geopolítica não teria se difundi- do tanto e nem entraria para a gama das ciências. É importante deixar claro que a fase do nazismo estagnou as atividades culturais e científicas na Alemanha; mesmo assim, adeptos da geopolítica militavam favoravelmente ao novo regime, enquanto outros estavam ocupados demais em discus- sões que não saíam do âmbito teórico e sem relação como o novo governo. Construção do pensamento geográfico: da Pré-História à atualidade 25 Considerações finais A contemporaneidade na geografia se delineia por meio da relação entre o homem e a na- tureza, que será tratado no capítulo seguinte, porém, já cabe destacar que, dessa relação, surgem outras que se fazem valer cada vez mais da interação espacial entre o meio e sua população. Com base nisso, a geografia, ao longo do tempo, tem buscado a renovação de algumas ideias e a busca de novos propósitos, encontrando-se no espaço e no tempo como uma ciência bem fundamentada e com seu objeto de estudo melhor definido. Ampliando seus conhecimentos • PEREIRA, R. M. F. do A. Da geografia que se ensina à gênese da geografia moderna. 3. ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1999. p. 84 a 94. Essa obra apresenta um panorama a respeito da institucionalização da geografia ao longo do tempo. • CARVALHO, Marcos Bernardino de. Geografia e complexidade. In: SILVA, Aldo; GALENO, Alex (org.). Geografia ciência do complexus. Porto Alegre: Sulina, 2004. Nessa obra você encontra textos variados destacando a geografia e suas transformações ou até mesmo reflexões sobre as necessidades de diversificações frente ao determinismo e aos preconceitos a ele relacionados e que interferiram e permearam o desenvolvimento da geografia como ciência. Atividades 1. Explique como a observação do espaço geográfico assume grande importância na relação do ser humano com a natureza desde o contexto da Pré-História da humanidade. 2. Em que período da história da humanidade teremos uma geografia considerada oficial? Por quê? Utilize como referenciais um ou mais pensadores desse período para justificar sua resposta. 3. Analise o texto de um pesquisador, apresentado a seguir: “O único presságio que se pode fazer a respeito das áreas de floresta que restam no mundo, como é o caso da Amazônia americana e das florestas tropicais africanas, é o de que essas áreas não têm outro destino a não ser o do subdesenvolvimento econômico. Como são áreas geograficamente distantes de centros urbanos – considerados desenvolvidos – e que apresentam condições naturais hostis ao ser humano – como temperaturas médias elevadas, altos índices de umidade ao longo do ano e solos pobres –, impossibilitam tentativas de integração dessas áreas ao restante das regiões do mundo e ao desenvolvimento econômico.” Fundamentos e história da Geografia26 a) Explique como podemos associar tal descrição às ideias do geógrafo alemão Friedrich Ratzel e seu método de pesquisa. b) Explique, com base em seu ponto de vista e após a leitura do conteúdo deste capítulo, por que o método de Ratzel foi alvo de críticas e o que ou quem fez oposição a ele. Referências ANDRADE, M. C. Geografia, ciência da sociedade. Recife: Ed. UFPE, 2006. BRAICK, P. R.; MOTA, M. B. História das cavernas ao terceiro milênio. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2010. FERREIRA, C. C.; SIMÕES, N. N. A evolução do pensamento geográfico. Lisboa: Gradiva, 1990. FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. GOMES, P. C. da C. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. HOFMANN, W. Lead and Lead Alloys. Properties and Technology. Berlin/ Heidelberg: Springer, Verlag, 1970. HUMBOLDT, A. von. Cosmos. Essai d’une description physique du monde, 4 tomos. Tradução: H. Faye. Gide et J. Baudry Libraires-Editeurs, Paris, 1948. KIMBLE, G. H. T. 1908 A geografia na Idade Média. Tradução: Márcia Siqueira de Carvalho. Londrina Eduel, 2013. LA BLACHE, P. V. de. As condições geográficas dos fatos sociais. In: HAESBAERT, R. et al. (org.). Vidal, Vidais: textos de Geografia Humana, Regional e Política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. MORAES, A. C. R. Geografia: pequena história crítica. São Paulo: Hucitec, 1986. RAISZ, E. J. Cartografia geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Científica, 1969. RATZEL, F. Geografia do Homem (Antropogeografia). Tradução: Fátima Murad. In: RATZEL, F.; MORAES, A. C. R. (org.). Geografia do Homem (Antropogeografia). São Paulo: Editora Ática, 1990. RITTER, C. Introduction à la géographie générale comparée. Tradução: D. Nicolas-Obadia. Cahiers de Besançon, n. 22, Besançon, 1974. SODRÉ, N. W. Introdução à geografia: geografia e ideologia. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1992. WDL. Disponível em: https://www.wdl.org/pt/sets/world-history/timeline/. Acesso em: 8 mar. 2019. 2 Escolas do pensamento geográfico e princípios metodológicos O pensamento geográfico passou por diversas transformações ao longo do tempo. Em geral, estas foram motivadas pela busca de um objeto de estudo que caracterizasse a geografia como ciên- cia. Esse processo resultou na produção de uma gama de descrições e análises que pensadores siste- matizaram e discutiram, objetivando a construção de conhecimentos para fundamentar a geografia. Nessa dinâmica histórica, diferentes linhas de pensamento adotadas permearam a constru- ção da geografia como ciência. Alguns momentos caracterizam as escolas do pensamento geográ- fico, a determinação dos princípios e, assim, a estrutura e os fundamentos da geografia, que passou a fazer parte do cenário mundial, junto a outras ciências. A geografia passou, então, de uma ciência que estava em busca ou em fase de construção do seu objeto de estudo para uma ciência que apresenta estudos e conceitos que a fundamentam em um objeto definido: o espaço e as relações que o ser humano apresenta nele. 2.1 Escolas do pensamento geográfico: do tradicional ao moderno A valorização dos aspectos físicos da Terra caracterizouos estudos da geografia em sua fase denominada de tradicional1. Nessa fase, foram desprezados ou mesmo considerados pouco signi- ficativos os estudos do espaço geográfico resultantes ou associados à dinâmica populacional e à história do lugar. A geografia era predominantemente física. Consequentemente, os aspectos da natureza (ou físicos) não eram considerados no estudo da população. Podemos perceber uma nítida dicotomia entre a geografia física e a geografia humana na fase da geografia tradicional. Sabemos que essa visão dicotômica é equivocada e deixou à mostra problemas nessa ciência – que apresentam reflexos até hoje –, uma vez que não é possível separar o ser humano do meio em que vive. Como qualquer outra corrente de pensamento na área, a geografia tradicional teve seus ali- cerces e, nesse caso, o positivismo, típico da geografia tradicional e tido como empirista e natura- lista, tinha essa função. A geografia pautada no positivismo é aquela que estuda a realidade por meio dos sentidos do pesquisador, ou seja, para que um fenômeno seja pesquisado, ele deve ter aspectos palpáveis, men- suráveis e visíveis. Essa condição para o estudo deu à geografia a característica de “ciência empírica”, que depende do que alguém viu, sentiu ou percebeu do fenômeno. Desse modo, os procedimentos adotados para análise em seus estudos – descrição, enumeração, classificação e comparação, que 1 A fase tradicional ocorreu entre 1870 e 1950, com influência principalmente das obras de Alexandre Von Humboldt e de Karl Ritter. Fundamentos e história da Geografia28 serão estudados nos próximos capítulos – permitem que o pesquisador chegue a conclusões gerais, leis e à explicação científica. A adoção de um método de pesquisa é importante para legitimar a ciên- cia. Para tanto, a geografia tradicional utilizou o método científico – que faz uso da: • observação, portanto, sempre de um fenômeno visível e palpável; • da descrição, ou seja, o fenômeno tinha que ser mensurável; e • da classificação dos dados obtidos. Esse método não prevê a relação que poderia haver entre os fenômenos, caracterizando, as- sim, uma postura compartimentada da geografia, eliminando qualquer relação que possa haver entre homem-natureza diante dos fenômenos, sejam eles naturais ou humanos. Temos, assim, o surgimento de um paradigma que lançou as bases na geografia tradicional: o conhecimento calcado na neutralidade científica e no uso principalmente do empirismo: o pa- radigma da geografia. Assim, com base nesse paradigma, podemos associar as principais limitações da geografia tradicional à fragmentação dos conhecimentos produzidos e à ausência de reflexões a respeito do que se pesquisa. É como se o fenômeno estudado não estivesse inserido em um contexto social, político ou epistemológico. Dessa forma, a geografia tradicional ignora mediações/relações entre fenômenos, formu- la descrições genéricas e muitas vezes simplificadas na busca por resultados formais, sem vínculo histórico e abstratos, comprometendo-se como ciência, manifestando a ideia da existência de um método de interpretação único e comum às ciências em geral. Nessa fase, a geografia foi reconhecida como uma ciência de contato entre o que é natural e o que é social. O ser humano é considerado um elemento da paisagem, um fenômeno da superfície terrestre, ou seja, simplesmente faz parte do lugar. Um exemplo seria dizer que a agricultura é mais importante do que o agricultor, ignorando que é da relação entre o sujeito da ação e o resultado dela que a paisagem é formada. É também na fase tradicional que a geografia é considerada uma ciência de síntese, ou seja, deveria classificar e hierarquizar os conhecimentos de todas as outras ciências, em uma tentativa de torná-la o pódio do saber científico, já que todas as ciências deveriam passar pela geografia, ou seja, tudo deveria ser verificado pela análise geográfica. Alguns princípios elaborados no processo de evolução da geografia foram formulados e “blindados” pela pesquisa de campo, que os tornava conhecimentos definitivos para nortear a aná- lise do geógrafo e jamais poderiam ser ignorados. neutralidade cientí- fica: a escolha dos temas estudados é feita apenas em nome da produção do conhecimento, com um fim em si. epistemológico: conceitual. Escolas do pensamento geográfico e princípios metodológicos 29 Entre eles estão os princípios da: • unidade terrestre: a Terra é o todo a ser estudado e só pode ser compreendida sob o ponto de vista de conjunto; • individualidade: cada lugar é único e deve ser estudado como tal; • atividade: tudo na Terra está constantemente se modificando; • conexão: elementos da superfície terrestre estão inter-relacionados; • comparação: individualidades dos fenômenos precisam ser analisadas; • extensão: cada fenômeno ocorre em uma parte variável da Terra; • localização: todo fenômeno pode ser devidamente delimitado e, portanto, localizado na superfície terrestre. Cabe agora perguntar: a ideia de princípios remonta ao positivismo? Na geografia tradicio- nal, os princípios confirmam que a sistematização, proposta pelas ideias positivistas que permea- ram a geografia, foi um caminho para sua definição como ciência, baseou discussões sobre seus métodos, deu margem a críticas e permitiu que processos metodológicos antagônicos apresentas- sem uma unidade, na diversidade que é o espaço em que vivemos. A geografia tradicional também colocou em evidência conceitos como o de paisagem e região. Com base nesses conceitos, foram estabelecidas discussões que contribuíram para a busca de seu objeto de estudo, porém, sob a sombra dos dualismos – como os da geografia física e geografia huma- na; geografia geral e geografia regional –, que perpassam todo o pensamento geográfico tradicional. Agostinho Cavalcanti (2010) explica em seu livro Fundamentos históricos da Geografia que, na geografia tradicional, a geografia física é mais estruturada cientificamente do que a geografia humana, que ainda está procurando se ajustar quanto à sua definição e finalidade. A década de 1950 marca a crise nas ideias alavancadas pela geografia tradicional. Os anos de 1960 também se mantiveram assim por causa dos questionamentos às suas abordagens, chegando a 1970 com as ideias que a fundamentavam praticamente deixadas de lado e seus conceitos consi- derados ultrapassados. A geografia tradicional e sua linha de pensamento não conseguiu acompanhar as necessi- dades da época – lembrando que o período que se destacou foi um período pós-Segunda Guerra Mundial. O cenário era formado de territórios modificados por esse conflito e um sistema econô- mico em transição pela expansão do capitalismo no espaço mundial. Um novo mundo surgia e, com ele, a necessidade de uma nova abordagem geográfica dos fenômenos. É desse contexto histórico que começa a se formar o que foi denominada de geografia quan- titativa (ou geografia teorética; assim denominada por um erro na tradução para o português aqui no Brasil, que deveria denominar-se teórica), e como se pode perceber pela denominação, a uti- lização da matemática e seus métodos. Temos, a partir de então, uma geografia mais pragmática, como diz Cavalcanti (2010). É importante entender que, entre uma corrente geográfica e outra, não há um limite abrupto ou uma data específica em que uma sucede a outra. Fundamentos e história da Geografia30 O que ocorre no limiar, entre uma corrente e outra, é uma mudança gradativa do pensamen- to geográfico, que se caracteriza pela revisão ou alteração de conceitos ou leis. Assim, ao longo do tempo, conceitos ou leis, novos ou revisados, passam a compor os trabalhos ou estudos de ambas perspectivas da “velha” e da “nova” geografia. Faissol (1978) mostra que a geografia transita durante algum tempo entre a tradicional e a nova geografia, que está ainda se delineando. Em Burton (1977) afirma-se que o novo modelo da geografia é resultante das revoluções que também ocorreram em outrasciências como a física, a matemática e a biologia. Segundo Christofoletti (1985), algumas características dessa nova fase da Geografia devem ser destacadas, como a utilização de: • linguagem oriunda da matemática; • aporte e metodologias derivadas das ciências exatas; • computadores; • neutralidade científica; • imparcialidade do pesquisador; • abordagem espacial; • maior rigor no enunciado, verificação de hipóteses e verificação de resultados; • criação de simetria entre os dados do passado e os do futuro com base nas observações do presente. Na geografia quantitativa, o espaço é aceito como a dimensão da análise geográfica e a su- perfície terrestre como objeto de estudo. Essa corrente de pensamento surgiu na Alemanha, Suécia e Finlândia (no continente europeu) e depois disseminou-se pelos Estados Unidos (no continente americano), para então chegar a outras partes do mundo. Podemos destacar no Brasil, nesse mes- mo período, a criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo Burton (1977, p. 68), os geógrafos transformaram a geografia buscando técnicas quantitativas para estudar os fenômenos, mas a falta de entendimento dessa nova forma de pensa- mento levou ao desuso dos dados palpáveis, mensuráveis, sensoriais ou provenientes da percepção do pesquisador. Cristofoletti (1985) comenta que a geografia figura novamente como um paradigma nessa fase quantitativa, enquanto outros geógrafos, como Milton Santos (1978), destacam que nessa fase a geografia torna-se limitada em seus estudos, que dependem basicamente de dados estatísticos. Faissol (1978, p. 6) destaca que a individualidade da geografia, na fase quantitativa, é muito grande e, ao mesmo tempo, pouco significativa. Esse contraste ocorre porque finalmente ela en- contra seu lugar entre as ciências (ganho de individualidade) e porque o nível de complexidade Escolas do pensamento geográfico e princípios metodológicos 31 organizacional dos seres humanos cresce tanto, a ponto de ser necessário fazer uso dos conheci- mentos de várias ciências para melhorá-la (perda de individualidade). Os trabalhos e pesquisas de Andrade (1987) mostram que, na fase quantitativa, a geografia e seus geógrafos abandonaram antigas convicções e criaram novas, sem ao menos verificar a pos- sibilidade de estudar aplicações de métodos já existentes, sob o ponto de vista quantitativo. Outro aspecto importante destacado por Andrade reside no fato de que alguns geógrafos não dominavam suficientemente a matemática e a estatística e, por isso, a geografia estaria sendo fundamentada em muitos equívocos. É importante lembrar também que a prática e a teoria foram ainda mais dissociadas com o advento da geografia quantitativa, pois os pesquisadores passavam a conhecer o espaço por meio de dados estatísticos (teoria) – fechados em gabinetes e debruçados sobre planilhas, ou seja, sem inter- ferências ou pesquisas in loco (o que corresponderia à prática), o que resulta nas principais críticas. Ferreira e Simões (1986, p. 90) elencam as principais críticas dessa fase da geografia, afir- mando que: • os modelos (métodos e técnicas) encontram-se afastados da conduta real do homem; • os modelos procuram apenas descobrir o aspecto que tomaria o mun- do tendo em consideração apenas certos pressupostos da racionalida- de econômica; • a nova geografia não se preocupa com a resolução dos problemas sociais. Entre as críticas citadas, cabe destacar a última, mais contundente e que conduziu os des- contentes dessa linha de pensamento, sendo bastante questionada. Desse modo, surge, por volta de 1970, a geografia crítica, fundamentada no materialismo histórico, uma nova corrente do pen- samento geográfico. 2.2 Escolas do pensamento geográfico: da crítica à percepção O espaço produzido pela sociedade caracteriza o objeto de estudo da geografia crítica, tam- bém chamada de geografia radical2. Essa corrente de pensamento buscou também associar e inves- tigar os interesses de uma sociedade que produz determinado espaço. Essa linha se desenvolveu em um cenário do final dos anos 1960, em um ambiente de críticas e contestações nos EUA em função da Guerra do Vietnã, crise de urbanização, manifestações de luta por direitos civis etc. Surge, então, uma geografia que procurava ser crítica e atuante na sociedade. Vários são os autores marxistas de referência para a fundamentação teórica para a geografia crítica e, entre eles, estão: Althusser, Poulantzas, Manuel Castells, Paul Sweezy, Gunther Frank, Paul 2 Cristofoletti, ao longo do seu livro intitulado de Perspectivas da Geografia, refere-se à geografia desse período, final de 1960 e anos da década de 1970, como geografia de relevância social e geografia marxista. Fundamentos e história da Geografia32 Baran e Samir Amim. Essa relação da geografia com o marxismo não teve nada de tranquila e nessa análise não há espaço para a preocupação com a natureza. Segundo David Harvey, embora Marx admitisse a importância do espaço e do lugar, ele teria eliminado a variação geográfica (espaço e lugar) por considerá-la uma “complicação desne- cessária” para a sua análise. Marx estava mais preocupado com a análise das homogeneidades do processo de produção capitalista de um espaço, e a consideração da variação geográfica remeteria, necessariamente, à discussão da diferença. Em outras palavras, naquele momento importava para o pensamento de Marx compreender, sobretudo, a homogeneização proporcionada pelas novas relações entre o capital e o trabalho, que faziam parte da sociedade. Essa sociedade, em boa parte, formava o que Marx denominou de proletariado industrial – os agentes (dinamizadores) das ativi- dades produtivas. Nesse contexto, há uma ênfase dada à História, fazendo surgir uma geografia submissa aos as- pectos humanos. Esses aspectos correspondem aos de uma sociedade que vive em determinado espaço geográfico (aspecto físico da geografia) e esse espaço era, muitas vezes, desconsiderado nas análises. A geografia crítica, com base nas ideias de Marx, concebeu a região como parte de um todo, e esse todo não seria mais harmônico em se tratando de elementos, e sim um todo histórico. Na prática, o mundo não era mais concebido como um conjunto na análise geográfica, mas formado por diferentes partes. Essa concepção trouxe à tona a noção de diferença que particularizou essa corrente do pensamento geográfico, a qual considerava que não bastava apenas explicar o mundo e sim transformá-lo para, então, explicá-lo. Nesse contexto, surgiram autores cujas obras atualmente temos como referenciais bibliográ- ficos clássicos da geografia crítica, com importantes trabalhos de preocupação social e conteúdo político, como Yves Lacoste, Milton Santos, Manuel Correia de Andrade, Orlando Valverde, Josué de Castro. Essa geografia crítica influenciou também a produção de material didático, levando para a educação novas formas de interpretar as categorias de análise do espaço geográfico, como o terri- tório, a região, a paisagem e o lugar. Essa corrente considerou a apropriação dos recursos da natu- reza pela sociedade, ou seja, como se a natureza existisse a serviço do ser humano. Nesse aspecto, Moraes (1983, p. 117) menciona que a geografia crítica ou radical nasceu, praticamente, da versão mais progressista da geografia regional desenvolvida na França, mostrando uma postura crítica em relação à geografia tradicional e à moderna. Fazia parte do papel dos geógrafos, nessa visão, posicionar-se em relação à realidade social do mundo, considerando o saber geográfico como uma referência para a transformação. Sob um ponto de vista mais amplo, são os geógrafos, pesquisadores, cientistas da sociedade e professores que propõem uma linha mais crítica da geografia e ajudam a assumir um conteúdo que associa o conhecimento científico ao da política, objetivando formar cidadãos que lutem por uma sociedade mais justa, ou seja, mais críticos. Ives Lacoste (1988), no livro A Geografia serve, antesde mais nada, para fazer a guerra, foi considerado um crítico incisivo à geografia tradicional. Lacoste defende que, por um lado, há Escolas do pensamento geográfico e princípios metodológicos 33 Estados (governos) que se utilizavam da geografia praticada para conhecer estrategicamente o es- paço geográfico e organizá-lo com base em suas necessidades geopolíticas (geografia crítica). Por outro lado, havia a geografia praticada nas instituições de ensino, que trazia um conhecimento inútil aos alunos, com a descrição e indicação de lugares e quantificação de dados sem significado (geografia tradicional). Na geografia crítica brasileira, temos como destaque as obras de Milton Santos – semeando uma geografia que faz uma leitura crítica do mundo, dando a essa ciência e seu conhecimento a visibilidade de seu método totalizador e que leva em consideração a dinâmica do mundo em que vivemos. Em meio a essa ascensão da geografia crítica, surge já na década de 1960 a geografia da per- cepção, tendo uma abordagem humanística. Trata-se de uma corrente que critica todas as escolas anteriores e, ao contrário do que se tinha até então, a geografia da percepção destaca o papel do ser humano – a ação de cada pessoa no espaço em que vive –, levando em consideração a subjetividade e a criatividade inerentes ao ser humano, valorizando seu papel ativo na construção e transforma- ção do espaço geográfico e, dessa forma, representando-o com mais fidelidade. Essa linha de pensamento abriu caminho para uma abordagem geográfica mais examinado- ra, justificando a denominação geografia da percepção, objetivando perceber o espaço conhecido ou espaço vivido e as intenções do ser humano nesse espaço. A fundamentação teórica dessa linha da geografia se sustenta em trabalhos como os de Yi-Fu Tuan, Anne Buttimer e Edward Relph, entre outros, cuja base é a fenomenologia, que procura ex- plicar a natureza das relações que o ser humano estabelece com o espaço em que vive. Na geografia da percepção, a categoria do espaço geográfico que se destaca é o “lugar”. O lugar refere-se ao espaço onde o indivíduo estabelece o maior número de relações imediatas e onde estão suas relações de afetividade ou até mesmo de recusa. Nessa corrente geográfica – ou linha de pensamento – os conceitos de espaço, tempo e paisagem são estudados por meio de uma abordagem que leva em consideração lembranças visuais, sons, aromas e até a percepção de tem- peratura do lugar, além da sua geograficidade, ou seja, como o ser humano sente o lugar e como se sente em relação a ele. Assim como outras escolas ou correntes do pensamento geográfico, a geografia da per- cepção também é alvo de críticas. Uma das críticas mais relevantes diz respeito à falta de estudos que abordem as estruturas de uma sociedade, pois, segundo a crítica, a geografia da percepção dá foco exagerado ao papel do indivíduo no fenômeno. Outra crítica que merece destaque trata da mescla de fatos e imagens, que podem em muitas vezes ser confundidos, já que as imagens, na linha da geografia da percepção, podem ser fruto das experiências vividas ou da visão de mundo que o indivíduo tem. Os geógrafos da linha da percepção estudam o espaço com base em um conjunto de ideias – provenientes do tato, olfato, audição, visão e do pensamento – que nos permitem reconhecer es- truturas e a posição de elementos do espaço geográfico. Segundo Yi-Fu Tuan (1980), o reconhecimento dos objetos implica no reconhecimento do espaço, seus objetos e a relação de distância entre os objetos. É importante lembrar que, nessa linha Fundamentos e história da Geografia34 de pensamento, a percepção de espaço se define muito mais pela dimensão proposta pelo indiví- duo do que pela medida que há entre os elementos; assim, estar perto ou estar próximo pode não significar uma proximidade física, mas ser resultante do relacionamento afetivo que se tem com as pessoas ou com o lugar. Para exemplificar, podemos citar o sentimento de pertença que o indivíduo desenvolve em relação aos lugares. Uma pessoa pode, por exemplo, estar morando atualmente em um bairro da cidade, porém sentir-se mais próxima de outro, em que viveu mais tempo ou onde moram seus familiares, pois é lá que estão os seus laços afetivos mais intensos. Desse modo, o conceito de pai- sagem evolui, de acordo com a percepção do espaço, pois, além da visão, os elementos percebidos pelo ser humano integram esse conceito. Na geografia da percepção, temos o entrelaçamento do grupo com o lugar ou do lugar com o grupo. Valorizam-se também as condições ambientais e os aspectos que fazem com que pessoas prefiram um lugar em detrimento de outro. De que forma ou quando essa percepção em relação ao espaço acontece? Desde o nascimento, o ser humano inicia sua exploração do espaço. Portanto, a construção da noção espacial começa em suas experiências corporais, que se concretiza com o desenvolvimen- to físico do indivíduo, por meio da noção do próprio corpo (esquemas corporais), da conscientiza- ção da lateralização (noção de direita e esquerda, frente e atrás) e do desenvolvimento das funções motoras (engatinhar, andar). Figura 1 – Esquema corporal em brincadeiras M ay a2 3K /i St oc k. co m As interações e brincadeiras auxiliam no desenvolvimento físico do indivíduo e na exploração do espaço de vivência. Escolas do pensamento geográfico e princípios metodológicos 35 Segundo Wallon (1973, p. 9), o esquema corporal corresponde à representação que a criança faz de seu próprio corpo e se consolida ao longo do tempo por meio das experiências que tem em seu dia a dia. Figura 2 – Criança representando seu corpo W av eb re ak m ed ia /i St oc k. co m A construção da noção de espaço é gradativa e quando se tem a consciência corporal – com- provada pelo próprio corpo –, passa-se a projetar essa consciência para objetos, elementos ou ou- tras pessoas. O estudo da geografia da percepção desenvolve-se atualmente e vincula cada vez mais as ex- periências espaciais pessoais ao seu método, buscando abordar tais subjetividades cientificamente. 2.3 Importância da geografia na compreensão do mundo O que é a geografia afinal? Qual é a sua importância? Para que serve? É um conhecimento relevante para a sociedade? Essas e outras questões permeiam a ciência geográfica, que, assim como outras ciências, têm discordâncias internas. A geografia é importante, portanto, para o estudo do espaço geográfico em suas múltiplas facetas (aspectos humanos, físicos, econômicos etc.), e essa multiplicidade caracteriza um diferen- cial, pois a abordagem nesse estudo é tanto humana quanto natural. A abordagem geográfica é vasta, mas o seu objetivo é o de proporcionar, seja pela produção acadêmica, seja pelo ensino, o desenvolvimento da cidadania ética, moral e política. Do mesmo modo, a geografia como ciência humana também objetiva estudar a produção do espaço geográfico. Fundamentos e história da Geografia36 Figura 3 – Geografia e produção do espaço Ciência humana Geografia Produção do espaço geográfico Conceitos Fonte: Elaborada pela autora. O espaço geográfico como objeto de estudo da geografia também a caracteriza como ciência da Terra. Esse objeto, que se define ao longo do tempo, pode ser observado no estudo em todos os tempos. Assim, a geografia é uma ciência dinâmica, que interage naturalmente com outras ciências e estuda o espaço em suas diferentes escalas de análise, além de ser uma ciência que produz conhe- cimentos com base nas relações entre a sociedade e a natureza. Como o espaço é produzido? Quem o produz? Analise as imagens: Figura 4 – Agricultura mecanizada M ih ai lD ec he v/ iS to ck .c om Escolas do pensamento geográfico e princípios metodológicos 37 Figura 5 – Fujian Tulou ou Hakka – construções rurais chinesas G uo Ka ng K oo /i St oc k. co m Figura 6 – Comunidade no Rio de Janeiro ev en fh /i St oc k. co m As imagens demonstram que é o ser humano, em seus aspectos negativos ou
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