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IMAGINOLOGIA Tiago Todescatto Introdução à medicina nuclear Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Classificar técnicas e aplicações da medicina nuclear. � Descrever o conceito de radiofármaco e sua aplicação na medicina nuclear. � Reconhecer os principais equipamentos utilizados em medicina nuclear. Introdução A medicina nuclear (MN) é uma especialidade que vai além de um sistema de aquisição de imagens médicas. Utilizando materiais radioativos nas suas aplicações, ela atua tanto na produção de imagens para diagnóstico quanto no tratamento de diversas doenças, como o câncer. Outras técni- cas de imagem, como radiografias convencionais, ressonância magnética nuclear e tomografia computadorizada, têm o objetivo de mostrar a parte anatômica das estruturas; já na medicina nuclear são examinados, especificamente, os órgãos e suas funções fisiológicas em nível molecular por meio radiotraçadores, que interagem diretamente com a região de estudo sem alterar as funções fisiológicas dos órgãos e sistemas. Neste capítulo, você vai estudar as técnicas, aplicações, funções e tipos de procedimentos utilizados na medicina nuclear. Medicina nuclear e suas aplicações práticas A medicina nuclear é uma especialidade médica que faz uso de radiação ionizante, emitida dos núcleos atômicos produzidos artificialmente em ace- leradores nucleares ou cyclotrons, para diagnosticar processos patológicos e realizar tratamentos em diversos órgãos do corpo humano. As principais técnicas utilizadas na medicina nuclear consistem na combinação de um fármaco com um radionuclídeo, dando origem ao radiofármaco. Posterior- mente, o radiofármaco é administrado no paciente, a fim de retratar aspectos fisiológicos e bioquímicos ou processos patológicos no paciente, sem causar qualquer dano fisiológico. As técnicas de aplicação consistem na administração do radiofármaco ao paciente. As principais vias de administração são intravenosa, oral ou inalatória. O material radioativo combinado com o fármaco segue até o local- -alvo, realizando o tratamento, ou o equipamento faz a captura da radiação no local de interesse e converte-a em imagens do funcionamento do(s) órgão(s). A programação dos exames de medicina nuclear varia de paciente para pa- ciente, e é feita de acordo com o tipo de estudo e o órgão estudado, e, principal- mente, considerando o tempo de meia-vida dos radiofármacos administrados. A maioria dos radionuclídeos utilizados na medicina nuclear são produzidos artificialmente em laboratórios específicos, por meio do bombardeamento de materiais estáveis com nêutrons ou partículas carregadas, ou por fissão nuclear. Bombardeamento nuclear é a ação pela qual um nêutron acelerado por um acelerador de partículas entra no núcleo estável do elemento-alvo (átomo) e libera radiação. A fissão nuclear é o fenômeno no qual um núcleo instável de um átomo se quebra em dois espontaneamente ou pelo efeito do bombar- deamento artificial. Após essa fissão nuclear acontece a liberação de radiação eletromagnética ou de partículas. Veja a Figura 1. Introdução à medicina nuclear2 Figura 1. (a) Bombardeamento nuclear. (b) Fissão nuclear. Fonte: Adaptada de (a) general-fmv/Shutterstock.com; (b) Peter Hermes Furian/Shutterstock.com. Nêutron acelerado Núcleo atômico Emissão de radiação Dois núcleos Núcleo instável Emissão de radiação (b) (a) 3Introdução à medicina nuclear Esses isótopos radioativos (radionuclídeos) produzidos para aplicação na medicina nuclear têm um tempo de meia-vida muito curto, geralmente de horas. Isso acaba sendo um problema, pois as empresas responsáveis pela produção desses radionuclídeos precisam estar localizadas próximas ao hospital ou clínica solicitante. Imagine esta situação: se o radionuclídeo tem um tempo de meia-vida de 6 horas e a empresa que o produz está a uma distância de 6 horas do hospital que o solicitou, quando esse material chegar ao hospital, a intensidade máxima do material radioativo terá caído pela metade, ou seja, ela será de apenas 50% do total. No gráfico apresentado na Figura 2, observe que, depois de 24 horas, o radionuclídeo Tecnécio 99m só terá 6,25% da sua intensidade máxima, ou seja, não terá mais utilidade na medicina nuclear. Figura 2. Gráfico mostrando o tempo de meia via do radionuclídeo Tecnécio 99m. Fonte: Adaptada de MilanB/Shutterstock.com. 100% 50% Tecnécio 99m 25% 12,5% 6,25% 6 horas 12 horas 18 horas 24 horas Para resolver parte desse problema, foram desenvolvidos os geradores de radionuclídeos. As empresas responsáveis pela fabricação do material radioa- tivo colocam nesses geradores um radionuclídeo pai, com tempo de meia-vida longo, que se transmutará em e um radionuclídeo filho, com tempo de meia- -vida curto. Os geradores então podem ser enviados aos hospitais e clínicas solicitantes com antecedência (de uma semana ou até meses) e programados de modo que o radionuclídeo filho esteja nas condições adequadas minutos ou horas antes do exame. Introdução à medicina nuclear4 Devido ao tempo de meia-vida dos radionuclídeos ser curto, a maioria das preparações, em que é combinado o radionuclídeo com o fármaco para a formação do radiofármaco, é realizada no próprio hospital ou clínica, em um espaço denominado departamento de medicina nuclear ou farmácia nuclear. Esses radiofármacos geralmente são preparados por biomédicos, tecnólogos em radiologia, médicos ou farmacêuticos nucleares. As radiações são classificadas em ionizantes e não ionizantes. Toda energia capaz de ejetar elétrons dos átomos, transformando esses átomos em íons, são chamadas de radiação ionizante (por exemplo, raios X, raios gama, partículas alfa e beta). Ou seja, toda radiação ionizante terá energia necessária para alterar a estrutura da matéria. Por outro lado, todas as radiações que não têm energia suficiente para arrancar elétrons dos átomos são consideradas não ionizante (por exemplo, ondas de rádio, micro-ondas, infravermelho, luz visível, ultravioleta). Acompanhe na Figura 3 o espectro eletromagnético das radiações ionizantes e não ionizantes. Figura 3. Espectro eletromagnético das radiações ionizantes e não ionizantes. Fonte: Adaptada de Polina Kudelkina/Shutterstock.com. Energia Radiação não ionizante Radiação ionizante Radiação segura Perigo baixo Perigo médio Radiação segura Perigo extremo Extremamente baixa Ondas de rádio Micro-ondas Infra-vermelho Luz visível Ultra- violeta Raio X Raios gama Radiofrequência Comprimento de onda Os radionuclídeos utilizados na formação dos radiofármacos emitem ra- diação do tipo ionizante; dessa forma, ao se deslocar até o alvo, essa radiação promove a destruição das células tumorais. Além de agir no tratamento, os radionuclídeos específicos chegarão até o órgão de interesse e se concentrarão na lesão, assim, a radiação do radionuclídeo fará um mapa completo do órgão e mostrará claramente suas funções. Todas as informações são captadas pelo 5Introdução à medicina nuclear equipamento e transformadas em imagens, que serão analisadas pelo médico especialista; com isso, o diagnóstico é feito de forma eficiente. Qualquer dose de radiação ionizante é prejudicial à saúde humana, por isso, todos os cuidados devem ser tomados na fabricação do radionuclídeo, e sua aplicação deve ser realizada com critério. Para isso devem ser seguidos todos os protocolos de proteção radiológica. As radiações, quanto a sua natureza, podem ser classificadas em eletro- magnéticas ou corpusculares. As radiações eletromagnéticas se propagam em forma de ondas e têm um maior poder de penetração, e as radiações corpusculares se propagam em forma de partículas e têm um menor poder de penetração. Como você pode ver na Figura 4, um simples papel é capaz de bloquear a passagem da radiação alfa, porque essa é uma partícula pesada; por outro lado, as radiações beta, X e gama penetram facilmente pelo papel. A radiaçãobeta penetra alguns milímetros no corpo humano, mas é bloqueada pelo alumínio. As radiações X e gama atravessam facilmente o corpo humano e o alumínio, mas são barradas pelo chumbo. Os nêutrons são os que têm um maior poder de penetração, atravessando papel, corpo humano, alumínio e chumbo, sendo barrados apenas pela água ou pelo concreto. Figura 4. Ondas eletromagnéticas e partículas corpusculares — tipos de radiação. Fonte: Adaptada de VectorMine/Shutterstock.com. Alfa Beta Gama Raios X Nêutron 2 prótons e 2 nêutrons Elétrons de alta energia Radiação eletromagnética de alta energia Nêutrons livres Ionização Ionização Ionização Ionização Poder de penetração Alfa é barrada pelo papel Beta é barrada pelo alumínio Raios X e gama são barrados pelo chumbo Nêutron é barrado pela água ou concreto Introdução à medicina nuclear6 Se compararmos as radiações ionizantes eletromagnéticas e corpusculares, notaremos que as partículas corpusculares têm um menor poder de penetração, mas um maior poder de ionização, causando maiores danos biológicos se inaladas ou ingeridas. O corpo humano, assim como tudo que existe na natureza, é constituído de átomos, que são elementos básicos que dão origem a todas as massas que ocupam espaço. Esses átomos são compostos por um núcleo com prótons e neutros e por uma eletrosfera, onde os elétrons estão distribuídos em suas respectivas camadas eletrônicas, de acordo com o nível de energia específico de cada elétron. Os radionuclídeos também são átomos, entretanto, eles são radioativos, ou seja, emitem radiação. Podemos encontrar esses radionuclídeos na natureza, aos quais chamamos de elementos radioativos naturais, e também podemos criar radionuclí- deos artificiais, utilizando equipamentos específicos, como os reatores nucleares e os cyclotrons (IPEN, 2019). Radiofármacos e aplicações práticas Os radiofármacos são a combinação de um material radioativo (radionu- clídeo) com um fármaco que o guiará até o alvo (local de estudo). Todos os radiofármacos têm um tempo de meia-vida (t1/2) específico, ou seja, após um determinado tempo, sua intensidade máxima cai pela metade. Atualmente, cerca de 38 tipos diferentes de radionuclídeos são aplicados na medicina nuclear, e a escolha do tipo de radionuclídeo dependerá do objetivo clínico. Por exemplo, se o objetivo do exame é a aquisição de imagens para diagnós- tico, será utilizado um radionuclídeo que emite radiação eletromagnética (por exemplo, radiação gama); se a finalidade for terapêutica, é utilizado um radionuclídeo com emissão de partículas (por exemplo, partícula beta). 7Introdução à medicina nuclear Também são consideradas as caraterísticas físicas do radionuclídeo para o desenvolvimento do radiofármaco, seu tempo de meia-vida, tipo de radiação emitida (por exemplo, radiação alfa, beta, gama, pósitron etc.). Para o diagnós- tico, por exemplo, os radionuclídeos mais comuns utilizados são os seguintes: � Gálio 67 (t1/2 de 3 dias). � Iodo 131 (t1/2 de 8 dias). � Flúor 18 (t1/2 de 109 minutos). � Tecnécio 99m (t1/2 de 6 horas). Acompanhe na Figura 5 uma ilustração do uso de Iodo 131 para estudo da glândula tireoide. Figura 5. Iodo 131 sendo aplicado para estudo da glândula tireoide. Fonte: Adaptada de rumruay/Shutterstock.com. Captação da tireoide Material radioativo Iodo 131 Glândula da tireoide xxxxxx xxxxxx xxxxxx xxxxxx xxxxxx Podemos classificar os radiofármacos em primeira geração e segunda geração. Os de primeira geração são os radiofármacos de perfusão, que se distribuem no sangue de acordo com a proporção e atingem o alvo. Já os radiofármacos de segunda geração são específicos: por meio de biomoléculas específicas, são direcionados ao interior das células através dos seus receptores. Introdução à medicina nuclear8 Os radionuclídeos emissores de radiação gama são frequentemente aplicados em diagnóstico em medicina nuclear (por exemplo, na cintilografia da tireoide). Isso é possível porque o decaimento desses radionuclídeos dá origem à radiação eletro- magnética, que é muito penetrante e consegue atravessar os tecidos, ser detectada externamente pelos equipamentos e convertida em imagens funcionais. Se quiser aprofundar seus estudos sobre esse assunto, acesse o link a seguir. https://qrgo.page.link/T8ukb Equipamentos utilizados no diagnóstico em medicina nuclear Em medicina nuclear, a obtenção de imagens dos órgãos internos do corpo do paciente é realizada por equipamentos de tomografia computadorizada por emissão pósitrons (PET) e por câmara de cintilação de Anger, mais conhecida por câmara gama ou gama câmara. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (2006), a câmara de cintilação de Anger foi lançada comercialmente em 1964 e é o instrumento padrão para obtenção de imagens estáticas e dinâmicas em medicina nuclear. Na Figura 6 você pode visualizar um exemplo desse equipamento. A PET é um sistema valioso; com essa ferramenta é possível analisar o metabolismo dos tumores. Ao longo dos anos, a tecnologia se aperfeiçoou bastante, combinando o sistema PET com os scanners híbridos, dando origem à PET/RM. Nesses sistemas, é possível avaliar tanto a funcionalidade dos órgãos quanto a anatomia, porque a ressonância magnética (RM) oferece uma resolução muito boa dos tecidos moles, e a PET demonstra bem suas funções. Esse sistema está ganhando espaço nas clínicas e hospitais de todo o mundo. 9Introdução à medicina nuclear Figura 6. Equipamento de gama câmara. Fonte: Petr Smagin/Shutterstock.com. Os equipamentos utilizados na medicina nuclear têm a função de captar a radiação emitida pelos radiofármacos inseridos no corpo do paciente. Dessa forma, é possível fazer uma avaliação completa da função do órgão ou da doença estudada. As tecnologias evoluíram bastante, melhorando os sistemas de aquisição de imagens. A tecnologia do PET scan, por exemplo, foi unida à tomografia computadorizada, dando origem à PET/CT; com isso houve um ganho muito grande na obtenção de informações tanto morfológicas quanto funcionais dos órgãos e sistemas. Em oncologia, por exemplo, os equipamentos de PET/CT são geralmente indicados para os tumores de pulmão, câncer de mama, câncer de cólon retal, câncer de esôfago, câncer de cabeça e pescoço, melanoma, sarcomas, câncer de colo do útero, linfomas, entre outros. A formação e capacitação profissional é de extrema importância, tanto para aqueles que já atuam quanto para aqueles que pretendem atuar na medicina nuclear, pois essa área requer atenção máxima, uma vez que utiliza radiação ionizante e envolve vidas. Com isso, pretende-se oferecer um atendimento humanizado de qualidade e segurança aos usuários e aos trabalhadores. Introdução à medicina nuclear10 IPEN. Produção de Radiofármacos no IPEN. Brasília, DF, 2019. Disponível em: https:// www.ipen.br/portal_por/portal/interna.php?secao_id=9&campo=1911. Acesso em: 30 set. 2019. SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA. 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