Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
SEGURANÇA INTERNACIONAL AULA 6 Prof.ª Caroline Cordeiro Viana e Silva 2 CONVERSA INICIAL Bem-vindo(a) a esta aula. Já passamos por importantes pontos da área de segurança internacional. Estudamos anteriormente as principais teorias de segurança e refletimos sobre o desenvolvimento do conceito de segurança ao longo dos anos, dentro das Relações Internacionais. Também falamos de conflitos armados e guerra, e vimos a evolução dos conflitos e os principais conceitos. Depois, acompanhamos como o Brasil se posiciona frente a temas de segurança e conversamos sobre o panorama atual dos conflitos, debatendo números recentes dos conflitos armados e suas características centrais. Nesta aula, falaremos em específico das missões de paz das Nações Unidas. Nosso objetivo nesse momento é entender o que são missões de paz. Para isso, nossa aula estará dividida em 5 principais temas. Primeiro, faremos um breve histórico das operações de paz. Em seguida, falaremos das operações de paz de primeira geração. Em nosso terceiro tema, abordaremos as operações de paz da segunda geração, seguiremos para operações de paz nos anos 2000 e fecharemos nossa aula conversando sobre o Brasil e as operações de paz. TEMA 1 – BREVE HISTÓRICO DAS OPERAÇÕES DE PAZ As operações de paz realizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) são a ferramenta dessa instituição para a gestão de conflitos armados e a tentativa de promover a segurança e a paz internacional. Para fazer essa gestão, a ONU conta com um órgão especial, o Departamento das Nações Unidas para Operações de Paz (DPKO). As operações de paz da ONU foram configuradas no período de transição da bipolaridade. Nesse momento, o mundo começava a vislumbrar a possibilidade de fim da Guerra Fria e iniciava-se um novo momento no sistema internacional. Nesse período, a comunidade internacional passou a prestar mais atenção a conflitos intraestatais. O resultado disso é a chamada primeira geração das abordagens à paz internacional, que se caracteriza pela gestão de conflitos com base na mediação articulada por uma terceira parte enviada para promover a paz (Blanco; Guerra, 2018). 3 A prevenção de conflitos proposta pela ONU envolve as missões de manutenção de paz. As operações de paz realizadas são divididas em quatro possibilidade diferentes. São elas: 1. Peacekeeping (manter a paz); 2. Peacemaking (fazer a paz); 3. Peace enforcement (impor a paz); 4. Peace building (construir a paz). A prevenção de conflitos utilizando operações de paz pode ocorrer com qualquer uma dessas possibilidades. Raramente, a Peacemaking, a Peacekeeping e a Peace enforcement ocorrem de maneira linear ou sequencial. A primeira geração de operações de paz é chamada de Peacekeeping (manutenção da paz). Trata-se de operações caracterizadas por forças militares multinacionais, com uma quantidade restrita de soldados levemente armados. Esses soldados são enviados para monitorar processos de cessar-fogo e patrulhar áreas neutras. Para que essas operações aconteçam é necessário: 1. O consentimento de todas as partes em conflito; 2. A não ingerência em assuntos domésticos; 3. A proibição do uso da força, exceto para fins e legítima defesa (Blanco; Guerra, 2018). A Peacemaking geralmente inclui medidas para lidar com conflitos em andamento e envolve ações diplomáticas para levar as partes hostis a um acordo negociado. O Secretário-Geral da ONU pode exercer seus “bons ofícios” para facilitar a resolução do conflito. Os pacificadores também podem ser enviados, como governos, grupos de estado, organizações regionais ou as Nações Unidas. Os esforços de pacificação também podem ser realizados por grupos não- oficiais e não-governamentais, ou por uma personalidade proeminente que trabalha de forma independente. A Peace enforcement envolve a aplicação de uma série de medidas coercitivas, incluindo o uso da força militar. Requer a autorização explícita do Conselho de Segurança. É usada para restaurar a paz e a segurança internacionais em situações em que o Conselho de Segurança decidiu agir diante de uma ameaça à paz, violação da paz ou ato de agressão. O conselho pode utilizar, quando apropriado, organizações e agências regionais para ações de 4 execução sob sua autoridade e em conformidade com a Carta das Nações Unidas. Por fim, a Peacebuilding visa reduzir o risco de cair ou recair em conflito, fortalecendo as capacidades nacionais em todos os níveis para a gestão de conflitos e estabelecer as bases para a paz e o desenvolvimento sustentáveis. É um processo complexo e de longo prazo para criar as condições necessárias para a paz sustentável. As medidas de construção da paz tratam de questões centrais que afetam o funcionamento da sociedade e do Estado, e buscam aumentar a capacidade do Estado para desempenhar de maneira eficaz e legítima suas funções principais. As fronteiras entre prevenção de conflitos, Peacemaking, Peacekeeping, Peacebuilding e Peace enforcement tornaram-se cada vez mais obscuras. As operações de paz raramente se limitam a um tipo de atividade. Embora as operações de manutenção da paz sejam, em princípio, implantadas para apoiar a implementação de um cessar-fogo ou acordo de paz, elas geralmente são obrigadas a desempenhar um papel ativo nos esforços de manutenção da paz e também podem estar envolvidas em atividades iniciais de construção da paz. Essas missões de paz iniciaram com o término da Segunda Guerra Mundial, especificamente no ano de 1948, e se estendem até os dias atuais. Ao longo desse período, o conceito das operações de paz se alterou de acordo com a conjuntura internacional vivida. Elas sofreram transformações desde a forma como foram concebidas, em 1948, até a maneira como estão sendo utilizadas nos dias atuais. Para entender essa alteração nas missões de paz da ONU, faremos uma divisão em quatro recortes temporais, que chamaremos de gerações. TEMA 2 – PRIMEIRA GERAÇÃO DAS OPERAÇÕES DE PAZ A primeira geração das operações de paz inicia em 1948 com a criação das Nações Unidas. Porém, a divisão do mundo em dois blocos vez com que a organização também vivesse essa divisão. Especialmente o Conselho de Segurança das Nações Unidas estava dividido e os dois blocos antagônicos travavam os processos decisórios, pois o emprego de força estava condicionado aos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido). Diante dessa realidade, a ONU não conseguiu 5 colocar em prática o que havia planejado para as operações de paz (Rodrigues; Migon, 2017). Foi nesse ambiente que surgiu a primeira geração, dividida entre as solicitações de manutenção de paz e a realidade bipolarizada. Assim, a primeira geração contempla as especificidades desse período, iniciando em 1948 e indo até o final da Guerra Fria (1948-1990). As operações de paz implementadas nesse período são as de Peacekeeping, ou seja, a concepção estava baseada em forças militares multinacionais, com uma quantidade restrita de soldados levemente armados. Esses soldados são enviados para monitorar processos de cessar-fogo e patrulhar áreas neutras (Rodrigues; Migon, 2017). As operações de paz nesse período possuíam basicamente três atores: dois em conflito e uma força de interposição. Os três atores convergiam para o mesmo objetivo: pôr fim ao conflito por meio de uma resolução política. Essas missões tinham um objetivo limitado, que era somente estabilizar a situação em campo para que existisse um espaço político favorável para resolução do conflito. O Quadro 1 cita as operações de paz da primeira geração. Quadro 1 – Primeira geração das operações de paz SIGLA NOME INÍCIO FIM LOCALIZAÇÃO UNTSO United Nations Truce Supervision Organization 1948 Presente Palestina UNMOGIPUnited Nations Military Observer Group in India and Pakistan 1949 Presente Índia e Paquistão UNEF I First United Nations Emergency Force 1956 1967 Egito UNOGIL United Nations Observation Group in Lebanon 1958 1958 Líbano ONUC United Nations Operation in the Congo 1960 1964 Congo UNSF United Nations Security Force in West New Guinea 1962 1963 Nova Guiné UNYOM United Nations Yemen Observation Mission 1963 1964 Iémen UNFICYP United Nations Peacekeeping Force in Cyprus 1964 Presente Chipre DOMREP Mission of the Representative of the Secretary-General in the Dominican Republic 1965 1966 República Dominicana UNIPOM United Nations India-Pakistan Observation Mission 1965 1966 Índia e Paquistão UNEF II Second United Nations Emergency Force 1973 1979 Egito UNDOF United Nations Disengagement Observer Force 1974 Presente Síria UNIFIL United Nations Interim Force in Lebanon 1978 Presente Líbano 6 UNGOMAP United Nations Good Offices Mission in Afghanistan and Pakistan 1988 1990 Afeganistão e Paquistão UNIIMOG United Nations Iran-Iraq Military Observer Group 1988 1991 Irã e Iraque UNAVEM I United Nations Angola Verification Mission I 1989 1991 Angola UNTAG United Nations Transition Assistance Group 1989 1990 Namíbia ONUCA United Nations Observer Group in Central America 1989 1992 América Central Fonte: Baseado em ONU, 2019. A primeira geração de operações de paz conta com 18 missões, sendo a década de 1960 com maior número, com seis no total. Das 18 missões, cinco ainda estão em curso atualmente. São elas: UNTSO (United Nations Truce Supervision Organization), na Palestina; UNMOGIP (United Nations Military Observer Group in India and Pakistan), na Índia e Paquistão; UNFICYP (United Nations Peacekeeping Force in Cyprus), no Chipre; UNDOF (United Nations Disengagement Observer Force), na Síria; e UNIFIL (United Nations Interim Force in Lebanon), no Líbano. TEMA 3 – SEGUNDA GERAÇÃO DAS OPERAÇÕES DE PAZ A segunda geração de operações de paz inicia com o fim da Guerra Fria. A maior parte dos conflitos armados nesse período é intraestatal e intraestatal internacional. Especialmente nas operações de paz, temos dois formados que foram utilizados nesse período: a Peacemaking e a Peace enforcement. Enquanto a Peacekeeping tinha o objetivo enviar forças militares multinacionais, com uma quantidade restrita de soldados levemente armados. Esses soldados são enviados para monitorar processos de cessar-fogo e patrulhar áreas neutras. As missões de Peacemaking vão além e têm em seu escopo o envio de militares, mas também envolvem ações diplomáticas para levar as partes hostis a um acordo negociado. Enquanto as missões anteriores estavam focadas no monitoramento de cessar-fogo, as missões de Peacemaking participam da negociação de cessar-fogo. Além de missões de Peacemaking, a segunda geração de operações de paz contou com três missões de Peace enforcement. Essas missões incluem a aplicação de uma série de medidas coercitivas, incluindo o uso da força militar. As missões de Peace enforcement ocorreram no Kosovo, Timor Leste e República Democrática do Congo (UNMIK, UNTAET e MONUC). 7 O término da Guerra Fria gerou um aquecimento nas atividades do Conselho de Segurança da ONU. Nesse período, a bipolaridade não era tão expressiva, gerando um ambiente com menos vetos, aumentando a oferta das missões de paz. Enquanto na primeira geração foram estabelecidas 18 missões, a segunda geração contou com 35 missões de paz (Rodrigues; Migon, 2017). O Conselho de Segurança passou a aprovar operações cada vez mais complexas, com várias funções diferentes. As missões de Peacemaking e Peace enforcement previam o policiamento ostensivo, supervisão de eleições, verificação da situação dos direitos humanos, auxílio à administração pública, restauração da infraestrutura e do setor econômico, além dos objetivos tradicionais, como supervisão e manutenção da paz. Segundo Rodrigues e Migon (2017), as operações tinham como foco a resolução do conflito e também a reconstrução do país que hospedava a missão. As missões incorporavam tarefas de civis e de militares, com a previsão de construção das instituições políticas e econômicas do país, além das atividades policiais e militares. Buscando essa ampliação da atuação das operações de paz, o secretário geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, lançou o documento chamado Agenda para Paz. Esse documento ampliou a atuação das operações ao ampliar o conceito de operações de paz, passando a incorporar atividades de diplomacia preventiva, imposição da paz e construção da paz, com a previsão de intervenção nas instituições políticas, militares e de segurança dos países (Rodrigues; Mignon, 2017). Essa ampliação da atuação das operações de paz recebeu críticas, em especial nas universidades. Dentre os muitos pontos criticados, destacamos dois. O primeiro é a lacuna entre os objetivos a serem atingidos pela missão e o que, efetivamente, as operações de paz podem executar na prática, tanto em termos do direito internacional como também em termos materiais (Rodrigues; Mignon, 2017). Outra crítica feita a esse modelo é a previsão de intervenção das operações em aspectos políticos. A previsão de reconstrução, ou até mesmo construção de instituições políticas, indica uma imposição de um modelo específico de instituições. Esse modelo prévio não necessariamente é o ideal para a realidade vivida no território em conflito e isso pode até mesmo diminuir as chances de reconstrução de um Estado (Paris, 1997). Com isso, o sucesso das operações 8 de paz dependeria “ora da boa vontade das partes em conflito, ora do peso da persuasão moral da ONU” (Rodrigues; Mignon, 2017, p. 86). Com isso, verifica- se que nem todas as missões empreendidas lograram sucesso. Pelo contrário, muitas obtiveram fracasso e serviram de lição para a comunidade internacional. Para Kenkel (2013), a segunda geração de operações de paz aponta para o esgotamento do aparato da ONU, tanto no campo operacional como também no institucional e no financeiro. Nesse período, três operações foram claramente fracassadas: Ruanda, com o genocídio em 1994; Somália, com a não concretização de um acordo político; e Bósnia, onde a ONU não foi capaz de proteger os civis do massacre de Srebrenica, em 1995 (Kenkell, 2013). Apesar desses três grandes fracassos, o período da segunda geração de operações de paz foi o mais numeroso, contando com um total de 35 missões de paz, conforme o Quadro 2. Quadro 2 – Segunda geração das operações de paz SIGLA NOME INÍCIO FIM LOCALIZAÇÃO UNIKOM United Nations Iraq-Kuwait Observation Mission 1991 2003 Iraque e Kuaiti MINURSO United Nations Mission for the Referendum in Western Sahara 1991 Presente Saara Ocidental UNAVEM II United Nations Angola Verification Mission II 1991 1995 Angola ONUSAL United Nations Observer Mission in El Salvador 1991 1995 El Salvador UNAMIC United Nations Advance Mission in Cambodia October 1991 March 1992 1991 1992 Camboja UNPROFOR United Nations Protection Force 1992 1995 Croácia e Bósnia e Herzegovina UNTAC United Nations Transitional Authority in Cambodia 1992 1993 Camboja UNOSOM I United Nations Operation in Somalia I 1992 1993 Somália ONUMOZ United Nations Operation in Mozambique 1992 1994 Moçambique UNOSOM II United Nations Operation in Somalia II 1993 1995 Somália UNOMUR United Nations Observer Mission Uganda-Rwanda 1993 1994 Uganda e Ruanda UNOMIG United Nations Observer Mission in Georgia 1993 2009 Georgia UNOMIL United Nations Observer Mission in Liberia 1993 1997 Libéria UNMIH United Nations Mission in Haiti 1993 1996 Haiti UNAMIR United Nations Assistance Mission for Rwanda 19931996 Ruanda UNASOG United Nations Aouzou Strip Observer Group 1994 1994 Chade e Líbia 9 UNMOT United Nations Mission of Observers in Tajikistan 1994 2000 Tajiquistão UNAVEM III United Nations Angola Verification Mission III 1995 1997 Angola UNCRO United Nations Confidence Restoration Operation in Croatia 1995 1996 Croácia UNPREDEP United Nations Preventive Deployment Force 1995 1999 Macedônia UNMIBH United Nations Mission in Bosnia and Herzegovina 1995 2002 Bósnia e Herzegovina UNTAES United Nations Transitional Administration for Eastern Slavonia, Baranja and Western Sirmium 1996 1998 Eslavônia Oriental, Baranja e Sírmia Ocidental UNMOP United Nations Mission of Observers in 1996 2002 Croácia UNSMIH United Nations Support Mission in Haiti 1996 1997 Haiti MINUGUA United Nations Verification Mission in Guatemala 1997 1997 Guatemala MONUA United Nations Observer Mission in Angola 1997 1999 Angola UNTMIH United Nations Transition Mission in Haiti 1997 1997 Haiti MIPONUH United Nations Civilian Police Mission in Haiti 1997 2000 Haiti UNCPSG UN Civilian Police Support Group 1998 1998 Haiti MINURCA United Nations Mission in the Central African Republic 1998 2000 República Centro Africana UNOMSIL United Nations Observer Mission in Sierra Leone 1998 1999 Serra Leoa UNMIK United Nations Interim Administration Mission in Kosovo 1999 Present Kosovo UNAMSIL United Nations Mission in Sierra Leone 1999 2005 Serra Leoa UNTAET United Nations Transitional Administration in East Timor 1999 2002 Timor Leste MONUC United Nations Organization Mission in the Democratic Republic of the Congo 1999 2010 República Democrática do Congo Fonte: Baseado em ONU, 2019. De todas as missões instauradas nesse período, apenas duas seguem em curso: MINURSO, no Saara Ocidental, e a UNMIK, no Kosovo. TEMA 4 – OPERAÇÕES DE PAZ NOS ANOS 2000 Nos anos 2000, iniciamos o um novo período nas operações de paz com a terceira e a quarta geração das operações. Nesse período, as operações têm as características de Peace building. Essas operações visam reduzir o risco de cair ou recair em conflito, fortalecendo as capacidades nacionais em todos os níveis para a gestão de conflitos e estabelecer as bases para a paz e o desenvolvimento sustentáveis. É um processo complexo e de longo prazo para 10 criar as condições necessárias para a paz sustentável. As medidas de construção da paz tratam de questões centrais que afetam o funcionamento da sociedade e do Estado, e buscam aumentar a capacidade do Estado para desempenhar de maneira eficaz e legítima suas funções principais. Aqui, é importante fazer uma ressalva sobre duas terminologias. Primeiramente, sobre a terminologia Peace building. Todos os termos que apresentamos nesta aula (Peacekeeping, Peacemaking, Peace enforcement e Peace building) foram traduzidos diretamente dos documentos da ONU. Porém, a ONU segue utilizando de maneira genérica o termo Peace keeping. Se observarmos as caraterísticas das operações de paz, veremos que uma não exclui a outra. Todas as operações como making, enforcement e building ainda apresentam características da Peace keeping. Por isso, é possível achar nos documentos da ONU referências a todos das operações como Peace keeping. Apesar de todas as missões terem características de Peace keeping, a cada geração de novas missões, vemos que o perfil da atuação muda. Por esse motivo, nesta aula, nós distinguimos as operações por gerações (por recorte temporal) e também por tipo (por recorte de características). O segundo ponto importante para fazermos uma ressalva são as terminologias operação e missão. Nos anos 2000, em específico na quarta geração, a ONU passou a utilizar o termo missão de estabilização. Dessa forma, encontramos documentos com os termos operações de paz, missões de paz e missão de estabilização. Em todos os momentos, a referência que se faz é à mobilização de forças para implementação de uma ação em território em conflito, com a aprovação do Conselho de Segurança. Além disso, o fracasso das operações em Ruanda, Somália e Bósnia chamaram a atenção da comunidade internacional, fazendo com que as operações como um todo fossem repensadas. Os resultados desse esforço foram compilados no relatório Brahimi. A diferença mais marcante é a autorização do uso da força pelas tropas da ONU. As operações foram caracterizadas pelo aumento do uso da força para atingir os objetivos propostos pela ONU, mas nem todas as missões previram essa utilização da força, como é o caso da MINUSTAH (Rodrigues; Mignon, 2017). Além disso, as operações de paz também foram caracterizadas pelo aumento do componente militar e um maior emprego do componente civil. A 11 terceira geração das operações de paz ocorreu até meados de 2007. A partir de então, temos o início da quarta geração, com as missões e estabilização. O Quadro 3 apresenta as operações instauradas. Quadro 3 – Terceira e quarta gerações das operações de paz SIGLA NOME INÍCIO FIM LOCALIZAÇÃO UNMEE United Nations Mission in Ethiopia and Eritrea 2000 2008 Etiópia e Eritrea UNMISET United Nations Mission of Support in East Timor 2002 2005 Timor Leste MINUCI United Nations Mission in Côte d’Ivoire 2003 2004 Costa do Marfim UNMIL United Nations Mission in Liberia 2003 2018 Libéria UNOCI United Nations Operation in Côte d’Ivoire 2004 2017 Costa do Marfim MINUSTAH United Nations Stabilization Mission in Haiti 2004 2017 Haiti ONUB United Nations Operation in Burundi 2004 2006 Burundi UNMIS United Nations Mission in the Sudan 2005 2011 Sudão UNMIT United Nations Integrated Mission in Timor-Leste 2006 2012 Timor Leste UNAMID African Union-United Nations Hybrid Operation in Darfur 2007 Presente Sudão MINURCAT United Nations Mission in the Central African Republic and Chad 2007 2010 República Centro Africana e Chade MONUSCO United Nations Organization Stabilization Mission in the Democratic Republic of the Congo 2010 Presente República Democrática do Congo UNISFA United Nations Organization Interim Security Force for Abyei 2011 Presente Sudão e Sudão do Sul UNMISS United Nations Mission in the Republic of South Sudan 2011 Presente Sudão do Sul UNSMIS United Nations Supervision Mission in Syria 2012 2012 Síria MINUSMA United Nations Multidimensional Integrated Stabilization Mission in Mali 2013 Presente Mali MINUSCA United Nations Multidimensional Integrated Stabilization Mission in the Central African Republic 2014 Presente República Centro Africana MINUJUSTH United Nations Mission for Justice Support in Haiti 2017 2019 Haiti Fonte: Baseado em ONU, 2019. A partir de 2007, a quarta geração de operações de paz marcam a robustez das operações ao combinarem a permissão para usar a força com a autorização para exercerem tarefas civis complexas. Foram 18 missões implementadas nesse período. Seis delas ainda estavam em andamento no início do ano de 2020. 12 Para Richmond (2004), as missões de paz da quarta geração se caracterizam por prevenir formas de violência direta ou indireta, ao proporem a reconstrução ou construção de determinadas estruturas no país hospedeiro. Porém, as críticas feitas às operações anteriores também se aplicam a essas novas gerações, pois essa geração também se propõe a criar estabilidade, restaurar instituições estatais e direcionar as dimensões socioeconômicas do conflito (Richmond, 2004). TEMA 5 – O BRASIL E AS OPERAÇÕES DE PAZ Ao longo dos anos, o Brasil vem se engajando em operações de paz. Conforme a política externa brasileira projeta o país no cenário internacional, intensifica-se também o engajamento do país nessa formade atuação. O aumento na participação do Brasil foi gradual, iniciando na primeira geração de operações e seguindo até a quarta geração. A trajetória do Brasil demonstra um maior envolvimento do Estado brasileiro em missões da ONU e um crescimento da inserção do país em assuntos de segurança e defesa no cenário internacional. O Quadro 4 apresenta as operações de que o Brasil participa e participou. Quadro 4 – Brasil e as operações de paz GERAÇÃO SIGLA INÍCIO FIM LOCALIZAÇÃO BRASIL 1ª geração UNEF I 1956 1967 Egito Brasil 1ª geração ONUC 1960 1964 Congo Brasil 1ª geração UNSF 1962 1963 Nova Guiné Brasil 1ª geração UNFICYP 1964 Presente Chipre Brasil 1ª geração DOMREP 1965 1966 República Dominicana Brasil 1ª geração UNIPOM 1965 1966 Índia e Paquistão Brasil 1ª geração UNIFIL 1978 Presente Líbano Brasil 1ª geração UNAVEM I 1989 1991 Angola Brasil 1ª geração UNTAG 1989 1990 Namíbia Brasil 1ª geração ONUCA 1989 1992 América Central Brasil 2ª geração MINURSO 1991 Presentee Saara Ocidental Brasil 2ª geração UNAVEM II 1991 1995 Angola Brasil 2ª geração ONUSAL 1991 1995 El Salvador Brasil 2ª geração UNPROFOR 1992 1995 Croácia e Bósnia e Herzegovina Brasil 2ª geração UNTAC 1992 1993 Camboja Brasil 2ª geração UNOMUR 1993 1994 Uganda e Ruanda Brasil 2ª geração UNOMIL 1993 1997 Libéria Brasil 2ª geração UNAVEM III 1995 1997 Angola Brasil 2ª geração UNCRO 1995 1996 Croácia Brasil 2ª geração UNPREDEP 1995 1999 Macedônia Brasil 13 2ª geração UNTAES 1996 1998 Eslavônia Oriental, Baranja e Sírmia Ocidental Brasil 2ª geração UNMOP 1996 2002 Croácia Brasil 2ª geração MINUGUA 1997 1997 Guatemala Brasil 2ª geração MONUA 1997 1999 Angola Brasil 2ª geração UNMIK 1999 Presente Kosovo Brasil 2ª geração UNTAET 1999 2002 Timor Leste Brasil 3ª geração UNMEE 2000 2008 Etiópia e Eritrea Brasil 3ª geração UNMISET 2002 2005 Timor Leste Brasil 3ª geração UNMIL 2003 2018 Libéria Brasil 3ª geração UNOCI 2004 2017 Costa do Marfim Brasil 3ª geração MINUSTAH 2004 2017 Haiti Brasil 3ª geração UNMIS 2005 2011 Sudão Brasil 3ª geração UNMIT 2006 2012 Timor Leste Brasil 4ª geração MINURCAT 2007 2010 República Centro Africana e Chade Brasil 4ª geração MONUSCO 2010 Presente República Democrática do Congo Brasil 4ª geração UNISFA 2011 Presente Sudão e Sudão do Sul Brasil 4ª geração UNMISS 2011 Presente Sudão do Sul Brasil 4ª geração UNSMIS 2012 2012 Síria Brasil 4ª geração MINUSCA 2014 Presente República Centro Africana Brasil Fonte: Baseado em ONU, 2019. A participação do Brasil em operações de paz está vinculada a observadores militares, policiais, peritos eleitorais, especialistas em saúde, civis e tropas armadas. No total, foram 39 operações de paz com a participação de brasileiros. A participação brasileira é baseada em dispositivos legais como a Constituição Federal, a Política de Defesa Nacional, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa. A decisão por participar de uma operação de paz é política e a missão é considerada uma atividade complementar ou subsidiária das forças armadas (Aguiar, 2015). Apesar da política externa brasileira estar baseada no princípio de não intervenção, a postura da política externa brasileira tem sido atrelada ao conceito de não-indiferença, com a premissa de que é necessário dar apoio e ter solidariedade com os países em situação de crise. Com isso, o Brasil inicia a chamada diplomacia solidária, que visa a ampliação da ação coletiva e também a inserção do Brasil no debate internacional (Aguiar, 2015). 14 NA PRÁTICA Conforme vimos ao longo desta aula, um ponto marcante para o desenvolvimento das operações de paz foi a Agenda para Paz. Desenvolvido pelo então secretário geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, o documento foi significativo na definição de quatro fases consecutivas de ação internacional para prevenir ou controlar conflitos, além de destacar a importância de sua coesão. Essas fases são definidas da seguinte forma: A diplomacia preventiva; Operações de Peacemaking; Operações de Peacekeeping; Operações de Peacebuilding. Busque o documento da ONU1 e procure identificar, ao longo do texto, quais são as principais diretrizes para as operações de paz ali definidas. FINALIZANDO Na aula de hoje, conversamos sobre operações de paz, em específico, as realizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU). No primeiro tema da aula, compreendemos as definições de operação de paz, apresentando como a ONU descreve cada uma de suas operações. Depois, vimos o desenvolvimento temporal das operações, passando pela primeira e segunda gerações de missões de paz. Ainda seguindo uma ordem temporal, o quarto tema da nossa aula apresentou as operações de paz dos anos 2000. Por fim, em nosso último tema, vimos a participação do Brasil nas operações de paz da ONU. 1 Disponível em: <https://www.un.org/ruleoflaw/files/A_47_277.pdf/>. Acesso em: 15 dez. 2019. 15 REFERÊNCIAS AGUIAR, S. L. C. A participação do brasil nas operações de paz: passado, presente e futuro. Journal for Brazilian Studies, vol. 3, n.2, 2015. Guerra, L.; Blanco, R. A construção da paz no cenário internacional: do Peacekeeping tradicional às críticas ao Peace building Liberal. Carta Internacional, 13(2). 2018. Disponível em <https://doi.org/10.21530/ci.v13n2.2018.775>. Acesso em: 15 dez. 2019. KENKEL, K; M. Cinco gerações de operações de paz: de “tênue linha azul” a “pintar um país de azul”. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 56, n. 1, 2013. ONU. Department of Peace Operations. 2019. Disponível em: <https://peacekeeping.un.org/en/department-of-peace-operations>. Acesso em: 15 dez. 2019. PARIS, R. Peacebuilding and the limits of liberal internationalism. International Security, v. 22, n. 2, pp. 54-89, 1997. RICHMOND, O. United Nations peace operations and the dilemmas of the Peacebuilding consensus. International Peacekeeping, v. 1, n. 1, p. 83- 1012004. RODRIGUES, A. O.; MIGON, E. X. F. G. O Brasil na evolução das operações de paz. Ver. Carta Internacional, Belo Horizonte, v. 12, n. 3, p.77-103, 2017. Disponível em: <https://peacekeeping.un.org/en/department-of-peace- operations>. Acesso em: 15 dez. 2019.
Compartilhar