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Raíssa Rodrigues Carollo UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS DEPARTAMENTO DE TEORIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS LICENCIATURA EM PEDAGOGIA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Reggio Emilia: reflexões e inspirações para a educação na infância São Carlos 2011 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS DEPARTAMENTO DE TEORIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS LICENCIATURA EM PEDAGOGIA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Reggio Emilia: reflexões e inspirações para a educação na infância Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência final do curso de Pedagogia da Universidade Federal de são Carlos, desenvolvido sob orientação da Prof . Dr Maria Walburga dos Santos. São Carlos 2011 3 Dedicatória Ofereço este trabalho aos meus pais que sempre estão comigo nos momentos de crise, dúvidas e alegrias e por terem me apoiado financeiramente, emocionalmente e criticamente na conquista de um dos meus sonhos. 4 Agradecimentos Agradeço este trabalho primeiramente ao Universo, que em sua grandeza me possibilitou acesso ao tema e o encontro com a orientadora. Agradeço as minhas irmãs Thaís e Andressa que estiverem comigo me apoiando na construção da minha vida e da minha individualidade Agradeço ao meu companheiro Rafael pelo apoio nas escolhas que fiz, pelas noites acordadas para concretizar o trabalho e pela compreensão nos momentos de desespero e crise. Por último agradeço a todos os meus colegas de curso, pelos momentos de alegria, descontração, discussões calorosas sobre a educação e principalmente pelo crescimento interno que tivemos juntos. 5 Ao contrário, as cem existem. A criança é feita de cem. A criança tem cem mãos cem pensamentos cem modos de pensar de jogar e de falar. Cem sempre cem Modos de escutar As maravilhas do amar. Cem alegrias Para cantar e compreender. Cem mundos Para inventar. Cem mundos Para sonhar. A criança tem cem linguagens (e depois cem cem cem) Mas roubaram-lhe noventa e nove. A escola e a cultura Lhe separam a cabeça do corpo. Dizem-lhe: De pensar sem as mãos De fazer sem a cabeça De escutar e de não falar De compreender sem alegrias De amar e maravilhar Só na Páscoa e no Natal. 6 Dizem-lhe: De descobrir o mundo que já existe e de cem roubaram-lhe noventa e nove. Dizem-lhe: Que o jogo e o trabalho A realidade e a fantasia A ciência e a imaginação O céu e a terra A razão e o sonho São coisas que não estão juntas Dizem-lhe: Que as cem não existem A criança diz: Ao contrário, as cem existem. LORIS MALAGUZZI 7 Resumo Este trabalho constitui-se de uma pesquisa qualitativa, fundamentada na metodologia de revisão bibliográfica acompanhada de um relato de experiência vivenciada. Tenta compreender quais as contribuições da abordagem italiana Reggio Emilia para a reflexão do processo de ensino aprendizagem da Educação Infantil para o desenvolvimento de seres democráticos, críticos e autônomos. Com os objetivos de identificar as potencialidades e desafios que tal perspectiva teórica apresenta para a Educação Infantil no contexto brasileiro, com base na reflexão sobre a realidade vivenciada em uma escola paulistana particular. Para isto o trabalho descreve o histórico das creches na Itália. O desenvolvimento da abordagem pedagógica Reggio Emilia, sua concepção pedagógica, curricular, filosófica, organizacional, pedagogia relacional e sua adaptabilidade na escola democrática Lumiar. Como esta instituição brasileira forma indivíduos críticos, autônomos e democráticos. Palavras-Chave: Abordagem Reggio Emilia; Creches; Educação Infantil; Pedagogia Relacional; Loris Malaguzzi; 8 Sumário Introdução.....................................................................................................................9 Capítulo 1......................................................................................................................10 Capítulo 2 .....................................................................................................................12 Capítulo 3....................................................................................................................26 Considerações finais ....................................................................................................43 Referencias Bibliográficas.............................................................................................47 Anexo I..........................................................................................................................48 9 Introdução Um dos motivos que foram decisivos para eu prestar vestibular para Pedagogia era a minha inconformidade com o sistema educacional voltado para o conteúdo e pouco para as práticas vivenciais de cada indivíduo. No primeiro ano do curso tive o privilégio de ir a uma excursão organizada por uma professora, à exposição As cem linguagens da criança, no momento não sabia o que se tratava, mas me pareceu um tema interessante. Chegando ao museu da exposição e vendo o maravilhoso trabalho da escola Reggio Emilia, o desejo ambicioso de tentar transformar a educação foi como se tivesse retornado e ascendido uma chama que pulsava em direção do novo. Quando chegou o momento de fazer o trabalho de conclusão de curso, estava perdida e não sabia por quais temas poderia pisar falando com algo que me encantasse e principalmente acreditasse. Graças à providencias tomadas pelo destino, comecei a trabalhar na creche da Universidade, cuja uma de suas abordagens pedagógica é a Reggio Emilia. Esta experiência, que passei nesta escola me lembrou sobre este tema que poderia ser discutido e trabalhado academicamente. Desta forma o presente trabalho tenta compreender quais as contribuições da abordagem italiana Reggio Emilia para a reflexão do processo de ensino aprendizagem da Educação Infantil para o desenvolvimento de seres democráticos, críticos e autônomos. Portanto, discute a importância da mudança da concepção de educação dos pequenos á luz da Abordagem pedagógica Reggio Emilia. Para isto o trabalho é dividido em quatro partes. No primeiro explícita as metodologias usadas para desenvolver a pesquisa, uma fundamentada nos estudos bibliográficos e a outra em estudo de caso do tipo etnográfico. O segundo capítulo se divide em duas partes, a primeira faz um aporte histórico do desenvolvimento das creches na Itália até a formação dos centros educacionais em Reggio Emilia. A segunda em documentar a abordagem pedagógica italiana, sua história, seu marco epistemológico, concepção curricular, relações entre as crianças, educandos e família. 10 O terceiro se destina ao estudo da escola Lumiar, desde sua história, projeto pedagógico ao relato de alguns dias passados na escola. O último são as considerações finais do estudo empenhado. 11 Capítulo 1 - Metodologia O presente trabalho é fundamentado nos princípios da pesquisa qualitativa através do estudo bibliográfico acompanhado de um relato de experiência vivenciado e se divide, basicamente, em duas partes. Na primeira parte em que a pesquisa se foca em mostrar a abordagem italiana de educação infantil Reggio Emilia, o trabalho é fundamentado através do referencial metodológico de estudo bibliográfico em documentos e livros pesquisados. Por serum tema relativamente novo e a maioria da produção acadêmica ser italiana a utilização dos materiais bibliográficos foi escassa, limitando-se em apenas alguns documentos. A segunda parte da pesquisa como se refere ao estudo da prática escolar da Escola Lumiar, em que se leva em conta seu contexto e sua complexidade foi utilizado como documento de pesquisa, materiais doados pela escola, como diário de aula, projeto pedagógico e portfólio de alguns estudantes. Em todas as visitas feitas à escola foi redigido um diário de campo com base nas observações e interações ocorridas com os agentes da escola (estudantes, profissionais e funcionários) que tive em todas as visitas. Para realizar a pesquisa firmamos um termo de livre consentimento com a instituição, permitindo a divulgação do nome e das informações obtidas por conversar informais. Foram feitas três visitas à escola. O primeiro contato com a instituição foi um encontro que a diretora recebeu-me e apresentou-me o espaço escolar. Depois conversamos por cerca de uma hora a respeito da pesquisa onde tive a oportunidade de questioná-la a respeito da instituição por meio de uma entrevista aberta em que as questões surgiam conforme conversávamos sobre a instituição e a forma como adaptavam a abordagem pedagógica Reggio Emillia na escola. Na segunda visita, fui à reunião dos educadores, chamados na escola por tutores, pois assumem um papel diferenciado do professor tradicional. Estes educadores são formados em alguma licenciatura e são responsáveis pelo acompanhamento anual dos educandos, visando o desenvolvimento pedagógico e fazendo a intermediação entre os próprios estudantes, pais e instituição e também estudantes e instituição. Este encontro acontece uma vez 12 por semana, desta vez apenas observei os temas discutidos e como eram direcionados na reunião. Também pude presenciar, no momento que espera o horário da reunião, as crianças brincando no pátio. Na terceira e última vez presenciei toda a rotina escolar, fiquei o dia inteiro na escola observando e ficando cerca de 40 minutos em cada sala da educação infantil, conversando e fazendo perguntas (pré-estabelecidas) a respeito do cotidiano da sala de aula, dificuldades, e sobre a experiência de trabalhar na instituição. Também, presenciei a Roda, espécie de assembléia que reúne estudantes, educadores e funcionários para discutirem assuntos da cultura escolar (veremos mais detalhadamente este processo no terceiro capítulo). Para finalizar a pesquisa, reuni-me mais uma vez com a diretora para que ela me contasse da historia da escola e algumas especificações da rotina. 13 Capítulo 2 – Da luta à realização 1.1 Contexto histórico Para conversarmos da abordagem de educação infantil de Reggio Emilia, e depois como esta é adaptada ao cenário de uma escola paulistana. A principio teremos que colocar essa experiência em perspectiva, investigar o contexto que tornou possível a concretização dessa abordagem. Para isso faremos uma pequena retrospectiva na história dos direitos das crianças na Itália, até chegar a educação de Reggio Emilia . A educação infantil italiana dividi-se em duas etapas: o asilo-nido 1 e a scuola dell’infazia. O primeiro tipo é destinado a crianças de 0 a 3 anos (também denominado presepi), correspondente no Brasil as creches2 (LDB/1996) e o segundo tipo equivalem à pré-escola que atende crianças de 4 a 6 anos. Neste trabalho utilizaremos as denominações brasileiras para estas instituições. A educação da pré-escola na Itália é uma disputa, histórica, entre o Estado e a Igreja. O estado italiano se constituiu apenas em 1860 (Edwards, Gandini e Forman, 1999), sendo muito jovem em comparação com a Igreja católica, existente há séculos. Segundo Cambi e Ulivieri (1988 apud Gandini e Forman, 1999, p.30), por volta de 1820, no nordeste e no centro da Itália, começaram a surgir instituições de caridade, conseqüência de uma preocupação com os pobres, para melhorar a vida do povo urbano, reduzindo a criminalidade, mortalidade infantil e formando melhores cidadãos. Dentre estas instituições, surgiram algumas que eram específicas para crianças pequenas, que de certa maneira, foram precursoras dos dois principais programas para a primeira infância. A creche e a pré-escola têm origem no início do século XIX com o processo de industrialização, porém cada uma delas apresenta uma trajetória diferente. 1. Nido em italiano quer dizer “ninho” 2. A etnologia da palavra creche significa manjedoura, lugar em que o menino Jesus foi posto ao nascer, em italiano a denominação correspondente, presepi, significa presépio. Isto mostra a conotação assistencialista que a instituição denota. Em alguns lugares a palavra está sendo revista, como em São Paulo, que as antigas creches são chamadas de CEI – Centro de Educação Infantil. Porém, no presente trabalho utilizaremos a denominação creche, por ser a palavra mais difundida. 14 Em 1827, nascem as pré-escolas (Scuole dell’ Infanzia) responsáveis pela educação de crianças dos 3 aos 6 anos, do italiano Ferrante Aporti, fundadas em Cremona. Inicialmente os primeiros asilos nido (assim chamados na Itália) de Aporti, eram destinados às crianças de famílias abastadas, porém ele mesmo já observava a necessidade de promover a fundação dessas escolas para a população pobre (MANACORDA, 2006). Aporti desenvolve as pré-escolas voltadas para uma educação escolarizante, dando prioridade, para que as infâncias das crianças pequenas sejam não apenas cuidadas, mas principalmente educada e instruídas. Um exemplo é a forma como ele organiza o currículo escolar, o historiador italiano Manacorda, nos descreve: “( ) além do ensino religioso, como orações, salmos, hinos sagrados escritos por ele mesmo e práticas sacramentais, também atividades espontâneas ao ar livre e trabalhos manuais. E, especialmente a partir do último ano, introduz os primeiros rudimentos da preparação formal do ler, escrever e fazer contas, usando o método indutivo ou demonstrativo, a nomenclatura sistemática e o cálculo mental sobre objetos concretos” (p 281) Esta iniciativa de Aporti foi a responsável pela difusão das escolas infantis em toda a Itália e para a conscientização do poder público Em 1840 surgem as primeiras creches de empresas, as quais foram construídas por industrialistas em suas próprias fábricas, para crianças em fase de amamentação, de mães trabalhadoras. Segundo Peruta (1980, apud Gandini e Forman, 1999, p.30) “em Pinerolo, Piedmont, foi estabelecida uma creche no moinho de seda, onde os berços eram balançados pelo motor hidráulico do engenho”. Estas instituições nascem suprindo uma necessidade que vai muito além da pedagógica, sendo esta social que caminha junto com o processo produtivo da época, ora possibilitando que as mulheres assumissem a condição operária, ora iniciando o treinamento das crianças para futuramente adentrarem as necessidades fabris. Após a unificação do Estado italiano, essas instituições continuaram se desenvolvendo, porém com dificuldade. O inicio das creches italianas, tinham o perfil filantrópico, subsidiadas pelo setor privado. Combinavam prevenção com assistência, com o objetivo de instruir as mães sobre cuidados básicos com seus filhos para, 15 assim, diminuir a mortalidade infantil. Foi apenas no final do século XIX, que o governo começa a apoiá-las com fundo público, sendo este, na maioria das vezes, municipais. A partir destas iniciativas, é em 1925, que o Estado intervém diretamente nas creches, com a criaçãoda ONMI – Opera Nazionale Maternità Infazia -, de orientação fascista, que legitima, em seu programa, as formas de atendimento existente até então, sendo assim, apenas dando continuidade ao passado, tomando para si os méritos dessa inovação (FARIA In: CAMPOS, M.M.; ROSEMBERG, F. 1994). Esta organização ganhou força com a promulgação da lei nacional para a Proteção e Assistência a Infância, sendo esta a primeira intervenção governamental, voltada para esta faixa-etária. Esse programa atendeu, apenas 1% das crianças de 0 a 3 anos, funcionavam em casas adaptadas, embora, havia refeitórios e consultórios, para as mães serem atendidas,os profissionais que prestavam estes serviços eram vigilantes, visitadoras e enfermeiras. No livro Manual de educação infantil de 0 a 3 anos, Bondioli e Mantovani (1998) nos descreve como funcionavam as creches: “A existência e as condições das antigas creches ex-Onmi (Opera Nazionale Maternità e Infanzia, uma criação de Benito Mussolini, a partir de 1925), fortemente medicalizadas, assépticas, com uma total ausência de laços afetivos com a família, uma relação numérico adulto-criança muito desfavorável (às vezes superior a 1-20) e a não- continuidade dos cuidados no período dos três anos (os educadores eram da “sala” berçário ou da “sala” desmame e não acompanhavam as crianças nas novas seções) induziam a uma comparação incorreta, mas compreensível, entre creche e orfanato, ou creche e hospital, com as situações portanto estudadas pela literatura bem conhecida sobre os “traumas” da separação, da hospitalização ou da carência de cuidados maternos” (p.16). Podemos perceber que a luta nas creches se dá através do Estado versus Sociedade, enquanto as pré-escolas continuavam a ser disputadíssimas pela Igreja. No período fascista, a pré-escola já estava sob o controle da Igreja Católica, concedido pela Reforma Escolar de 1923, aprovada pelo ministro Gentile. As pré- escolas ficaram sob a ordem da Igreja, por duradouros 44 anos. Somente em 1968 com a lei nº 444, se tornaram estatais, após grande embate político e em 1966 com a queda da coalizão partidária (FARIA, In: CAMPOS, M.M.; ROSEMBERG, F.1994). 16 De acordo com FARIA (1994), na segunda metade do século XX, com o término da segunda Guerra Mundial, as mulheres começam a ter maior participação social, independência e autonomia. O número de mulheres trabalhadoras nas fábricas aumenta e seus direitos começam a ser ouvidos. Em 1960, a UDI – União das Mulheres Italianas – luta para que a organização dos serviços sociais, em especifico das creches, fosse uma intervenção direta do Estado, apresentaram uma proposta de lei para que as creches-OMNI começassem a ser administradas pelos municípios3. Em contra partida em 1965, também por movimentos populares, era exigido a criação de um serviço nacional de creches. Em 1968, a proposta para uma política de serviços sociais, era de unificação do Estado e das entidades locais. Finalmente em 1971 foi sancionada a lei nº 1044, que institui uma nova espécie de centro para cuidados na primeira infância e determina o seu modo de funcionamento, sem sequer mencionar a criança. Inicialmente a creche tem como objetivo apenas “promover a temporária custódia da criança, para facilitar o ingresso da mulher no mercado de trabalho” (art 2, apud, BONDIOLI e MANTOVANI, p 15); sua gestão é municipal com programação regional e a União tem o direito de intervir na constituição desses serviços sociais. Em 1971, também é sancionada a lei nº 1204, sobre a maternidade. Estabelece 12 semanas de licença paga com 70% dos rendimentos e mais 6 meses de licença com 30% dos rendimentos, possibilidade da mãe se ausentar do trabalho, quando a criança, de até 3 anos, estiver doente. Temos que levar em consideração o momento histórico em que a Itália estava passando. Após ter perdido a segunda guerra mundial, teve que se reorganizar e estruturar economicamente, politicamente e socialmente no compasso das mudanças do sistema capitalista. Talvez por estas razões, a pedagogia italiana não estava sensível nem preparada para pensar a educação infantil por uma perspectiva pedagógica, que garantisse a qualidade educacional. Será preciso esperar 10 anos após a promulgação da lei 1044, para que inicie alguns movimentos pedagógicos, que comecem a pensar em uma “Lei Constitucional” pedagógica sobre a creche Resumindo o que recém vimos a creche na Itália passa por transformações que podemos defini-las em três fases, até chegar ao padrão, mais parecido com o que encontramos atualmente. Na primeira, tinha o caráter assistencial como referente à 3. As primeiras creches a se tornarem municipais foram as de empresas (FARIA, 1998). 17 família necessitada, a fim de instruir cuidados de higiene, instruções médicas e de auxílio às mães. Na segunda, funcionava como serviço em resposta às necessidades e aos direitos da mulher que trabalha. Por último, que se segue aperfeiçoando, até os dias de hoje, a idéia de agente educativa, em que o foco está no desenvolvimento da criança e a prioridade na qualidade de ensino. Aspecto esse, que as escolas de Reggio Emilia influenciaram diretamente. Pois em 1980 se formara na cidade, o Grupo nacional de trabalho e estudo sobre a creche, que contribuiu para definir algumas propostas de linhas pedagógicas, que a lei 1044 deixara em aberto. Porém, muito antes de 1980 a região de Emilia Romagna, já estava à frente de toda a nação, pois em 1970 já tinha inaugurado seus primeiros centros municipais, construído por iniciativas locais, coordenadas pelos próprios pais. Influencia direta do grupo criado em 1951 MCE (Movimento de Educação Cooperativa), que à luz da pedagogia de Celestin Freinet, John Dewey e da escola popular vindo da França, promoviam debates acalorados, que fomentavam ainda mais a vontade das pessoas de mudarem a educação do país em todos os níveis. O líder deste movimento, Bruno Ciari, foi convidado pela administração esquerdista de Bologna para organizar e dirigir o sistema municipal de educação. Aliás, estes sistemas municipais de educação, apenas foram estabelecidos nas cidades que tinham administrações esquerdistas, nos anos de 60 e 70 (Gandini e Forman, 1999). O debate organizado, inicialmente, por Ciari, foi o “tom” necessário para “sintonizar” as pessoas, em um grupo, que partilhavam de concepções educacionais parecidas, que o ajudou a formular muitas de suas idéias, não só teóricas, ma também sobre o aspecto físico da educação. O grupo acreditava que: “( ) a educação deveria liberar a energia e as capacidades infantis e promover o desenvolvimento harmonioso da criança como um todo, em todas as áreas – comunicativa, social, afetiva e também em relação ao pensamento crítico e científico. Ciari incitava os educadores para que desenvolvessem relacionamentos com as famílias e encorajassem comitês participativos de professores, pais e cidadãos. Argumentava que deveria haver dois, ao invés de um professor em cada sala de aula, e que a equipe deveriam trabalhar em conjunto, sem hierarquia. Ele acreditava que as crianças deveriam ser agrupadas por idade, durante um parte do dia, mas mesclar-se livremente durante outra parte, e desejava limitar o numero de crianças por sala de aula a 20 (Gandini e Forman, 1999, p 33)”. 18 Dentre os participantes deste grupo, estava o protagonista de nossa escola, Loris Malaguzzi, que bebeu, não somente, destas idéias inovadoras, mas também com estas pode adquirir fôlego e inspiração para realizar o projeto pedagógico das escolas infantis de Reggio Emillia, quehoje é reconhecia com um dos melhores sistemas de educação para a educação primeira infância, do mundo. 1.2 Abordagem Reggio Emilia Reggio Emllia é uma cidade de 130 mil habitantes que fica na região próspera de Emilia Romagna, no nordeste da Itália. Sua educação municipal ficou conhecida como um dos melhores sistemas educacionais do mundo no ano de 1991, através de uma concepção pedagógica que a criança é “portadora de história, capaz de múltiplas relações, construtora de culturas infantis, sujeito de direitos” (FARIA in: CAMPOS, M.M.; ROSEMBERG, F., p. 280). A primeira escola surgiu através de um movimento comunitário, incluindo pais e educadores, tendo como protagonista desta história o educador Loris Malaguzzi. Seis dias após o término da Segunda Guerra Mundial, Malaguzzi ouvira que algumas pessoas haviam decidido construir e coordenar uma escola para crianças pequenas em um vilarejo próximo a Reggio Emilia. Motivado com a idéia, pegou a sua bicicleta e correu até o pequeno vilarejo, constatando a informação, vendo “mulheres empenhadas recolher e lavar tijolos” (MALAGUZZI, in EDWARDS, C. GANDINI, L. FORMAN, G, 1999, p. 59). O dinheiro para iniciar a construção da escola viria de um tanque de guerra abandonado, alguns caminhões e cavalos que os alemães deixaram para trás em retirada. Malaguzzi, logo se apresentou como professor e foi convidado a trabalhar com a equipe. Jovens, mulheres, homens, fazendeiros, iniciaram a construção com tanta motivação, que não pensaram com que dinheiro iriam operar a escola. Quando foram interrogados como este questionamento, disseram: “Encontraremos um modo” Oito meses mais tarde a escola e o companheirismo da equipe se enraizaram. Esta escola foi apenas o inicio de outras escolas que foram construídas na periferia e nos bairros mais pobres da cidade, porém a cidade não tinha verba para sustentar as sete escolas criadas, muitas fecharam e outras conseguiram sobreviver com garra e força por quase 20 anos. 19 Nosso educador lecionou por sete anos em uma destas escolas, largou o seu emprego desiludido com o Estado e o sistema educacional imposto para as crianças, descreve sua experiência sendo gratificante o trabalho com as crianças, porém: “( ) a escola, operada pelo estado, continuava seguindo seu próprio curso, aderindo à sua estúpida e intolerável indiferença para com as crianças, à sua atenção oportunista e obsequiosa para com a autoridade e à sua esperteza auto-aproveitadora, empurrando um conhecimento pré-embalado” (MALAGUZZI, in EDWARDS, C. GANDINI, L. FORMAN, G, 1999, p. 60). Quando largou seu emprego de educador, foi a Roma estudar Psicologia no Centro Nacional de Pesquisa, quando retornou a Reggio Emilia, começou a trabalhar em um centro de saúde mental para crianças com dificuldade na escola, que operava com verba municipal. Nessa época, trabalhava de manhã neste centro e à noite em uma escola operada pelos pais. Os professores desta escola eram empenhados e tinham distinções em suas formações profissionais (alguns em escolas católicas e outros em escolas particulares), esta diferença enriquecia, ainda mais, o ambiente escolar, pois “seus pensamentos eram abertos e receptivos e sua energia inesgotável” (MALAGUZZI, p. 61). Uma dificuldade, que os professores tinham era a língua, pois o dialeto italiano falado pelas crianças era muito diferente do italiano oficial, usado pelos professores. Sendo assim, formaram uma parceria com os pais, para que os ajudassem. A princípio foi desafiador não pela falta de determinação, mas pela falta de experiência, pois estavam rompendo com padrões tradicionais. Esta experiência, podemos dizer que foi apenas uma preparação para o ano de 1963, ano este que as primeiras creches municipais foram criadas. Para a primeira foi dado o nome de Robinson, uma homenagem ao herói aventureiro do escritor Defóe. Esta escola estabeleceu um marco importante, era a primeira vez que os cidadãos afirmavam o direito de ter uma escola específica para crianças pequenas, de melhor qualidade e uma escola longe das mãos da caridade e Igreja católica. Surgia então uma nova espécie de instituição escolar. Logo no início os projetos educacionais da creche já estavam moldando parte, do que seria hoje, a Abordagem Reggio Emilia. Trabalhavam reconhecendo o direito de cada criança ser a protagonista pela busca de seu conhecimento, deixando a curiosidade espontânea sempre acesa ao máximo. Sendo assim, aprendiam com as crianças, com as famílias e com o trabalho. 20 Durante estes 48 anos, o sistema criou um conjunto único e inovador de concepções pedagógicas, currículo, projetos educativos, hipóteses filosóficas e ambientes arquitetônicos, que todos juntos formam a abordagem de Reggio Emilia. Atualmente, Reggio Emilia possui 13 creches, com várias tipologias. Aquela que é mais aplicada às creches de grande capacidade (60/66 crianças), são subdivididas em 4 turmas, que variam, no mínimo de 25 crianças e no máximo de 37, sendo estas: lactantes, pequenas, médias e grandes. Trabalham com 11 educadores, 4 auxiliares e um cozinheiro. Outra tipologia usada para creches com capacidade de 55 crianças, subdividi-se em 3 turmas e trabalham com um quadro funcional de 9 educadores, 3 auxiliares e um cozinheiro. Há também mais duas formas organizacionais: uma com 34 crianças dividas em duas turmas, com 6 educadores, 3 auxiliares e um cozinheiro, no total; e outra com apenas um turma de 18 crianças, com duas educadoras uma auxiliar um cozinheiro. Quando há alguma criança com deficiência física, há o acompanhamento de educadores suplementares. (BONDIOLI, p. 324) As creches iniciam seu ano letivo no dia 1º de setembro e terminam no dia 15 de julho (neste período de férias, até o dia 10 de agosto as escolas trabalham com um serviço reduzido em função da demanda de alguns funcionários). As creches abrem as 07h45min da manhã e funcionam até as 16h, em todos os dias da semana, em caso de cinco famílias apresentarem solicitação específica, o horário é prolongado até as 18h20min. Aos sábados, também é previsto um serviço reduzido das 07h45min às 13h (BONDIOLI, 1998). Segundo BONDIOLI 1998, a carga horária dos funcionários é de 36 horas semanais, sendo destas, 33 destinadas á atividade direta com as crianças e 3 a iniciativas de promoção social, cultural e profissional. Antes a carga horária de 36 horas era dividida em 30 horas com as crianças, 4 horas e meia para reuniões, planejamento e treinamento em serviço, e uma hora e meia para documentação e análise (EDWARDS, GANDINI, FORMAN, 1999). Um dos aspectos centrais na abordagem Reggio Emilia gira em torno da Pedagogia da Relação, é claro que a criança é o foco de toda a abordagem, mas só ela não é suficiente, é fundamental para a educação das crianças também os professores e a família. Esta participação não é apenas burocrática como reuniões bimestrais ou chamados aos pais para irem à escola ouvirem do comportamento de seus filhos, como vemos freqüentemente. Esta participação é como se os três 21 componentes centrais fizessem parte de uma família, e a escola é preparada para que se sintam em casa. Segundo MALAGUZZI: “Ela deve incorporar meios de intensificar os relacionamentos entre os três protagonistas centrais, de garantir completa atenção aos problemas da educação e de ativar a participação e pesquisas. Estas são as ferramentas mais efetivas para que todos os envolvidos – crianças, professores e pais – tornem-se unidos e conscientes das contribuições uns dos outros. Estas são as ferramentas mais efetivas para que nos sintamos bem cooperando e produzindo, em harmonia,um nível superior de resultados (In: EDWARDS, C. GANDINI, L. FORMAN, G, 1999, p 75) ” Através da Pedagogia da Relação, tanto as crianças quanto os adulto aprendem na diferença com o outro, com o diálogo, com a troca de idéias, mas isso só acontece porque o ambiente democrático e aberto proporciona esta prática e ampliam seus horizontes. As famílias são chamadas às reuniões para discutirem o currículo, os projetos e pesquisas, idéias para a organização das atividades, o estabelecimento do espaço e também para organizem jantares de celebração na escola. As crianças recebem todos os endereços e telefones das outras crianças e de seus professores, são encorajadas a visitarem as casas de seus colegas e aos locais de trabalho dos pais. Tudo isso coopera no desenvolvimento de uma educação em que a criança tem um papel ativo na construção e aquisição da aprendizagem e da compreensão (Idem, 1999). Esta concepção pedagógica é a base que origina o currículo, a arquitetura e o sistema administrativo das escolas municipais de Reggio Emlia. O currículo não é planejado com unidades e subunidades, do que as crianças vão aprender o ano todo. Ao contrário disto, a cada ano, cada escola esboça uma série de projetos relacionados, alguns de longo e outros de curto prazo. Esses temas servem como apoios estruturais, para que os objetivos não se percam de vista, porém todo o processo fica a cargo das crianças, para que elas descubram o porquê e como chegar até uma hipótese, que se manterá como verdade, até o momento que entrar em conflito com outra situação que poderá contradizer esta hipótese que foi desenvolvida pela criança. Durante o ano o currículo também emerge das próprias crianças, de projetos que partem da percepção dos educadores com as curiosidades das crianças do que elas querem saber e o tema que está sendo discutido entre elas em alguns momentos. 22 Isso não significa que é baseado na improvisação ou no acaso, mas através da perspectiva de que estar com as crianças é trabalhar menos com certezas e mais com incertezas e inovações. Segundo MALAGUZZI, 1999: “As certezas fazem com que entendamos e tentemos entender Desejamos estudar se a aprendizagem possui seu próprio fluxo, tempo e lugar; como a aprendizagem possui seu próprio fluxo, tempo e lugar; como a aprendizagem pode ser preparada, que habilidades e esquemas cognitivos valem a pena apoiar, como oferecer palavras, gráficos, pensamento lógico, linguagem corporal, linguagem simbólica, fantasia, narrativa e argumentação; como brincar; como fingir; como as amizades se formam e se dissipam; como a identidade individual e de grupo se desenvolve; e como emergem as diferenças e as similaridades ” (p 102) Para ilustrar a concepção de currículo, descreveremos uma experiência que ocorreu na escola Anna Frank em Reggio Emilia, que o educador Baji Rankin nos conta em um texto que escreveu enquanto fazia sua tese de doutorado em 1989 sobre o desenvolvimento do currículo emergente. Em Reggio Emilia como em vários outros locais as crianças levam brinquedos de suas casas para a escola. Na escola Anna Frank as educadoras perceberam que as crianças de 5 a 6 anos traziam, com freqüência, brinquedos de dinossauros à escola e suas brincadeiras acabavam girando, espontaneamente, em torno do tema. As professoras decidiram junto com as crianças montar um projeto a longo prazo para estudar mais a fundo o tema dinossauros. Antes de iniciar o projeto as professoras debateram o tema e viram as possibilidades e possíveis rumos que ele poderia tomar. Depois fizeram um roteiro com perguntas “provocadoras”, para despertar nas crianças uma discussão e poder avaliar o nível de conhecimento delas a respeito do tema, estabelecendo para que elas próprias possam descobrir suas questões e problemas a serem explorados. Para começar o projeto a professora levou cerca de metade da turma para a sala de ateliê, explicou que trabalhariam com aquele tema por algum tempo e a oportunidade especial de trabalharem juntas. Primeiramente fez uma investigação gráfica, pedindo para os educandos desenharem dinossauros como preferissem. Durante, este momento as crianças observavam os desenhos uma das outras, 23 comentando diferenças e curiosidades a respeito do tema. Depois conversou individualmente com cada criança sobre o desenho. Logo após, juntou-as para uma discussão sobre os dinossauros, levantando questões como: onde eles viviam; o que comiam; de que tamanho eram; como cuidavam de seus filhotes; como nasciam os filhotes; e desta forma a discussão foi tomando formato com os educandos, sem mais as intervenções da professora. Toda esta conversa foi gravada e transcrita pela professora e por pais voluntários (este processo é típico em Reggio e faz parte do que os educadores chamam de documentação, veremos este método adiante, mais detalhadamente). Os adultos puderam estudar e refletir quais os temas que mais incitavam as crianças à discussões e interações. No segundo dia de trabalho, perceberam que o interesse das crianças não estava tão alto como no primeiro dia, seus desenhos e discussões não eram tão ricas como no primeiro, a educadora pensou este realmente era um projeto a ser feito a longo prazo, concluiu também que a falta de energia poderia ter sido gerada pela abordagem dada pelos os adultos. Para reavivar o grupo, a professora ofereceu argila para construções de dinossauros e percebeu que o interesse deles sobre o tema ainda estava presente. Dentre outras conversas que tiveram, durante a atividade, perceberam que precisavam ter mais conhecimento sobre o tema. No dia seguinte a professora iniciou uma discussão, perguntando onde as crianças poderiam ter mais informações adicionais sobre os dinossauros, o que desencadeou uma explosão de idéias: televisão, jornais, filmes, desenhos, livros de casa e da biblioteca, revistas, lojas, irmãos mais velhos e outros parentes. As crianças foram à biblioteca local, estudaram alguns livros lá mesmos e outros levaram para a escola, para obterem informações no momento que desejassem ou surgisse a dúvida. O próximo passo foi montar uma carta para enviar às pessoas que poderiam compartilhar informações a respeito do tema. Todos participaram na montagem da carta tanto no conteúdo escrito, na transcrição do esboço para a carta a ser enviada e também nos endereçamentos dos envelopes. Nas próximas semanas as pessoas foram recebidas com muito entusiasmo pelas crianças, que haviam preparado, com antecedência, uma série de perguntas que as intrigavam para fazer com cada um, especificamente. Entre os visitantes estavam, dois irmãos mais velhos, que já haviam concluído seus estudos na escola Anna Frank, um pai, uma avó e uma especialista em preservação da natureza, de um vilarejo local. 24 Durante este tempo os educandos continuaram fazendo o projeto construindo dinossauros em argila, os pintando com guache e desenhando com giz. Um grupo de quatro meninos construíram um dinossauro realmente grande, chamando ainda mais atenção das crianças para o real tamanho dos dinossauros, produzindo uma conversa sobre fazerem um dinossauro realmente grande. As crianças empenharam-se em jogos com sombra projetando imagens de dinossauros na parede. Desta forma, tiveram a chance de vivenciar as enormes dimensões dos dinossauros. Para elaborar esse tema, a professora os indagou o que poderia ser feito para construir um dinossauro realmente grande, a discussão foi entusiasmada, com muitas idéias de matérias que poderiam usar e técnicas para confeccionar, porém perceberam que algo necessitava ser decidido: qual dinossauroiriam construir. Fizeram uma votação entre os tipos preferidos, o Tyrannossaurus Rex foi o vencedor. No dia seguinte, antes de começarem a construção as crianças se dividiram, espontaneamente, em dois grupos, o das meninas e dos meninos. Com dificuldades e desafios os dois grupos conseguiram terminar a construção, as meninas utilizaram sopor e arame e os meninos, tiveram mais dificuldades, pois usaram apenas arame e metal, precisara, com mais freqüência da ajuda de adultos. O projeto foi se desenrolando de acordo com as curiosidades e as hipóteses que as crianças vinham desenvolvendo. No final do projeto, as duas equipes se juntaram e montaram um dinossauro em tamanho real de 27 metros de altura por 9 metros de comprimento. A professora montou uma exposição com o desenho, inaugurando-a com uma apresentação dos próprios educandos em que explicavam as atividades realizadas e os passos pelo qual haviam chegado à suas conclusões. Como é comum em Reggio, as exposições dos trabalhos feitos pelas crianças seguem um critério estético, ou seja, são postos de uma forma em que todos possam olhar, comentar e se orgulhar do trabalho que fizeram. Segundo MALAGUZZI (1999): “As paredes de nossas pré-escolas falam e documentam. As paredes são usadas como espaços para exposições temporárias e permanentes de tudo o que as crianças e os adultos trazem à vida (in EDWARDS, C. GANDINI, L. FORMAN, G, 1999 p.73) ” Vimos um exemplo de como um projeto é levado adiante em uma das escolas de Reggio Emilia, com um desenvolvimento imprevisível e emergente. Podemos perceber que a concretização dele só foi possível dado algumas diretrizes que foram tomadas pelos educadores junto com os educandos: primeiro pela interação dinâmica 25 e cooperativa entre crianças e adultos. Segundo, porque foi baseado nas questões, comentários, curiosidades das crianças envolvidas, com uma disposição de tempo para que elas pudessem surgir com soluções e hipóteses dos problemas criados. E por último, o momento de compartilhar das crianças envolvidas no projeto com as outras crianças da escola. Outra marca importante para o desenvolvimento dos projetos, currículo e principalmente pelo desenvolvimento cognitivo, afetivo, motor e relacional das crianças é a documentação feita pelos professores. Este processo sistemático de documentar o processo e o resultado, com fotografias, gravações de vídeos e voz, transcrições das falas das crianças, dos desenhos com explicações dos significados embutidos neles, possibilita aos discentes uma espécie de memória concreta e visível do que disseram, fizeram e experenciaram. Com a finalidade, para os docentes de saberem os próximos pontos de partida para a aprendizagem. Para os pais, como documento informativo do que acontece nas escolas para poderem apoiar e acompanhar o aprendizado de suas crianças. Este sistema de documentação também possibilita um portfólio singular de cada criança, mostrando sua individualidade e seu processo de aprendizagem desenvolvido que também é único e pertencente somente ao educando (Gandini e Forman, 1999). Como dito anteriormente no texto, o projeto educacional de Reggio Emilia é centrado na participação dos três sujeitos da educação: a criança, os educadores e a família. Para que a família possua uma importância central nesta gestão de relacionamento, as escolas desenvolveram técnicas de comunicações eficazes, que torna as creches mais transparentes. Na creche, em lugares específicos, ficam quadros com informações sobre as iniciativas da instituição, documentação da qualidade dos serviços oferecidos às crianças e fornecer sugestões e reflexões sobre a educação infantil. Também possui um quadro com funções ligadas ao funcionamento interno como: fotos dos funcionários, horários de turno, listas telefônicas das famílias, das creches, dos funcionários e cadernos de atas (BONDIOLI, 1998). Outra técnica utilizada para instaurar um relacionamento positivo entre a escola e família de troca, discussões e confronto em relação a tudo que diz respeito aos pequenos, foi instaurada diversos tipos de encontros de acordo com a necessidade das discussões e das socializações. Para isso existem as reuniões de turma, em pequenos grupos e individuais. Isto gera à família um sentimento de participação como 26 indivíduos em não apenas como pais. Outro ponto também a se ressaltar são as discussões sobre o serviço das instituições que os pais fazem para a creche que gira em torno cada vez menos na necessidade e mais na qualidade que a escola apresenta (idem, 1998). A arquitetura das escolas também é pensada a partir do critério da pedagogia relacional, são espaço agradáveis e acolhedores. O pátio das escolas funciona como uma praça da cidade e é o local onde todas as crianças da creche se encontram, possibilitando visibilidade e participação. Também o ateliê possui fácil acesso desde qualquer lugar da escola. As crianças tem garantia de livre exploração dentro dos espaços, cada ambiente é específico para cada atividade, as salas de aula, recanto do almoço, recanto para as sonecas, a toca (espaço para o isolamento das crianças). A organização espacial das creches favorece a descoberta e o desenvolvimento das capacidades comunicativas (idem, 1998). O sistema educacional em Reggio Emilia é único, possui uma combinação real entre a concepção pedagógica, a prática escolar, a arquitetura das escolas, o sistema avaliativo e busca através de discussões e problematizações geradas pelos educadores, pelas famílias ou pelas crianças aperfeiçoarem cada vez mais seus métodos em prol da qualidade da educação dos pequenos. É uma abordagem que devemos nos atentar a suas inovações, para adaptá-las ao cenário das escolas brasileiras, que ainda tem um caráter assistencialista, em que as creches, muitas vezes são vistas como “depósitos” de crianças Parece que a educação infantil aqui no Brasil, ainda está mais voltada para as necessidades das mães do que para os direitos da criança pequena. 27 Capítulo 3 – A instituição escolar Lumiar 1.Introduçao Para realizar a pesquisa de campo houve contato com varias escolas de educação infantil, que adotam como parte de sua metodologia a abordagem Reggio Emilia. No entanto muitos desses contatos nos deram uma resposta negativa a respeito da participação à pesquisa e outros nem nos retornaram dando respostas. Além do empecilho de encontrar uma escola que possibilitasse a pesquisa, não conseguimos encontrar nenhuma instituição que se inspirasse unicamente no modelo de Reggio Emilia. Como vimos no segundo capítulo a abordagem pedagógica italiana é muito particular dado a cultura, a educação e os problemas existentes naquele local. Por isso, as escolas aqui no Brasil que trabalham com esta abordagem se utilizam de muitas outras concepções pedagógicas para darem aporte teórico e prático em suas escolas. Felizmente, a escola paulistana Lumiar nos possibilitou realizar a pesquisa dentro da instituição e nos forneceu documentos para que esta fosse concluída. Embora, a escola não tenha como foco pedagógico a abordagem Reggio Emilia, ao propor o seu trabalho educacional, dentro de um viés da educação democrática, utiliza como apoio teórico e prático a pedagogia italiana. Para situar o leitor sobre a escola onde parte da pesquisa foi feita, iniciaremos o capitulo com o histórico da instituição, o marco epistemológico, pedagógico e operativo, sendo estes voltados, principalmente, para a educação infantil. Os dados históricos, contexto pedagógico da instituição, marco operacional, organização curricular e a perspectiva avaliativada Instituição Lumiar foram obtidos através do Projeto Pedagógico da Escola Lumiar (2010/2011) e de entrevistas realizadas com a atual diretora da Escola. 2. Projeto Político Pedagógico 2.1 Histórico A idealização da instituição Lumiar surgiu a partir das inquietações do empresário paulistano Ricardo Semler, ex-presidente do Grupo Semco4. Embora 4. A Semco surgiu na década de 1950, o Grupo desenvolveu negócios nas áreas de: consultoria ambiental, gerenciamento de propriedades, consultoria imobiliária, serviços de inventário e 28 pareça estranho um empresário tomar frente de uma inovação pedagógica, Semler, percebeu a relevância de uma modificação na estrutura escolar, levando o questionamento estrutural da fábrica, para a escola. Quando Ricardo Semler assumiu a presidência do grupo SEMCO, mudou o sistema de gestão de hierárquico para descentralizado, utilizou-se da filosofia da democracia industrial radical. Sistema esse implementado com muito sucesso, fazendo os lucros da empresa aumentarem até 50 vezes em 10 anos. Esta gestão está baseada, como o próprio nome diz, na democracia. As questões da empresa são levadas para pautas em assembléias e discutidas com os funcionários. Até hoje os funcionários se beneficiam dessas transformações: o horário e o ambiente de trabalho foram abolidos, as pessoas entram e saem de acordo com as regras pré-definidas, por elas mesmas e podem escolher um de cada quatro lugares para trabalharem no período do dia. Os líderes são aprovados pelos seus futuros subordinados e semestralmente são submetidos a uma avaliação anônima, que garante ou não a continuidade ao cargo. No inicio os empresários julgaram ser uma loucura e que seria questão de tempo para a empresa falir, na época trabalhavam 300 funcionários e hoje depois de 20 anos da implementação da gestão democrática, a companhia soma-se em 3000 trabalhadores. No entanto, as maiores resistências em aceitar a mudança da gestão administrativa não foram dos empresários, mas sim dos funcionários. Segundo Semler, “o que fizemos foi contra a natureza do condicionamento que aquelas pessoas já traziam” (entrevista a revista Educação, Ed. 264. 03/2003). Condicionamento este gerado desde pequenos na instituição escolar, em que temos horário de chegada e de saída inflexíveis, permissão para ir ao banheiro, beber água e falar, horário de brincar e estudar, matérias em que o ensinamento é obrigatório, mas não desejável pelos estudantes; ou seja, um local pouco apropriado para gerar uma consciência dialógica voltada ao exercício da democracia. Sendo assim, Semler percebeu a importância de modificar a estrutura padrão da escola. Daí, para a fundação da escola Lumiar foi quase um processo natural, mas que levou muitos anos de estudos e aprimoramento. serviços de manutenção volante. Atualmente é líder de mercado nas áreas de equipamentos industriais e soluções pra gerenciamento postal de documentos. (site: www.semco.com.br). 29 Na década de 1990 foi formado um grupo, com outros pensadores, que também acreditavam que seria possível a discussão de um “novo tipo de escola” Este grupo, o qual era gerido pela educadora e socióloga Helena Singer, autora do livro República de Crianças, (o qual reuni 95 iniciativas de abordagens pedagógicas democráticas e libertárias desenvolvidas pelo mundo) e também ex-diretora da antiga fundação SEMCO, (que hoje por incorporações de novos sócios, chama-se RALSTON SEMLER) da qual faz parte o Instituto Lumiar que assiste e subsidia a escola Lumiar. Com o surgimento da nova Lei Diretrizes e Bases (1996), e dos Parametros Curriculares Nacionais, cujo currículo escolar não é trabalhado em uma estrutura concreta e rígida de disciplinas, este grupo percebeu uma oportunidade para recriar a instituição escolar, pautada nos valores democráticos e em torno do que o educando quer aprender. Criaram um projeto piloto chamado, A Escola Que Eu Quero, o qual mais tarde deu origem a escola Lumiar. Neste projeto já havia parte dos conceitos que a escola Lumiar trabalha hoje, como por exemplo, a figura do professor que normalmente é tida como centro de conhecimento e autoridade máxima. Esta figura, pelos padrões tradicionais, necessita saber desde trigonometria, seno e cosseno, historia da dinastia Ming, Lei de Mendel, gerenciar uma turma de crianças e intermediar relações de pais e escola; ou seja, é praticamente impossível termos uma educação de qualidade através deste modelo. Desta forma, a Lumiar separou este profissional polivalente em: tutor e mestre. O primeiro é um profissional formado em pedagogia, na área de Educação Infantil e Educação Fundamental I, em licenciaturas diversas para a atuação no ensino Fundamental II. Cuja função é acompanhar e supervisionar, ano a ano, um grupo de educandos e mestres em todas as suas atividades, avaliando o desenvolvimento global de cada criança. Também são responsáveis pelo planejamento de ensino, de modo a contemplar as expectativas de aprendizagem referente aos ciclos. O segundo são especialistas nas diversas áreas do conhecimento, cuja função é planejar e coordenar projetos de aprendizagem, decididos pelos tutores e alunos. Para este grupo é necessário o conhecimento profundo de algum assunto, adquirido ou por vivência teórica ou práticas anteriores, somando-se a paixão que tem pelo tema. Trabalham em parceria com os tutores na avaliação e preparação das atividades. 30 A escola Lumiar foi finalmente, fundada em 2003, na Rua Bela Cintra n. 561, no bairro da consolação na cidade de São Paulo, com um grupo de 26 crianças de 2 a 6 anos (somente Educação Infantil) e, hoje, atende desde a Educação Infantil até o Ensino Fundamental um total de 70 alunos, sendo destes, 40 na Educação Infantil e 30 no Ensino Fundamental. A escola desde o inicio “norteia sua prática democrática a criar uma cultura escolar em que crianças e adultos comprometam-se e empenham-se nos seus processos de aprendizagem e com a construção da autonomia” (Projeto pedagógico, Escola Lumiar, 2010/2011, p.4). Como prática deste processo a escola faz reuniões regularmente entre pais, mestres, tutores e estudantes em formato de assembléia. No inicio, estas assembléias, discutiam e deliberavam as regras, currículo escolar e assuntos burocráticos referentes à escola. A partir de 2006, com a cisão e reestruturação que houve na diretoria da Instituição, estas reuniões se tornaram, apenas consultivas, ou seja, as opiniões dos pais e funcionários são levadas em reuniões com a equipe escolar, parar assim tomarem os profissionais tomarem as decisões. A Escola coloca-se diante do desafio educacional modificando-se e aperfeiçoando-se frente a um tripé que equilibra a busca entre a excelência e a efetividade, sendo estes: a relevância, a qualidade e a atualização. Aquela, refere-se à pesquisa como ascensão do avanço metodológico e à disseminação de suas concepções nos meios educacionais, a continua formação de seus docentes e à inclusão mestres, para gerar novas idéias nos programas de estudo, ao trabalho com temas desafiantes a sociedade e com ênfase na interdisciplinaridade; Essa, se refere ao conceito de à avaliação continua de seus docentes e da aprendizagem dos discentes, à honestidade institucional à uma perspectiva democrática da gestão e comunicação, por último ao investimento no ambiente escolar que promova cooperação, respeito, participação e valorizaçãodo outro; Esta se refere ao conceito de estar sempre atualizando as informações disponíveis no mundo cientifico, econômico, político e cultural e às novas parcerias com empresas e/ou instituições voltadas para o desenvolvimento da tecnologia; 2.2 Fundamentos do Projeto Pedagógico Antes de apresentar as principais matrizes teóricas das opções pedagógicas, da organização curricular e do formato de gestão que alicerçam a abordagem 31 pedagógica da instituição Lumiar, será feito um marco situacional das mudanças histórico-conceituais, que na perspectiva da Escola Lumiar, são tidas como triviais para gerar a educação tradicional que temos atualmente em nossa sociedade. Para a instituição houve quatro grandes mudanças que marcaram a contemporaneidade e que influenciaram diversos setores da sociedade e áreas do conhecimento. A primeira foi o Iluminismo, período em que em que a razão prevaleceu como fonte da verdade absoluta, determinou que o conhecimento científico quando comprovado, era definitivo. Há uma separação entre o corpo e a cabeça, como se o aluno deixasse o corpo em casa e apenas levasse a cabeça. O trabalho manual, neste período, é interpretado, como se fosse totalmente segregado do intelectual. A segunda mudança na educação veio com interferência da Psicologia, suas teorias influenciaram muito os métodos educativos no Brasil, como o agrupamento dos alunos e a relação entre educador e educando. Estas teorias começaram a balizar a educação de crianças e jovens, como se todos se desenvolvessem do mesmo modo e do mesmo ritmo. A terceira veio com o advento do movimento modernista nas artes, que provocou uma crítica ao excesso de racionalismo, possibilitando assim, a discussão de verdades tidas como fechadas e absolutas. Deste movimento surgiram educadores como Dewey, Piaget, Freinet, Maria Montessori, Loris Malaguzzi, e aqui no Brasil, Paulo Freire. A última grande influencia na educação, foi responsável pela mudança do conceito de tempo e espaço, é a chamada globalização que por meio da tecnologia, atualmente nos possibilita estar em todos os lugares a qualquer hora. A partir destas quatro influencias citadas no Projeto Pedagógico da escola, há, também, inúmeras transformações que ocorreram e ainda ocorrem em vários espaços de conhecimento, sendo a escola um destes. Sendo assim, há um conjunto de perspectivas que para a instituição Lumiar precisa ser considerada na contemporaneidade, sendo estas: - Ninguém consegue, quer ou deve aprender tudo, mesmo que seja de uma área restrita e/ou especializada. 32 - Não é mais possível contentar-se com um “estoque” de conhecimento, são as metodologias para aprender que assumem maior valor relativo. - O educando é sujeito do seu processo e deve aprender a gerenciar o conhecimento. - Todo conhecimento cientifico é, também, conhecimento social e o educando deve ser capaz de articular o que aprende cm o que vê e faz. - A escola deve criar condições para que o educando exercite sua autonomia e singularidade num espaço democrático e aberto às diferenças. - O processo de escolarização deve pautar o desenvolvimento de competências e habilidades especificas, bem como a aquisição de conhecimentos significativos nas diversas áreas do conhecimento. - A educação deve comprometer-se com a consciência ambiental, ética e estética, com a disseminação de valores fundamentais para a convivência humana, promovendo a ecologia humana. (PROJETO PEDAGÓGICO, 2010/2011, p. 8). Sendo assim, a Escola Lumiar assume o posicionamento de que seus educandos são “protagonistas desse universo mutante e surpreendente”, de uma maneira que inova e transforma o ambiente escolar. Há que ser ressaltado, que as ações deste posicionamento, estão centradas no conceito que a escola define como conhecimento. Conceito este que emerge do confronto entre o conhecimento objetivo, explicativo, monotético (conteúdos fixos, verdades absolutas) e o conhecimento inter- objetivo, compreensivo e interdisciplinar (conhecimento derivado da interpretação de cada indivíduo). Definindo, assim, as perspectivas paradigmáticas: - (...) o conhecimento deve superar dicotomias e ralçar integração/articulação de saberes numa visão humanística de educação; - (...) Põe em debate à exclusiva disciplinarização do saber cientifico e elege o desafio da organização curricular em áreas do conhecimento, valorizando a perspectiva local e o enfoque universal nessa construção; - (...) o conhecimento é também autoconhecimento na medida em que o ato de conhecer e o conhecimento construído são inseparáveis, 33 coabitam na mesma teia de significados e adquirem sentidos peculiares para cada educando; - (...) o conhecimento deve ser aprendido na resolução de problemas do cotidiano e trazer sabedoria de vida, em outras palavras, o conhecimento deve transformar-se em “senso comum”: essa construção necessariamente passa pelo desenvolvimento de competências; - aceita que o padrão de apreensão de conteúdo especifico é da alçada do poder e do desejo particular do educando, porém, o conhecimento linear e horizontal é viável como ferramenta de cidadania, assim o aprofundamento conteudístico também tem lugar e espaço na Escola Lumiar. (PROJETO PEDAGÓGICO 2010/2011. p.9) O conceito de conhecimento é tecido, de forma dinâmica em que são construídos através de um posicionamento diante de um repertorio adquirido, sendo este, utilizado de maneira livre e criativa. Diferencia conhecimento de informação, sendo necessário, não apenas ter acesso a grande quantidade de informações, mas principalmente utilizá-las adequadamente. Utilizam a experiência como uma das formas de aprendizagem, construindo-o assim significativamente, ou seja, os educandos atribuem sentido para o que aprendem Segundo PCNs, “A aprendizagem significativa implica sempre alguma ousadia: diante do problema posto, o aluno precisa elaborar hipóteses e experimentá- las (p 38) ” Desta forma, o projeto da escola é formulado com propostas que ajustam o ensino para potencializar a aprendizagem. Preservando o desejo de aprender e a curiosidade dos alunos para poder garantir experiências bem sucedidas. Portanto o currículo da escola, através da perspectiva cultural e social, centra-se no desenvolvimento de competências. Rompe com a organização do conhecimento por disciplinas, ampliando o trabalho pedagógico através de projetos interdisciplinares. Os temas dos projetos são definidos o período escolar e atendem aos questionamentos e ao interesse dos discentes. Neste formato curricular exige que o tutor assuma a “tarefa de regulação do processo educativo e tenha uma prática pessoal dos conhecimentos em ação, participando de processos de pesquisa ou de aplicações tecnológicas” (p 11). O tutor também faz a “mediação pedagógica”, ou seja, adapta as práticas pedagógicas e suas 34 respectivas metodologias para alcançar as competências exigidas para o perfil de saída dos educandos do Ensino Fundamental. Ao demonstrar seu perfil curricular e epistemológico a escola define sua concepção de aprendizagem. Sendo seus pontos principais: “aprender como o outro de forma horizontal, pela constituição de grupos multietários, confrontar idéias, hipóteses e teorias entre iguais e diferentes são movimentos que evidenciaram o quanto a escola valoriza o diálogo e os diversos estilos de aprendizagem ”(p 12) 2.3 Currículo e Competências 2.3.1Educação Infantil A educação infantil trabalha com a faixa etária entre 0 a 6 anos. De 0 a 3 anos, o que seria a creche, as crianças são dividiasem dois grupos o GI (0 a 2 anos) e o GII (2 a 3 anos). O que compreende a educação infantil as crianças de 4 a 5 anos, ficam em grupo chamado de Infantil. Para o primeiro grupo, o cuidar e o educar são ações presentes pelo tutor e assistente, estes dois adultos são responsáveis por uma sala de no máximo 10 crianças. Para o desenvolvimento da convivência são elaboradas atividades para que os educandos se reconheçam no espaço e entre cada um de seus colegas. Também há atividades de pintura e argila, contação de história, linguagem oral, movimento corporal e música. No segundo grupo, como as crianças já apresentam maior estrutura para interagirem nas atividades propostas pelos tutores e mestres, as quais são dirigidas para: linguagem oral, arte, música e movimento corporal. Há um tutor e uma assistente para cada turma de 15 crianças. No Infantil o foco dos educadores está em desenvolver a autonomia das crianças, tanto nos autocuidados, quanto a linguagem e convivência. Nesta etapa os mestres já conseguem desenvolver os projetos junto com os estudantes, voltando as atividades para o desenvolvimento de habilidades e competências na área de artes, linguagem oral e escrita, matemática, corpo e movimento, música e língua estrangeira. 35 As vivencias são embasadas em alguns princípios educativos, sempre levando em consideração as necessidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas dessa faixa etária, fortalecendo assim o sentido de cidadania e seus deveres. A escola tem como princípios educativos: “- o respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas suas diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas, etc.; - O direito das crianças a brincar, como forma particular de expressão, pensamento, interação e comunicação infantil; - O acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis, ampliando o desenvolvimento das capacidades relativas à expressão, à comunicação, aos afetos, à interação social, ao pensamento, à ética e à estética; - A socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas práticas sociais, discriminação de espécie alguma; - O atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao desenvolvimento de sua identidade ” (p. 20) Através da concepção de que a criança é um individuo com opinião, que tem seus direitos adquiridos assim que nasce e sua identidade deve ser sempre respeitada, pode-se dizer que ela desde cedo é produtora de cultura, que pode provocar mudanças nos ambientes em que vive e nas relações que estabelece, além claro de observar, indagar e pensar o mundo e sobre o mundo de forma ativa. Ao aceitarmos a criança como sujeito social, temos que considerar as singularidades que esta carrega, suas competências e as múltiplas formas de expressão de que é capaz. A Escola Lumiar, ao observar essas diversidades de potencialidades, organiza seu trabalho para enaltecer tais individuas. As crianças ao receberem uma organização de cenários pedagógicos desafiadores, nos quais as brincadeiras, a investigação e a experiência criam a oportunidade de aprendizado de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, tem um desenvolvimento de sua formação de maneira integral e integrada. O importante para os educadores da Escola Lumiar, é o planejamento flexível, para que o trabalho das crianças se mantenha sempre atento, e que em determinado 36 momento possam alterar a proposta de ensino sem perder seu foco principal que é a formação pessoal e o conhecimento de mundo que são adquiridos durante os processos educacionais. A formação pessoal é baseada nas experiências que favorecem, prioritariamente, a construção do sujeito, e o conhecimento de mundo refere-se à construção das diferentes linguagens pelas crianças e às relações que estabelecem com os objetivos de conhecimento. Os principais eixos trabalhados pela Escola Lumiar na educação infantil são: Movimento, Artes Visuais, Música, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade, Matemática. 2.3.2 Ensino Fundamental O Ensino Fundamental abrange estudantes de 6 a 14 anos que são agrupadas em quatro ciclos. O primeiro chamado de F1 com crianças de 6 a 8 anos possuem trabalhos mais voltados para a alfabetização. O segundo F2, com grupo de crianças de 9 a 11 anos, já possuem grande compreensão escrita e aos poucos vão adquirindo outros conhecimentos. O terceiro, F3 é formado por adolescentes entre 13 a 14 anos, que estão em fase de construção da autonomia de seu próprio conhecimento. O último, F4 é formado por estudantes de 15 a 16 anos, que estão em fase de conclusão de seus próprios projetos, neste ciclo há uma tese a ser feita por cada educando sobre o tema que preferir. Seguindo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) artigos 26º e 27º, a Escola Lumiar insere no seu Plano Curricular as exigências da Base Comum, desenvolvendo assuntos e temas de interesse do educandos, trabalhando também com os Temas Transversais descritos nos Parâmetros Curriculares Nacionais. A Escola Lumiar adota uma metodologia para trabalhas estes ciclos, chamados de “ciclos do conhecimento”, que são divididos da seguinte forma: Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias. Vale ressaltar que esta abordagem esta diretamente ligada à formação na e para a cidadania, pois oferece formas para o pensar diante de situações novas e desafiadoras, para a resolução de problemas e para a proposição de novas idéias hipóteses, teorias ou soluções. 37 Todo o conhecimento é trabalhado de maneira integral, desvinculado da clássica divisão disciplinar, pois os educadores tutores e mestres da Escola Lumiar entendem que este tipo de abordagem enriquece a formação da criança e do jovem, proporcionando uma relação com o conhecimento que não se dá de forma fragmentada, estanque, mas integral e mediada nas diversas áreas do saber. Por considerar que os conteúdos factuais,conceituais, atitudinais e procedimentais são os verdadeiros objetos de aprendizagem; que existe aprendizagem entre os diversos grupos etários da escola e seus compromissos em saber fazer, saber aprender, conviver e ser; a instituição adota como referência para o trabalho educativo a matriz dos eixos cognitivos comuns a todas as áreas do conhecimento, publicada pelo INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Nacionais – (versão 2009) e que orienta o Exame Nacional de Ensino Médio. 2.4 Organização Curricular Na Escola Lumiar o currículo é estruturado através de projetos que exigem a participação de cada membro do grupo. Para que isto ocorra, o trabalho é orientado por meio da relevância para cada um dos participantes, a possibilidade de novas aprendizagens e por último que o tema escolhido tenha que ser estudado e resolvido no contexto em que os educandos vivem. A decisão da Lumiar em trabalhar com projetos como cerne do currículo escolar permite que os estudantes se apropriem do seu próprio processo de aprendizagem e desenvolvimento, colocando em prática competências sociais como comunicação, trabalho em equipe, gestão de conflitos, análises de cenários futuros, tomada de decisões e avaliações de processos. Todo este procedimento vai em direção oposta aos métodos tradicionais de educação (Projeto pedagógico 2010/2011). Para os projetos terem um caráter viabilizador, é necessário que trabalhe estes temas: responsabilidade e autonomia do estudante, criatividade e ousadia para criar soluções, que seja complexo a ponto de problematizar, que trabalhecom planejamento e tenha caráter interdisciplinar com atividades intencionais. Além do projeto, que é o centro do desenvolvimento das habilidades pedagógicas, atitudinais, procedimentais, acadêmicas e conceituais, a escola também utiliza-se de outros três instrumentos para a complementação da formação do individuo. São elas: módulo de aprendizagem, oficinas e a roda. 38 No primeiro trabalha-se com percursos didáticos que são de interesse dos educandos, que transcorre dentro ou fora dos projetos. Uma das formas dessas atividades ocorrerem é com o que a Lumiar chama de leitura de mundo. Todos os dias os estudantes lêem jornais que geram discussões e trocas amplas sobre os acontecimentos do mundo. Estas discussões criam uma consciência critica com o mundo em que vivemos. No segundo são trabalhados conteúdos específicos, desde que aja interesse por parte dos estudantes, pois isto leva o desenvolvimento de especificas competências, que serão aplicadas no mundo e em sociedade. São trabalhados nas oficinas temas transversais e artísticos. Para alguns as oficinas assumem um caráter do fazer, ou seja, a experiência como método de aprendizagem. Também possibilita o desenvolvimento de outras linguagens, como visuais, corporais, musicais e movimento. Por último temos a roda, que ocorre uma vez por semana e é um momento institucional do diálogo, que tem característica de assembléia, com pautas pré- definidas e inscrições para falas. Nestes encontros participam funcionários, educadores (mestres e tutores) e educandos a partir dos 4 anos com a finalidade de discutirem a melhor forma de conviverem no espaço escolar. É um meio de exercer a democracia e que os estudantes aprendam a se posicionar de acordo com seus desejos e pensamentos, e a aceitarem quando estes são vencidos pela maioria de votos. A roda promove: a valorização da coletividade, sentido de pertencimento, consenso entre regras, deveres e direitos, capacidade de argumentação pela busca da coalizão entre todos os participantes. Para que estes objetivos sejam alcançados, a roda necessita de algumas características como: regularidade para que se incorpore na cultura escolar; alteração do local de realização da assembléia, mostrando de maneira simbólica que a colaboração entre os membros com suas diferenças tem aspectos positivos; tempo necessário para discutir a pauta estabelecida de forma hierárquica dos assuntos mais importantes; promoção do diálogo com o intuito de solucionar os problemas e encaminhar propostas que vão do comprometimento individual ao grupal; fortalecimento da eficácia com a reunião de pais, professores e Conselho Escolar; a dinâmica depende da faixa etária dos estudantes. 39 2.5 Avaliação A instituição Lumiar não trabalha com conceitos reproducionistas e conteúdistas de educação como tradicionalmente encontramos na maioria das escolas, portanto seu sistema avaliativo tampouco é como os mecanismos tradicionais enraízados no sistema educacional. Ao contrario disto, como já vimos, a escola Lumiar trabalha em uma perspectiva de desenvolvimento de habilidades e competências. Desta mesma forma o sistema avaliativo, também rompe com o tradicional, caminhando para um caráter mais formativo, ou seja, busca através da avaliação o desenvolvimento de cada educando. Na escola Lumiar avaliação não é apenas aferir o conhecimento obtido pelo estudante, mas principalmente, analisar o saber fazer, a autonomia para aprender, a aplicabilidade deste ao cotidiano, a resolução de problemas e na formulação de hipóteses e planejamentos. O estudante tem um compromisso com o conhecimento e cada um é consciente do seu processo de aprendizagem. Para que isto ocorra a escola tem o compromisso de possibilitar a existência de uma valorização da auto-avaliação e de processos de aprendizagem com ênfase nos resultados, colaboração entre os educandos com colegas que necessitem de ajuda para compreender algum tema, investimento na formação de tutores e mestres no que tange o tema da cultura da avaliação e preocupação em diversificar os instrumentos avaliativos. A escola Lumiar conta com a ajuda da tecnologia com um programa computacional, criado por eles mesmos, chamado Mosaico, que se destina a registrar os saberes construídos pelos estudantes. É um sistema que identifica o percurso do conhecimento de cada um, mapeando competências e habilidades desenvolvidas, a partir de registros que os tutores e mestres observam. Esse registro é acumulativo, vai desde o primeiro ano que o estudante está na escola até o momento que se forma. O Mosaico também tem o intuito de servir futuramente de base para decisões vocacionais, pois os estudantes verão para que área está voltada suas maiores habilidades e competências. 3. A experiência de alguns dias na Lumiar 3.1 Espaço Escolar 40 A primeira visita à escola foi apenas uma aproximação entre mim e a instituição. Quando cheguei, a primeira pessoa a me recepcionar foi João5, um funcionário muito simpático, que pediu que eu esperasse enquanto ele iria avisar a diretora. A escola fica em uma antiga casa que foi adaptada para a instituição. Fiquei esperando em um ambiente que parecia ser a garagem da casa, pois em frente há um largo portão seguido de uma rampa que fica ao ar livre até este local coberto. Neste ambiente há dois bancos compridos, onde fiquei sentada esperando ser chamada, há também, como adorno a frente de um carro azul antigo (que parecia ser um galaxi), atrás dele uma mesa, que não conseguimos ver, onde fica sentado o João. Fui conhecer a escola no período de julho, muitas crianças estavam de recesso escolar, porém outras por conta das atividades dos pais continuaram seus estudos. Por este motivo a movimentação na escola não estava “normal”, havia muito menos crianças. A diretora me apresentou todo o espaço escola e depois me levou à sua sala para conversarmos. Primeiramente me perguntou sobre meu projeto, os objetivos e a importância que a escola Lumiar tinha para este. Expliquei todas as suas dúvidas e iniciamos uma conversa em que ela me contou sobre o funcionamento da escola, os marcos epistemológicos mais importantes e principalmente sobre a história da instituição. Embora tenha sido uma reunião curta foi muito produtiva, encerramos a conversa, pois a escola já estava no horário de fechar. Na segunda visita, em que fui para acompanhar a reunião dos tutores, consegui perceber melhor o espaço escolar, havia muitas características parecidas com o espaço das escolas de Reggio Emilia. Nas paredes da casa em lugares estudados, havia murais expondo os trabalhos dos educandos, desde o primeiro ciclo Infantil 1 até os concluintes Fundamental 4. Os trabalhos são expostos pensados em uma forma estética, ou seja, que fique agradável visualmente. Entrando pelo que seria a porta principal da “casa”, há um pequeno hall com um aparador com jornais de diferentes marcas até ideologias políticas, como a Folha de São Paulo e Carta Capital. Este hall que nos leva há um grande salão. Este salão é dividido em dois ambientes: biblioteca e o que poderíamos chamar de sala de reunião. A biblioteca é um ambiente muito agradável, são estantes dispostas no contorno das de três paredes e lembram uma biblioteca caseira. O ambiente é muito 5 Todos os nomes são fictícios para preservar a identidade dos participantes. 41 convidativo para pegarmos um livro e ficarmos lendo nas carteiras que ficam no meio das estantes ou em cima de um “puffs”. Há temática dos livros é bastante diversificada, entre as obras literárias
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