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Livro - Estenssoro - História do debate ambiental doc

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Prévia do material em texto

Fernando Estenssoro Saavedra
HISTÓRIA DO DEBATE AMBIENTAL NA POLÍTICA MUNDIAL
1945-1992: A Perspectiva Latino-Americana
Trad. Daniel Rubens Cenci
Editora Unijuí, 2014
INDICE
Apresentação
INTRODUÇÃO 5
I PARTE A CRISE AMBIENTAL: REFLEXO DAS
MUDANÇAS NO IMAGINÁRIO GEOGRÁFICO
POLÍTICO HEGEMÔNICO
11
CAPÍTULO 1 O QUE É A CRISE AMBIENTAL 12
1.1 A crise ambiental é um fenômeno político 14
CAPÍTULO 2 O NOVO IMAGINÁRIO GEOPOLÍTICO
GLOBAL DO CENTRO
16
2.1 A modernidade: um imaginário hegemônico
eurocêntrico
18
2.2 Um mundo pequeno e frágil 20
2.3 Mudanças nos critérios de gestão e administração
do mundo
22
CAPÍTULO 3 CRISE AMBIENTAL: UM IMAGINÁRIO
CATASTRÓFICO
25
3.1 A autodestruição 25
3.2 Um planeta finito 29
3.3 A ideia de progresso é substituída pela ideia de
incerteza
30
 PARTE
II
A INSTALAÇÃO DA CRISE AMBIENTAL NO
DEBATE POLÍTICO MUNDIAL
34
 CAPITU
LO 4
ORIGENS DO DEBATE POLÍTICO EM TORNO
DA CRISE AMBIENTAL
34
4.1 Consolidações da ecologia como disciplina
científica
37
4.2 Ensaios e relatórios de grande alcance escritos
por cientistas do primeiro mundistas
43
a) Critica a contaminação da natureza e a
sociedade de consumo
44
b) A hegemonia dos neo-malthusianos e suas
advertências sobre os perigos do desenvolvimento do
Terceiro Mundo
46
2
c) O relatório do Clube de Roma: Os Limites do
Crescimento
56
4.3 As catástrofes ecológicas 61
4.4 Nascimento do Movimento Social Ambientalista 62
4.5 O Interesse estratégico dos Estados Unidos pelo
tema da crise ambiental
66
a) A Perspectiva neo-malthusiana das elites
norte-americanas
68
4.6 O papel da Organização das Nações Unidas
anterior a Conferência de Estocolmo 1972
74
CAPÍTULO 5 A CONFERÊNCIA DO MEIO AMBIENTE
HUMANO EM ESTOCOLMO EM 1972: A
CRISE AMBIENTAL NA AGENDA POLÍTICA
MUNDIAL
77
5.1 O problema alemão e o boicote soviético
Conferência de Estocolmo 1972
78
5.2 As diferenças Norte-Sul para enfrentar a
Conferência de Estocolmo de 1972.
80
a) A ameaça de boicote do Sul à Conferência e o
Relatório de Founex
82
III PARTE PENSAMENTO DA AMERICA LATINA PARA
SUPERAR A CRISE AMBIENTAL
86
CAPITULO 6 MEIO AMBIENTE E
DESENVOLVIMENTO, UM SÓ TEMA
PARA OS LATINO-AMERICANOS
86
6. 1 Os brasileiros contestam o Primeiro Mundo 90
a) O Embaixador João Augusto de Araujo Castro 91
b) A abordagem de Josué de Castro 92
6.2 México e Presidente Luis Echeverria 94
6.3 A CEPAL e a UNEP 97
a) CEPAL 97
b) O UNEP e a Reunião de Cocoyoc 99
c) O Escritório Regional do UNEP para a
América Latina e o Caribe (ERPALC)
101
d) Estilos de Desenvolvimento e Meio
Ambiente na América Latina
102
6.4 Meio Ambiente e Desenvolvimento em chave
Cepalina
105
a) Raul Prebisch: a crise ambiental foi causada
pelo modelo de desenvolvimento capitalista
irracional dos países centrais
105
b) Sunkel e Tomassini: O tema ambiental se
tornará estratégico nas relações
centro-periferia
107
c) Enrique V. Iglesias: O desafio da região é
equilibrar a exploração intensiva de seus
recursos naturais com o cuidado ambiental
108
6.5 A Fundação Dag Hammarskjol e Relatório 1975 109
CAPÍTULO 7 O RELATÓRIO DA FUNDAÇÃO BARILOCHE 111
CAPÍTULO 8 O CONCEITO DE ECODESENVOLVIMENTO
COMO ANTECEDENTE DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
114
a) Os latino-americanos e o ecodesenvolvimento 119
CAPÍTULO 9 A COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO
AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO
(CMMAD) E O CONCEITO DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
124
CAPÍTULO 10 CÚPULA DA TERRA NO RIO 1992: A
CONCLUSÃO DE UM PERÍODO
128
CONCLUSÃO 136
Referências 142
4
APRESENTAÇÃO
O presente livro é fruto de uma pesquisa que reposiciona o debate sobre sustentabilidade,
desenvolvimento e meio ambiente. Este reposicionamento tem como núcleo central a afirmação que a
questão ambiental é também um tema perpassado pelas relações de poder. Neste sentido, o autor resgata a
trajetória histórica da crise ambiental e a conecta com os conflitos Norte e Sul e com as assimetrias das
diversas regiões do planeta, destacando as contradições existentes entre países desenvolvidos e países em
desenvolvimento.
Desta forma, trata-se de um trabalho ousado pela leitura que propõe do tema da crise ambiental e
sua conexão com os temas do desenvolvimento e da sustentabilidade, claramente posicionado a partir de
leitura latino-americana da questão. Neste sentido, o livro destaca que o tema pode ser analisado a partir
de preocupações distintas:
a) A preocupação dos países desenvolvidos de que a crise ambiental reduza a capacidade
planetária de oferecer bons produtos para consumo no ritmo demandado pelo primeiro mundo e para o
primeiro mundo. Para que isso aconteça, é fundamental controlar o tamanho da população e os níveis de
crescimento econômico.
b) A preocupação dos países em desenvolvimento, em especial dos países da América Latina, de
que haja possibilidades de crescimento econômico e que, em consequência, seja possível reduzir a pobreza
e melhorar os níveis de justiça social.
A relevância do posicionamento do autor é evidente e se fundamenta numa visão articulada dos
documentos que investiga, mas especialmente, pela leitura crítica inédita que proporciona dos conflitos
socioambientais. Trata-se, portanto, de uma mudança substancial em relação as leituras convencionais dos
autores europeus ou norte-americanos sobre a questão da crise ambiental, do desenvolvimento e da
sustentabilidade.
Neste sentido, defende o autor que o tema somente pode ser adequadamente abordado se for
introduzida a questão do poder e a questão da desigualdade do desenvolvimento das diversas regiões do
planeta. De fato, o autor chama a atenção que discutir a crise ambiental do ponto de visto do Primeiro
Mundo ou dos países em desenvolvidos têm dinâmicas e consequências substancialmente diversas. É que
muitos problemas tradicionais – redução da miséria, garantia de direitos sociais, acesso ao mercado de
consumo – já estão equacionados nos países desenvolvidos, mas não nos países como os que integram a
América Latina.
Assim, sem afastar a importância da tomada de consciência sobre os problemas ambientais, o
autor chama a atenção para o fato que a crise ambiental é fundamentalmente uma crise dos arranjos
políticos desiguais produzidos ao longo de várias décadas e que agora não podem ser suportados de forma
igualitária pelos diversos países. Dito de outra forma, a solução da crise ambiental passa por uma profunda
alteração das relações políticas internacionais e pela distribuição desigual dos custos da crise entre as
diversas regiões do Planeta.
A leitura da obra permitirá claramente o desenvolvimento da percepção de que a atual crise
ambiental e suas consequências devem ser enfrentadas tendo em consideração o processo de sua
constituição histórica e os diferentes níveis de responsabilidades entre os países ricos e os países pobres.
Neste sentido a obra se apresenta essencial para a compreensão dos debates travados internacionalmente,
bem como para a construção de agendas comuns mínimas dos países em desenvolvimento, em especial da
América Latina. Por isso, é uma obra indispensável para todos que querem entender um dos temas mais
importantes da atualidade e suas implicações político-estratégicas num mundo em profunda
transformação.
Daniel Rubens Cenci
Gilmar Antonio Bedin
INTRODUÇÃO
Esta é uma obra de história das ideias políticas no campo internacional que se originou da
necessidade de responder as perguntas sobre como, quando e por qual motivo o tema ambiental e/ou
meio-ambiental transformou-se em um fenômeno prioritário da agenda de política mundial. E, qual
foi a perspectiva da América Latina (AML) diante do tema. Neste sentido, a obra centra-se em um
6
primeiro período de tempo que se refere ao processo de surgimento e instalação do tema ambiental
na agenda política mundial, propondo que este primeiro período abarca os anos entre 1945 e 1992.
Entretanto, de maneira geral, assinala-se que o tema ambiental instalou-se na agenda política
mundial com a realização da Conferência da Organização das NaçõesUnidas (ONU) sobre o Meio
Humano em Estocolmo em junho de 1972. Nessa oportunidade, por meio de sua declaração final,
ficou formalmente estipulado que o mundo podia enfrentar uma crise ambiental global, produto do
modo de vida predominante que havia alcançado o ser humano e, identificado genericamente como
“civilização industrial”. Na Conferência de Estocolmo, assinalou-se que, por ignorância ou por
passividade, causavam-se danos e/ou se podiam causar danos irreparáveis ao meio terráqueo do qual
dependia a vida e o bem estar humano, assim como a todo o processo de vida no planeta. Nesse
sentido, colocou-se que havia um número crescente de problemas relativos ao meio de causas
antropogênicas, e que, por ser de caráter regional ou mundial ou por repercutir no âmbito
internacional comum, para sua solução, era necessário prever de uma ampla colaboração entre as
nações do planeta e a adoção de medidas por parte das organizações internacionais e interesse de
todos.
Assim, em Estocolmo 72, o sistema internacional, representado na ONU, assumiu
formalmente a urgente necessidade de neutralizar e impedir uma crise ambiental global que
encontrava-se em desenvolvimento e que podia ter consequências extraordinariamente graves para a
vida e bem estar das pessoas. Portanto, desde essa data decidiu-se iniciar uma luta conjunta
destinada a terminar com esta ameaça, processo no qual ainda nos encontramos, e onde tudo indica
que seguiremos nele por muito tempo mais devido a que esta ameaça não só não se neutralizou, mas
que, inclusive se está agravando, como por exemplo, o que ocorre com a aceleração da mudança
climática. Em que temos absoluta certeza, é que este tema adquiriu um protagonismo central na
agenda política mundial contemporânea e se projeta cada vez mais determinante no presente século
21.
Em consequência, para avançar na compreensão de tão complexo problema é necessário
aprofundar em sua história e esclarecer algumas crenças errôneas lamentavelmente bastante
generalizadas e que, precisamente, escurecem sua compreensão.
As propostas desta obra se referem, em primeiro lugar, a que a crise ambiental é um
fenômeno político e sua única solução possível só poderá ser política. Situação que muitas vezes
tende a esquecer ou não destacar de maneira suficiente, ou simplesmente a ocultar por razões de
conveniência. Ou seja, a superação da crise ambiental global, não é um problema físico, nem
ecológico, nem econômico, nem científico, nem técnico, nem religioso ou cultural. É um problema,
sobretudo e antes de tudo, político. Portanto, têm expressões físicas, ecológicas, demográficas,
químicas, entre muitas outras. Mas estas são somente consequências de um problema que é político,
ou seja, sua origem arraiga em relações de poder assimétricas e em conflitos que provém de visões
ideais de sociedade antagônicas por parte dos seres humanos. Em consequência, sua solução
acontece no espaço da política. Particularmente da política mundial.
Em segundo lugar, o tema não surgiu na política mundial em 1972, produto da Conferência do
Meio Humano, convocada pela Organização de Nações Unidas. O tema surgiu politicamente após o
fim da Segunda Guerra Mundial, como parte dos argumentos e debates que os Estados Unidos e
seus aliados europeus ocidentais levavam a cabo para implementar uma política de contenção do
comunismo e “salvar ao mundo livre” da “tirania soviética”. Nesse sentido, a Conferência de
Estocolmo 72 é um ponto de chegada para os Estados Unidos e o Primeiro Mundo, e só para o
Terceiro Mundo será um ponto de partida com respeito da conscientização desta “nova”
problemática política.
Em Terceiro lugar, o problema da crise ambiental global é um problema político complexo,
pois se é verdade que o ecossistema planetário é um só, os seres humanos, contudo, não o habitam
de uma maneira única e homogênea e, igualmente, sua geografia, na qual as distintas comunidades
humanas assentam-se, também não é homogênea. Porém, se há algo que caracteriza a sociedade
humana vista como um todo, é que ela se compõe de múltiplas e diferentes sociedades e
comunidades, o que implica múltiplas diferenças, tanto culturais, sociais como geográficas. Mas,
sobretudo, desde uma perspectiva política, caracteriza-se pelas diferenças nas relações de poder que
se estabelecem entre elas. Em outras palavras, as relações de poder entre os seres humanos e as
formas como estes se agrupam e habitam o planeta, são desiguais e assimétricas. Este fenômeno é
tão antigo, como antigas são as ilusões de que esta diferença desapareça. E, certamente, esta situação
vai se refletir na problemática ambiental.
Por conseguinte, cada vez que falamos genericamente de que a crise ambiental é
antropogênica, ou que é o modo de vida do ser humano contemporâneo que tem gerado a crise
ambiental global, e que a crise ambiental nos afeta igualmente a todos e não mencionamos
imediatamente esta característica de desigualdade de poder entre os seres humanos para habitar e
sobreviver no planeta, estamos diante de um discurso de poder que busca, de maneira oculta e
8
hipócrita, mas muito inteligente e sofisticado, um claro fim político de dominação destinado a
preservar seus interesses e posição de privilégio diante da solução desta problemática.
E isto é assim porque a desigualdade de poder, da qual falamos, se traduz em que uma
minoria de seres humanos deste mundo, que equivale a menos de um terço dos países do mesmo, é
desenvolvido, industrializado, rico, com maior nível de conhecimento científico-tecnológico e
outros múltiplos fatores que lhe garantem uma grande qualidade de vida equilibrada; permitem-lhe
projetar-se no futuro, assim como, exercer uma maior influência para impor suas perspectivas e
interesses diante dos temas que são de debate global. Da mesma forma, esta desigualdade de poder
reflete-se na existência de uma grande maioria, mais de dois terços da humanidade, que ainda está
em vias de desenvolvimento ou, o que é pior, são comunidades e Estados carentes de toda
possibilidade de garantir uma vida digna a seu povo, pelo menos a curto e médio prazo, e outros,
mas ainda, estão simplesmente extinguindo-se ao não poder ingerir o mínimo de calorias diárias
necessárias para sobreviver. Além disso, esta situação se traduz em uma maior debilidade desta
heterogênea maioria, para influir no sistema internacional, quando se trata de defender visões e
interesses diante dos temas globais.1
Este fenômeno de desigualdade de poder no sistema internacional graficou-se de distintas
maneiras durante o século 20. No período de tempo estudado que é quando surge e instala-se o tema
ambiental na política mundial (1945-1992), falava-se de países desenvolvidos ou a minoria, diante
de países em vias de desenvolvimento e/ou subdesenvolvidos, a maioria. Também falava-se de um
Primeiro Mundo ou países capitalistas altamente desenvolvidos e industrializados - novamente a
minoria -, diante de países do Terceiro Mundo ou subdesenvolvidos - a maioria-, e onde o Segundo
Mundo, estava composto pelos países europeus do sistema comunista liderado pela União Soviética,
com altos índices de industrialização e desenvolvido, superiores aos do Terceiro Mundo mas sem
chegar a parecer como Primeiro Mundo. E, igualmente fazia-se a distinção Norte–Sul, onde por
Norte se entenderá ao Primeiro Mundo, altamente industrializado e desenvolvido (a minoria), e por
Sul, se entenderá ao Terceiro Mundo, ou seja, todos aqueles países que ainda se mantém em vias de
desenvolvimento e/ou subdesenvolvidos (a maioria). Finalmente, outra classificação que refletia esta
divisão do mundo, foi a de centro-periferia, o grande aporte ao pensamento internacional que fez
1 Certamente, o concepto de desenvolvimento é complexo e em permanente evolução e não é motivo desta obra
entrar em sua discussão, somente o estamos utilizando para grifar esta grande diferença do sistema político mundial
que estrutura-se em torno a esta clara assimetria de poderentre uma minoria desenvolvida e poderosa diante de uma
heterogênea maioria em vias de desenvolvimento e que outros denominam subdesenvolvidos.
América Latina nos anos 50 e 60 do século passado. Neste conjunto, genericamente vamos entender
as potências europeias dos séculos 16 ao 20 e aos EUA, após o século 19. Centro que, na segunda
metade do século 20, se identificará (com algumas exceções) como Primeiro Mundo, ou Norte. E
por periferia, vamos entender a grande maioria dos estados que em algum momento foram colônias
destes estados centrais, que não conseguiram nem a modernização social nem econômica, e cuja
estrutura produtiva será dependente das diretivas e interesses de centro. Estados que na segunda
metade do século 20 se identificaram como Terceiro Mundo, ou Sul.
Todas estas classificações surgidas em tempos da Guerra Fria, sempre serão genéricas e
reducionistas, porém, nos servem como sinônimos para descrever um mesmo fenômeno, a
assimétrica de poder que caracterizou, e ainda caracteriza, o sistema internacional: um grupo
reduzido de estados, nações e grupos humanos que, a base de sua fortaleza econômica e domínio do
conhecimento, diretamente associado a sua estrutura produtiva hiper industrializada, científica e
tecnológica conseguiram manter-se no topo do poder mundial, impondo seu estilo de vida assim
como, seus pontos de vista e interesses, diante de um heterogêneo e majoritário resto do mundo,
ainda subordinado e sempre respondendo e contestando iniciativas que não levam em consideração,
de maneira justa e equilibrada, suas visões e prioridades.
Evidentemente, a perspectiva assinalada faz-se com fins analíticos para descrever uma
situação histórica, porém, convém ter presente que, apesar de que a Guerra Fria terminou, muitas
destas características do sistema internacional estão plenamente vigentes. Não se trata de
desconhecer que após o fim da Guerra Fria a ordem internacional está evoluindo e modificando-se
rapidamente. De fato, propostas de conceitos como globalização, tratam de definir sua evolução em
direção a um mundo de relações crescentemente interdependentes no qual, sem dúvida,
modificam-se as formas específicas de relações entre comunidades e Estados.2 Apesar disso, viver
em um mundo cada vez mais interdependente não é sinônimo de um mundo mais justo, equilibrado
ou simples. Portanto, o que se procura enfatizar, quando nos referimos ao debate ambiental como
um fenômeno político complexo, é que ainda vivemos em um mundo onde as fontes do poder são
assimétricas e que, esta situação se traduz em que as próprias possibilidades de vida dos seres
2 Nesse sentido é conveniente enfatizar que o que hoje se discute em teoria política mundial e delas relações
internacionais, é a forma específica que adquirirá a nova ordem mundial que vem emergindo após o fim da Guerra
Fria, dado que, cada vez mais aumentam as vozes que assinalam que a ordem westfaliana, radicada na ideia de
soberania absoluta do Estado Nação, está retrocedendo. Porém, nenhuma discussão séria desconhece o fato de que na
nova ordem global emergente, as relações assimétricas de poder não se modificaram automaticamente. Também não
se pode descartar, que a transição, em algum momento, torne-se altamente conflitiva.
10
humanos estão muito desigualmente repartidas sobre a face do globo e, como resultado lógico, as
perspectivas das pessoas vão estar determinadas por sua situação real de vida e sobrevivência.
Situação que se reflete totalmente na origem do debate ambiental mundial e que continua até o
presente.
Por este motivo, e em quarto lugar, vamos propor que a maior distinção dicotômica para
entender a crise ambiental surgirá entre um Norte ou Primeiro Mundo, desenvolvido e moderno e
um Sul, ou Terceiro Mundo, subdesenvolvido e em muitos aspectos, pré-moderno. Estas diferenças
apareceram nesta primeira época de surgimento e instalação da problemática ambiental no espaço
político e seu conhecimento permitirá explicar seus itinerários contemporâneos, assim como,
delinear sua projeção futura.
Este é o esforço que se tenta com as seguintes páginas, deixando claro que foca-se visão dos
que pertencemos à região Sul do mundo. Especificamente, aquela parte conhecida como América
Latina (AML), e que é o lugar a partir do qual vemos a realidade.
Na primeira parte deste trabalho, é respondida a pergunta: O que é a crise ambiental?
Argumentando de que se trata de um fenômeno essencialmente político e que, também é o reflexo
de mudanças sofridas no imaginário geográfico político global do centro ou Primeiro Mundo, que,
por suas próprias características de centro, é o imaginário hegemônico mundial.
Na segunda parte, explica-se que a crise ambiental origina-se no Primeiro Mundo, e também é
descoberta como fenômeno político-estratégico determinante para sua segurança e predomínio.
Nesse sentido, descreve-se uma série de fenômenos que vão permitir a rápida conscientização e
socialização desta ideia de crise ambiental nas elites, assim como, por parte dos cidadãos do mundo
altamente industrializado, que vão ver sua qualidade de vida e sua própria sobrevivência,
ameaçadas.
Na terceira parte, relata-se a reação e resposta do Terceiro Mundo, e particularmente da
América Latina (AML), diante do tema da crise ambiental, afirmando que sua perspectiva para
entender este fenômeno será oposta e contestatória à do Primeiro Mundo. Identifica-se que o
Terceiro Mundo e AML somente se conscientizaram da importância política da crise ambiental
como motivação para a realização da Conferência de Estocolmo de 1972, ou seja, com 20 anos de
atraso com respeito ao Primeiro Mundo. Não obstante, destaca-se como o Terceiro Mundo
contra-argumenta, enriquecendo o debate ambiental com uma visão social. Assinala-se que, com um
aporte destacado da AML, os subdesenvolvidos do mundo obrigaram a uma espécie de negociação
político-ambiental Norte-Sul que durou 16 anos (1971-1987), e que teve, entre suas consequências
positivas, a construção do conceito de Desenvolvimento Sustentável por parte da Comissão Mundial
do Meio Ambiente e Desenvolvimento. Este acordo, a respeito de como entender a crise ambiental,
foi o que permitiu realizar a segunda grande Conferência sobre o Meio Ambiente no Rio de Janeiro
em junho de 1992 (20 anos depois de Estocolmo 72), e que foi a mais bem sucedida de todas as
Conferências sobre o Meio Ambiente, realizadas até agora. Com Rio 92, se demarca a finalização da
primeira etapa deste debate político mundial.
12
PARTE I
A CRISE AMBIENTAL:
REFLEXO DAS MUDANÇAS NO IMAGINÁRIO GEOGRÁFICO POLÍTICO
HEGEMÔNICO
CAPÍTULO I
O QUE É A CRISE AMBIENTAL?
Com a ideia de crise ambiental quer-se expressar o fenômeno paradoxal que foi o
crescimento econômico em si, pelo elevado nível de desenvolvimento e padrão de vida alcançado
pela Civilização Industrial, onde o Primeiro Mundo é o exemplo emblemático, que gerou problemas
de caráter ecológico e meio ambiental de tão grande magnitude que, pela primeira vez na história
colocou-se em risco a continuidade da vida humana no planeta, bem como o processo de vida do
próprio planeta. A partir deste diagnóstico, em seguida, surgiu toda uma linha de pensamento
teórico-político que afirma que estamos frente ao problema mais importante e mais urgente a ser
enfrentado pela humanidade, nesta etapa histórica do seu desenvolvimento:
O risco peculiar do impacto ambiental da civilização moderna, especialmente desde a
industrialização acelerada no século XIX, é que este impacto é de tal magnitude e o
potencial tecnológico é tão grande que os desequilíbrios que provocam põem em perigo a
sobrevivência das formas de vida onde a sociedade humana pode viver e reproduzir-se.
A crise ecológica é, pois, uma crise de sobrevivência planetária e afeta a subsistência da
espécie. E nele reside sua singularidade com respeito a outras formas de impacto social no
Meio Ambiente.3
Porque crise ambiental? Porque a problemática ambiental adquiriu conotações tãoprofundas que nos colocam a todos e não somente aos ambientalistas, ecólogos e filósofos
em uma situação limite: a vida do Planeta Terra está ameaçada de desaparecer, de continuar
tal qual o “progresso científico-tecnológico” (...) Quando falamos de crise ambiental,
entendemos tanto os problemas ambientais globais como locais.4
Certamente, a configuração deste diagnóstico sobre o processo de vida no planeta foi
complexa e contraditória. Em um primeiro momento, as macrovariáveis que fizeram emergir a crise
ambiental, referiam-se a fenômenos como a poluição, perda de biodiversidade, o aquecimento global
ou mudanças climáticas, o esgotamento dos recursos naturais, a destruição da camada de ozônio e a
chamada, por alguns, de "explosão demográfica". Mais tarde, depois de muitos debates dentro do
sistema internacional, caracterizado por uma confrontação teórica clara entre o Norte e o Sul,
também foi incluído como variável geradora desta crise ambiental, o tema da pobreza e da miséria
em que vive a maior parte da humanidade.
4 Kerber, Guillermo; “Ecología”. Boletín de Filosofía N° 9, Volumen 3, Santiago: 1997-1998, p. 200.
3 Garrido Peña, Francisco; “Las Ecopolíticas”. En, Ballesteros, Jesús y Pérez Adán, José; Sociedad y Medio
Ambiente. Madrid: Trotta, 2000, p. 303.
14
Os artigos científicos e a literatura relacionada com esta ideia hoje acumula-se
substancialmente, no entanto, uma boa síntese contemporânea dos componentes da chamada crise
ambiental é a proposta por Maria e Novo de acordo com os parâmetros das Nações Unidas Para o
Meio Ambiente (UNEP):
● Os desajustes populacionais inerentes à explosão demográfica dos
países menos desenvolvidos e o envelhecimento da população nos países
ricos.
● Enormes desequilíbrios Norte/Sul, tanto entre as nações como no
interior dos próprios países.
● A difusão e consolidação da sociedade de consumo, que governa os
modos de vida de Ocidente e funciona como “modelo” e estímulo para os
países em vias de desenvolvimento.
● O desenvolvimento da tecnologia numa intensidade e com impactos
desconhecidos até o momento.
● Fortes migrações, umas vezes internacionais e outras muitas do
campo para a cidade, com a conseguinte desestabilização dos sistemas rurais
e urbanos.
● Urbanização crescente do Planeta, com um desmedido e
descontrolado crescimento das cidades do Terceiro Mundo.
● Perda acelerada da biodiversidade, a ritmos desconhecidos até agora
em nossa história.
● Contaminação de águas continentais e marinhas, de ar e solos, com o
aparecimento de fenômenos de cambio climático cujas graves consequências
são, todavia difíceis de prever.
● Desmatamento acelerado do Planeta, com a incidência que ele tem na
erosão e perda de solos férteis.
● Em íntima relação com todo isso, a falta de acesso aos recursos que
afeta aproximadamente a um bilhão de seres humanos que sofrem fome e
carecem de água potável, moradia digna, serviços sanitários e educativos
adequados, etc.
● Finalmente, dentro deste marco, a “feminização da pobreza”, que
relega as mulheres aos trabalhos piores ou mal pagos desde o ponto de vista
econômico e social, especialmente nos países e vias de desenvolvimento em
que, paradoxalmente, elas são essenciais para uma reorientação das políticas
demográficas, culturais e de uso dos recursos básicos.5
É esta ideia de crise que justifica o “boom” obtido pelos estudos sobre meio ambiente em
geral, e aqueles que abordam o impacto do modo de vida das sociedades contemporâneas, na
ecologia global ou planetária, chegando a destacar-se que,
5 Novo, María y Lara, Ramón (coordinadores); El Análisis Interdisciplinar de la Problemática
Ambiental. Madrid: Fundación Universidad - Empresa, 1997, pp. 21, 22.
A destruição e degradação dos recursos naturais, assim como a contaminação, alcançou uma
magnitude tal desde a Revolução Industrial que não só está afetando seriamente as opções
de crescimento econômico futuro, senão também a qualidade de vida da população no
presente. Em nível global é a própria sobrevivência humana que está ameaçada.6
Igualmente deve-se ter presente que, embora a ideia de crise ambiental, apoiada por estudos
e discursos os quais, em importante medida, provêm das ciências naturais, tais como a ecologia,
assim como ciências do ambiente e da terra, entre outras, não se referem a um fenômeno originado
de causas naturais, mas sociais. Responsabiliza-se a conduta do homem moderno, aquele gerado
pela Civilização Industrial, de tê-la desencadeado e, portanto, tornou-se comum dizer que a crise
ambiental é de causas antropogênicas:
O período que está vivendo atualmente a Humanidade, na encruzilhada entre dois milênios,
tem como cenário um mundo complexo e policêntrico, onde atores diversos e relativamente
autônomos (multinacionais, governos, minorias étnicas, movimentos sociais, etc.) interagem
de forma permanente (...) Consequentemente, viemos assistindo a aparição e afiançamento
de alguns fenômenos que, em seu conjunto, contribuem para configurar o que podemos
denominar a crise ambiental de nosso tempo (...) A crise ambiental de nosso tempo é uma
verdadeira emergência do sistema Terra em seu conjunto ao ser manipulado pela
Humanidade (...) A Humanidade se encontra em uma encruzilhada que coloca em perigo sua
própria sobrevivência como espécie.7
A mudança tem sido constante através da história da Terra, porém no passado os seres
humanos haviam sido espectadores do mesmo e não os que deram causa. As consequências
negativas do desenvolvimento sobre o Meio Ambiente não são marginais. Todos os sistemas
naturais básicos, dos Quais depende nossa prosperidade e eventualmente, a própria vida,
estão sendo alterados pelas atividades humanas.8
Desde logo, é importante registrar que quando falamos de crise ambiental, embora possa
parecer que referimos a um problema físico, o fato é que, acima de tudo, é um problema político, já
que estamos falando de “uma crise socialmente causada”9, ou antropogênica e, portanto, a sua
solução deve ser socialmente produzida, o que transforma a discussão em um problema político e
ideológico, por definição.
1.1 A Crise ambiental é um fenômeno político
9 Garrido, op. cit., pp. 301-321.
8 Lash, Jonathan; “Políticas públicas e instrumentos económicos para el desarrollo sustentable. La experiencia de
Estados Unidos”. En, Sunkel, Osvaldo (editor), Sustentabilidad Ambiental del Crecimiento Económico Chileno.
Santiago: Programa de Desarrollo Sustentable, Centro de Análisis de Políticas Públicas, Universidad de Chile, 1996,
p. 362.
7 Novo, op.cit.
6 Geisse, Guillermo; 10 Años de Debate Ambiental. Santiago: CIPMA, 1993, p. 27.
16
Quando assinala-se que a crise ambiental tem causas antropogênicas é necessário
imediatamente especificar que não trata-se de um fenômeno causado pelo ser humano em quanto
a espécie, dado que isso significaria supor que se trataria de uma espécie essencialmente
destrutiva de seu hábitat. Se fosse assim, a única solução possível seria o terminar com a espécie
ou terminar com uma de suas características definidoras como espécie (por exemplo, aplicando
uma “lobotomia generalizada”), com o qual, provavelmente perderia sua particularidade de
humana. Certamente, o anterior é um absurdo. Evidentemente, como todo ser vivo, buscamos
instintivamente nossa sobrevivência e permanência neste mundo, para o qual dependemos do
meio físico ou biosfera que é nosso hábitat e lugar natural. Porém, nos distinguimos do resto dos
seres vivos por relacionar-nos com a realidade por meio de nossa consciência que, entre outras
características, destaca-se por sua permanente criatividade e invenção, tanto individual como
coletiva. Esta singularidade é a que nos leva a entender e a enfrentar nossos dilemas próprios da
existência de maneiras distintas e semelhantes, não só a respeito das outras espécies, senão que,
sobretudo, entre nós mesmos e aqui é quando começam os problemas políticos. Com este
argumento, queremos assinalar que não é a espécie humana em termos genéricos a que criou o
problema ambiental,senão um particular grupo de nós, que em sua busca de soluções a sua
sobrevivência desenvolvimento uma forma particular de relacionar-se com o resto de seus
congêneres e com o meio físico, e será essa forma particular a que criou a crise ambiental global
pondo e risco a todos.
Como afirmou o historiador da ecologia, Jean Paul Deléague, “a tomada de consciência das
dimensões globais da crise ecológica, longe de anular as diferenças e as lacunas entre as sociedades
e grupos humanos, eles agravam e aprofundam”,10 acontece, pois dessa maneira, porque apesar de
estarmos frente a um problema global, não vivemos em um mundo homogêneo, e muito menos
numa sociedade cultural, econômica e politicamente homogênea, portanto, não vamos entender as
causas que levaram a esta crise de maneira homogênea, e tampouco as soluções serão idênticas, por
mais que exista uma retórica interessada em afirmar que a crise ambiental afeta a todos nós
igualmente.
Em outras palavras, os diferentes grupos humanos e/ou de sociedades que habitam este
planeta, o fazem em condições muito diferentes e, portanto, representa a realidade ambiental global
e local de forma diferente, o que resulta em propostas de solução com ênfases diferentes. Isso não
10 Deléage, Jean Paul. Historia de la ecologia: uma ciência del hombre y de la naturaliza. Barcelona: Icaria, 1993,
pp. 302, 303.
significa que o problema não seja real ou não seja grave, porém é muito diferente a maneira de
entender a crise ambiental, quando se tem uma renda per capita de 45 mil dólares e a expectativa
média de vida de 80 anos ou mais, como ocorre no Primeiro Mundo, contra uma renda per capita
inferior a 100 dólares e com uma expectativa de vida de 38 anos ou menos, como ocorre em muitas
regiões pobres do mundo, como por exemplo, aqueles afetados mais seriamente pela pandemia da
AIDS. Além disso, para as gerações futuras poderem herdar um mundo, ecológica e ambientalmente
iguais ou melhores do que o que nós desfrutamos (ou parecemos), primeiro deve-se criar a
possibilidade de gerações futuras. Em outras palavras, trata-se de salvar o planeta e herdar um
ambiente saudável para todos e não para uma minoria privilegiada permanente.
Pelos motivos expostos, se nos concentrarmos apenas no discurso repetido que refere à
espécie humana em sentido neutro ou genérico, para que esta preserve um ambiente saudável e
sustentável, ou supere os problemas que afetam o ecossistema global, sem identificar as distinções e
desigualdades que afetam a espécie humana, no lugar que lhe é possível no universo, vemos que se
trata de um discurso que não explica o verdadeiro enfoque do problema. Um estudo político do
debate ambiental implica assumir que existem diferentes perspectivas para solucionar o problema e
onde as soluções devem estar mediadas pelo complexo conflito de interesses que surgem referentes
ao modelo de sociedade desejável, ou organização social que aspira, ou condições que se
consideram ótimas para uma "sociedade global" que é composta de múltiplas sociedades, e onde a
diversidade e heterogeneidade são suas principais características, juntamente com o fato de que
habitam o planeta em condições bastante diferente entre elas.
Assim, ao afirmarmos que a crise ambiental é fundamentalmente um fenômeno político e sua
solução só será possível no campo da política, não para negar que a tecnologia e as ciências naturais
ou outras dão uma importante contribuição para o conhecimento do fenômeno. O que se está
afirmando é que nenhum progresso técnico ocorre sozinho e nenhum diagnóstico de ecologia ou
ciências da terra, isoladas irá resolver a crise ambiental. A tecnologia, as ciências naturais e outras
ciências, poderão lançar luzes sobre a gravidade da crise e poderão propor artefatos, mecanismos e
cenários para ajudar a superar algumas das variáveis, porém a solução do problema de forma
integral, se define no complexo espaço político-ideológico de um mundo no qual as relações de
poder são profundamente desiguais e assimétricas e onde as respostas e soluções, bem como certos
movimentos ambientais não acontecem de forma inocente, mas respondem às novas e sofisticadas
estratégias de dominação.
18
CAPÍTULO 2
CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS: MUDANÇAS NO IMAGINÁRIO GEOGRÁFICO
POLÍTICO HEGEMÔNICO
Qualquer sociedade humana é um fenômeno que ocorre no espaço e no tempo. A
característica espacial possui dependência direta com referência as mudanças naturais ou
geográficas, para tornar possível sua existência e evolução, e neste sentido, todas as sociedades
sempre causam impactos, em maior ou menor grau, ao ambiente em que se desenvolvem. Como
aponta Deléage, "nenhuma civilização tem sido ecologicamente inocente. Muito antes da
industrialização europeia dos tempos modernos, a atividade humana manifestou-se profundamente
destrutiva dos bens e valores ecológicos, impondo alterações irreversíveis, sendo o mais antigo e
mais amplo, o desmatamento".11 
Esta é um acontecimento histórico conhecido e estudado por várias disciplinas, das quais
podemos citar entre as mais antigas a história e geografia. Então, e parafraseando Joan Martínez
Alier, se a influência do meio ambiente sobre a humanidade e da humanidade sobre o meio ambiente
não é novidade, a que se deve a importância adquirida atualmente pelos estudos que abordam essa
relação? Em que reside esta novidade?12 Para este autor, a busca de uma resposta plausível não pode
ser feita separadamente da história das ideias sobre a natureza. E nesse sentido coincide com David
Arnold, afirmando que "o conhecimento da subordinação e dependência do homem sobre a natureza
remonta um longo tempo, mas o significado dos seres humanos como guardiões e destruidores da
natureza, apenas acaba de nascer e, com isso, o enorme sentimento de responsabilidade pela
destruição realizada e para a sobrevivência futura de outras espécies".13
No entanto, essas respostas devem aprofundar se realmente queremos responder porque este
tema inexiste na agenda política global durante a primeira metade de século XX, tornou-se um
tempo relativamente curto, em um dos destaques da agenda internacional? O que foi que aconteceu e
como aconteceu?
Levando em conta que a resposta a estas questões nunca é única, propomos primeiro lugar,
considerar que o que aconteceu é a manifestação de uma mudança radical na percepção do mundo,
entendido como o habitat natural do ser humano e fonte de recursos para a sua existência. Isto é, o
13 Arnold, David; La Naturaleza Como Problema Histórico. El medio, la cultura y la expansión de Europa. México
D.F: Fondo de Cultura Económica, 2000, p. 13.
12 Martínez Alier, Joan; “Temas de Historia Económico-Ecológica”. En, Martínez Alier Joan y González de Molina,
Manuel (editores); Historia y Ecología. Madrid: Editorial Marcial Pons, 1993, pp. 19, 20.
11 Ibid., p. 283.
20
imaginário social contemporâneo dominante sobre a perspectiva geográfica da Terra mudou
substancialmente em comparação com a percepção dominante no final do século 19, e que ainda
respondia em grande parte, a imagem que havia sido formada a partir de expansão europeia moderna
século 16.
E essa mudança, que certamente tem as suas raízes bem para trás no tempo, manifesta-se
publicamente e maciçamente nos últimos 40 anos do século 20, fundamentalmente como a
preocupação do Primeiro Mundo, expressa sob o conceito de crise ambiental, constituirão a base de
toda a discussão política e ideológica que surge em torno de meio ambiente e que também pode ser
sintetizado como debate ambiental.
2.1. Modernidade: um imaginário geográfico eurocêntrico
Se nos remetermos ao imaginário geográfico do mundo que tinha o europeu ao final da idade
média e início da era moderna, veremos que este através do chamado descobrimento da América,
passou por uma grande transformação. Este imaginário de mundo forma parte importante de uma
cosmovisão eurocentrista que se tornou hegemônica no curso da modernidade. Como apontado por
Miguel Rojas Mix,em sua obra América imaginária, " no final da Idade média os europeus
conheciam apenas uma pequena parte do planeta", mas desde a época da Grécia antiga ou clássica,
para os europeus existia "um mundo exótico" a Extera Europae que "flutuava em névoas de
incerteza, mesclando a realidade com o mito".14
No início do século 15, as noções geográficas do mundo por parte dos europeus, eram vagas
e incompletas. Sabia-se que ao Sul existia a África do Sul e ao Leste os povos Asiáticos. Também
era sabido que o Leste era composto pelo "Oriente Próximo", que os cruzados haviam tentado
dominar e, além disso, havia outro muito mais a leste, onde ficava o império fabuloso e rico de
Cathay (China), presente nos relatos históricos de Marco Polo e outros comerciantes, viajantes e
missionários medievais. Entretanto, do continente americano não tinha ciência de sua existência,
exceto histórias míticas que falavam de ilhas perdidas, algo além das Colunas de Hércules, num
vasto e desconhecido mar, que na época era chamado mar oceânico. Algo semelhante ocorreu com o
conhecimento dos pólos. Assim, não antes das viagens de Colombo, em 1492, as brumas da
geografia universal definitivamente começam a se dissipar. É verdade que Colombo achava que
14 Rojas Mix, Miguel; América Imaginaria. Barcelona: Lumen, 1992, p. 10.
havia desembarcado na Índia, mas alguns anos mais tarde, em 1504 Américo Vespúcio, sinaliza que
se tratava de um quarto continente, até então desconhecido para os europeus, um novo mundo. E,
finalmente, em 1522, retornou à “Sevilla o veleiro Victoria, que navegando sempre em sentido
Leste, retorna ao seu ponto de partida”, e assim, Magasich e de Beer, "o círculo histórico e
geográfico parece ter-se concuido para iniciar um novo período".15
É interessante ressaltar, particularmente, essa ideia de fechar o "ciclo geográfico", já que
neste período de 30 anos (1492-1522) a Europa pode enfim, construir uma informação muito mais
precisa do tamanho e partes geográficas do mundo. Por um lado o mundo é maior do que se pensava
no início viagens de Colombo e, por outro lado, estava de fato, totalmente interligado por via
marítima.
Assim, com as viagens de exploração realizadas por portugueses e espanhóis no século 15,
resultado de seu interesse em estabelecer relações de comércio com o “Extremo Oriente”, começou
a se espalhar a moderna hegemonia europeia sobre o mundo, num processo mais tarde conhecido
como universalização do ocidente.16 Assim começou a construção de uma história universal que teve
na Europa seu centro hegemônico, confiante de sua superioridade cultural e moral sobre outros
povos e sociedades, e sentindo-se destinada a governar um mundo que lhes pertencia.
As razões para tal atitude dos europeus podem ser muitas, na verdade, era a antiga
necessidade de defender, expandir e implementar a "verdadeira" fé universal, e o enfrentamento da
expansão muçulmana iniciada no século 6 a. C, e também levou à conquista do Oriente Médio nas
Cruzadas e, para o século 15, mantinha-se a tensão com o Império Otomano. Lembre-se que Hegel
no século 19 elevou à sua máxima expressão o eurocentrismo quando escreveu o seu conceito da
filosofia da história. Mas muito antes, apenas um mês após o retorno da primeira viagem do
Colombo, o papa Alexandre VI, em 04 de maio de 1493, "lançou sua bula Noverint da
Universidade, dividindo o mundo entre espanhóis e portugueses, para o qual fixou como linha
divisória o meridiano situado a 100 léguas das ilhas dos Açores e do Cabo Verde".17
17 De Gortari, Eli; “Antecedentes científicos y técnicos del descubrimiento”, p.173. Em, Zea, op. cit., pp. 157-174.
16 Bem afirmou Leopoldo Zea, que uma das principais consequências da chegada de Colombo na América, é o inicio
da “universalização da história”, onde os europeos deverão “reconstruir seus horizontes de conhecimiento e do
sentido em que estes pudessem conter histórias também regionais de povos de uma extraordinaria diversidade”. Zea,
Leopoldo; El Descubrimiento de América y su Impacto en la Historia. México D.F: Fondo de Cultura Económica,
1991, p. 6.
15 Magasich, Jorge y De Beer Jean-Marc; América Mágica. Mitos y creencias en tiempos del
descubrimiento del nuevo mundo. Santiago: LOM, 2001, p. 18
22
Linha divisória que um ano depois foi alterada por Espanha e Portugal através do Tratado de
Tordesilhas, "de acordo com as verdadeiras dimensões observadas nas expedições, a 370 léguas a
oeste de Cabo Verde". 18 Significa dizer, o mundo estava repartido entre esses dois reinos cristãos,
sem ter claras as dimensões exatas, mas o que não estava em discussão era o legítimo sentido de
propriedade sobre o mesmo, pois na verdade, não se partilha o que não se considera próprio.
A partir daqui, então, com a expansão europeia iniciada no século XV, se construirá uma
visão do mundo eurocêntrica, na qual os europeus - cristãos e ocidentais -, se sentiam destinados a
governar universalmente, o que se traduzia em impor seus pontos de vista sobre a forma de dividir,
gerenciar e ou gerenciar os povos e territórios que foram descobrindo e adquirindo. Ou seja, para o
sujeito europeu do século 16 que começa a expansão universal, o mundo era um território que ele
precisava possuí-lo administrá-lo, e para isso era absolutamente necessário conhecer, medir e
dimensionar seu tamanho.
Em termos simples, essa visão de mundo hegemônica determinou a configuração de uma
relação político-econômica caracterizada pela equação centro-periferia, na qual a administração do
mundo relegava à periferia o papel de abastecer o centro com matérias-primas, recursos naturais,
produtos agrícolas (algodão, tabaco, açúcar, etc.) e mão de obra (escravos) além de ser mercado para
os produtos manufaturados, e posteriormente industriais, provenientes do centro.
Em síntese, o imaginário geográfico eurocêntrico que foi estruturado partindo das viagens de
expansão iniciadas pelos Portugueses e Espanhóis no final do século 15, tem como grande marco as
viagens de Colombo. Este imaginário entenderá o planeta como um mundo finito, mas imenso, com
quantidades enormes de território, recursos e povos para conhecer, descobrir e conquistar, e
colocá-los para servir ao emergente bem-estar da Europa Ocidental.
2.2 O mundo tornou-se pequeno e frágil
Desde a expansão europeia iniciada no final do século 15 até a segunda metade de século 20,
muita água passou por debaixo da ponte de história e muitas mudanças ocorreram, particularmente,
no âmbito do conhecimento. Entretanto, em alguns aspectos, a imagem dominante não mudou
muito. E para o estudo da política e do pensamento político, é importante estabelecer o que mudou,
18 Ibíd.
quanto mudou? E, o que não foi alterado na visão de mundo e, portanto mantido da visão
eurocêntrica moderna que, hoje em dia podemos chamar de visão ocidental do mundo?
Nesse sentido, no final do século 19, a geografia imaginária de um mundo enorme por
explorar e conquistar, que caracterizou a atitude expansiva europeia da modernidade, mais uma vez
começa a sofrer transformações. Então, ao nível global, já não há quase mais nada para descobrir,
exceto alguns lugares exóticos, como os polos, os elevados picos de cordilheiras, alguns lugares da
selva densa e os abismos profundos de oceanos, mas em todos os casos, era sabido onde esses
lugares estavam localizados e acabar com o seu isolamento era uma questão de tempo e
tecnologia. Além disso, a geografia política do mundo está totalmente definida. Três quartos do
planeta pertencem aos poderes imperiais europeus, onde a Grã-Bretanha detém a hegemonia
indiscutível, com quem devem ser adicionados os Estados Unidos, que estão se expandindo para
além das suas fronteiras continentais (Filipinas, Havaí, Porto Rico, Cuba) e um poderio econômico
crescente. O resto do mundo, é uma série de Estados-nações, destacam-se os países
latino-americanos que tem conseguido sua independência a partir do início do século 19.
Quando passamos para a segunda metade do século20, após o fim da II Guerra Mundial,
onde a nova hegemonia é dos Estados Unidos, vemos que este mundo "imenso e desconhecido" dos
séculos 15-16, foi transformado em seu oposto. Politicamente está totalmente repartido sob o
conceito de Estados-Nações, os chamado espaços livres ou comuns da humanidade (oceanos, polos,
etc.) estão claramente definidos, e o mais importante agora, se trata de um mundo que se fez
pequeno e frágil.
Pequeno, não só porque está totalmente repartido politicamente, mas porque na época das
viagens espaciais socializa-se a imagem do planeta como uma esfera finita imersa em um meio
maior como é o universo. Este planeta visto do espaço é cada vez menor à medida que nos
afastamos dele. Além disso, quanto mais distante é o ponto a partir do qual observamos a Terra, o
que cresce e aumenta na imagem panorâmica que é recriada em nossas mentes é um universo
imenso e imensurável para nossos sentidos. Um espaço sideral que à escala humana parece
interminável, e que é ainda mais chocante, se trata de um ambiente extremamente hostil (até agora)
para sustentar a vida tal como a conhecemos no nosso pequeno planeta.
Assim, na segunda metade do século 20, começou a socializar-se a imagem de que vivemos
em uma espécie de Arca de Noé sideral, que por um lado contém e nos permite a vida, e por outro
lado, navega um oceano universal desconhecido, estranho e com sérios perigos para seu normal
24
funcionamento (por exemplo, a existência de asteroides que estão em constantemente se chocam
com o planeta e quando eles são pequenos não há maiores problemas, mas também sabemos que
existe a possibilidade de que seu tamanho, algum dia, não seja tão pequeno). Portanto, o mundo
também se apresenta frágil, pois ao mesmo tempo em que mais se conhece sobre o universo e
paralelamente mais conhecemos como funciona o nosso planeta, fica claro que o equilíbrio do
ecossistema global, o mesmo que permite a vida, é susceptível de ser abrupta e definitivamente
danificado.
Importante afirmar que, vemos o nosso planeta como um mundo suscetível a perecer por
fenômenos naturais, como a possibilidade do impacto de um asteroide de tamanho considerável,
mas, acima de tudo, e mais grave, pela própria ação do ser humano, que com o seu modelo de vida
contemporâneo, desencadeou uma série de eventos que ameaçam o equilíbrio do ecossistema
global. E, este segundo perigo como vimos no capítulo anterior, é conhecida como crise ambiental
global. Em outras palavras, o perigo que indica que o ecossistema global pode ser destruído por
causas antropogênicas.
Sem dúvida, no sentido físico ou geofísico, este planeta é relativamente o mesmo desde
centenas de milhares de anos. Para a escala humana o marco e as dimensões geomorfológicas a
oceanográficas e outras, não mudaram substancialmente. Mas o que mudou de fato, é a percepção
que temos sobre ele. E uma vez que enquanto seres humanos agimos com base em nossas ideias e
crenças, na medida em que vamos nos convencendo de que nossas ações estão ameaçando as
condições que permitem o desenvolvimento normal da vida no planeta, o tema da superação desse
problema tem sido a primeira prioridade na política global.
Possivelmente uma imagem muito boa, para descrever essa nova percepção sobre as
condições geográficas do planeta, seja a história que é dada a conhecer no relatório da Comissão
Mundial das Nações Unidas para o Meio Ambiente (CMNUMA) e se popularizou como conceito de
desenvolvimento sustentável, o Nosso Futuro Comum:
Em meados do século XX viumos o nosso planeta pela primeira vez a partir do espaço. Os
historiadores descobriram no transcurso do tempo, que essa visão teve uma repercução
maior sobre o pensamento do que a revolução copernicana no século XVI, que transformou
a imagem que o homem tinha de si mesmo, ao revelar que a Terra não é o centro do
universo.
Do espaço, vemos uma esfera pequena e frágil dominada não por atividade humana e obras,
mas por um conjunto de neve, oceanos, espaços verdes e de terras. A incapacidade humana
para enquadrar suas atividades neste conjunto está alterando fundamentalmente o sistema
planetário. Muitas dessas mudanças estão acompanhadas de riscos que ameaçam a
vida. Esta nova realidade, que é impossível escapar, devem ser reconhecidas e dominadas.19 
2.3 Mudanças nos critérios para a gestão e administração do mundo
O discurso sobre a crise ambiental global, nos mostra que o imaginário geográfico mudou
substancialmente, e essa mudança tem um efeito imediato sobre a forma como deve ou deveria
estabelecer a relação entre a sociedade e a natureza. Neste sentido, a nova percepção de viver em um
mundo finito e frágil, enaltece verbos como preservação e conservação. E, até agora, a mudança no
imaginário geográfico não deve ser problemático, pois é difícil encontrar qualquer espécie que esteja
disposta a destruir conscientemente seu habitat e seus meios de sobrevivência, e o ser humano, neste
sentido, não é uma exceção.
No entanto, que o problema é muito mais complexo. Hoje, o conhecimento de que o planeta
é um grande e único ecossistema, cujo desempenho não atende a lógica de fronteiras através das
quais os seres humanos repartem porções desse ecossistema, onde se instalaram ou se
estabeleceram, segundo critérios culturais de identidade, políticos, históricos ou outros, leva-nos a
pensar e projetar a imagem de que, finalmente, vivemos em uma grande polis global.
Porém o grande problema com esta imagem que estamos propondo é que as relações de
poder nesta "grande polis global" não são distribuídas de maneira uniforme e democrática. Além
disso, é precisamente aqui, nas relações assimétricas de poder que existem neste mundo, onde as
mudanças estruturais não ocorreram ou são muito menores do que o esperado. Isso significa que as
relações de poder não mudaram substancialmente entre o centro e a periferia, que se conformaram
desde a expansão europeia do século 15 em diante, e isso se reflete claramente em tudo o que
respeita ao debate ambiental.
A propósito, isso não quer dizer que essas relações de poder assimétricas são imutáveis ou
estáticas. É evidente que estas variam e que, principalmente no longo tempo, sempre se modificam,
mas quando nos concentramos na origem do debate ambiental na agenda política global, vamos
perceber que este mesmo imaginário hegemônico eurocêntrico, que vê a si mesmo com o direito de
intervir na administração do planeta em qualquer lugar do mundo, se o considerar necessário, seja
para apropriar-se dele, explorar, investigar, convertê-lo à "verdadeira fé", ou outro fim, conforme se
19 Comisión Mundial para el Medio Ambiente y el Desarollo; Nuestro Futuro Comun. Alianza
Editorial, Madrid, 1992, p. 21.
26
aplicou por parte do Primeiro Mundo em relação a como devemos compreender o tema da crise
ambiental mundial e possíveis soluções.
Nesse sentido, se o mundo, para este imaginário eurocêntrico em meados do século xx, que
havia se tornado pequeno e frágil, os questionamentos políticos levantados imediatamente, pensando
em sua própria sobrevivência foram: para quantos seres humanos é suficiente este mundo
finito? Como se deve administrar este mundo finito, a fim de preservar e conservar seus
ecossistemas frágeis e que são essenciais para a vida? O que ocorrerá com os recursos naturais
finitos, se todos no planeta desejarem ter o padrão de vida do primeiro Mundo? Como se deve
gerenciar esse mundo finito frente a estas novas circunstâncias de crise ambiental global, de modo
que as relações de poder e de privilégios, construídos com "esforços de tantos séculos", não se
percam ou deteriorem de maneira significativa?
Além disso, esse fenômeno de compreender a crise ambiental a partir de uma perspectiva
hegemônica eurocêntrica, certamente gerará respostas e contra-soluções deste setor do mundo
periférico e muito menos poderoso, que irá reagir frente as abordagens que considerar altamente
prejudiciais ao sua também legítima aspiração de sobreviver e com dignidade,a esta crise ambiental,
o que explica a tensão política que desde o início tem existido neste debate.
A partir deste momento então, quando se coloca a ênfase nas formas de compreender a crise
ambiental e propor políticas para superá-la, a despeito de todo o progresso que pode ser-lhe
atribuido, persistem diferenças importantes entre os países desenvolvidos com aqueles em
desenvolvimento e/ou diferenças norte-sul, elevando o tema a um alto grau de conflito político.
CAPÍTULO 3
CRISE AMBIENTAL: UM IMAGINÁRIO CATASTRÓFICO
Um elemento fundamental para compreender plenamente a configuração da ideia de crise
ambiental, assim como sua evolução posterior no debate político mundial, é que o seu discurso foi
construído sobre a base de um imaginário catastrófico: o colapso da vida em escala planetária.
Este é um imaginário surgido no seio do Primeiro Mundo, que apoiou o desenvolvimento de
diversas teorias sobre a função do perigo iminente representado pela crise ambiental, procuram
delinear as principais características da nova sociedade para a qual a humanidade transitará neste
século, sendo um bom exemplo a hipótese de sociedade de risco desenvolvida pelo alemão Ulrich
Beck.20 No entanto, para fins explicativos de nossa análise, podemos decompor em três grandes
subconjuntos as ideias que compõem este catastrófico imaginário e que estarão na base
epistemológica de tentativas teóricas, como indicado, bem como outras, mais ou menos semelhantes
que surgiram e/ou que possam surgir. Em primeiro lugar, a ideia de auto-destruição, em segundo
lugar, a percepção de um planeta finito, e em terceiro lugar, a substituição da ideia de progresso pela
ideia de incerteza.
3.1 A Autodestruição
Quanto às capacidades autodestrutivas alcançadas pelo homem, em primeiro lugar torna-se
importante desenvolver energia nuclear para fins militares. Na verdade, como já mencionado, as
manifestações pacifistas europeias dos anos da Guerra Fria (décadas de 50 a 80 do século passado),
eram contra a possibilidade de uma guerra com armas nucleares, cujas consequências seriam
20 Proposta em 1986 pelo sociólogo alemão Ulrich Beck, La teoría de la sociedad del riesgo se sustenta na incerteza
generalizada na qual passam a viver os ciudadãos das sociedades altamente desenvolvidas do Primeiro Mundo, ao
tomar conciência dos novos perigos ecológicos e ambientais globais que geraram ao construir a moderna sociedade
industrial. Estes perigos, de alcance mundial, puseram em risco a continuidade da vida dos seres humanos nol planeta
e afetam tanto as atuais como as futuras gerações. Para Beck, “com a destruição industrial das bases ecológicas e
naturais da vida”, se pôs em “marcha uma dinâmica social e política de desenvolvimento histórico sem precedentes e
que até agora não foi comprendida, o que obriga a repensar a realção entre natureza e sociedad”. BECK, Ulrich; La
Sociedad del Riesgo. Hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidos, 2006, p. 113 (1ª edición en alemán, por
Suhrkamp 1986). Portanto, a sociedade de risco estaría situada no angustiante intersticio que se situa entre a perda da
confiança e segurança epistemológica que proveria a carência positivista na infalibilidade da razão científica e que se
sustentou na sociedade industrial e a posibilidade catastrófica de desastre e destrução global do planeta que ficou
absolutamente clara depois da explosão das primeras bombas nucleares nos anos quarenta do século XX. Como
afirma Beck, este conceito “faz referência a uma fase de desenvolviment da sociedade moderna na qual os riscos
sociais, políticos, ecológicos e individuais gerados pela mesma dinâmica da renovação, se submetem crescentemente
às instituições de controle e garantia da sociedade industrial. (…) Uma situação completamente diferente se presenta
quando os perigos da sociedade industrial dominam o debate e os conflitos públicos, políticos e privados. Neste caso,
as instituições da sociedade industrial se convertem em geradoras e legitimadoras de perigos que ela não pode
controlar. (…) A sociedade industrial se vê e se critica como sociedade de risco”. Beck, La Invención de lo Político.
México, DF: Fondo de Cultura Económica, 1999, p. 32.
28
apocalípticas. Isto é o que leva a Worster a ressaltar que a ecologia foi inaugurada no deserto do
Novo México, em 16 de julho de 1945, após a detonação da primeira bomba nuclear.21
Por sua parte, diz Miller (falando sempre para as sociedades do Primeiro Mundo), que na
maioria das pessoas consideram a guerra nuclear como a maior ameaça para a espécie humana e
sistemas de suporte de vida na Terra, mesmo após o fim da Guerra frio, porque na década de noventa
como uma possibilidade estratégica foi criada tanto nos Estados Unidos como na ex-União
Soviética, o conceito de "guerra nuclear limitada" (só ataca alvos militares e não um ataque global
contra cidades e alvos militares e a econômica, conforme previsto no período da Guerra Fria). No
entanto, como endossavam os estudos e modelos computacionais, uma guerra deste tipo, cujo palco
de operações seria principalmente no Hemisfério Norte, poderia ainda assim, causar uma catástrofe
planetária, iniciando um inverno e outono nuclear, aludindo às nuvens de fumaça, fuligem, poeira e
outros detritos gerados por explosões nucleares e fogo subsequente, primeiro cobriria o hemisfério
Norte impedindo a luz solar de chegar a grandes áreas, o que reduziria a temperatura em níveis de
inverno durante anos e levar ao colapso da agricultura. No hemisfério sul, estas nuvens seria menos
densas do que no Norte, mas também reduziriam as temperaturas gerando o fenômeno do "outono
nuclear", o que também implica o colapso da agricultura, principalmente em áreas tropicais e
subtropicais, sendo considerada a mais ao sul do hemisfério, como a menos afetada. Ambos os
fenômenos implicam um colapso das sociedades em todo o mundo sobre o que existia antes do
início de uma "guerra nuclear limitada".22
Em segundo lugar, na década de oitenta e noventa, tornou-se cada vez mais importante, o
alarme para o fenômeno conhecido como mudança climática e se refere a uma mudança drástica na
temperatura média da superfície da Terra em um período de tempo relativamente curto (duas ou três
décadas). A este respeito, sabe-se que a temperatura média da superfície da Terra esteve
constantemente em mudança, por exemplo, desde o fim da última era do gelo, 10.000 anos atrás até
hoje, que aumentou em 5° C. Além disso, neste período mais quente no qual vivemos, a temperatura
média tem flutuações de 0,5ºC a 1ºC, para cima ou para baixo, em períodos que variam de 100-200
anos. Portanto, embora a temperatura média oscila permanentemente, se trata de variações
relativamente pequenas e muito lentas, o que permitiu que a natureza do solo, e os tipos e padrões
climáticos e de vegetação, tem se mantido relativamente estáveis ou mudando muito lentamente,
22 Miller, Tyler G.; Ecología y Medio Ambiente. México D.F: Grupo Editorial Iberoamericana, 1994, pp. 330-336.
21 Worster, Donald; Natures’s Economy. A history of ecological ideas. New York: Cambridge University Press, 1998,
p. 342.
todas características que têm facilitado a organização da agricultura e os aumentos na produção de
alimentos. A maior ou menor quantidade de calor na superfície da Terra é em grande parte um
fenômeno natural que ocorre com os gases atmosféricos e é chamado de efeito estufa.23 No entanto,
desde o início da Revolução Industrial e, particularmente, a partir de 1950, tem vindo a introduzir
artificialmente na troposfera, grandes quantidades desses gases que geram o efeito estufa, a tal ponto
que iria alterar os ciclos naturais de ciclos biogeoquímicos da Terra e ameaçando causar um
aumento drástico na temperatura média. As principais atividades humanas que estariam gerando este
fenômeno, são a queima de combustíveis fósseis (57%), o uso de clorofluorocarbonetos no processo
industrial (17%), a agricultura (15%), e desmatamento (8%). O medo gerado por esta situação,é que
o aumento da temperatura poderia aumentar o nível dos mares, produto dos derretimentos polares,
inundando planícies costeiras dos continentes, alterando ciclos de produção agrícola, assim como, os
ciclos de seca, furacões e tufões seriam cada vez mais graves, tenderia a desaparecer as florestas
tropicais e subtropicais existentes, junto com as espécies animais que os habitam e, em geral seria
uma grande desestabilização política, refletida no fenômeno que descreve o biólogo americano
Thomas Lovejoy, como o "surgimento de hordas de refugiados ambientais".24 
Em terceiro lugar, e estreitamente relacionada com o fenômeno cima, está a preocupação
com a destruição da camada de ozônio, principalmente devido a base da ação em
clorofluorocarbonetos (CFCs). A camada de ozônio está localizado na estratosfera e previne em
muito a radiação ultravioleta que provem do sol e atinge a superfície da terra. Esta radiação é
extremamente prejudicial para a vida, uma vez que danifica as moléculas de DNA e pode causar
defeitos genéticos em superfícies externas de animais e plantas, bem como na pele de seres
humanos. O ozônio é destruído e reposto naturalmente na estratosfera, por reações químicas
atmosféricas e mantido a um nível estável. No entanto, em 1930, a indústria química desenvolveu os
clorofluorcarbonos CFC 11 (triclorofluorometano) e CFC 12 (diclorodifluorometano). Tratava-se de
gás incolor, não-tóxico, não-inflamável e não corrosivo, que logo se utilizou maciçamente em
muitas aplicações industriais (resfriamento e refrigeração, propulsores de aerossol, esterilizantes de
24 Ibíd, pp. 317, 318.
23 “O calor é acumulado na troposfera em um processo natural chamado efeito estufa. A quantidade de calor
acumulada depende principalmente das concentrações de diversos gases que concentram calor, conhecidos como
gases de efeito estufa, na troposfera. Os principais são dióxido de carbono, vapor de agua (sobre tudo nas nuvens),
ozônio, metano, óxido nitroso e clorofluorocarbonos. O aumento nas concentrações destes gases, mais rapidamente
do que são removidos da troposfera, aumenta a temperatura média da superficie da Terra, a diminuição de suas
concentrações, mais rápido do que são emitidos, provoca a queda da temperatura média da superficie da Terra”. Ibíd,
pp. 311, 312.
30
hospitais, fumigantes, etc.). Estes gases, que estão sendo jogados para o ar, sobem para a estratosfera
e reagem com o ozônio destruindo-o. Esta situação foi proposta pela primeira vez pelos químicos
Mario Molina e Sherwood Roland em 1973 e 14 anos mais tarde, em 1987 foi feita a primeira
Conferência Mundial sobre Mudanças Climáticas, que levou à assinatura do Protocolo de Montreal,
no qual países, especialmente do Primeiro Mundo e principais produtores destes gases, começaram a
reagir politicamente, para eliminar o uso industrial, juntamente com outros gases, que também
destroem a camada de ozônio (tetracloreto de carbono, clorofórmio de metilo e compostos que
utilizam bromo, conhecido como halocarbonos). Contribuiu para esta reação política, o fato de que
os avanços de satélite dos anos oitenta, levaram à descoberta de que cerca de 50% da camada de
ozônio sobre a Antártida era destruída em cada primavera polar (setembro-outubro), um fenômeno
que tornou-se conhecido popularmente como "buraco na camada de ozônio", que tendem a aumentar
com o tempo, e que, em 1988, descobriu-se um fenômeno semelhante, mas mais pequeno, na
camada de ozônio do Ártico.25
Em quarto lugar, também se menciona a destruição da cobertura florestal do planeta, devido
à exploração comercial, a expansão do solo urbano ou terra para o cultivo agropecuário. As florestas
são consideradas uma parte fundamental dos "pulmões" do planeta, pois, através da fotossíntese, as
árvores removem o dióxido de carbono do ar e produzem oxigênio, para o qual as florestas são
fundamentais no ciclo global do carbono e, portanto, moderadoras do aquecimento do clima, origem
do efeito estufa. Por outro lado, proporcionam umidade do ar através da transpiração e a evaporação,
contribuem no controle da erosão do solo, e também garantem uma grande diversidade de espécies
de plantas e animais. Neste sentido, teme-se particularmente, o desmatamento das florestas tropicais
e subtropicais, que cobrem cerca de 6 a 7% da superfície da Terra e estão localizadas próximas da
linha do Equador (América Latina, Ásia e África), onde o Brasil tem 33% dessas florestas, Zaire e
Indonésia 10% cada um.26
Em quinto e último, devemos também adicionar a capacidade de auto-destruição, a crescente
produção de resíduos industriais e urbanos:
Os resíduos tóxicos produzidos por fábricas e pelas famílias, estão se acumulando e
envenenando o ar, água e solo. Agrotóxicos utilizados na agricultura, contaminam os lençóis
freáticos que muitos de nós bebemos, e alguns dos nossos alimentos que são o nosso
sustento. Nós poluimos os mares, lagos, rios e outras correntes, praticamente em todos os
26 Miller, op. cit., pp. 278-309.
25 Engel, Roland y Engel, Joan (ed.); Ethics of Envirnonment and Development. Global Challenge and International
Response. London;: Belhaven Press, 1992, p. 1; Miller, op. cit., pp. 323-330; Nebel, Bernard J. y Wrigth, Richard T ;
Ciencias Ambientales. Ecología y desarrollo sostenible. México DF: Prentice Hall, 1999, pp. 419-426.
lugares, sobrecarregando-os com substâncias químicas e a introdução de produtos químicos
sintéticos que os processos naturais não podem degradar ou reciclar.27
Estes, tanto por suas proporções quanto pelas características de sua composição, estão
superando a capacidade de reciclagem natural e envenenando o planeta.
3.2 Um planeta finito
Um dos efeitos da corrida espacial foi a socialização da imagem do planeta vista do espaço
exterior, de onde é apresentada como uma esfera com limites bem definidos, em contraste com o
meio no qual está imersa: um universo incomensurável aos nossos sentidos, ainda muito
desconhecido e hostil para o desenvolvimento da vida da forma como a conhecemos.
Portanto, se o planeta é o habitat natural da espécie humana, e também a única fonte de
recursos para seu sustento e assume-se como um dogma o caráter determinista que possui limites
físicos, a questão principal que surge a partir da política é: para quantos é suficiente? A discussão
sobre a explosão demográfica e esgotabilidade e degradação dos recursos naturais é entendido em
relação a esta questão (embora não exclusivamente). A este respeito, é esclarecedor o início do
trabalho de Miller, Vivendo em um Meio Ambiente: Uma Introdução ao Desenvolvimento da
Ciência,28 no qual apresenta a Ciência Ambiental como uma nova ciência holística, surgida para
resolver o problema posto pela crise ambiental:
Enfrentamos uma mescla complexa de problemas interligados que estão atingindo níveis de
crise no belo planeta azul, branco e verde, que é a única casa para nós, e para uma rica
diversidade de outras formas de vida. Um problema neste oásis e na imensidão do espaço, é
o crescimento de sua população, que tem mais do que dobrado em apenas 41 anos (...) A não
ser que as taxas de mortalidade subam rapidamente devido a doenças, fome ou uma guerra
nuclear mundial, projeta-se que a população do globo duplicará em 10,8 bilhões em 2045, e
pode triplicar para 14 bilhões antes de se estabilizar no final do século seguinte.
Mais florestas desaparecem anualmente, pastagens e áreas úmidas do mundo, e os desertos
crescem à medida que mais pessoas passam a usar a da superfície da Terra e seus recursos
(...) As águas subterrâneas são extraídas em muitas áreas, mais rapidamente do que o
reabastecido. Estima-se que a cada hora, quatro espécies silvestres da Terra são levadas à
extinção permanentemente, por parte da população que está crescendo rapidamente, e pelo
desenvolvimento agrícola e industrial (...) Em outras palavras, estamos esgotando o capital
28 Esta obra é bastante monumental pelo número de cientistas envolvidos e nela se define a “Ciência Ambiental”
comoo “estudo da maneira em que os humanos e outras espécies interagem entre si e com o ambiente vivo de
matéria e energia. É uma ciência holística que utiliza e integra conhecimentos de física, química, biologia (em
especial, ecologia), geologia, engenharia e tecnologia de recursos, conservação e administração dos recursos,
demografia (o estudo da dinâmica populacional), ciências econômicas e políticas, e o manejo dos resíduos sólidos”.
Ibíd., glosario
27 Ibíd., p. 3.
32
natural da Terra, com uma velocidade sem precedentes e com grande aceleração, vivendo de
maneira que provavelmente venha a ser insustentável (...) Temos que mudar profundamente
nossa maneira de viver agora, ou enfrentar uma grave ruptura econômica, milhares de
milhões de mortes humanas, extinção de um milhão ou mais de espécies terrestres e, talvez,
a extinção da nossa própria espécie.29
Cabe registrar, mais uma vez é a abordagem neo-malthusiana que norteia todo este discurso
ambiental, pois enquanto aumenta a população e, assim, a demanda e o consumo de recursos para a
sua subsistência, também a principal fonte que os proporciona, é mantida fixa. Mais ainda, não só
não aumenta, mas tende a diminuir à medida que uma proporção importante de recursos que se
consome, não são renováveis, e por outro lado, a poluição e má gestão daqueles que são renováveis,
ameaça com sua inutilização. A partir daqui, então, essas abordagens neo malthusianas, têm sido
aplicadas à discussão política (e particularmente, geopolítica), quando recorrem aos conceitos que
vem da ecologia, tais como a capacidade de carga ou resiliência ecológica de uma região ou de um
ecossistema, para se referir capacidade limite de seres humanos que um ecossistema pode tolerar,
sem deteriorar-se. Como observado por Paul e Anne Ehrlich, “uma área deve ser considerada como
excessivamente povoada se apenas ser sustentado com o rápido consumo de recursos
não-renováveis" e também "quando as atividades da população leva a uma deterioração constante do
Meio Ambiente”.30 Este critério de análise usado para um ecossistema particular, também é usado
para o planeta Terra, entendido como o ecossistema global, e também é a abordagem manifesta em
obras como Os Limites do Crescimento, juntamente com tornam abundantemente claro o que tem
sido a perspectiva hegemônica que o Primeiro Mundo tem enfrentado o debate ambiental desde um
início até hoje.
3.3 A ideia de progresso é substituída pela incerteza
O avanço da ideia de crise ambiental é considerado por alguns autores como a falência da
ideia de Progresso, que considerou a história como um processo contínuo, ininterrupto e crescente
do bem-estar e da felicidade humana.31 Esta crença no progresso, tipicamente positivista e
31 Evidentemente se faz menção ao pensamento do pai do positivismo, Augusto Comte, e sua lei sobre os tres
estágios obrigatórios de evolução da sociedade diretamente relacionados ao grado de seu desenvolvimento
intelectual, e que vão desde o mais primitivo o teológico, passando pelo intermediário o metafísico, até alcançar o
estagio superior considerado científico o positivo. Neste sentido, a crítica aponta que a “ideia do Progresso humano é
30 Citado em, Odell, Rice; La Revolución Ambiental. Estudios sobre la contaminación y protección del Medio
Ambiente. Buenos Aires: Editorial Fraterna, 1984, pp. 23, 24
29 Ibíd., pp. 2- 4
antropocêntrica, mostrou toda a confiança de que a modernidade esclarecida depositou na
racionalidade humana e capacidade científica para desvendar os mistérios do mundo e dominá-los
em benefício da sua felicidade.32 No entanto, esta ideia de progresso será confrontada no século XX,
com a ideia de incerteza, e que, como destaca Bury, acreditar na ideia de progresso, no entendimento
de "que a civilização avançou, se move e seguirá movendo-se em uma direção desejável" é em
última análise, um ato de fé. O progresso contínuo no conhecimento humano e seu entorno, que é
uma das principais condições do Progresso Geral, é uma hipótese que pode ser verdadeira ou não,
uma vez que "é impossível ter a certeza de que a civilização está se movendo na direção
adequada". Ou seja, "não se pode provar que este objetivo desconhecido para o qual o homem é
dirigido, é o desejável". De fato, o movimento histórico da humanidade pode ser entendido como
Progresso, "ou pode acontecer numa direção indesejável e, portanto, não progresso". Além disso, se
se admitisse que a evolução da civilização deu-se até agora na "direção desejável e que, indo em
frente, chegará à felicidade geral, não podemos provar que seus avanços felizes dependem
inteiramente da vontade humana. Pois o movimento para frente pode ser interrompido em algum
momento, por um obstáculo intransponível".33
O discurso da crise ambiental reflete a crítica da ideia de progresso e o substitui pelo da
incerteza, reconhecendo o fato de que, enquanto o avanço científico e técnico produziu o
desenvolvimento de uma civilização altamente industrializada, que se traduz em uma abundância de
33Bury, op. cit., pp. 14-16.
32 A Idade Moderna definiu-se a si mesma como o "reino da razão e a racionalidade", e uma de suas características
filosóficas principais foie "situar o ser humano no centro do mundo", constituindo-o "na medida de todas as coisas",
superando, desta forma, a cosmovisão geocêntrica e teocêntrica própria da Idade Média. Larraín Ibáñez, Jorge;
Modernidad. Razón e Identidad en América Latina. Santiago, Editorial Andrés Bello, 1996, pp. 21, 22). Um papel
fundamental nesta nova visão teve a revolução científica produzida na Europa Ocidental a partir do seculo XVII e
que levou o pensamento moderno a crer "na exclusividade da razão para conhecer a verdade, devendo-se suspeitar de
todo o conhecimento vindo da fé, da tradição, da mera intuição não comprovada". Roa, Armando; Modernidad y
Posmodernidad. Coincidencias y diferencias fundamentales. Santiago: Editorial Andrés Bello, 1995, p. 20.
(...) uma teoria que contém uma síntese do passado e uma previsão do futuro. Baseada em uma interpretação da
historia que considera o homem caminando lentamente (...) em uma direção definida e desejável e infere que este
progresso continuará indefinidamente. Ele implica que, ao ser O fim do problema máximo da Tierra, se chegará a
alcançar algum dia uma condição de felicidade geral, que justificará o processo total da civilização, pois, senão, a
direção adotada não seria a desejável”. Bury, John; La Idea del Progreso. Madrid: Alianza Editorial, 1971, p. 17.
“Signos da época moderna são também as ideas e esquemas interpretativos acerca da modernidade mesma, que
suscitaram no campo da reflexão intelectual (...) a primeira grande visão interpretativa surge no século XVIII, e no
interior da cultura europeia da Ilustração. Seu eixo é a ideia tipicamente moderna do progresso, entendido como
melhoramento crescente e geral, significa dizer em todos os planos da existência, da humanidade inteira. O presente,
colocado nesta perspectiva temporal, não só é mais valioso que o passado (...) senão que anuncia um movimento
incessante até o melhor. A história aparece assim, como o terreno de uma empresa humana que, frente a guia
iluminadora da razão, incrementará tanto o saber como a justiça entre os homens, a quem emancipará de seus
prejuízos”. Di Tella, Torcuato; Diccionario de Ciencias Sociales y Políticas. Buenos Aires: Ariel, 2004, pp. 469, 470.
34
recursos e enorme bem-estar sem precedentes na história humana - pelo menos para o primeiro
mundo-, também trouxe consequências inesperadas, tais como a ameaça nuclear, os desastres
ambientais, destruição da camada de ozônio, a possibilidade de esgotamento dos recursos naturais, a
poluição industrial, desmatamento, entre muitos outros.
De acordo com Eric Hobsbawm, essa mudança na percepção do desenvolvimento histórico
teria uma de suas raízes nas mudanças de paradigmas epistemológicos que contribuíram para as
teorias do caos e catástrofes, respectivamente, na segunda metade do século 20, substituindo

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