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1 AVALIAÇÃO DE FLUIDO-RESPONSIVIDADE – Parte I É um dos aspectos mais complexos na conduta de pacientes críticos. Em pacientes em choque a decisão de dar ou não fluidos não pode ser tomada aleatoriamente, estudos recentes têm demonstrado os riscos da administração excessiva de líquidos. o O objetivo da expansão volêmica deve ser sempre aumentar o volume sistólico e o DC e consequentemente a oferta de oxigênio em um paciente que apresenta sinais de hipoperfusão, mas sabemos que essa resposta nem sempre acontece após a administração de fluidos. Dessa forma, após a fase inicial da ressuscitação do choque séptico hipovolêmico quando administramos empiricamente de 30ml/kg de solução cristaloide é fundamental que avaliemos a fluido- responsividade antes de administrarmos mais líquidos. Abordagem EDGT: Nesse estudo clássico publicado em 2001, feito por Rivers, foi mostrado que uma abordagem precoce guiada por metas reduziu drasticamente a mortalidade no choque séptico no departamento de emergência. o A mortalidade do grupo que recebeu ressuscitação precoce guiada por metas foi 16% menor do que a do grupo controle que recebeu tratamento convencional utilizado na época. o Desde sua publicação mais de 70 estudos observacionais e randomizados envolvendo mais de 70.000 pacientes obtiveram resultados similares. Como resultado essa abordagem foi incorporada ao pacote das primeiras 6 horas do protocolo de Sepse (EGDT – Early Goal Directed Therapy). 3 estudos recentes não confirmaram esses resultados. Demonstraram uma mortalidade muito baixa na sepse e nenhum impacto na evolução dessa terapêutica guiada por metas, questionando a necessidade e apontando os riscos desse protocolo em pacientes com sepse grave e choque séptico. o Posteriormente os mesmos investigadores desses três estudos publicaram uma metanálise que também demonstrou que a terapia guiada por metas não reduz mortalidade Uma análise dos estudos publicados (gráfico ao lado) após o clássico estudo de Rivers demonstra uma redução acentuada na mortalidade nos últimos anos, embora todos esses estudos enfatizem o uso precoce de antibióticos, o declínio na quantidade de fluidos administrados nas primeiras 72 horas é impressionante. Além disso, como se vê nesse gráfico, há uma forte correlação entre a quantidade de líquido administrada e a PVC alvo nos mais diversos estudos. Ciclo vicioso do choque séptico: A hipovolemia desencadeia o início da reposição volêmica, que quando excessiva leva ao edema de alças intestinais, edema visceral, inclusive edema renal com redução da TFG. Esses edemas levam ao aumento da pressão intra-abdominal, que leva a diminuição do retorno venoso e oliguria faz com que o médico assistente prescreva ainda mais líquido. 2 Esses autores mostraram de forma brilhante as consequências da hipervolemia que envolve praticamente todos os sistemas orgânicos. Hipervolemia e LRA: A hipervolemia pode ser um dos fatores responsáveis pela lesão renal aguda e pode impedir a resolução da LRA. A administração de líquido leva ao aumento do consumo de oxigênio renal devido ao aumento da filtração de Cloreto de sódio (NaCl), levando a maior atividade reabsortiva. O edema visceral e o aumento da pressão intra-abdominal levam à redução do retorno venoso e queda do DC. O edema renal por si só também leva à redução da TFG. E a indícios de que na sepse o fluxo sanguíneo renal está normal ou até aumentado não havendo benefício algum em aumentar o DC através da infusão de líquidos. Hipovolemia/ Hipervolemia: Atualmente sabemos que a volemia tem esse efeito em curva U na mortalidade do choque séptico. o A hipovolemia se relaciona com diminuição da perfusão tissular e falência de múltiplos órgãos. o A hipervolemia leva ao edema, hemodiluição, congestão pulmonar, síndrome compartimental abdominal, insuficiência renal, falência de múltiplos órgãos e morte. o O nosso objetivo então é manter o paciente o mais próximo possível da euvolemia. Tendência atual: é dividir a expansão volêmica em quatro fases: ROSE – Ressuscitação, Otimização, Estabilização e Evacuação. Normalmente nas primeiras 3 a 6 horas da terapia a ressuscitação é mais agressiva seguindo os protocolos da Surviving Sepsis. É administrado 30ml/kg de cristaloide o que levará ao aumento do volume sistólico na maioria dos pacientes, após essa fase deve-se questionar o custo benefício de qualquer nova administração de fluidos. o Portanto, na primeira fase, a Ressuscitação, a pergunta é: Quando iniciar a administração de fluidos? o Na segunda fase, Otimização, a pergunta é: Quando parar a administração de fluidos? Em ambas as fases é necessário a avaliação dos índices de fluido-responsividade, devendo parar de administrar líquidos quando esses índices são negativos. A avaliação da congestão pulmonar por exemplo por meio da ultrassonografia pulmonar também é essencial. o Na fase de evacuação, também chamada de deressuscitação, que consiste na remoção de excesso de líquido administrada nas fases iniciais. Obviamente, os riscos dessa fase estão ligados a retirada excessiva de líquidos, podendo causar hipovolemia e piora da condição hemodinâmica. Nessa fase as perguntas a serem respondidas são: Quando iniciar a remoção de fluidos? Quando parar a remoção de fluidos? Para responder a essas perguntas também vai ser necessário avaliar a fluido-responsividade, se o paciente não é mais fluido responsivo é mais provável que a retirada de líquido não provoque queda do volume sistólico. Caso contrário, índices positivos de fluido- responsividade indicam que atingimos um limite para remoção de líquidos. Quando pensamos em administrar líquidos nos nossos pacientes algumas perguntas são fundamentais: 3 o Quem precisa de líquidos? Aqueles pacientes que evoluem com oliguria, confusão mental, aumento de lactato, redução da saturação venosa central de oxigênio, mosqueamento da pele. Todos aqueles que apresentam sinais de hipoperfusão. o Quem responde à infusão de fluidos? Pacientes que efetivamente tem aumento do DC (40-72% dos pacientes em uma análise de 12 estudos) o Quem pode piorar depois da infusão de líquidos? Todos aqueles que não melhoram, pioram, devido à hemodiluição, agravamento das trocas gasosas, hipertensão intra-abdominal, agravamento da função renal, edema de alças, etc. causando aumento da mortalidade. Ou seja, pelo exposto até aqui, precisamos avaliar de alguma forma se o paciente é ou não fluido-responsivo, em outras palavras, precisamos determinar em que ponto o coração está na curva de Frank-Starling. Em um paciente que está na fase ascendente da curva a administração de líquido com consequente aumento da pré- carga vai produzir um aumento significativo do volume sistólico. Por outro lado, se ele se encontra na fase plana da curva, o mesmo desafio volêmico não produzirá efeitos no volume sistólico e consequentemente no DC e na oferta de oxigênio. Devemos também nos lembrar que estamos lidando com pacientes críticos, que podem ser cardiopatas crônicos ou podem evoluir com uma miocardiopatia aguda induzida por mediadores da sepse por exemplo. Como avaliar a necessidade de fluidos? Variáveis estáticas: PVC, PCP, Volume VE o Apesar da Pressão venosa central (PVC) e Pressão capilar pulmonar (PCP) ainda serem as ferramentas mais utilizadas para avaliar a fluido-responsividade, atualmente sabemos que as variáveis estáticas básicas ou mais sofisticadas não são capazes de indicar se o paciente está na fase ascendente da curva, ou seja, vai aumentar seu volume sistólico após uma expansão volêmica. o PVC e PCP seguem sendo as principais ferramentas para avaliar a pré-carga, embora sobrem evidências de que ambas não são capazes de predizer fluido-responsividade. Variáveis dinâmicas: Δ PP, PLR o Devemser usadas as variáveis dinâmicas onde desafiamos o sistema cardiovascular e observamos sua resposta frente ao desafio. Esse estudo observacional multicêntrico europeu que incluiu 2213 pacientes em 311 UTIs de 46 países revelou que frequentemente (58,7%) a principal indicação para iniciar a administração de fluidos foi a hipotensão e em 42,7% nenhuma variável hemodinâmica foi utilizada para predizer FR. Marcadores estáticos foram utilizados em 35,5% dos casos (PVC em 89,9%). Variáveis dinâmicas foram utilizadas apenas em 21,9%. Nessa publicação o autor nos mostra que a curva Roc da PVC no choque séptico é péssima, muito próxima ao ponto de total inutilidade do exame. o Nesse mesmo artigo ele sugere que a PVC deve ser abandonada como ferramenta para predizer a FR. “Não existem dados que suportem a prática generalizada de utilização da PVC para guiar a reanimação com líquidos. Essa prática deve ser abandonada. ” Porque usar a ecografia para avaliar a volemia e a FR? 4 A ecografia (USG) proporciona muito mais informação sobre as causas de choque que apenas a FR e é considerada cada vez mais uma ferramenta de primeira linha na avaliação e monitorização de pacientes com instabilidade hemodinâmica. Tanto parâmetros estáticos como dinâmicos podem ser avaliados para se construir uma imagem do estado circulatório. Ultrassom de VCI: o Facilmente visível o É um vaso de paredes finas que modifica seu diâmetro com a volemia o Se relaciona bem com a PVC e é não invasiva o A VCI modifica seu calibre com a respiração (pressão intra-torácica) o Em ventilação espontânea: Inspiração - ↓ calibre VCI (diminuição da pressão intra-torácica) Expiração - ↑ calibre VCI Uma VCI túrgida e rígida pode indicar a princípio que o paciente não é fluido-responsivo, a VCI que se colaba totalmente na inspiração fala a favor de fluido-responsividade. A VCI é realmente fácil de avaliar como comprovado nessa publicação, onde foi comprovado que um médico nefrologista intensivista, sem especialização em USG, foi capaz de avaliar a VCI com excelente concordância com um ecocardiografista titulado. A avaliação da VCI é sem dúvida a técnica mais popular para avaliação da volemia porque ela é facilmente visível e a maioria dos médicos que aprendem a USG domina essa técnica mais facilmente do que a avaliação do coração e pulmões. Porém, nesse artigo, é mostrado que embora simples e básica, a avaliação da VCI pode gerar resultados falso positivos e falso negativos em diversas situações que são frequentemente observadas em pacientes críticos. o Limitações da VCI: nunca deve ser avaliada de forma isolada, sempre associada a avaliação cardíaca e pulmonar. Sempre levar em conta se o paciente respira espontaneamente quando a pressão intratorácica reduz com a inspiração ou se está sobre ventilação mecânica quando a pressão se eleva na inspiração. Parâmetros ventilatórios: PEEP alta VC baixo Dissincronia com o ventilador Presença de esforço respiratório (como na acidose metabólica) Distensibilidade: validade apenas em modos controlados Colapsabilidade: a amplitude do esforço pode influenciar na sensibilidade e especificidade Hiperinsulflação pulmonar: auto PEEP Condições cardíacas que reduzem o retorno venoso: Cor pulmonale crônico Infarto de VD Tamponamento cardíaco Elevação da pressão abdominal Outros fatores: Mecânicos: filtros, cânulas, trombose Acentuada mobilidade latero-lateral o A avaliação da VCI que se colaba completamente ou que está rígida e túrgida é completamente diferente se é um paciente hiperdinâmico, com VE normal, com falência grave de VE ou de VD. 5 Em artigo recente, Jean-Louis Vicent, afirma que: “Todo médico envolvido no atendimento de pacientes críticos deve ser capaz de realizar ecocardiografia. ” Podemos utilizar também US de pulmão para predizer FR? A resposta é NÃO! Não existe um padrão que indique FR, mas pode e deve ser utilizado para avaliar se o paciente suporta o volume de líquido que está sendo administrado, ou seja, para avaliar fluido-tolerância. Sabemos que um pulmão aerado gera esses artefatos longitudinais conhecidos como Linhas A e que o aumento da espessura do interstício pulmonar cria esses outros artefatos verticais chamados de linhas B, que são os marcadores do aumento do conteúdo de líquido no parênquima pulmonar. Se associarmos a avaliação pulmonar, da VCI e do coração aumentamos ainda mais a especificidade da técnica. Dessa forma, diante de um paciente com VCI túrgida com uma boa função cardíaca e pulmões repletos de linhas B, nós pensaríamos 2x antes de dar líquido. Por outro lado, uma VCI se colabando com padrão hiperdinâmico e um pulmão com padrão A, nos deixa mais confortáveis com a ideia de realizar um desafio volêmico. Padrões no choque séptico: Fase inicial do choque séptico: se estamos avaliando um paciente que está nessa fase com padrão ecográfico de colabamento de VCI, coração hiperdinâmico e linhas A, certamente administraríamos líquidos. Se após administrar por exemplo 2L de Soro fisiológico e o paciente continua hipotenso com padrão de VCI que não se colaba mais, coração que não está mais hiperdinâmico e um pulmão que mantém padrão A, o mais correto seria administrar Noradrenalina (NE) Se no dia seguinte o paciente evolui com uma VCI turgida e rígida, coração com padrão hipocontrátil e pulmões com linhas B está na hora de iniciar um inotrópico (Dobutamina) Nesse estudo multicêntrico, prospectivo, observacional que envolveu 73 pacientes admitidos em 4 UTIs na Itália, fica claro que é possível usar o USG pulmonar para avaliar a congestão pulmonar. Os pesquisadores realizaram o US de pulmão 10min antes da instalação do cateter de Swan-Ganz ou PiCCO, tanto no primeiro que nos permite medir a pressão capilar pulmonar (PCP), quanto no segundo (tecnologia mais avançadas), são técnicas sabidamente utilizadas para avaliar a congestão pulmonar. o O PiCCO é capaz de avaliar também o conteúdo da água extravascular pulmonar através da termodiluição transpulmonar, sendo mais sensível e especifico do que o Swan-Ganz na avaliação da congestão. o Observou-se nesse estudo que muitos pacientes com valores de PCP > 18mmHg, que é limite para o extravasamento de líquido para o interstício e para os alvéolos, mantiveram o padrão A. Por outro lado, houve uma forte correlação entre a água extravascular pulmonar > 10ml/kg e o padrão B, mostrando que a presença de linhas B é um marcador mais específico de congestão pulmonar do que a PCP. Se estivermos realizando uma administração de líquido podemos usar o US de pulmão como parâmetro de tolerância a fluidos, o que significa que desde que linhas B não apareçam enquanto estivermos administrando líquidos temos certeza de que o paciente está tolerando o volume de líquido está sendo administrado sem a presença de congestão pulmonar. Recapitulando... Líquido é remédio como qualquer outro que administramos no paciente, portanto tem indicações, contraindicações, tipos adequados para cada situação, duração do tratamento, dose adequada, etc. 6 Indicações para administrar líquidos endovenosos: o Expansão volêmica nos quadros de choque o Administrar medicações (ex: antibióticos, sedativos, analgésicos, drogas vasoativas) o Repor as perdas diárias de água e eletrólitos nas situações em que paciente não tem via oral ou enteral (no pós operatório por exemplo) o Nutrição parenteral Após a infusão inicial de 30ml/kg nos pacientes com sepse grave ou choque séptico, seguindo o protocolo do Surviving Sepsis, devemos sempre avaliar a relação custo benefício antes de administrar mais líquido porque sabemos que tanto a hipervolemia quanto a hipovolemia são deletérios e podem levar a falência de múltiplos órgãos e até a morte. Sabemosque a expansão volêmica passa por 4 fases (ROSE): o Ressuscitação nas primeiras horas temos que nos perguntar: Quando iniciar a administração de fluidos? o Otimização quando parar a administração de fluidos? o eStabilização: acontece nos próximos dias quando damos líquidos para repor as perdas sensíveis e insensíveis o Evacuação quando iniciar a remoção de fluidos? E quando parar? Para respondermos a essas perguntas devemos sempre avaliar a FR pois só faz sentido realizarmos uma expansão volêmica em paciente que apresenta sinais de hipoperfusão se o líquido administrado aumentar o volume sistólico. o Para predizer se o líquido infundido vai aumentar o volume sistólico, ou seja, se o paciente é fluido- responsivo, nós temos as variáveis estáticas (PVC, PCP, volume VE) e as dinâmicas (Δ PP – variação da pressão de pulso, PLR – elevação passiva dos membros inferiores). Hoje sabemos que só as variáveis dinâmicas são capazes de predizer se o paciente vai aumentar o volume sistólico após uma ressuscitação volêmica. Finalmente, entendemos que temos diferentes ferramentas, e entre elas a ultrassonografia para fazer tanto a avaliação estática quanto dinâmica. A USG de pulmão pode ser usada também para avaliar a fluido tolerância, ou seja, podemos predizer quando o paciente está começando a encharcar os pulmões e portanto para a ressuscitação volêmica. Pode ser usada também a avaliação da VCI e avaliação cardíaca para determinar se o paciente tem ou não a capacidade de receber líquido e se está ou não indicada a reposição de volume.
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