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ADPF-54: A DISCUSSÃO ACERCA DO DIREITO AO ABORTO DE FETOS ANENCÉFALOS

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adpf-54: a discussão acerca do direito ao aborto de fetos anencéfalos
Autor
os hard cases: uma INTRODUÇÃO AO TEMA
Em tradução livre, o termo hard case significa “caso difícil”, em inglês. Essa definição, no âmbito jurídico, se refere aos casos os quais o ordenamento jurídico não se direciona diretamente. Entretanto, devido ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, o julgador não pode se negar a tutelar o caso, e vê-se obrigado a utilizar um elevado nível de interpretação e ponderação acerca dos fatores envolvidos no caso concreto, de modo a encontrar uma solução. Nesse sentido, a mistura de valores e dilemas jurídicos envolvidos nas decisões tem grande potencial para causar polêmicas e discussões que atingem todas as esferas da sociedade.
Dessa forma:
Os hard cases são considerados complexos, pois se faz necessário levar em consideração um enorme leque de fatores e em decorrência disso é preciso ir além do texto positivado e pôr na balança princípios jurídicos capazes de fundamentar a decisão a ser tomada[footnoteRef:1]. [1: JUSBRASIL. Afinal, o que são Hardcases?. Disponível em: < https://ebradi.jusbrasil.com.br/artigos/420456379/afinal-o-que-sao-hard-cases>. Acesso em 02/06/2021] 
E, ainda:
Sabemos, hoje, ademais, que o intérprete não é um ser absolutamente neutro, que interpreta o direito como se estivesse fora da Terra. Isso não existe. O intérprete traz sempre sua carga de valores, seus conceitos e suas reservas, e esse conjunto humano influi, em graus variados, na interpretação que será dada à norma[footnoteRef:2]. [2: NETTO, Felipe Braga. Responsabilidade Civil e “Hard Cases”. Disponível em: < https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/12/26/responsabilidade-civil-e-hard-cases/> . Acesso em: 02 de maio de 2021.] 
A solução desses tipos de caso, atualmente, é marcada por grande complexidade, uma vez que envolve valores pessoais, jurídicos e principalmente constitucionais, atingindo grandes esferas sociais e de movimentos de massa, gerando discussões acerca dos temas debatidos.
Tamanha a dificuldade em encontrar soluções para os hard cases, que Dworkin, em sua teoria, elabora um modelo de juiz denominado Hércules, o qual faria um esforço sobre-humano para resolver casos difíceis, desenvolvendo teorias capazes de justificar os diferentes aspectos do sistema jurídico vigente e testando-as[footnoteRef:3]. [3: FILHO, Taciano Holanda da Luza; NETO, Fernando Galvão. Análise jurídico-teórica da decisão do STF sobre o aborto de feto anencéfalos. Disponível em: < https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-107/analise-juridico-teorica-da-decisao-do-stf-sobre-o-aborto-de-feto-anencefalo/>. Acesso em 02/06/2021] 
A partir disso, o tema a ser abordado no presente trabalho é o julgamento feito pelo STF que decidiu sobre a constitucionalidade do aborto de fetos anencéfalos, através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no54, no dia 12 de abril de 2012. 
No Brasil, o aborto é tipificado como crime pelo Código Penal, sendo a mulher e/ou o terceiro responsável por ele sujeitos a detenção, a qual pode chegar até a 10 anos. Nesse sentido, devido aos fatores religiosos, penais e civis relacionados à prática do aborto, a discussão acerca de sua permissão é acalorada e levanta diversos dilemas acerca do direito à vida e do direito da mulher à soberania de seu próprio corpo. Importante ressaltar, porém, que o aborto era permitido pelo Direito Penal em dois casos específicos como quando a gravidez era resultado de um estupro e quando a gravidez colocava em grande risco a vida da mulher. Essas exceções à regra eram positivadas, o que não era o caso dos abortos de fetos anencéfalos. Tais características classificam o tema aborto de fetos anencéfalos como um típico hard case. 
O esse tipo de aborto, especificamente, levanta muitas dúvidas. Isso porque, mesmo que a criança não viva por muito tempo após o nascimento, teóricos defendem que ela ainda tem o direito à vida, e o abortamento de sua gravidez poderia evitar certos efeitos jurídicos decorrentes dos direitos da personalidade. Com base nisso e em outros argumentos levantados tanto a favor da liberação do aborto nesses casos, quanto para a criminalização dele, serão apontadas as questões doutrinárias, morais e jurídicas envolvidas na decisão da ADPF-54, de modo a criar um panorama amplo sobre o tema.
A ADPF-54: UM BREVE PANORAMA SOBRE AS QUESTÕES DISCUTIDAS
A decisão acerca do aborto de fetos anencéfalos envolve uma mentalidade já enraizada na consciência dos brasileiros de que a interrupção da gravidez é condenável e não pode ser realizada sob nenhuma circunstância. Tal mentalidade é oriunda da colonização católica portuguesa, que criou fortes laços religiosos os quais perduram até hoje, julgando religiosamente o aborto como algo imoral, hediondo e pecaminoso[footnoteRef:4]. A moral religiosa presente na sociedade brasileira, portanto, foi a principal causa da polêmica envolvendo a ADPF-54. [4: FILHO, Taciano Holanda da Luza; NETO, Fernando Galvão. Análise jurídico-teórica da decisão do STF sobre o aborto de feto anencéfalos. Disponível em: < https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-107/analise-juridico-teorica-da-decisao-do-stf-sobre-o-aborto-de-feto-anencefalo/>. Acesso em 02/06/2021] 
A partir dessa dicotomia de Direito x Moral, inevitável é nos remetermos à teoria de Kelsen, a qual faz um distanciamento entre ambos os termos. 
Para este filósofo, existe problemas quanto a colocar esses dois no mesmo âmbito, pois não existe uma Moral absoluta, existindo sim, uma moral relativa, que muda com o tempo e de sociedade para sociedade. Dessa forma o Direito tem que estar acima disso, pois ele deve estar imune dessas possíveis mudanças que a moral sofre, não sendo afetado por elas[footnoteRef:5]. [5: FILHO, Taciano Holanda da Luza; NETO, Fernando Galvão. Análise jurídico-teórica da decisão do STF sobre o aborto de feto anencéfalos. Disponível em: < https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-107/analise-juridico-teorica-da-decisao-do-stf-sobre-o-aborto-de-feto-anencefalo/>. Acesso em 02/06/2021] 
Sob esse pensamento, a discussão acerca do aborto deveria ser feita exclusivamente a partir dos fatores jurídicos envolvidos, deixando de lado as questões morais, uma vez que estas tornariam “impuras” as teorias do direito.
Habermas, por sua vez, também aborda a dicotomia da Moal x Direito, da seguinte maneira:
Totalmente diferente da visão de Kelsen, para Habermas a moral teria a finalidade de gerar uma unidade onde a liberdade e segurança são desfrutadas em ambiente em que todos desfrutam do mesmo direito. Ele defende também que o direito faria uma bifurcação entre autonomia privada (a quem as normas são destinadas) e pública (quem produz as normas). O direito privado está relacionado com as relações de indivíduo-indivíduo e o direito público com as relações indivíduo-público[footnoteRef:6]. [6: Idem] 
Nesse sentido, a legitimidade e a legalidade da lei e das decisões judiciais estariam relacionadas com o pensamento social e não na positivação em si, sendo necessárias, então, ponderações valorativas no que tange às decisões relacionadas ao aborto.
Importante apontar ainda a teoria de Robert Alexy, que aponta a moral como uma grandeza íntima do direito, uma vez que as normas são tidas como princípios. Tais princípios, por sua vez, são valorados e ponderados nos casos em que há conflitos, de modo que o julgador possa fazer a escolha certa dentre as respostas obtidas a partir da observância das consequências resultantes da não aplicação do princípio não utilizado[footnoteRef:7]. [7: NOTA: Importante ressaltar a teoria de Dworkin, contrária à ponderação dos princípios. Segundo o autor, a ponderação poderia enfraquecer os direitos fundamentais. Assim, apenas teria uma resposta correta para os hard cases.] 
Sobre os votos individuais de cada um dos ministros, é possível identificar nuances da teoria de Alexy, uma vez que buscam fazer uma análise da norma de modo a adequá-la aos princípios morais, através da analise das leis,procurando interpretações diferenciadas do comum e fazer ponderações nos casos de conflito de princípios[footnoteRef:8]. [8: FILHO, Taciano Holanda da Luza; NETO, Fernando Galvão. Análise jurídico-teórica da decisão do STF sobre o aborto de feto anencéfalos. Disponível em: < https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-107/analise-juridico-teorica-da-decisao-do-stf-sobre-o-aborto-de-feto-anencefalo/>. Acesso em 02/06/2021] 
Abaixo, cita-se alguns dos fatores apontados pelos ministros favoráveis à descriminalização do aborto de fetos anencefálicos:
1. A laicidade do estado brasileiro – A partir disso, o STF não poderia julgar a ADPF54 com base em questões religiosas.
2. A proibição da tortura psicológica e a Dignidade da pessoa humana– segundo essa visão, obrigar a mulher a manter a gravidez, mesmo sabendo que a criança teria poucos dias de vida, é uma tortura psicológica impugnada a ela, a qual fere de maneira grotesca a dignidade da pessoa da mulher.
3. Liberdade e Autonomia da Vontade: A mulher deveria ter liberdade para escolher manter ou não a gravidez, desde que ciente dos riscos envolvidos durante o processo.
4. Risco à saúde – a mulher grávida de um feto anencéfalos core grandes riscos durante a gravidez e durante o parto, uma vez que esse tipo de gravidez é mais gravoso
5. Qualidade de vida do feto – O feto anencéfalos, em vida, passaria por grande sofrimento, o qual também iria ferir sua dignidade. Tal qualidade de vida penosa ainda feriria um dos principais direitos atrelados à personalidade, o direito à integridade física.
De modo contrário, os dois ministros que votaram desfavoravelmente à descriminalização desse aborto apontaram os seguintes argumentos:
1. Tripartição dos poderes – O STF não teria competência para criar normas legais, o que seria feito caso a ADPF54 julgasse o aborto de fetos anencéfalos inconstitucional, uma vez que tal decisão obrigaria o legislador a modificar a norma positiva do Código Penal.
2. Dignidade humana – Nesse caso, os ministros que votaram contra a liberação da interrupção da gravidez igualaram o aborto como uma forma eugênica de controle, que reduziria o feto à “lixo”. O ministro Cezar Peluso foi o mais adepto desse argumento, apontando que a permissão desse tipo de aborto se igualaria ao racismo e ao sexismo.
A partir dessas argumentações apontadas durante o julgamento, entende-se a complexidade envolvida no caso. Entretanto, de maneira geral, foi entendida que a decisão mais correta a se fazer era permitir que as mães tivessem escolha sobre o destino de seus filhos, levando em consideração seu curto tempo de vida e os riscos envolvidos na gravidez. Baseado no direito fundamental à liberdade, tal decisão tem potencial de gerar efeitos positivos no país, uma vez que as mulheres se tornarão soberanas sobre o próprio corpo, nos casos apontados.
CONCLUSÃO
A discussão da ADFP-54 teve como pauta a legitimidade da modalidade citada de aborto, ponderando o risco da vida da mãe durante a gravidez, a rápida morte do feto após do nascimento e o sofrimento que este teria em vida, os efeitos jurídicos de seu nascimento (como a transmissão de herança), entre outros fatores. Diante disso, no fim, o STF decidiu a favor do aborto dos fetos anencéfalos, decidindo por acrescentá-lo como exceção à regra de criminalização do aborto. Assim, os ministros julgaram procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalos é conduta tipificada criminalmente no Código Penal Brasileiro.
Tal decisão, entretanto, não foi fácil. Baseados em teóricos importantes como Kelsen e Habermas, e, principalmente, Alexy, fez-se um panorama de forma o dilema entre a moral e o direito poderá ser lidado durante as discussões, apontando-se, no fim, que a teoria de Alexy foi a mais facilmente identificada nos votos ministeriais.
Em resumo, as questões morais envolvidas nesse hard case se relacionam principalmente com a religião e a demonização do aborto feito pela igreja, que se enraíza profundamente na consciência social. Já as questões jurídicas envolvidas se relacionam com os direitos do feto e da criança e os direitos da mulher, os quais são o direito à vida, o direito à liberdade, o direito à dignidade e o direito à integridade física. As questões doutrinárias, por sua vez, foram identificadas através do pensamento de alguns filósofos, como Habermas, Alexy e Dworkin, os quais tiveram grade contribuição no desenvolvimento do Direito, principalmente no que tange ao dilema Moral x Direito e à resolução dos hard cases.
referências bicliográficas
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002.
DWORKIN, Ronald. Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003
FILHO, Taciano Holanda da Luza; NETO, Fernando Galvão. Análise jurídico-teórica da decisão do STF sobre o aborto de feto anencéfalos. Disponível em: < https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-107/analise-juridico-teorica-da-decisao-do-stf-sobre-o-aborto-de-feto-anencefalo/>. Acesso em 02/06/2021
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade – I. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
JUSBRASIL. Afinal, o que são Hard Cases? Disponível em: < https://ebradi.jusbrasil.com.br/artigos/420456379/afinal-o-que-sao-hard-cases>. Acesso em 02/06/2021
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.49.
NETTO, Felipe Braga. Responsabilidade Civil e “Hard Cases”. Disponível em: < https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/12/26/responsabilidade-civil-e-hard-cases/>. Acesso em: 02 de maio de 2021.

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