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Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB SÍFILIS A lesão primária da sífilis é o cancro. O cancro se desenvolve no local onde a espiroqueta é inoculada, isso geralmente ocorre no local nos órgãos genitais, mas pode ocorrer em qualquer local da pele onde ela seja inoculada. A espiroqueta da sífilis é um dos poucos patógenos que tem a capacidade de penetrar a pele íntegra. As lesões primárias da sífilis encontram-se principalmente nos órgãos genitais. No homem são mais fáceis de serem visualizadas, e nas mulheres podem ocorrer no canal vaginal, no introito vaginal, e podem passar despercebidas. O fato é que na clínica do dia a dia, eu vejo poucas lesões primárias de sífilis. A gente pega muitos pacientes ou com VDRL reagente ou com outros critérios laboratoriais para diagnóstico, mas dificilmente eu vejo a lesão. Diagnóstico O treponema não pode ser cultivado em laboratório, por esse motivo o diagnóstico e o desenvolvimento de novas terapias são dificultados. Microscopia de campo escuro: a imagem ao lado mostra uma microscopia de campo escuro, um dos métodos diagnósticos da sífilis, embora seja utilizado, é de acesso mais difícil porque requer um microscópio específico e uma pessoa treinada. Testes sorológicos: são os mais importantes na prática. Existem dois tipos básicos de testes sorológicos para sífilis: 1. Treponêmicos: FTA-ABS, HTPA. 2. Não treponêmicos: VDRL, RPR. O VDRL é o teste mais usado para diagnóstico de sífilis na prática clínica. É uma sigla que se refere a “Veneral Disease Research Laboratory”. É um teste voltado para a detecção de anticorpo antifosfolipídico, só que não é específico para o fosfolipídio do treponema, já que outros parasitas e nossas próprias células contém essa estrutura de fosfolipídio. O teste é baseado na reação do antígeno-anticorpo. É misturado o soro do paciente com o fosfolipídio: se o soro do paciente tiver os anticorpos antifosfolipídio, eles vão reagir com o fosfolipídio, ocorrendo uma reação de aglutinação, que é visível. Os valores do VDRL são dados em titulações. A titulação cresce numa progressão geométrica (1/2, 1/4, 1/8, 1/16, 1/32...). Esses números significam que colocando 1 ml de soro do paciente e 1 mL de fosfolipídio, se reagir é uma reação 1/1. Aí você vai diluindo o sangue com água destilada: tira a metade (0,5 ml) e se reagir você tem a reação 1/2, depois você tira a metade e se reagir tem 1/4, e assim sucessivamente. O importante é entender que quanto mais diluições forem feitas, significa que tem mais anticorpo no soro do paciente. No contexto da sífilis, esses títulos são importantes porque podem ter relação com a fase da doença. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Possibilidades de falso positivo para o VDRL: a hanseníase e doenças autoimunes (ex.: LES) são as mais importantes. A gravidez é uma coisa interessante porque causa fenômenos imunológicos muito estranhos as vezes a gente pega mulheres grávidas com falso-positivo para HTLV, HIV, VDRL... Os testes treponêmicos (FTA abs) já são específicos para o treponema. Então se o paciente tem VDRL positivo e você não sabe se isso está relacionado à sífilis, basta pedir um teste treponêmico. Esses testes procuram anticorpos específicos para o treponema. Outra coisa sobre o FTA-abs é que ele tem persistência temporal, significa que uma vez positivado o teste sempre será positivo devido à memória humoral, ao contrário do VDRL que, conforme o tratamento, pode cair e até negativar. Classificação A sífilis é classificada de acordo com a evolução da doença em: ▪ Sífilis primária ▪ Sífilis secundária ▪ Sífilis terciária Essa classificação é importante para a descrição dos fenômenos clínicos, mas em termo de manejo é mais interessante dividir a sífilis: ▪ Sífilis precoce: é aquela que acontece do momento da infecção até 01 ano. ▪ Sífilis tardia: é aquela que surge após 01 ano. Por exemplo, um paciente que faz o exame anualmente, se um exame de 04 meses atrás deu negativo e um exame atual deu positivo, isso quer dizer que ele está na fase precoce. Se esse paciente tiver manifestações clínicas de sífilis primária ou secundária ainda dá pra saber que ele também está na fase precoce, porque essas duas se desenvolvem num período de 3 a 4 meses no máximo. Entretanto, nem todos os pacientes fazem acompanhamento anual e é um grande problema na prática definir temporalmente como esse paciente está. Na fase precoce acontece um fenômeno sorológico em que os títulos de VDRL são os mais altos. Depois dessa fase, tratando ou não o paciente, os níveis de VDRL vão cair. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Transmissão ▪ Contato sexual ▪ Passagem transplacentária ▪ Contato de pele e mucosas com lesão ativa ▪ Hemotransfusão ▪ Inoculação acidental Apresentação Clínica Após a infecção, há um período de incubação que dura em média 21 dias e a primeira manifestação (se houver) vai ser o cancro. SÍFILIS PRECOCE SÍFILIS TARDIA Sífilis Primária Espiroqueta no foco Sífilis Secundária Disseminação da espiroqueta Sífilis Terciária Manifestações tardias -Geralmente é uma lesão única -Indolor -Fundo limpo (não tem secreção purulenta, a não ser que haja infecção bacteriana superposta) -Remite espontaneamente (3-6 semanas) e não deixa cicatriz -É rica em treponema -2-8 semanas após o cancro -Remite espontaneamente -É rica em treponema -Pele: rash cutâneo (roséola sifilítica) de característica maculopapular e eritematoso que acomete toda a pele e não poupa regiões de palma e planta / Linfadenopatia generalizada) -Mucosas: erosões e úlceras -Sintomas constitucionais: febre, mal-estar, faringite, artralgias. -SNC: cefaleia, meningismo, diplopia, visão turva, vertigem. -Renal: glomerulonefrite -TGI: hepatite -Ossos: artrite e periostite. -A latência pode ser de muitos anos -Fase marcada pela presença das gomas sifilíticas (lesões destrutivas dos tecidos) -Geralmente não remitem espontaneamente e, quando remitem, deixam cicatrizes -Pobre em treponema As gomas sifilíticas podem surgir em qualquer local: coração, osso, nariz... Sífilis primária: Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Sífilis secundária: Sífilis terciária: Evolução natural da sífilis não tratada Estágio da doença Probabilidade de desenvolver manifestações clínicas (%) Comentários Latente 24% 90% das recidivas ocorrem no primeiro ano após a infecção Tardia Benigna (goma) 15% Muitos pacientes têm mais do que uma infecção tardia Cardiovascular 10% Vista apenas naqueles que desenvolvem sífilis após 15 anos de idade. Achados patológicos mais comuns, isto é, 50-80% Neurossífilis 6,5% Neurossífilis assintomática tem sido relatada em 8-40% A sífilis latenteocorre quando há diagnóstico de sífilis sem quadro clínico. Ele pode estar latente na fase precoce da doença, eu chamo de latente precoce se eu conseguir chegar à conclusão de que ele tá na fase precoce. Ou latente tardia. Tratamento 1. Sífilis primária ou secundária: Penicilina Benzatina 2.400.000 UI, IM, dose única 2. Sífilis latente precoce: Penicilina Benzatina 2.400.000 UI, IM, dose única 3. Sífilis latente tardia ou de duração desconhecida: Penicilina Benzatina 2.400.000 UI, IM, em 03 doses, com intervalo de 07 dias. Em termo de descrição clínica, a gente sempre se refere como primária, secundária, terciária A definição de precoce e tardia é mais importante para a tomada de decisão terapêutica. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB NEUROSSÍFILIS Exceto a neurossífilis da sífilis secundária, a neurossífilis no geral pode ter um quadro parecido com meningite asséptica (chamada asséptica porque na cultura nos meios habituais não cresce nada). Vai se resolver normalmente se não for descoberta e tratada e tempos depois o paciente pode fazer outros tipos de neurossífilis, como a tabes dorsalis. Tabes dorsalis: ocorre mais nas colunas posteriores da medula e é causada pela degeneração dos cordões posteriores da medula, pelos quais passam os fascículos grácil e cuneiforme responsáveis por sensações como a propriocepção, vibração, tato discriminativo. O paciente terá um quadro de ataxia sensorial. Mas aqui não tem problema no cerebelo, mas sim degeneração dos cordões posteriores da medula, o que causará esse tipo diferente de ataxia neurossensorial. Por causa da degeneração de cordões sensoriais, a pessoa passa a não receber informações das plantas dos pés sobre como é o terreno, de que forma deve-se pisar naquele terreno (ex: na areia da praia, quando pisamos e ela cede, o cérebro prontamente recebe essa informação e mobiliza certos grupos musculares para não permitir que isso aconteça; isso dura segundos e é inconsciente para continuar andando). Ao perder essa informação da propriocepção e do feedback neurológico, surgem alterações como a predisposição desse paciente a andar com a base mais aberta, porque melhora o equilíbrio. Além disso, o paciente não calcula a força exata ao bater o pé no chão, pisa com força excessiva. Tratamento da Neurossífilis: Então em um caso de um paciente diagnosticado com neurossífilis, VDRL positivo, FTA-ABS também, esse cara pode ter alterações liquóricas ou não, e aí iniciamos o tratamento para neurossífilis que é feito com penicilina cristalina, nesse caso o paciente tem que estar internado e o tratamento dura 14 dias. A tabes dorsalis é uma das formas de neurossífilis, mas existem ainda formas parenquimatosas cerebrais de neurossífilis, e como são formas cerebrais eu posso ter uma variedade de apresentações clínicas. As formas parenquimatosas não costumam dar lesões motoras, dão mais manifestações comportamentais, de memória principalmente. Prof comenta que alguns diagnósticos de doenças psiquiátricas no passado podem ter sido na verdade casos de neurossífilis. Caso 1 Mulher, 19 anos encaminhada ao infecto com VDRL + de 1:2. Nega quadro clínico. Único parceiro sexual. Refere que iniciou a vida sexual há 03 meses, sempre usou preservativo. Perdeu a virgindade com o parceiro e o parceiro com ela. E aí? está errado o exame? Sim pode. Pode estar referindo dados verdadeiro e não ser sífilis, pode estar mentindo e ser sífilis ou pode não ser sífilis. Digamos que o FTA-HBS negativo, podemos concluir que ela não teve sífilis. Portanto o VDRL veio positivo por uma outra condição que precisa ser investigada. Podia ser sífilis? Sim, se estivesse no período assintomático. Nesse caso, repetir VDRL após um tempo e ir acompanhando, caso não tenha laboratório mais específico. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Caso 2 Mulher, 16 anos, VDRL 1:64. Parceiros sexuais variados. Negou a presença de cancro. O que fazer nesse caso? ▪ Solicitar FTA-Abs ▪ Triagem para outras DSTs ▪ Tratar As titulações mais altas de VDLR ocorrem no 1º ano de infecção (1:64 já é alto). Então é razoável pensar numa precoce, mas ainda assim é difícil dizer. Na dúvida a gente trata como tardia (é melhor ela receber 2 doses a mais do que continuar com a doença). Outra coisa a se fazer é triagem para outras DSTs (HIV, HTLV, hepatite B). Se essa paciente fazia VDRL a cada 3 meses (hipotético, porque ninguém faz VDRL a cada 3 meses), então seria um caso que me permitiria classifica-la como precoce porque se ela fez 3 meses atrás e estava negativo e fez agora e estava positivo, ela pegou nesse intervalo. O tratamento, então, seria o tratamento precoce com dose única. Caso 3 Masculino, comportamento sexual de risco, VDLR 1:4, sem quadro clínico. O que fazer? ▪ Solicitar FTA-Abs Se FTA-Abs vier positivo, tratamos como tardia. O paciente tem risco sexual, VDRL de 1:4, negou quadro clínico, sem sintomas adicionais. Esse não tem como classificar e eu trataria como sífilis tardia com 3 doses. Caso 4 Sexo masculino, comportamento sexual de risco, VDLR 1:128, refere caroço no pênis, que ficou por 4 meses, mas que ao exame não há mais nada. O que fazer? ▪ Solicitar FTA-Abs ▪ Triagem para outras DSTs ▪ Tratar Se o FTA-abs for não-reagente. temos que discutir com o paciente a possibilidade de tratar. Aqui temos o teste rápido treponêmico. Doenças Infecciosas Thomás R. Campos e Parasitárias Medicina – UFOB Sempre que você tem um paciente com VDRL reagente, que você não tem como comprovar que aquele resultado não é de outra causa que não a sífilis, e você não tem como fazer um teste treponêmico, é preciso conversar com o paciente para a possibilidade do tratamento. Digamos que você decide tratar esse indivíduo. Ele está com titulação de 1:128. O critério de cura é que esse paciente caia 2 titulações em 6 meses, ou seja se você tratou e em 6 meses a titulação do VDRL deve ser 1:32. Veja que a queda de 02 titulações equivale à uma queda de 04 vezes. Não adianta fazer o tratamento agora e daqui duas semanas pedir o VDRL (Luciano diz que isso acontece muito, o médico encaminha para ele como se fosse sífilis resistente, mas nem é, a titulação demora para diminuir). Em alguns casos ainda, alguns pacientes podem levar até 01 ano para fazer essa queda de 02 titulações, ou seja, se eu pego esse paciente e está com 1:64, eu espero mais 6 meses, não precisa ter pressa. [?] Professor, você espera mais 6 meses e continua tratando? Não! Se ele usou a dose correta e você consegue assegurar isso, ele tá tratado! É só esperar o fenômeno sorológico acontecer
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